Teoria da Arte e Contra-Reforma catóilica: as teses do Cardeal Baronio.

28 Abril 2016, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

As teses do Cardeal Cesare Baronio destacaram a importância da memória patrimonial e do restauro storico, o estudo filológico das fontes e o decorum na representação sacra. Segundo o Cardeal Baronio nos Annales Ecclesiastici, a cumplicidade territorial e a memória histórica fundiam-se na busca de uma identidade cristã comum. Seguidores de Trento em Portugal, Fr. Bartolomeu dos Mártires na Diocese de Braga, e os Arcebispo de Évora Cardeal D. Henrique e D. Teotónio de Bragança, seguiram tais princípios (cf. De Antiga et Veneranda Species Aedificatione Religiosa in Regni Portucalensis Pro Maxima Causa Christiana). A identidade lusa e católica reforça-se com o  tópico de um carácter  providencial, onde a crónica do passado integra milagres e novos santos – uma hagiologia autóctone e, mesmo, uma “encomenda heróica” (de tipo baroniano) onde a arquitectura religiosa integra discursos como apontamento documentais e memoriais.

O mss.  De Antiga et Veneranda Species Aedificatione Religiosa in Regni Portucalensis Pro Maxima Causa Christiana, que tem como marca copista o monograma M.L. (Biblioteca Vallicelliana, cf. Gabriella Casella), prova por via baroniana tal intenção apologética sobre a antiguidade cristã e a identidade de uma comitência heróica nacional.  Aí refere Portugal com a intenção subliminar que Baronio lhe atribui: a importância que teve na Reconquista da Península e defesa da causa cristã traduzida na aedificatione ecclesiae et fondatione monasterii per mano genus portucalensis. Gregório XIII, que Baronio elogia pela sua politica de restauro, envia a 17-XI-1572 o Breve Cum sicut ao Arcebispo de Braga e Vigários Gerais das igrejas de Braga e Lamego e ordena que as pessoas eclesiásticas, por ocasião das visitações, fizesse paga dos seus rendimentos na restauratio das antigas igrejas.

As Instructionum Fabricae (1572-1577) e os princípios baronianos seguindo os ditames conciliares no campo da arquitectura, da escultura e da pintura dão corpo ao conceito do bom artista cristão, o doctus architectus e o doctus pictor. Existe, segundo estes princípios, uma relação dialéctica que se fortalece entre encomendante e intenditore. Os princípios normativos de um projecto artístico são estruturados seguindo o programa funcional, a pormenorização técnica, a definição do modus aedificandi, a instrumentalização de novos modelos arquitectónicos seleccionados na antiga arquitectura  equacionando os parâmetros da “memória histórica” (planta basilical).

Estudam-se as gravuras da obra Via Vitae Aeternae de Jacques Sucquet, editada em Antuérpia em 1620 e que conheceu diversas edições. Defende-se aí a eloquência das imagens em relação à palavra, o seu grande sentido moral, e o seu papel em apoio à meditação. Segundo Sucquet, «meditar é considerar na mente, e pintar com o coração, o mistério das doutrinas da Sagrada Religião, por meio da representação das circunstâncias reais: pessoas, acções, palavras, lugares e tempo». Pelo poder das imagens, a mente ascende das «coisas terrenas» à esfera do divino. Por isso  o livro (e as gravuras que o ilustram) se desdobra  num discurso de justificação do fio de conduta moral e do rigorismo no exercício de representar visando o  combate ao «falso dogma» e à «formosura dissoluta».