Questões permanentes da Teoria da Arte.
4 Fevereiro 2019, 08:00 • Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão
Sinopse: objectivos gerais
O programa da disciplina visa definir conceitos, fundamentos, objectivos fundamentais (e também limites) do pensamento teórico envolvendo a produção artística, e a História da Arte que a estuda, vendo esta como um ramo científico da Ciência das Humanidades que visa estudar, interpretar, avaliar e dialogar com as obras de arte. Importa, assim, estruturar as bases de teorização dos fenómenos de criação, recepção, re-criação e fruição, com recurso ao estudo de artistas, movimentos estéticos, correntes, posições críticas, discurso das obras segundo uma reflexão plural e, em especial, a conceitos e princípios ligados à produção das artes. Dá-se enfoque à Iconografia e à Iconologia, instrumentos operativos da ciência histórico-artística, e ao modo como a disciplina foi posta em prática desde Aby Warburg a Erwin Panofsky, passando por E. H. Gombrich, Ernst Cassirer, Meyer Schapiro, Gertrud Bing, Frances Yates, Michael Baxandall, George Kubler, David Freedberg, George Didi-Huberman ou Daniel Arasse a fim de se explicar a operacionalidade da análise iconológico, até à Sociologia da Arte (Pierre Francastel), ao marxismo (Frédéric Antal, Theodor Adorno, Nicos Hadjinicolaou), ao feminismo (Linda Nochlin, Griselda Pollock) e demais correntes ‘de género’, à tradição recente de estudos iconológicos (Hans Belting, Axel Bolvig), sem se esquecer as visões sobre a ‘obra aberta’ (Umberto Eco) e a ‘indústria cultural’ (Th. Adorno) e, sobretudo, os conceitos de ‘artworld’ de Arthur C. Danto, Howard Becker e Raymonde Moulin.
Estudam-se a essência e transcendência das obras de arte e seus tipos comportamentais (trans-contextuais, trans-memoriais) incluindo os fenómenos de repulsa e fascínio (iconofilia, iconoclastia), com recurso a exemplos medievais, modernos e contemporâneos. Dá-se relevo à teoria do humanista Benito Arias Montano sobre a bondade das artes. Aborda-se a prática da História da Arte na sua base de teorização com enfoque nas correntes Positivista, Formalista, na História Social da Arte, na Micro-História da Arte, na Semiótica, Psicologia da Arte, em «géneros» emergentes como o Feminismo, o Pós-Colonialismo, os Lesbian and Gay Studies, a Art Outsider e a Art Brut, a Street Art, e aquilo que, em suma, se chama História da Arte Total, com suas visões globalizantes. Estudam-se, enfim, os conceitos de liberdade individual e de produção e as instâncias do mercado contemporâneo à luz das circunstâncias da Globalização e das novas tecnologias.
A disciplina visa, assim, dar um balanço necessário sobre os problemas teóricos a par do bom uso das novas metodologias pluri-disciplinares no campo da investigação em História da Arte, sem perder nunca a conceptualização analítico-descritiva e crítica dos fenómenos do mundo da criação que envolvem o facto artístico. Assim, o programa estrutura-se, com naturalidade, por estes e outros pontos de análise, propondo uma reflexão sobre os modos de ver a arte e de problematizar tanto o acto criativo como a sua plena fruição.
PROGRAMA
1. A História da Arte e a globalização: eppure si muove…
1.2. Consciência da trans-contemporaneidade das artes.
1.2. Definição de arte: perspectivas antigas, discursos novos.
1.3. Fortuna crítica da globalização: consumismo, mercado das artes, renovação de discursos.
1.4. Globalização e progresso: investigar em (e com) arte, hoje.
1.5. História e Crítica da Arte, um destino comum.
2. A Iconologia como proposta metodológica.
2.1. História das imagens e das ideias expressas pelas imagens, ou a alternativa às correntes positivistas, deterministas e formalistas.
2.2. Antecedentes da Iconologia: desde Jacob Burckhard a Aby Warburg (1866-1929), a Fritz Saxl (1890-1948), a Erwin Panofsky (1892-1968) e à criação do Warburg Institute.
2.3. O desenvolvimento do método: a obra monumental de Erwin Panofsky e suas relações com a Filosofia, a Semiótica, a Psicanálise, a Antropologia e outras ciências.
2.4 Instrumentos e materiais: gravados, desenhos, formas de reprodução e transmissão.
2.5. Heranças panofskianas: a iconologia como uma disciplina humanística.
2.6. Problemas de ordem metodológica, teórica e prática na definição do pensamento iconológico. Alguns exemplos no terreno da arte portuguesa.
2.7. A «nova iconologia»: renovação de usos, métodos de análise e bases interpretativas.
3. A Teoria da Arte na Antiguidade Clássica e na Idade Moderna.
3.1. Imagem mitológica e fontes literárias. Ovídio e as Metamorfoses. Divindades e heróis. Simbologia do número, secção áurea e harmonia musical. Pitagorismo e neo-platonismo. Cosmologia e panegírico nas artes.
3.2. Temas e narrações: Bíblia, Apócrifos, Santos, Bestiários, Calendários, Zodíaco. As artes liberais (trivium, quadrivium). Psicomaquias, Vícios, Virtudes. O Cahier de Villard d’Honnecourt; a Lenda Áurea de Tiago de Voragine; De Doctrina Christiana de Santo Agostinho, o Pseudo-Dionísio. O nominalismo (Guilherme de Ockam). As Meditações da Vida de Cristo do Pseudo Boaventura.
3.3. A secularização da imagem e a utilização de correspondências de imagens pagãs. A ideologia neoplatónica. Revitalização dos programas astrológicos. -- A Emblemata de Alciato, a Iconologia de Cesare Ripa e as obras de Horapollo, Francesco Colonna, Pietro Valeriano e Otto Vaenius. O movimento neoplatónico florentino e a obra de Marsilio Ficino; a pintura de Sandro Botticelli, Miguel Ângelo, Baccio Bandinelli, Ticiano.
3.4. Velhos e novos temas: Pai Tempo; Cupido Cego; Quatro Elementos; as Quatro Partes do Mundo; Estações e Meses; o Panteão dos Deuses Clássicos; a simbologia das Flores e Frutos; Amor Divino e Fortuna; Hieroglifos; Grotescos; Empresas e Divisas; Idades do Homem; Virtudes; Musas.
3.5. A arte como remédio para os males do mundo: Benito Arias Montano e as teorias de humanização através das artes.
3.6. A Igreja Católica contra a iconoclastia protestante: o decorum. Renovação iconográfica no Concílio de Trento; propaganda catequética e imagem sagrada. Santos e modelos (mártires, místicos, ascetas).
3.7. O conceito de arte total do Barroco: o tratado de Giovan Pietro Bellori.
3.8. Arte para crer ? Ver para crer ? Ou crer na arte ???
4. A época contemporânea: novas visões, novas globalizações.
4.1. A visão iconológica e a arte na Revolução francesa (Les barricades de Delacroix).
4.2. A visão iconológica face à «arte degenerada» e à «arte de resistência» (a propósito da produção artística hitleriana, mussoliniana, estalinista, franquista e salazarista).
4.3. O conceito de História da Arte total e como parte integrante de uma interpretação globalizante das obras de arte particulares.
4. 4. A era da reprodutibilidade das artes: Walter Benjamin.
4.5. A visão iconológica e a produção das ‘novas vanguardas’ da segunda metade do século XX (Hobsbawm, o contributo do marxismo e o debate em torno da ‘morte das vanguardas’).
4.6. Iconoclasma e iconofilia: o poder imenso e a fragilidade absoluta da obra artística. Tipologias do iconoclasma.
5. Questões permanentes: arte como fenómeno trans-contemporâneo e sempre em movimento.
5.1. De Ripa-Baudoin à Ciência das Imagens de Warburg e Panofsky.
5.2. A História da Arte total. Sentido e limites da abordagem iconológica.
5.3. A Iconologia face às suas múltiplas abordagens (sociológica, marxista, filosófica, psicanalítica, semiótica). A dimensão cripto-artística.
5.4. De Arthur Belting à Nova Iconologia: novas problematizações.
5.5. Teoria da trans-contemporaneidade das artes.