De Aby Warburg a Erwin Panofsky: desenvolvimento da iconologia.
22 Março 2018, 08:00 • Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão
Discípulo
de Warburg, Panofsky
graduou-se em 1914 na Universidade de Friburgo, com uma tese sobre o pintor
alemão Albrecht Durer,
depois de estudar em várias universidades alemãs. Em 1916 casou-se com Dora
Mosse, também historiadora da arte. Em 1924 aparece a primeira de suas grandes
obras: Idea:
uma contribuição para a história das ideias na história da arte, em
que examina a história da teoria neoplatónica na arte do Renascimento. Entre 1926 e 1933 foi professor na
Universidade de Hamburgo, onde havia começado a lecionar em 1921. Abandonou a Alemanha quando os
nazis tomaram o poder em 1933 (era de ascendência judia) e
instalou-se nos EUA Estados, para onde havia viajado como professor
convidado em 1931. Foi professor no Instituto para Estudos Avançados da
Universidade de Princeton (1935-1962),
mas também trabalhou nas universidades de Harvard (1947-1948) e New
York (1963-1968).
Para Panofsky
a História da Arte é uma ciência em que se definem três momentos
inseparáveis do ato interpretivo das
obras em sua globalidade: a leitura no sentido fenomênico da imagem; a interpretação de seu
significado iconográfico; e a penetração de seu conteúdo essencial como
expressão de valores. A arte medieval e do Renascimento (que estudou
profundamente), estão definidos em seu livro Renascimentos
e Renascimentos na Arte Ocidental. Foi
amigo de Wolfgang Pauli, um dos criadores da física quântica.•Panofsky
fazia distinção entre ICONOGRAFIA e ICONOLOGIA. Em Estudos
em Iconologia (1939)
dando exemplos sobre as diferenças. Definiu iconografia como o estudo tema ou
assunto, e iconologia o
estudo do significado. Ele exemplifica o ato de um homem levantar o chapéu. Num
1º momento (ICONOGRAFIA) é um homem que retira da cabeça um chapéu, num 2º
momento, (ICONOLOGIA) menciona que ao levantar o chapéu, esse gesto é
"resquício do cavalherismo
medieval: os homens armados costumavam retirar os elmos para deixar claras suas
intenções pacíficas". Enfatizando a importância dos costumes cotidianos
para se compreender as representações simbólicas. Em 1939, em Estudos
em Iconologia,
Panofsky
detalha as suas ideias sobre os três níveis da compreensão da história da arte: •Primário,
aparente ou natural: o nível mais básico de entendimento, esta camada consiste
na percepção da obra em sua forma pura. Tomando-se, p. ex., uma pintura da Última
Ceia.
Se nos ativermos ao 1º nível, o quadro poderia ser percebido somente como uma
pintura de treze homens sentados à mesa. Este 1º nível é o mais básico para o
entendimento da obra, despojado de qualquer conhecimento ou contexto cultural.
•Secundário ou
convencional: Este nível avança um degrau e traz a equação cultural e
conhecimento iconográfico. Por exemplo, um observador do Ocidente entenderia
que a pintura dos treze homens sentados à mesa representaria a Última
Ceia.
Similarmente, vendo a representação de um homem com auréola com um leão poderia
ser interpretado como o retrato de São
Jerónimo.
•Significado
Intrínseco ou
conteúdo (Iconologia): este nível leva em conta a história pessoal, técnica e
cultural para entender uma obra. Parece que a arte não é um incidente isolado,
mas um produto de um ambiente histórico. Trabalhando com estas camadas, o
historiador de arte coloca-se questões como "por que São Jerônimo foi
um santo importante para o patrono desta obra?" Essentialmente,
esta última camada é uma síntese; é o historiador da arte se perguntando:
"o que isto significa"? Para Panofsky, era
importante considerar os três estratos como ele examinou a arte renascentista.
Irving Lavin diz
que "era esta insistência sobre o significado e sua busca - especialmente
nos locais onde ninguém suspeitava que havia - que levou Panofsky a
entender a arte, não como os historiadores haviam feito até então, mas como um
empreendimento intelectual no mesmo nível que as tradicionais artes
liberais".Recordando
o modo como o estudo do significado das obras de arte foi esquecido, compara a
Iconologia com a Geologia e a Iconografia com a Geografia: esta limita-se a
registar as coisas terrenas, enquanto que a Geologia estuda as estruturas, a
origem, a evolução, a coerência dos diversos elementos e materiais do
planeta... A mesma imagem metafórica se pode aplicar à Cosmografia /Cosmologia,
à Etnografia /Etnologia, que permitem o mesmo raciocínio: aquelas disciplinas
limitam-se a constatar, as últimas a explicar e interpretar... Hoogewerff
seguirá o ‘colossal trabalho iconográfico’ de Émile Mâle
para traçar as bases de uma iconologia da arte cristã medieval em França. A
hagiografia, as crenças e superstições, a história dos Concílios, a patrologia,
a himnologia,
os apócrifos, os textos sagrados, servem-lhe para compreender
‘iconologicamente’ op
sentido da arte românica e gótica francesa.
A introdução, em 1939, aos Studies in Iconology
de Panofsky, obra que difunde a Iconologia
(após Aby Warburg)
no sentido do seu amadurecimento científico, vai aprofundar estes conceitos e
fazer a célebre distinção entre três
níveis de leitura das obras de arte:
1. Nível pré-iconográfico, com descrição ‘primária e
natural’ dos objectos, acontecimentos e imagens em termos estritos de formas e
de estilos;
2. Nível iconográfico,
com ‘análise dos temas e conceitos específicos’ expressos pelos objectos
segundo as fontes literárias e/ou o seu tipo ou época;
3. Nível iconológico,
onde se situa a leitura interpretativa dos significados intrínsecos da Obra de
Arte em apreço segundo o quadro contextual (social, ideológico, político, etc)
e segundo o quadro mais lacto dos símbolos e códigos que a informam como
«tendência essencial do espírito humano».
Na prática, a ICONOLOGIA dedica particular relevo ao estudo dos textos, dos contextos e dos programas: todas
as obras de arte têm um programa interno, que pode ser perceptível. O modelo conceptual de Aby Warburg, e de Panofsky, buscava já englobar forma, sujeito e sentido na sua abordagem das obras de arte. É certo que os estudos iconológicos têm dado maior ênfase aos temas do Renascimento (como o estudo de Panofsky e Fritz Saxl, de 1923, sobre a Melencolia I de Durer), e tem negligenciado outras épocas artísticas – mas tal não deve ser visto como sinónimo de fraqueza, mas sim como falta de aplicação integral do seu modus faciendi...
O uso da Iconologia, tal como praticado após a morte dos seus fundadores, tem tido recuos e «vulgatas» redutoras. É certa, e tem dose de verdade, a crítica de que alguma iconologia presta mais atenção aos textos literários que às obras de arte. É certo, e tem dose de verdade também, a crítica de que alguma iconologia se perde nas gavetas infindas das colecções de gravura na sua busca desenfreada de um «sentido escondido» em todas as imagens, e de lhes determinar a priori um sentido determinado de que depois tenta fazer prova... Enfim, é também certo que a obra de arte se não pode reduzir aos seus códigos de significação, e que esta «irredutibilidade» de alguma iconologia presta um mau serviço ao estudo integral das obras de arte, por não as deixar expressar livremente os seus códigos estéticos... É certo que algumas destas críticas colhem fundo: em nome da iconologia, tem-se praticado uma H. de Arte redutora. Mas convém lembrar também que, num prisma bem diverso, a Iconologia suscitou outro tipo críticas (o maccarthismo nos EUA versus a teoria de Panofsky, desconfiando do uso do termo ‘ideologia’...). A questão reside, segundo o grande historiador de arte, na operacionalidade do método: «a Iconologia é uma técnica que quedará fundamental para a identidade dos géneroas de imagem e no uso das fontes», aduzindo que importa também ter-se em conta a necessária «abertura» inerente à arte e à interpretação dos símbolos e códigos artísticos.
A herança ewarburghiana é significativa nestas obras. Segundo Aby Warburg e Panofsky, o que importa à ICONOLOGIA é abrir as fronteiras entre várias matérias do saber, entre várias disciplinas das Humanidades, redefinindo noções como «contexto» e «programa artístico» e arrticulando vias interdisciplinares de saber ver as obras de arte na sua carga de integralidades.