O BEL COMPOSTO de Bellori, as teses de Félix da Costa Meesen e a defesa da liberalidade no século XVII-XVIII.

25 Março 2019, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Félix da Costa Meesen desejava erigir uma Academia de Arte, fruto das teorias de Roger De Piles (1635-1709), aliás seu contemporâneo, que começavam a vigorar com alguma pujança no panorama cultural francês, relativamente ao predomínio da cor na pintura. Como se sabe, Meesen viajou pela Europa, acompanhou D. Catarina de Bragança a Londres à data do seu casamento com Carlos II, esteve em Paris, Roma, Madrid, Viena e outras capitais europeias, facto que o tornou, de certa forma, num ‘estrangeirado’. Por isso, os seus esforços em criar em Lisboa uma Academia das Artes, a exemplo e modelo da de Paris de Charles le Brun, não receberam o apoio do meio nacional, ainda demasiado retrógrado, e só vingarão mais tarde. Ele próprio vituperava o gosto português do seu tempo, chamando-lhe «tempo do minguante das artes». Por tudo isto, os manuscritos de Meesen (aliás, não publicou nenhum deles durante a sua vida) são tão importantes, mesmo quando incompreendidos pelos contemporâneos. Foi irmão do pintor e gravador Brás de Almeida Meesen, também ele educado em Paris, junto de Giffart. Como pintor, Félix da Costa pintou retratos (um deles na col. Palmela), fez riscos para retábulos marmóreos, e desenhou para chapas de gravura. Pouco se conhece, porém, a esse respeito.

As radicais mudanças operadas no quadro do Barroco português reflectem as influências dos meios académicos parisienses na arte portuguesa (depois da vinda de Roger de Piles em 1685), atestada no esforço falhado de Félix da Costa Meesen em criar uma Academia de Desenho em Lisboa, e no facto de aportarem à capital portuguesa alguns pintores parisienses que aí actuam na viragem do século XVII para o XVIII (como os esquecidos Claude de Barois, Jeròme Troud’hon e Claude Le Bault). Todo este ambiente efusivo de classicismo italo-francês e de alinhamento com o Barroco internacional direcciona a arte portuguesa do fim de Seiscentos para vias mais expressivas e modernas, que cedo tocam o terreno colonial e se imiscuem no gosto pictural consumido no mercado brasileiro. A era pedrina – os anos de regência e reinado de D. Pedro II (1678-1705) – são tempo de estabilidade após a longa crise aberta com os anos das guerras da Restauração. A cultura artística internacionaliza-se: em 1689, o monarca promove um acórdão em favor da liberalidade das artes e dos seus praticantes. A figura de João Antunes (1643-1712) desponta nesse contexto, com o projecto (1681) para aquela que será a primeira igreja barroca em espaço nacional: a Igreja de Santa Engrácia (depois Panteão Nacional).

O final do século XVII acompanha, com D. Pedro II, a viragem artística no sentido da adequação ao Barroco romano, ainda que persistam tendências vernáculas. É então que Félix da Costa Meesen (1642-1712), tão crítico do que chama o «mingoante das artes» nacionais, escreve ANTIGUIDADE DA ARTE DA PINTURA (1696), eco das ideias da Academia de Charles le Brun em Paris e do crítico Giovan Pietro Bellori, esteta da arte clássica e do bel composto. Porém, a internacionalização que se desejava faliu, com a nossa arte presa às tradições do tenebrismo e da decoração (brutesco, azulejo de padrão e talha dourada, ainda que o empenho dos mecenas e coleccionistas abra novos caminhos. Todavia, nomes como João Antunes na arquitectura, José Rodrigues Ramalho na obra de talha, António de Oliveira  Bernardes e António Pereira Ravasco na pintura de tectos e no azulejo, Claude de Laprade na escultura, vão redimensionar essa viragem da tradição seiscentista e marcar, na passagem para o século XVIII,  as  novas tendências ‘modernas’ da arte portuguesa.