AS OBRAS DE ARTE, ENTRE A AUSÊNCIA E A TRANS-MEMORIZAÇÃO.

20 Abril 2020, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão


AS OBRAS DE ARTE, ENTRE A AUSÊNCIA E A TRANS-MEMORIZAÇÃO: UTILIDADE DO CONCEITO DE CRIPTO-ARTE NA TEORIA E NA PRÁTICA DA NOSSA DISCIPLINA.

As noções de totalidade, de fragmento, de efemeridade, de micro-história, bem como conceitos alargados de mercado e programa artístico, iluminam as possibilidades (e a utilidade) do olhar cripto-artístico. A novidade desta vertente cria uma consciência reforçada atribuída à obra de arte morta e a possibilidade de a resgatar histórica e esteticamente através do inquérito a seu respeito, segundo sólidas bases de pesquisa. 

A TEORIA DA ARTE FACE ÀS PERDAS E À DESMEMÓRIA: UM NOVO CONCEITO OPERATIVO PARA A HISTÓRIA DA ARTE. A Cripto-História da Arte, nova proposta de conceptualização para a nossa disciplina, parte da revalorização da noção de fragmento, não apenas como memória parcelar da obra ausente, mas colmo testemunho vivo da sua essência,  senão como indício perene (tal como o iconólogo E. H. Gombrich o referiu, ao acentuar que a H. da Arte  impõe sempre a ideia do conjunto artístico, e do seu contexto) – uma avaliação da obra em globalidade. Uma História de Arte operativa, apta a alargar as suas bases teóricas e metodológicas não pode reduzir o seu objecto de estudo às obras de arte vivas; também as que desapareceram do nosso convívio, as que só sobrevivem através do indício ou do fragmento, ou seja, as obras de arte mortas, têm uma palavra a dizer aos historiadores, aos críticos e fruidores de arte.

Aquilo que se define por CRIPTO-HISTÓRIA DE ARTE atenta no papel que as obras desaparecidas no tempo podem ter assumido em determinadas circunstâncias históricas, económicas, políticas, ideológicas, na sua roupagem estética e no seu programa iconológico. O estudo das «zonas escuras» da produção das artes clarifica e alarga sempre o conhecimento. Poderá fazer-se História da Arte eficaz recorrendo aos objectos mortos, à sua diluída memória, às cicatrizes deixadas como rasto, bem como às obras de arte que não só não existem como chegar a ter verdadeiramente  uma existência, porque nunca passaram da fase da concepção (bom ex.: o projecto de ponte que Leonardo da Vinci,  em 1502, desenhou para o sultão turco Baiazid II, destinado a unir a Gálata e Constantinopla, que nunca chegou a ser construído, senão em 2001 na Noruega pelo arquitecto Vebjoen Sansd...).Precisa de ser mesmo assim o destino da arte ? Ruínas ? O que alguém, por grito de revolta ou desígnio funesto, escreveu nos muros da Faculdade de Letras será mesmo uma inevitabilidade ? E se for mesmo, como escrita na areia, traço de uma vitalidade que murche ? N'Os Passos em Volta, o poeta Herberto Hélder expõe o problema como só ele sabia fazer: «às vezes procuro apenas uma palavra que algures na desordem estava certa, nos âmagos e umbigos da alma: brilhava...». Assim é a força da arte, do património histórico-artístico: BRILHA, sabe persistir para além da sua dimensão, efémera e imensa, de ruína adiada.

Os monumentos e obras de arte sabem unir um poder imenso de fascínio com uma natureza de inapelável fragilidade: também morrem, de morte natural, abandono, mau uso, catástrofes, desmemória, acto iconoclástico e outras circunstâncias. Queremos pesar, nós, historiadores de arte e patrimonialistas, que o nosso esforço no sentido da preservação vale alguma coisa, mais do que um exercício de iluminação estéril nas fímbrias do Tempo: pode ser que sim... Conforta-nos o que em 1945 foi dito com tanta lucidez pelo grande geógrafo Orlando Ribeiro: «Afigura-se-me que há duas formas de olhar para as rápidas transformações por que o mundo passa. Muitos vêem sobretudo o que muda, outros procuram surpreender o que, a despeito delas, permanece». As noções de totalidade, de fragmento, de micro-história, o conceito alargado de mercado e de programa artístico, iluminam as possibilidades (e a utilidade) do olhar cripto-artístico. A novidade desta vertente reside na consciência reforçada que possa ser atribuída à obra de arte morta e a possibilidade de se organizar o inquérito a seu respeito  segundo sólidas bases de pesquisa. 

O PARADOXO ENTRE PODER E FRAGILIDADE DAS OBRAS DE ARTE. Os comportamentos: --- Iconoclastia: tipos de destruição das obras de arte e suas razões ao longo do tempo histórico; -- Iconofilia:  tipo de deificação das obras de arte em determinadas conjunturas, ora promovendo  ora desqualificando obras de arte consoante a sua maior o menor fidelidade a princípios pré-determinados. -- Conservação generalizada: princípio de salvaguarda das obras de arte como testemunhos históricos e valências culturais da humanidade.