Teoria da Arte e Iconologia: Aby Warburg e o nascimento do método iconológico.
15 Março 2016, 08:00 • Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão
No estudo Arte Italiana e Astrologia Internacional no Palácio Schifanoja de Ferrara (1912) conclui: «A História da Arte tem sido até aqui impedida, por inadequadas categorias gerais da evolução, de colocar o seu material à disposição da ‘psicologia histórica da expressão humana’, que na verdade ainda não foi escrita». Com esse estudo, Warburg propõe a metodologia da «análise iconológica» que «não se deixa intimidar por um exagerado respeito pelas fronteiras e considera a Antiguidade, a Idade Média e a Modernidade como épocas ligadas entre si». Como conclusão final, uma frase tantas vezes citada, talvez pela estranha conjunção da nietzschiana referência ao «bom europeu» com a profissão de fé numa Aufklärung pouco convencional: «Com esta vontade de restaurar a Antiguidade, “o bom europeu” iniciava a sua luta pela Aufklärung naquela época de migrações internacionais das imagens que nós – de modo demasiado místico – chamamos época do Renascimento». Warburg definiu como condição do pensamento a criação de uma distância entre o eu e o mundo a que chamou Denkraum, isto é, espaço de reflexão ou pensamento. A criação do Denkraum, do intervalo entre pólos opostos (oposição entre magia e lógica, conciliada nunca de maneira definitiva no pensamento), é definido como um modo essencialmente simbólico. O símbolo apresenta-se como produção da consciência da distância e a arte, enquanto órgão da memória social, a mais elevada produção simbólica. Na apresentação do Bilderatlas, em 1929, na Biblioteca Hertziana de Roma, Warburg disse: «Introduzir uma distância consciente entre o eu e o mundo exterior é aquilo que podemos designar como o acto fundador da civilização humana; se este intervalo [Zwischenraum] se torna o substrato da criação artística, então esta consciência da distância pode tornar-se uma duradoura função social, cuja adequação ou insuficiência como instrumento de orientação intelectual significa justamente o destino da cultura humana.
Em 1923, numa célebre conferência que pronunciou na clínica psiquiátrica de Kreuzlingen, onde esteve internado durante cinco anos, e com a qual deveria provar que já estava em boas condições mentais para regressar a casa, Warburg fez uma incursão antropológica ao «ritual da serpente» dos Índios Pueblo, que tinha visitado vinte e oito anos antes, numa viagem à América. Aí, mostrando como o paganismo primitivo dessa tribo índia passa pelo paganismo da Antiguidade clássica e chega até ao homem moderno sob a forma de Nachleben, Warburg defende que cultura humana evolui para a razão, o que significa, explicado na sua linguagem, que o símbolo substancial se transforma naquele simbolismo que só existe no pensamento. É a isto, e só a isto, que ele chama evolução da cultura humana. A história da cultura, mostrada em imagens, em símbolos, em monumentos que sobrevivem à história efectiva, apresenta-se, assim, para ele, como um processso de conquista (nunca finalizado, nunca obtido de uma vez por todas) deste Denkraum que é o resultado do confronto entre os pólos da realidade e da abstracção, da religião e da lógica, da prática mágico-religiosa e da visão matemática do mundo. O problema fundamental que se apresenta a Warburg, aquele que determina toda a sua visão da história, é este entrelaçamento de mito e iluminismo como componente essencial do pensamento ocidental. Nalguns momentos paradigmáticos do advento da razão – como são o Renascimento e a Reforma – ele descobre que o processo de desmitização (a dialéctica da Aufklärung) se revela problemático. Por isso é que o confronto entre as tensões bipolares tem a dimensão de uma luta trágica. Assim, a concepção da história de Warburg implica um diagnóstico que nos dá conta de uma tragédia: a tragédia da cultura.