Casos de estudo no campo da Iconologia: algumas telas de Velázquez.

12 Abril 2018, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

A FORJA DE VULCANO DE DIEGO VELÁZQUEZ. Aquilo a que Erwin Panofsky chamou a «captação do fenómeno artístico», ou seja, o estudo do que corresponde ao mundo das formas puras enquanto portadoras de significados naturais, encontra nesta grande tela de Velázquez um óptimo testemunho de aplicação. A obra remonta a c. 1634, após a volta da primeira estância em Roma, e grangeou grande sucesso pelo seu virtuosismo. O quadro, par de «A Túnica Ensanguentada de José» (Prado), espantou (desde Goya, que em fins do séc. XVIII o avaliou no Palácio Real em 80.000 reales) toda a crítica, pelo clima de densidade atmosférica, vibração dos modelados, dinâmica das diagonais, etc. Em termos de ICONOGRAFIA, que trata segundo Panofsky das categorias ou «tipos» que formam histórias ou alegorias, este quadro segue as Metamorfoses de Ovídio, de que Velázquez possuía duas traduções, a de Ludovico Dolce (1539-57) e a espanhola (a de Jorge de Bustamante de 1551 ? Ou a de Pedro Sánchez de Viana, Valladolid, 1589 ?). Las Transformaciones de Ovidio com el complemento y explicación de las fábulas,  Reduziéndolas a philosophia natural y moral y astrologica e historica  é ilustrada com xilogravuras, pelo que parece que foi a que o pintor utilizou. 

Também as fontes de tradição cristã medieval e a Philosophia Secreta de Pérez de Moya (1585) foram utilizados. O Ovídio moralizado do Cristianismo serviu ao pintor régio  de D. Felipe IV para a sua cena. Tomou os versos ovidianos 169 a 174: «Hasta de aquel que todo lo regula com su luz celestial, del Sol, se adueñó el Amor; voy a contar los amores del Sol. Se tiene a este dios por el primero que vio el adulterio de Venus com Marte; es el dios que todo lo ve el, primero. Se escandalizó de la fechoría, y reveló al marido, hijo de Juno, el secreto ultraje a su lecho y el lugar del ultraje». O Sol, que viu os amores lascivos de Vénus, foi contá-los a Hefesto (Vulcano), que se dirigiu para a fraga a trabalhar em fúria. As duas figuras estão bem patentes na tela. E as outras ? Ora é um gravado da Eneida de Virgílio (liv. VIII, 190), ao descrever a Vulcania, terra  de Vulcano, onde trabalhavam os ciclopes a arte dos metais, que o artista seguiu  aqui. São estes Brontes, Estéropes e Piracmon, que moldam um escudo sagrado contra os latinos, e Gallo, o protector dos amores ilícitos, que Vulcano castigaria de seguida... A FASE ICONOLÓGICA, que capta o significado intrínseco da obra, ou seja, o programa último da obra, leva-nos a entender que Velázquez utilizou a mitologia clássica e a fábula pagã com um claro sentido moralizante (cristológico), ligando o adultério à desonra, e apelando ao prémio da virtude. O castigo que a Divina Justiça inflinge sempre, mesmo aos poderosos, é aqui rememorado, numa sociedade barroca cortesã profundamente lasciva em que um quadro como este não podia deixar de ser matéria de debate. 

Outra obra famosa, Las Hilanderas é encomenda possível do Marquês de Eliche, D. Ramiro Núñez de Guzmán, genro de Olivares, e foram de seguida da colecção de Pedro de Arce, são uma figuração da LENDA DE ARACNÉE, no momento do seu desafio a ATHENA Para um concurso de tapeçaria. Aqui, a alegoria à Obediência, Diligência e Solicitude, tomando a fábula pagã como tema de reflexão social, é evidente: Aracnée venceu, mas a deusa, em despeito, destruíu-lhe a obra; a jovem tapeceira enforcou-se e Athena transformou-a em aranha. Velázquez representou o mito, não no momento da metamorfose de Aracnée, mas na fase do concurso. E o tapete que representa ao fundo é o Rapto de Europa, de Ticiano, aol tempo no Alcazar...