O tratado de Giovan Pietro Bellori e o elogio do classicismo.

5 Maio 2016, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Aquando da passagem do Padre António Vieira por Roma, G. p. Bellori estava no auge do seu prestígio. O autor da obra Le vite de’ Pittori, Scultori e Architetti moderni (1672), que fora aluno de Francesco Angeloni, estivera ao serviço do papa Alessandro VII e da raínha Cristina da Suécia e fora nomeado, em 1670, para o prestigiado cargo de Commissario delle antichità di Roma pelo papa Clemente X. Como se sabe, as teses classicistas de Bellori (sumariadas na famosa conferência à Accademia di San Luca de Roma em 1664, onde enunciou a sua própria teoria segundo a qual se impunha o retorno à Natureza como fonte primeira de inspiração dos artistas, no que constitui uma clara oposição às teorias anti-naturalistas do Maneirismo) estavam no auge da sua recepção. A defesa que fizera do classicismo de Rafael (mais qualificado que a ‘bella maniera’ de Miguel Ângelo), a assunção da prevalência dos cânones da estatuária greco-romana e das linhas apolíneras da venustà rafaelesca como coordenadas de qualidade em torno das quais de organizava a «idea del bello», constituíam a luz doutrinária deste novo classicismo emergente na Cidade dos Papas. Assim, Bellori retomava as teses neoplatónicas do Renascimento em defesa da Alegoria e da Mitologia segundo os cânones da verosimilhança, defendendo uma «visione idealizzante e intellettuale del mondo sensibile» em que se destacavam as obras dos Carracci, do Domenichino, de Reni, de estrangeiros como Poussin e Dusquesnoy e, ainda Rubens, e Van Dyck. Estas valências, ligadas também ao investimento na arqueologia e no estudo dos antichi, não podiam deixar de ser apresentadas a Vieira e este não poderia deixar de dar atenção ao seu papel inovador. Mas a verdade é que nada se apura sobre eventuais contactos entre estas duas personalidades.

     É certo que Vieira poderia ter contactado nos seus anos felizes em Roma, nos círculos da Rainha Cristina da Suécia (1626-1689), não só Bellori como também outros homens ilustres que frequentavam o Palazzo Corsini alla Lungara, grande centro de mecenato artístico. Todavia, nada sabemos a este respeito e é certo que das teorias do referido crítico de arte, esteta da natureza, da arte clássica e do bel composto, nada de específico passou para o pensamento de Vieira, e nada nos seus escritos ulteriores ao regresso de Roma atesta algum rasto dessa influência. Aliás, também o panorama da arte portuguesa do terceiro quartel de Seiscentos, tão envolvido no ambiente de crise e limitado pelas condições criadas pela guerra de resistência vivida nos primeiros anos da nova Dinastia, pouco ou nada recebeu do legado barroco romano -- e teremos de esperar os anos de estabilidade do reinado de D. Pedro II, no final da centúria, para que novos gostos, novas arquitecturas, novos tipos de decoração e modelos estéticos ganhassem corpo, enfim, no tecido cultural português. Mas, esse, não era já o tempo do velho Padre Vieira... Se dos passos de Bellori e Vieira nenhum fruto explícito parece ter brotado, algum eco da teoria belloriana se encontra, sim, na obra de um fino escritor quinto-imperista, o também pintor e retratista Félix da Costa Meesen (1642-1712), autor do tratado Antiguidade da Arte da Pintura (1696) onde ele se mostra tão acerbo crítico do «mingoante das artes» nacionais e, ao mesmo tempo, tão defensor dos ideários estéticos das Academias de Roma e Paris, assentes no primado do Classicismo. É certo que Meesen, homem da Europa, conhecedor das cortes de Londres, Paris e Roma, foi um escritor de referenciais profético-utopistas, em cujo pensamento parecem perpassar bons conhecimentos dos textos messiânicos do Padre António Vieira -- uma pista de trabalho ainda não trilhada, mas que pode iluminar-nos melhor sobre este obscuro mundo de artistas-pensadores do fim do século XVII, tão distendidos entre o saudosismo dos anos de resistência e o progressismo de uma Europa que finalmente se abria para os portugueses