Corpo antigo - corpo contemporâneo em Dimitris Papaiouannou

29 Maio 2018, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

MAIO                                    3ª FEIRA                                          25ª Aula

 

 

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Dedicámos a aula de hoje a uma plausível interpretação do trabalho de Dimitris Papaiouannou em Primal Matter (Matéria prima). Este foi o vídeo mais longo que tivemos oportunidade de visionar: 17 minutos. Conscientes dos condicionalismos a que estávamos expostos por se tratar de uma montagem e não da sequenciação natural da coreografia, arriscámos produzir pensamento sobre o que vimos. O pequeno vídeo foi revisto integralmente e, após esse visionamento, parcelámos cada pequena sequência para lhe apormos comentário.

Acercámo-nos do espaço quase vazio e despojado, percorrido por dois bailarinos da esquerda para a direita e em sentido inverso. Um estava nu e o outro vestia um fato preto completo que poderíamos associar à representação de um burocrata. Com esta opção definia-se o horizonte entre o natural e o civilizacional. Mas não só este traço os distinguia. O homem de preto dirigia o homem nu e sobre ele exercia violência. Nada que não compreendêssemos com facilidade.

Os movimentos em cena obedeciam a relações com transporte, manipulação e sustentação de grandes pranchas integradas pelos corpos de ambos. A criação artística ia ocorrendo à vista do espectador, como se estivéssemos perante telas (de cor creme e negra) sobre as quais mas também debaixo das quais a matéria-prima (o corpo humano) dava aso a diferentes imagens características da estética de Papaiouannou: jogo com a mutilação de membros, entrelaçamento dos corpos a vários níveis e em várias direcções, experimentação do movimento lento e preciso, atléticas construções que exigiam colaboração. Neste plano, o colaborativo, vão-se atenuando as distâncias entre o homem natural e o homem civilizacional. É dentro deste espírito que o homem vestido invoca no homem despido a presença da cultura grega antiga através da sua estatuária como modelo do belo e sublime que justificou a estética clássica e neo-clássica da representação do corpo e que ainda hoje nos surpreende. Talvez o coreógrafo grego tenha conhecimento da verdade oculta que a brancura dos corpos antigos ora representados na sua arte desestrutura. Parece ser dominante a negritude e com esta a liberdade de ser que o homem branco compõe com o seu defecar. A limpeza do seu corpo é alcançada pelo raspar da pele que não deve conter qualquer impureza extra. Dos seus pés nasce a imagem da sua identidade multissecular, a do caminhante geracional da espécie que integra a que uma cultura cristã apõe a representação sacrificial.

 

https://aeon.co/essays/when-homer-envisioned-achilles-did-he-see-a-black-man

 

Não parece haver nesta coreografia de Dimitris Papaiouannou o desejo de tornar a matéria-prima num produto acabado com refinamento. O que vemos e é pouco justifica um juízo de valoração muito crítico sobre a espécie humana. Deste ponto de vista, as criações do artista grego problematizam a realidade dos homens numa permanente intercepção de opções.

 

Leitura aconselhada:

EMCKE, Carolin, Change as a form of Survival – notes regarding the coreographies of Sasha Waltz in: Sasha Waltz, Cluster, Berlin: Henschelverlag, s. d., pp. 69-75.

 

 

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