Como se organizam as vozes em Os Protegidos de Elfriede Jelinek

6 Março 2018, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

MARÇO                       3ª FEIRA                                         5ª Aula

 

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Saída de campo:

Espectáculo sugerido que vimos em conjunto: Sacro – Efabulações em torno de mapas intensivos, coreografia de Sara Anjo, Galeria Zé dos Bois, Rua do Século, nº 9, porta 5. Noite de 3 de Março, 21:30 às 22:30.

 

As nossas saídas de campo a espectáculos não implicam forçosamente discussão em aula. A sua função é tornarem-nos mais experientes na espectação de obra artística performativa ou de outra modalidade.

Há casos particulares, como Efabulações em torno de mapas intensivos, que é uma criação de artista que nos vem visitar num módulo de três aulas sobre dança e natureza. Talvez possamos guardar para a altura em que Sara Anjo trabalhará connosco, a memória do espectáculo por ela coreografado e dançado e a que assistimos.

 

Retomámos a leitura próxima da peça Os Protegidos, partindo de uma curta frase que talvez corresponda a um estado de espírito comum: «A peça Os Protegidos confunde-me.»

A frase pareceu servir de mote a vários alunos.

Inquirimos o texto sob o ponto de vista de quem protagoniza a elocução. Quem fala, quem assume o discurso, como este circula.

Com uma certa desenvoltura concluímos em pequenas passagens textuais que o discurso é dito, por exemplo, por quem representa os refugiados e se representa a si próprio como indivíduo ao mesmo tempo. Este modelo tem início com a abertura da peça e prossegue até ao fim da mesma.

A seguir verificámos que a entidade autoral, a voz de Jelinek nos interstícios da peça, intervém discursivamente representando o alargamento temático que vai sendo desenvolvido, ao mesmo tempo que propõe a introdução de outros assuntos ou temas em função do que está a ser exposto. Exemplificámos esta estratégia recorrendo a uma passagem (p. 8), onde o porta-voz dos refugiados se insurge contra a tripla-unidade divina, numa clara manifestação de abandono da fé, associado ao entendimento do tempo como passagem, como sequência – passado, presente e futuro -, sobrepondo-se ao seu discurso a voz autoral que conduz silenciosa, primeiro, e posteriormente assumindo-se integralmente como voz crítica sobre a situação reportada (a dos refugiados). É a partir do fio de pensamento que ilumina a própria existência humana exposto nas primeiras linhas da p. 9, que nos confrontamos com uma afirmação: «não há futuro para os não-esclarecidos, mas para os esclarecidos também não». Associando esta dupla afirmação ao acto de descrença por abandono e à impossibilidade de sequenciar o tempo como uma trajectória de encadeamento, verificamos que o futuro parece transformar-se numa impossibilidade, pelo menos numa que produza esperança.

 

Observámos ainda um outro momento da peça (p. 27) sobre os conceitos de unanimidade e diversidade, a propósito dos quais a voz do porta-voz dos refugiados passa a palavra à voz autoral que tece considerações sobre a única luz que ilumina o espaço onde os refugiados se encontram. Neste exemplo observamos que a verdadeira luz, aquela de que precisam os desprotegidos, não existe, porque ninguém com eles se preocupa verdadeiramente. Mais uma vez aqui nos aparece o tempo associado a um movimento perpétuo, alheio à unanimidade, mas responsável pelo nosso desaparecimento.

 

Concordámos em continuar a exercitar as nossas capacidades em torno deste texto com a preocupação de criarmos luz sempre que possível. Textos desta natureza ofendem-se se os quisermos desapossar do seu mistério. Iremos tão longe quanto possível.

 

 

Leituras recomendadas:

ELFRIEDE JELINEK, Die Schutzbefohlenen (Os protegidos), 2013-2016, tradução de Anabela Mendes, dactiloscrito, 2017.

http://www.elfriedejelinek.com/

https://www.youtube.com/watch?v=fxeEpHMYtUw

ÈSQUILO, As Suplicantes, prefácio, tradução e notas de Ana Paula Quintela Ferreira Sottomayor, Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Instituto de Estudos Clássicos, 1968.

 

ÉSQUILO, As Suplicantes, prefácio, tradução e notas de Ana Paula Quintela Ferreira Sottomayor, Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Instituto de Estudos Clássicos, 1968.

ÉSQUILO, As Suplicantes, Tradução de Urbano Tavares Rodrigues, Porto: Inquérito, s/d.

OVÍDIO, Metamorfoses, Introdução e tradução de Paulo Farmhouse Alberto, Lisboa: Edições Cotovia, 2014.