É uma análise parcelar e uma reflexão sem fim: percebem-se contornos, diagnosticam-se problemas, mas é difícil definir rumos no dealbar sob a realidade da globalização. Quais os quadros de referência e bases instituídas que possam dinamizar o ‘mundo das artes’ ? A análise de Eric Hobsbawm, pelo que contém de polémico (mas, por essa mesma razão, luminoso), pareceu uma abertura plausível para ensaiar uma reflexão sobre o sentido das vanguardas activas nas artes de hoje e, principalmente, sobre o grau de intervenção da História-Crítica da Arte, submetida a um mundo globalizado . •Face a inusitada ascensão da História global, dispomos hoje de bases genuínas para analisar a especificidade da civilização europeia ou atlântica, realidades decorrentes do pós-colonialismo, a ascensão do capitalismo ultra-liberal agressivo e sem regulação, num mundo desideologizado e, por isso, mais vulnerável aos efeitos da exploração sem peias. As artes, todavia, continuam a fluir. Nunca o ‘mundo da arte’ se mostrou um espaço tão interventivo, globalizado, apto a repensar o papel de identidade-memória e intervenção-sinal. Se pensarmos em termos de que são «os homens (que) fazem a sua própria história», verificamos que durante gerações, foram muitas as comunidades e sistemas sociais que buscaram a estabilização e a reprodução criando mecanismos para prevenir o futuro, acautelando os perigos do desconhecido (os grandes saltos nas brumas do futuro incerto) e criando a resistência às transformações. A globalização veio agitar, com as suas contradições, riscos, ‘etapas’ desreguladas e consumismo insano, novos ‘saltos no escuro’ que estimulam o auto-conhecimento, a criação artística e as dinâmicas que podem criar uma cidadania de valores. Quero crer que a produção artística ganha novos estímulos, os equipamentos de crítica nova frescura de debate, os objectos de estudo novas possibilidades de investigação, as incidências do mercado das artes novas dinâmicas de crescimento. Principalmente, esse Artworld definido por Danto ganha um espaço plural de redefinição. Face à imprevisibilidade dos amanhãs, a produção das artes, e a História-Crítica que a analisa, estuda, valoriza e promove, continuam firmes. Criam obra, exprimem ideias, agitam o ‘mundo das artes’, conferem-lhe qualidade. Oferecem a imagem de um espaço operativo reforçado – porque útil, socialmente interventivo, capaz ainda e sempre de gerar emoções.
A tese Liberdade Artística e Mercado, de Júlio Francisco Ribeiro da Costa (ISCTE-INDEG, Mestrado em Mercados da Arte) analisou bem a liberdade de criação, produção e exposição do artista face às contingências do mercado contemporâneo no seio do chamado artworld, ‘mundo da arte’, tal como o caracterizou Arthur C. Danto, e no quadro da globalização mundializada. Esta secção do mercado é vista na perspectiva das possibilidades e limites colocados à liberdade criadora e ao estatuto social dos artistas. Analisam-se conceitos operativos como o valor de uso e o paradigma do sistema da arte contemporânea, para que a reflexão possa ser o mais abrangente possível. Questões como ética, alienação, valor de mercadoria, flutuações de gosto, critérios de avaliação, comportamentos deontológicos nas relações entre mercado e artista, merecem atenção numa abordagem que, sendo transversal na articulação entre o mundo da arte e a criação, não deixa de destacar os valores que fundamentam o sistema actual da arte contemporânea. Trata-se, em síntese, de uma reflexão em torno da posição da obra de arte e dos artistas no vasto mundo da arte influenciado pelo mercado. É possível defender que a qualidade artística rima com liberdade….
DEFENDER A QUALIDADE É LUTAR PELA LIBERDADE