Observar Waltz por dentro

22 Maio 2018, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

                   3ª FEIRA                               23ª Aula

 

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Optámos por rever o DVD dedicado aos ensaios de Waltz com os seus bailarinos e na presença dos músicos e cantores que integram muitos dos espectáculos criados pela coreógrafa. Esse segundo visionamento, agora na totalidade do vídeo, permitiu que tivessemos um melhor contacto com aquilo que normalmente não é do domínio público.

A ideia desta revisitação permitiu que nos apercebêssemos da liberdade que todos os criadores têm na execução do seu desenho de movimento e de como este recebe sequencialmente o toque da coreógrafa. A sugestão segue-se execução, a execução segue-se apuro. O trabalho coreográfico é visto por nós como uma progressão conversada e treinada. A fixação do desenho de movimento acontece dentro de um quadro colaborativo, por vezes divertido e psicologicamente distendido. O enriquecimento de cada cena decorre da relação dos bailarinos com a amplitude do espaço, em interior e exterior, dos jogos que entre si estabelecem. Waltz, dizem, comporta-se como uma orquestradora. E assim parece ser. O seu olhar clínico abrange toda uma sequência e sobre ela opera retocando a versão final da sequência que será dançada com rigor e alma.

Acompanhámos a coreógrafa em fato de trabalho, saltando de um lugar para o outro, posicionando-se sobre uma cadeira ou pegando numa esfregona e num balde de água. Indiscutíveis momentos de ansiedade também ocorreram no decurso do seu pensar artístico: dedos na boca, sobrancelhas descidas sobre um rosto fechado, observação de cabeça para baixo dos corpos de bailarinos que se cobriam de tinta ao acaso. E sobre esse acaso era decidido qual o aspecto matricial desses corpos pintados. Ela própria deitava novo pigmento na tina com espessura de lama.

Waltz é uma presença activa, por vezes inesperada, durante o processo de criação. Os seus abraços aos bailarinos no fim de cada dia de trabalho expressam o muito amor que ela lhes tem. São muitos aqueles que com ela trabalham há dezenas anos. Os mais velhos continuarão até poderem, mas é ela que também os aconselha a explorarem as suas qualidades como professores e coreógrafos.

A ideia que persiste é a de que Sasha Waltz & Guests é uma família indestrutível, tal como acontece com a agregação dos seus mais directos familiares no trabalho da companhia.

O visionamento de Jardim das Delícias veio reforçar o nosso conhecimento do percurso artístico de Waltz desde os anos 80 até 2008.

Waltz continua agora e ainda como uma coreógrafa de âmbito internacional. As suas coreografias possuem uma marca autoral construída ao longo do tempo, muitas vezes a contrapêlo do que outros coreógrafos vão apresentando, porque é uma mulher imaginosa e determinada. De certo modo, ela será sempre uma discípula de Pina Bausch. Não pela opção estética, também não pelo tempo histórico que cada uma carrega consigo. Waltz é discípula de Bausch pela integridade do seu gesto artístico, pela dimensão ética que a percorre, pelo amor e humanidade que espalha à sua volta e entre os mais directos colaboradores.

 

DVD visionados:

KRAMER, Brigitte, Sasha Waltz – Rehearsal, ARTHAUS MUSIK, 2014, Rehearsal, 20 mins.

KRAMER, Brigitte, Sasha Waltz – Garten der Lüste (Jardim das Delícias), ARTHAUS MUSIK, 2014, Rehearsal, 59 mins.