Ainda as teses de Bellori e a teoria da arte do Formalismo.
11 Março 2019, 08:00 • Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão
Gian Pietro Bellori (1615-1696) era um abade da Igreja, e presidente da Academia de Roma, e foi Antiquário do Vaticano e bibliotecário da raínha Cristina de Suecia. Publicou as “Descripción de las estancias de Rafael en el Vaticano”. Bellori seguiu a arte da pintura sem sucesso e preferiu dedicar-se à literatura,, sendo amigo de pintores como Poussin e de escultores como Duquesnoy. A obra fundamental é as VITE, de 1672, onde rtomou o exemplo de doze artistas cuja biografia apresenta, à luz das suas maneiras distintas de fazer arte: defende que no início do XVII há duas tendências opostas, o NATURALISMO dos seguidores de Caravaggio e o TARSDOMANEIRISMO do Cavaleiro de Arpino. Critica a esse naturalismo o predomínio da cor, com que só chega às camadas popularers e iletradas. Defende um CONCEITO INTELECTUAL da arte, que define como COSA MENTALE, com tónica no estudo e imitação da natureza. A solução é a que os Carracci ofereceram no início do século XVII: a via do classicismo, assente no desenho e no estudo do Antigo. Por isso elogia tanto os Carracci, Domenichino, Cortona, Reni, Lanfranco, Sacchi, Poussin, Valentin, e os que seguem Rafael, e menos, embora admirados, nomes como Van Dick e Rubens. Emulou a natureza à luz da estética grega. Assumiu uma sólida defesa da “idea da pintura, escultura e arquitectura” e analisou com grande dose de rigor a situação das artes na Itália do seu tempo.
Bom testemunho do pensamento de Giovan Pietro Bellori é a conferência feita na Accademia di San Luca de Roma em 1664; aí, o escritor enunciou a sua própria teoria Isegundo a qual é preciso retornar-se à NATUREZA como fonte primeira de inspiração dos artistas, no que constitui uma clara oposição às teorias artísticas do Maneirismo, que defendia uma recriação mental e ideal da natureza. Ferozmente anti-maneirista, prefere o classicismo de Rafael à ‘maniera’ de Miguel Ângelo. Assim, defende a prevalência dos cànones da estatuária greco-romana e as linhas apolíneras da VENUSTÁ rafaelesca, como coordenadas de qualidade em torno das quais de organiza a sua "idea del bello". Retoma as teses neoplatónicas do Renascimento em defesda da Alegoria e da Mitologia, segundo os cânones da verosimilhança. No caso de representações de cenas ambientadas em realidades históricas – como em cenas de santos e martírios, etc – defende uma ‘visione idealizzante e intellettuale del mondo sensibile’. Nesta viagem metafórica pela descoberta de Roma, Bellori destaca o papel de Annibale Carracci, a Morte dos Inocentes de Guido Reni (de 1611), a Caça de Diana (gal. Borghese) do Domenichino e artistas estrangeiros como Poussin e Dusquesnoy. Durante esta viagem encontram-se também obras de pintores de gosto não classicista -- Caravaggio, Rubens, van Dyck – que Bellori destaca em atenção ao seu destacado papel inovador.
A viagem por Roma proposta por Bellori mostra-nos o Hércules de Annibale Carracci (Museo nazionale di Capodimonte), elogio do naturalismo convertido à impressão all’antico romana, com a presença da estatuária e das ruínas, e a presença da virtù que indica a via, as transparências das vestes no Vício e os tecidos vermelhos e celestes da Virtude. O itinerário prossegue com Caravaggio e os caravagescos, e a lição do claro-escuro quase cinematográfico é exaltada, pela descoberta da realidade: "Molti furono quelli che imitarono la sua maniera nel colorire dal naturale, chiamati perciò naturalisti..." Cita a propósito Ribera, Bartolomeo Manfredi (Jesus e os mercadores do Templo), Valentin de Boulogne, Gherardo delle Notti, etc. Mas Bellori prefere o classicismo amaneirado e altamente simbólico de Domenichino. A caça de Diana (Roma, Galleria Borghese) inspira-se num confronto"intelectual" com as fontes antigas, como a ‘Eneida’ de Virgílio. O S. Silvestre e o dragão de Giovanni Lanfranco (Caprarola, Santa Maria degli Zoccolanti), é uma composição escalonada, menos clássica, com retomas rafaelescas e cores ‘pontormescas’, a contrário do que era usual no ‘lirismo’ desse pintor. Destaca a Madalena levada ao céu por anjos (Napoli, Museo Nazionale di Capodimonte).
Nascido do BEL CO MPOSTO de Bellori, o Gesamtkunstwerk, ou Obra de arte total, é um conceito estético oriundo do Romantismo alemão do século XIX. Geralmente associado ao compositor Richard Wagner, o termo refere-se à conjugação de música, teatro, canto, dança e artes plásticas numa única obra de arte. Wagner acreditava que na antiga tragédia grega esses elementos eram uníssono, mas em algum momento separaram-se. O compositor era muito crítico do estado da ópera do seu tempo, em que toda ênfase era dada à música, em detrimento da qualidade do drama. O termo é usado com frequência, principalmente na Alemanha, para descrever qualquer integração de diferentes formas de expressão artística. Na construção de seu teatro em Bayreuth, Wagner deu grande importância a elementos que proporcionassem ao público uma total imersão no mundo da ópera - como o escurecimento do teatro, efeitos sonoros, rebaixamento da orquestra e reposicionamento dos assentos para focar a atenção no palco. Esses conceitos foram revolucionários na época e hoje fazem parte da maioria das produções operísticas.