Arte, mercado, mitificações: a lenda do Grão Vasco face à auisência de uma teoria e de uma metodologia de estudo das artes...
10 Abril 2019, 08:00 • Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão
A partir do pós-Renascimento, existiu no mercado de arte nacional aquilo a que podemos chamar um gosto em português, segundo o qual o recheio artístico das casas se organiza. Entre os séculos XVI e XIX, domina nas colecções um equilíbrio entre a presença de peças ítalo-flamengas e de origem nacional (colonial): hibridismo, exótico e nacional português estão juntos de modo coerente. Figuras como D. João de Castro, vice-rei da Índia, que possui na quinta da Penha Verde (Sintra) tanto arte renascentista como estelas hindus, ou D. Fernando de Castro, 1º conde de Basto, que reúne no paço eborense um acervo polivalente de arte flamenga, italiana, chinesa, indiana e do Japão, assumem tal vertente ímpar de coleccionismo luso.
O termo accrochage de arte (colecção artística) implica estratégias estruturadas na compra e gosto do mentor, na lógica e sentido de exibição das peças. Julius von Schlosser (Leipzig, 1908), ao estudar a colecção do arquiduque Ferdinando II do Tirol, em Ambras, Innsbruck, abriu campo aos estudos do Coleccionismo. O seu livro (reeditado por Patricia Falguières) destaca as peculiaridades históricas das câmaras de maravilhas da Idade Moderna, embrião do museu contemporâneo. Em nome dessa singularidade, podem ser estudados os gabinetes de opulência dos mecenas, do século XVI ao XIX. Mas há que distinguir as situações de mera ostentação casuística, daquelas em que é pela especialização que se cria uma lógica de colecção. Tal estudo de género impõe uma via pluri-disciplinar e um olhar estético, sem esquecer as inconstantes de gosto, as curvas de fama, efemeridade e sobrevivência que acompanham o gosto, o peso do exotismo, a novidade pelo outro, a sua definição como factor social distintivo (que é dialecticamente mutável e que depende de conjunturas breves), e os ritmos trans-memoriais com retomas e novas corporalidades.
Origens do mito Grão Vasco.
Cedo ganhou força a ideia de que o estilo Grão Vasco era insuperável e tal estimulou formas de seguidismo e aclamação. Já em 1607 os pintores de Viseu afirmavam ser impossível substituir o famoso painel São Pedro da Sé, considerando «grande erro mandar fazer outra pintura» por «ser da mão de Vasco frz» e não ser possível «fazer outra tam boa, tam perfeita e bem acabada»… O célebre São Pedro Patriarca da capela de São Pedro da Sé de Viseu, c. 1530 (Museu Grão Vasco), muito elogiado como «oitava maravilha do mundo», vai originar muitas réplicas, eruditas e regionais, facto visto como prova maior da fama do seu autor A análise das obras atribuídas ao Mito Grão Vasco existentes em colecções nacionais e estrangeiras oferece-nos excelente forma de iluminar as mais-valias do coleccionismo português. Depois do escritor Botelho Pereira, que em 1630 elogia o «grande e insigne Vasco», será o pintor Pietro Guarienti, em 1753, na edição do Abecedario Pictorico de Orlandi (Veneza), a fortalecer o mito: «Vasco, chamado no reino de Portugal com o titulo de Gran Vasquez pelas muitas e insignes pinturas por elle feitas e por todo aquelle reino dispersas», dizendo que fora discípulo de Perugino em Itália, e destaca oito tábuas que possuía o Marquês de Valença. Trata-se do retábulo da Vida da Virgem, admirado em 1843 por Raczynski na colecção Palmela e que se sabe hoje ser, não de Grão Vasco mas sim da «parceria» Garcia Fernandes-Cristóvão de Figueiredo. Outra obra atribuída a Grão Vasco que sai para colecção estrangeira no século XIX, são as predelas duas predelas com Santas mártires, hoje identificadas como obras de Gregório Lopes, que pertenciam ao retábulo da igreja do Paraíso, tendo sido levadas para Poznan (Polónia) por Raczynski como testemunhos do «estilo Grão Vasco», depois de Guarienti (1753) também assim as considerar…
Entre outros autores que se referem ao mito Vasco, cita-se Roland de Virloys, no Dictionnaire d’architecture (Paris, 1771), que fala de «Vasco, qui vivait vers 1480, appellé au Portugal le grand Vasquez à cause du grand nombre de belles oeuvres de peinture qu’il a fait en plusieurs lieux de ce royaume…», e William Beckford (1760-1864), viajante romântico inglês, ao visitar o Mosteiro da Batalha, em 1835, ao elogiar um quadro de São Tomás de Aquino «by a very ancient Portuguese artist named Vasquez, attracted my minute attention». Também José da Cunha Taborda (1815), Cyrillo Volkmar Machado (1823), o Cardeal Saraiva e outros destacam a fama do misterioso Grão Vasco, autor de toda a boa pintura antiga existente em Portugal ! É ao Conde Atanazy Raczyński (1788-1874) que se deve o início da destruição do mito, embora, ao mesmo tempo, fosse o peso da sua autoridade que o fortaleceu e divulgou na opinião pública europeia… O diplomata prussiano e connoisseur foi autor de dois famosos livros aquando da estada na Península em 1842-1848: Les arts en Portugal (Paris, 1846) e Dictionnaire historico-artistique du Portugal (1847). Terá papel relevante na popularização do mito ao defender que «Grão Vasco mais não seria do que um mito, a quem a tradição portuguesa atribuía toda a boa pintura antiga em madeira existente no país» (…). «No fundo, Grão Vasco é apenas um mytho; porquanto, posto que tenhamos descoberto Vasco Fernandes pintor, e de merito, e visto as suas obras em Vizeu, e posto que um auctor contemporaneo o tenha julgado grande, não é todavia a elle que este sobrenome compete de direito, porque nenhum dos auctores que escreveram acerca de Grão Vasco e julgaram do seu merito (Guarienti, Cyrillo, Taborda) viu as obras dse Vasco. O que é attribuido a Grão Vasco, não se sabe porquê, é a eminente quantidade de quadros gothicos, pintados sobre madeira, que se acham espalhados em todo o Portugal, nenhum dos quaes, excepto os de Vizeu, é de Vasco Fernandes. No fundo, eis o que isto he: há um verdadeiro Vasco Fernandes que Pereira com razão julgou um grande pintor e Fr. Agostinho chamou insigne, mas há outro Grão Vasco mytho, de que ninguem tem conhecido, nem a vida nem as obras».
O sentimento patrimonial que nasce com as Luzes e, sobretudo, os valores nacionalistas e patrióticos do Liberalismo incentivam o mito Grão Vasco. Com Raczynski, e as informações confusas do Visconde de Juromenha, Grão Vasco passa a merecer o estudo do ilustre connoisseur. Embora note que, em termos cronológicos e de estilo, era impossível que todas as obras dadas a Vasco fossem de um mesmo pintor, a verdade é que o mito prevalece (há autores, como Oliveira Berardo, que elencavam centenas de obras, em Lisboa, Tomar, Viseu, Évora…). Em 1844, Raczynski conheceu o pintor António José Pereira (1821-1895) ao visitar Viseu, a mando da Sociedade Artística e Científica de Berlim, para estudar a obra atribuída a Grão Vasco na Sé. Encomenda então a Pereira a cópia de uma das predelas de Vasco na Sé, o São Jerónimo, para levar para a Prússia. Aliás, Pereira pintou outras cópias de Vasco, hoje em colecções particulares. É neste contexto que aparece em 1857 o tríptico Cook, que será levado por Francis Cook para Londres em 1875, o que mais irá divulgar os «primitivos portugueses» à escala europeia: constitui exemplo maior do fascínio internacional pela obra de Grão Vasco, hoje no Museu Nacional de Arte Antiga (em depósito no Museu Grão Vasco, Viseu), assinado VASCO FRZ e datável de c. 1520. Procede de um convento beirão (talvez São Francisco de Orgens), pertenceu a António José Pereira, que o vendeu por 600.000 réis a Francis Cook, para a sua casa de Richmond, sendo oferecido pelos herdeiros, em 1945, ao Estado português. A descoberta de António José Pereira (1857) foi alvo de desconfiança por estudiosos como o historiador de arte Joaquim de Vasconcelos (1848-1936), que duvidou da autenticidade da assinatura e, em texto agressivo, chega a dizer que Pereira vivia «à sombra de Grão-Vasco agenciando os seus pequenos negócios de copista e plagiário, com que deleitou differentes inglezes, alguns fidalgos devotos, várias beatas ricas e venerandas confrarias e irmandades do districto de Viseu»…
O auge do mito Grão Vasco.
O grãovasquismo impôs-se no coleccionismo dos séculos XVIII e XIX; nesta comunicação referem-se peças de estilo Grão Vasco em várias colecções nacionais (Penalva, Borba, Cook, Arroyo, Burnay, Ameal, Palmela), essenciais para reforçar o mito e reconhecer autonomia a uma Escola portuguesa capaz de ombrear com as grandes 'escolas' europeias da Renascença Caso interessante é o Pentecostes (27 x 19 cm) de início do século XVI que a abadessa do mosteiro da Madre de Deus ofereceu a John Charles Robinson (1824-1913) em Outubro de 1869. Como escreveu, a tábua foi-lhe oferecida “in acknowledgment of a contribution towards the funds of that once wealthy and celebrated, but now impoverished, establishment”. Este «primitivo», então dado a Grão Vasco, é afinal obra da oficina coimbrã Vicente Gil-Manuel Vicente. Vera Mariz pensa que Robinson veio a Portugal adquirir obras para Francis Cook: um dos quadros que entra nesse ano na colecção de Richmond é descrito como um Pentecostes da “Early Portuguese School (Sixteenth Century)”. Robinson também veio a Portugal estudar a nossa arte antiga e publica em 1868, bilingue, A Antiga Escola Portugueza de Pintura, onde valoriza as obras atribuídas a Grão Vasco em Viseu, Coimbra e Lisboa. Sabemos que Robinson comprou uma Virgem com o Menino num leilão da Christie's que julgava ser do Grão Vasco (nº 749). Teria pertencido antes a Lord Acton. Ignoramos onde páram hoje essas duas pinturas… Registam-se obras atribuídas a Grão Vasco nas melhores colecções. Na colecção do Conde de Ameal, João Maria Ayres Correia do Amaral (1847-1920), com dois mil lotes leiloado em 1921, havia tábuas atribuídas a Grão Vasco (que hoje se sabem ser de outros artistas, Cristóvão de Figueiredo, Garcia Fernandes, etc). Na Colecção do 5º Marquês de Penalva, D. Estêvão José de Meneses, sabemos que em 1758 Francisco Vieira de Matos, Vieira Lusitano (1699-1783), avalia a alto preço vários painéis atribuídos a «Grão Vasco – estillo portugues antigo». Nessa célebre colecção havia 250 quadros, estimados em 9.249.620 rs: Rafael, Andrea del Sarto, Ticiano, Parmigianino, Tintoretto, Veronese, Durer, Greco, Bartolomeu Spranger, e Grão Vasco, Fernão Gomes, Marcos da Cruz e Diogo Pereira entre os portugueses.
Nos inventários após a exclaustração das casas religiosas de Évora, há uma menção a Grão Vasco relativa ao convento de São Bento de Cástris feita em 1845 por Cunha Rivara e João Rafael de Lemos: «Baptista no deserto em madeira alt. 48 larg. 58 Tem varios grupos de figuras ao perto e ao longe Grão-Vasco É admiravel». Sabe-se hoje que, afinal, esse belíssimo quadro maneirista (hoje no M.N.A.A.) data de 1550-1554 e é de… Diogo de Contreiras ! Também sabemos hoje que Diogo de Contreiras trabalha para a igreja de São João das Lampas (Sintra) c. 1555 e pinta um retábulo de que fazia parte o Baptismo de Cristo ainda hoje na igreja e uma Visitação da Virgem que desapareceu em meado do século XX, vendida como «primitivo Grão Vasco». Encontrava-se c. 1950 numa colecção da Alemanha e ignora-se hoje o seu destino. A antiga Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro foi criada por D. João VI em 1816, e passou em 1890 a Escola Nacional de Belas Artes. A sua colecção de arte forma em 1975 o Museu D. João VI com os acervos mais antigos, sobretudo o legado do coleccionador Engº Jerónimo Ferreira das Neves (Rio de Janeiro, 1854-1918), que reuniu notável colecção de arte e livros que leva para o Brasil. Tinha-os adquirido a António Maria Fidié, fornecedor de obras de arte de D. Fernando II, adquiridas após a extinção das ordens religiosas. Foi ele quem vendeu a Ferreira das Neves um Metsys e quatro painéis «primitivos Grão Vasco» hoje no MJVI. A proposta autoral foi rebatida em 1999, quando se provou que a autoria das quatro tábuas se deve à «parceria» Cristóvão de Figueiredo-Garcia Fernandes, os Mestres de Ferreirim, c. 1525-1530.
O declínio do mito Grão Vasco e a lenta reposição da verdade.
Existe um novo universo de problemas que obriga os historiadores de arte a estudar a fortuna crítica de muitas obras portuguesas hoje perdidas em colecções estrangeiras sem que haja conhecimento do seu historial: existem «primitivos portugueses» em colecções fora do país, que daqui saíram no século XIX como Grão Vascos.
Um Santo André é especialmente importante: trata-se de tábua vendida em Viseu em 1888, de que se desconhece o paradeiro. Informação de Claudie Ressort (Musée du Louvre) deu a conhecer esse painel da oficina de Vasco Fernandes: estava em Março de 2012 numa colecção em Bonn, por morte do proprietário foi posto à venda, e ignora-se o seu destino. Pertenceu ao coleccionador Émile Pacully, cujo acervo, abundante em pintura espanhola, foi vendido em 1903 na Galérie Georges Petit, em Paris. A foto mostra similitudes de estilo com os painéis de Cassurrães e Pindo, o que aponta para a última fase de actividade de Vasco Fernandes. Nas reservas do Museu Grão Vasco encontra-se uma cópia deste Santo André pintada por António José Pereira em 1880, oferta de José Augusto Pereira, seu filho, em 1929. Em carta de 1934 é referido o interesse na aquisição da tela, «pois era uma cópia de um original de Grão Vasco que se encontrava desaparecido».
O declínio do mito começa em 1897 com as pesquisas de Maximiano d’ Aragão (1853-1929) no Arquivo da Diocese de Viseu, reunidas em 1900 no livro Vasco Fernandes o Grão Vasco, pintor vizeense, principe dos pintores portuguezes. Pela primeira vez alguém recorre a fontes primárias, o que lhe permite falar com toda a objectividade de uma ‘escola de Viseu’. Ao revelar a existência histórica de Vasco Fernandes, a História da Arte passa do registo pitoresco e lendário para a solidez científica. A historiografia da arte descobre com este livro de Maximiano d’Aragão a utilidade de se embrenhar nos arquivos e assentar bases em levantamentos sistemáticos. A verdadeira identidade do mítico Grão Vasco, que começara a ser entrevista com a descoberta da assinatura do tríptico Cook (detectada em 1857 por António José Pereira no painel central, mas então considerada uma falsidade), só terá confirmação em 1924 com o achado das primeiras firmas documentais, descobertas pelo historiador de arte Vergílio Correia (1888-1944) num dos contratos do retábulo da Sé de Lamego (1506-1511). O livro Vasco Fernandes mestre do retábulo da Sé de Lamego (Coimbra, 1924) torna-se fundamental para apuramento da autoria das primeiras obras identificadas de Vasco Fernandes, lançando luz sobre o misterioso Grão Vasco e definindo pela primeira vez a obra. Vergílio Correia continua a ser incontornável para o estudo da arte do Renascimento e o entendimento da relação entre comitente e artista no processo criativo.
Só no início do século XX começa a desvanecer-se o mito Grão Vasco, que levara a atribuír a uma nebulosa identidade toda a pintura antiga em tábua que aparecia em igrejas, museus e colecções do país. Pensara-se que Vasco seria um iluminador de D. Afonso V (Juromenha), ou um viseense nascido em 1552 (Berardo); Raczynski defendeu que era uma mitificação criada para legitimar uma «escola de pintura portuguesa». Ora os documentos revelados por Maximiano d'Aragão (1900), Sousa Viterbo (1903) e Vergílio Correia (1924) clarificaram a questão – passou a saber-se que houve mesmo um Vasco Fernandes pintor activo em Viseu de 1501 a 1542. A discutida assinatura do tríptico Cook, que pertenceu a António José Pereira (1857 a 1875) e foi comprado por Francis Cook em 1875 para a sua casa de Richmond (Londres), até 1944, data em que o Estado português dele toma posse (expõe-se no MNAA), é enfim autenticada com a descoberta das assinaturas dos contratos de 1506-1511. O famoso livro de Vergílio Correia permitiu ao filho de António José Pereira escrever um desagravo em memória do pai no artigo «A propósito de Grão Vasco»: «A descoberta da assinatura do pintor Grão Vasco, pelo Dr. Vergílio Correia, desfaz uma calúnia de Joaquim de Vasconcelos acerca da assinatura do quadro vendido pelo falecido pintor visiense Antonio José Pereira» (A Voz da Verdade, 16-II-1924). A obra de Vergílio Correia constituiu o maior impulso no fim do «Mito Grão Vasco», identificando as primeiras obras seguras do mestre viseense. Em sua sequência, Luís Reis-Santos (1898-1967) será autor, em 1946, do grande ‘corpus’ da obra de Vasco Fernandes e seus discípulos e colaboradores Gaspar Vaz, António Vaz, e os seguidores anónimos. Partindo de uma série de obras absolutamente identificadas (vinte e nove tábuas), o Grão Vasco passa a contar, doravante, com um acervo de cerca de noventa pinturas seguramente adstritas ao seu pincel.
Para explicar o fenómeno do mito Grão Vasco, é destacado justamente o peso reverencial com que os coleccionadores e entendidos de pintura antiga continuaram em sucessivas gerações a olhar a obra tutelar de Vasco na Sé de Viseu. Apurava-se que o genial pintor renascentista criou um gosto com estilemas muito apreciados. Como diz Dalila Rodrigues, «Vasco Fernandes marcou em profundidade todos os pintores que trabalharam com ele», criando uma sequência «com maior ou menor grau de dependência relativamente à sua linguagem personalizada, sob a forma de assimilação, recriação e imitação». Tal explica o extraordinário mito que, à medida que a verdadeira identidade se apagava, cresceu nos séculos XVII a XIX...
Em suma: o mito Grão Vasco constituiu o maior fenómeno patriótico de auto-legitimação envolvendo a antiga arte portuguesa, o que explica a vasta fortuna crítica que acompanhou um desmesurado coleccionismo que envolveu tantas obras, atribuídas ao seu estilo, presentes nas melhores colecções dos séculos XVIII e XIX, bem como o esforço de ilustres estrangeiros em adquirir outras junto às paróquias e fundos de extintos conventos. Se o Vasco Fernandes histórico não se confunde mais com essa lendária nebulosa, tendo readquirido, com o trabalho da História da Arte, os contornos da justa reabilitação, a lenda do grãovasquismo não deixou de reflectir aquilo que esteve, no fundo, na sua génese: um surdo desejo de internacionalização do nosso património artístico, que desde o século das Luzes ganhava expressão.