Águas presentes e águas incorporadas
18 Maio 2018, 16:00 • Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes
MAIO 6ª FEIRA 22ª Aula
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Visionámos até ao fim Dido & Aeneas.
Centrámo-nos depois na abertura (por memória) e no fim do espectáculo. Apartados um do outro os protagonistas (cantores e bailarinos), criaram em cena a materialização de duas espacialidades. De um lado os homens, todos os homens, do outro as mulheres, todas as mulheres. Na representação de Dido, os longos fios de cabelo cresciam com a sua dor: na horizontal cobrindo e prolongando a bailarina, na vertical envolvendo todo o corpo da cantora e deixando transparente o seu sofrimento. E os movimentos dos corpos, de todos os corpos em ondulação, tornavam presente a fluidez desses mesmos corpos, dentro e fora de água, no prólogo. Agora, porém, sem a alegria e o prazer do líquido benfazejo. Cantores e bailarinos expunham juntos e em duas frentes a negritude do desfecho de tão trágicos destinos.
O que se seguiu, a iluminação do palco a partir do chão com fogo votivo, foi o gesto simbólico lembrador de uma união configurada pela paixão e pelo amor que os deuses (destino) possibilitaram através da seta de Cupido, e que os mesmos deuses tornaram impossível porque o dever de Estado se sobrepunha (regresso de Eneias a Tróia) à harmonia desejada entre os indivíduos. A impossibilidade deste amor, por acção de terceiros, independentemente do poder que eles detivessem ou detenham, foi causadora de morte por suicídio. A perda individual, a morte de Dido, consubstancia a ausência de liberdade perante a escolha de uma trajectória feliz.
Na ópera de Purcell, inspirada em Virgílio, são os deuses que tudo decidem. A coreografia de Waltz sublinha, para além dessa realidade mitológica, a vontade humana de tentar superar através de todo um corpo (corpos e vozes) as adversidades a que está exposto na fronteira entre a vida e a morte. As águas presentes e as águas incorporadas carregam em si a espacialidade limite de uma punição e de uma redenção-
Pudemos ainda ver alguns minutos de um vídeo de ensaio de um das obras curtas de Sasha Waltz para o espectáculo Dialogue 06 – Radiale Systeme. Estas pequenas obras ocorrem normalmente entre espectáculos de grande formato e têm a função de os projectar em relação a desenvolvimentos futuros. Radial System significa sistema radial, à letra, embora neste caso se reporte não só à estruturação coreográfica, mas também à estrutura arquitectónica do edifício de uma antiga fábrica de tratamento de águas em Berlim, onde Sasha Waltz e o seu Ensemble (Sasha Waltz & Guests) trabalham desde há cerca de dez anos. Pudemos observar esse ensaio conduzido pela coreógrafa junto dos seus bailarinos e na presença de membros do agrupamento musical Akademie für Alte Musik, que aí também ensaiavam.
Fizemos o reconhecimento de diálogo entre corpo e música (Purcell, Telemann, Vivaldi), a partir da estrutura interna de partituras na criação da coreografia. Apercebemo-nos da integração do movimento mecânico e repetitivo na explosão do movimento livre desenhado como seu contraponto e continuação. Observámos a presença de outras artes (body painting, construção de instalação) na concepção da coreógrafa. Pudemos finalmente assistir ao modo como a habitabilidade de grandes espaços se produz através do corpo dançante e repousante.
Pudemos finalmente percepcionar o espaço dessa antiga fábrica, de dentro para fora, projectada sobre o rio Spree, que é o rio que atravessa as partes mais antigas da cidade de Berlim, embora o antigo e o contemporâneo se misturem em permanência nesta cidade.
DVD visionados:
Dido &Aeneas, ópera coreográfica de Henry Purcell e Sasha Waltz, Sasha Waltz & Guests, Akademie für Alte Musik Berlin, Vocalconsort Berlin, Arthaus Music, 2005, 98 min.
KRAMER, Brigitte, Sasha Waltz – Rehearsal, ARTHAUS MUSIK, 2014, Rehearsal, 20 mins.
http://www.radialsystem.de/rebrush/downloads/RADIALSYSTEM%20V_en_web.pdf