Sobre o ensaio de Eric Hobsbwm 'Declínio e Queda das Vanguardas'.

30 Março 2020, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

O novo quadro de referências do virar do milénio surge polemicamente reflectido em 2000 quando o historiador marxista Eric Hobsbawm, na conferência  Behind the times - the decline and fall of twentieth-century avant-gardes (2001), analisou o processo de criação e fruição da arte à luz das contingências da globalização. Baseou o discurso na constatação de que a modernidade viera impôr em todos os domínios, e no campo das artes e ciências, o paradigma do progresso dinamizado através de vanguardas activas em nome da inovação e ruptura, verificando que o corte com o passado se extremou, ora desafiando convenções instituídas num afã de revolucionar o mundo, ora contestando ortodoxias e academismos, assim desenhando uma «expressão característica (embora desnorteante e desnorteada)» no campo das artes, no seio da qual a própria dimensão das vanguardas se tende a esfumar. 

Nunca é demais lembrar, frisou Hobsbawm, o modo como a Publicidade, a Fotografia e o Cinema, artes por excelência da revolução tecnológica baseada no mercado de massas, acolheram os expoentes da vanguarda de Novecentos através das artes aplicadas, à luz da influência dos movimentos Arts-and-crafts, Art Nouveau e Bauhaus, e assim se tornaram instrumentos ideológicos poderosos. Este «lazer industrializado de massas» revolucionou as artes do século XX de modo separado e independente das vanguardas, forçando o seu temporário mas inevitável declínio . A morte anunciada da arte (como, por inútil, da História-Crítica que a analisa) é um mal-entendido da chamada pós-modernidade ? Existiram, de facto, linhas artísticas cujos manifestos advogaram o seu fim como se tivessem atingido uma etapa de insuperabilidade (e insustentatibilidade). Importa reflectir como idênticos fenómenos de fim da História se sucederam noutras fases da História com resultados globalizadores portentosos, fosse pela definição de «gostos insuperáveis», com estímulo à iconofilia – as experiências do construtivismo das vanguardas russas de início de Novecentos (Tatlin, Lissitzky, Rodschenko) e a noção de dissolução-desmaterialização do objecto artístico.

Nascido em Alexandria (Egipto), em 1917, o historiador Eric Hobsbawm, viveu nas cidades de Viena e Berlim antes de iniciar a sua vida académica em Londres. Considerado um dos mais importantes historiadores da era contemporânea, Hobsbawm, além de militante de Esquerda, utilizou sempre o método marxista para a análise da História a partir do princípio da luta de classes, mas rejeitando o ‘marxismo vulgar’ e tendo defendido o seu compromisso com um certo ideal de comunismo. Sem Eric Hobsbawm não haveria um retrato tão amplo da história dos séculos XIX e XX e dos totalitarismos (e suas razões) nos seus diferentes aspectos. O autor de A Era das Revoluções, Era do Capital, A Era dos Impérios, A Era dos Extremos - o breve século XX, interessou-se pelos temas da História, da Globalização, da Democracia e Terrorismo, da Revolução Industrial Inglesa, do Imperialismo, mas também da História Social do Jazz, tendo um ensaio, por exemplo, sobre Pessoas Extraordinárias: Resistência, Rebelião e Jazz, as Nações e Nacionalismo desde 1780, a história dos Bandidos, e A Invenção das Tradições. A sua autobiografia chama-se Tempos Interessantes (título revelador de quem sempre questionou a História social, cultural e política nas suas componentes plurais). Estudou o mundo do trabalho e a História do Operariado, Ne tem ensaios publicados sobre ovos Estudos Sobre a História Revolucionários: Ensaios Contemporâneos e Estratégias para uma Esquerda Racional. Em 1996 publicou Ecos da Marselhesa : dois séculos revêem a Revolução Francesa. Sobre as questões da arte, que muito o interessavam, apenas publicou DECLÍNIO E QUEDA DAS VANGUARDAS. 

Neste ensaio, contrariando os escritores e compositores que aceitaram a produção de massas e a tecnologia da repetição ilimitada, observa Hobsbawm, os pintores não quiseram renunciar à obra de arte “única”, realizada com as suas próprias mãos. Esta relutância ideológica resultou, segundo observa, numa série de “vanguardas” pictóricas estéreis que estavam de antemão condenadas ao fracasso. Este o pressuposto do desafio lançado na sua conferência: mas será mesmo assim ?

(envio de Power-Point da aula)