Theodor Adorno, a teoria da Estética e o conceito de 'inexprimível' artístico.

10 Maio 2018, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

SOBRE THEODOR ADORNO E A ‘ESCOLA DE FRANKFURT’ (1903-1969)

A Escola de Frankfurt (Frankfurter Schule), de que a figura mais ilustre será Theodor Adorno, foi uma escola de teoria social interdisciplinar, dse perfil neomarxista, associada ao Instituto para a Pesquisa Social da Universidade dessa cidade. A escola reunia na origem filósofos e cientistas sociais que que acreditavam que alguns dos seguidores de Karl Marx tinham abastardado e limitado as suas teses, levando à ortodoxia. Muitos desses teóricos admitiam que a tradicional teoria marxista não podia explicar adequadamente o turbulento e inesperado desenvolvimento de sociedades capitalistas no século XX. Críticos tanto do capitalismo e do estalinismo, as obras desta escola apontaram para a possibilidade de um caminho alternativo para o desenvolvimento social. Apesar de todas as dificuldades e alinhamentos, os teóricos da Escola de Frankfurt usaram um paradigma comum, compartilhando assim os mesmos pressupostos e preocupando-se com questões similares. A fim de preencher as omissões do marxismo tradicional, recorreram outras escolas de pensamento, usando ensaios de Sociologia anti-positivista, Psicanálise, Filosofia Existencialista, Estética e outras disciplinas. Assim, as principais figuras da escola aprenderam e estudaram o pensamento de Kant, Hegel, Marx, Freud, Weber, Lukács, etc. Seguindo Marx, estavam preocupados em perceber as condições que permitiam as mudanças sociais e o estabelecimento de instituições racionais. A sua ênfase na componente crítica da teoria derivou significativamente da sua tentativa de superar os limites do positivismo, do materialismo e do determinismo, retornando às bases da Filosofia crítica de Kant e aos seus sucessores no idealismo alemão, principalmente a filosofia de Hegel, com sua ênfase na dialéctica e contradição como propriedades inerentes da realidade. Desde a década de 1960, a teoria crítica da Escola de Frankfurt tem sido guiada pelo trabalho de Jürgen Habermas na razão comunicativa, inter-subjectividade linguística, estética, e aquilo a que Habermas chama "discurso filosófico da modernidade". Mais recentemente, teóricos críticos como Nikolas Kompridis seguiram, como oposição a Habermas, a ideia de que ele tinha minado as aspirações à mudança social que originalmente davam propósito a vários projectos de teóricos críticos - por exemplo, o problema de que razão deve denotar, a análise e a ampliação de "condições de possibilidade" para a emancipação social plena e a crítica ao capitalismo moderno. Interessa-nos avaliar o legado desta escola de pensamento no campo da arte e da estética, em que o pensamento de Adorno foi especialmente original. «Todas as obras de arte, e a arte em geral, são enigmas, o que sempre irritou a teoria da arte», disse. Desenvolveu os conceitos de incognoscível, de instável, de «determinação do indeterminado», na sua abordagem do fenómeno artístico, a partir da ideia de que «a arte não é um puro objecto hermenêutico».

Verdenor Wiesehngrund (Adorno) nasceu em Frankfurt, filho de Oscar Alexander Wiesengrund (1870-1941), judeu, negociante alemão de vinhos, convertido ao protestantismo, e de Maria Barbara Calvelli-Adorno, cantora lírica italiana e católica. Theodor passou a abreviar o último nome, utilizando o nome de solteira da mãe como sobrenome (Theodor W. Adorno, ou Theodor Adorno). Estudou música com a meia-irmã, Agathe. Frequentou o Kaiser-Wilhelm-Gymnasium, onde se destacou. Ainda na adolescência teve aulas de composição com Bernhard Sekles e leu Immanuel Kant com o seu amigo Siegfried Kracauer, especialista em Sociologia do Conhecimento. Mais tarde, diria que deveu mais a essas leituras que a qualquer de seus professores na Universidade. Na Universidade de Frankfurt (actual Universidade Johann Wolfgang Goethe) estudou Filosofia, Estética, Musicologia, Psicologia e Sociologia. Completou os estudos, defendendo em 1924 a tese sobre Edmund Husserl (A transcendência do objecto e do noemático na fenomenologia de Husserl), orientado pelo Prof. Hans Cornelius. Diz Adorno que essa tese foi muito influenciada por seu orientador. No fim da graduação conhece já dois de seus principais parceiros intelectuais, Max Horkheimer e Walter Benjamin.

Entre 1921 e 1923 publicou cerca de cem artigos sobre crítica e estética musical e conhece Vilma, com quem casaria. A sua carreira filosófica começa em 1933 com a publicação da tese sobre Kierkegaard. Em 1925 conhece um dos filósofos que mais o influenciaram, o jovem Lukács que, sendo crítico de Kierkegaard, decepcionará o jovem Adorno e o leva a renegar a sua obra de juventude (A Teoria do Romance, por completo, e a História e Consciência de Classe, em parte). Essas obras são pilares do pensamento de Adorno, que travará polémicas com Lukács por seus "desvios" de pensamento em prol do partido. Outro filósofo que influenciará Adorno de forma crucial foli Walter Benjamin, a ponto de Adorno afirmar que, em determinado momento de suas produção filosófica a sua maior intenção era traduzir Benjamin em termos académicos. Com o fim da Segunda grande Guerra, Adorno é um dos que mais desejam o retorno do Instituto para a Pesquisa Social a Frankfurt, tornando-se seu director-adjunto e seu co-director em 1955. Com a aposentadoria de Hokheimer, Adorno torna-se o seu novo director.

 

Últimos anos e morte. Próximo de sua morte, em 1969, Theodor Adorno envolve-se em polémica com o seu companheiro e amigo da Escola de Frankfurt, Herbert Marcuse, por não ter apoiado os estudantes que, em 31 de Janeiro desse ano, interromperam a aula, tentando continuar, dentro do Instituto, os protestos que tomavam as ruas das capitais da Europa. Adorno chamou a polícia... Marcuse posicionou-se a favor dos estudantes e, numa série de cartas, repreendeu severamente o amigo, dizendo de maneira clara que "em determinadas situações, a ocupação de prédios e a interrupção de aulas são actos legítimos de protesto político (...). Na medida em que a democracia burguesa (em virtude de suas antinomias imanentes) se fecha à transformação qualitativa, através do próprio processo democrático-parlamentar, a oposição extra-parlamentar torna-se a única forma de contestação: desobediência civil, acção directa". Famosas foram ainda suas polémicas com Arnold Gehlen, filósofo e sociólogo conservador, um dos representantes, ao lado de Hamns Frever e Helmut Schelsky, da Escola de Leipzig. Adorno faleceu, por problemas cardíacos, no dia 6 de agosto de 1969. Está sepultado em Hauptfriedhof,Frankfurt am Maim, Hesse (Alemanha). Ao visar a produção em série e a homogeneização, a técnica de reprodução sacrifica a distinção entre o carácter da própria obra de arte e do sistema social. Por conseguinte, se a técnica passa a exercer imenso poder sobre a sociedade, tal ocorre, segundo Adorno, graças em grande parte ao facto de que as circunstâncias que favorecem tal poder são arquitectadas pelo poder dos economicamente mais fortes sobre a própria sociedade. Assim, a racionalidade da técnica identifica-se com a racionalidade do próprio domínio. Essas considerações evidenciariam que não só o Cinema como também a Rádio não devem ser vistos como arte... O facto de não serem mais que negócios, escreve Adorno, basta-lhes como ideologia”. Enquanto negócios, os seus fins comerciais são realizados por meio de sistemática e programada exploração de bens considerados culturais. Tal exploração Adorno chama de “indústria cultural”.

 

O Conceito de Indústria Cultural. O termo Indústria Cultural foi empregue pela primeira vez em 1947, quando da publicação da Dialéctica do Iluminismo, de Horkheimer e Adorno. Numa série de conferências de rádio, em 1962, explicou que a expressão “indústria cultural” visa substituir “cultura de massas”, pois esta induz ao engodo que satisfaz os interesses dos detentores dos veículos de comunicação de massa. Os defensores da expressão “cultura de massa” querem dar a entender que se trata de algo como uma cultura surgindo espontaneamente das próprias massas. Para Adorno, que diverge frontalmente dessa interpretação, a indústria cultural, ao aspirar à integração vertical de seus consumidores, não apenas adapta seus produtos ao consumo das massas, mas, em larga medida, determina o próprio consumo. Interessada nos homens apenas enquanto consumidores ou empregados, a indústria cultural reduz a humanidade, em seu conjunto, assim como cada um de seus elementos, às condições que representam os seus interesses.

A indústria cultural transporta todos os elementos característicos do mundo industrial moderno e nele exerce um papel específico, o de portadora da ideologia dominante, que outorga sentido a todo o sistema. Adorno fala acerca da ideologia capitalista, e sua cúmplice, a indústria cultural, que contribui eficazmente para falsificar as relações entre os homens, bem como dos homens com a natureza, de tal modo que o resultado final se torna uma espécie de anti-iluminismo. Considera que o iluminismo teve como a finalidade libertar os homens do medo, tornando-os senhores e libertando o mundo da magia e do mito, e admitindo que essa finalidade pode ser atingida por meio da ciência e da tecnologia, tudo levaria a crer que o iluminismo instauraria o poder do homem sobre a ciência e a técnica. Ao invés disso, liberto do medo mágico, o homem tornou-se vítima de novo engodo: o progresso da dominação técnica. Esse progresso transformou-se em poderoso instrumento utilizado pela indústria cultural para conter o desenvolvimento da consciência das massas. A indústria cultural nas palavras de Adorno, “impede a formação de indivíduos autónomos, independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente”. O ócio do homem é utilizado pela indústria cultural com o fito de mecanizá-lo, de tal modo que, sob o capitalismo na sua forma mais avançada, a diversão e o lazer se tornam um prolongamento do trabalho. Para Adorno, a diversão é buscada pelos que desejam esquivar-se ao processo de trabalho mecanizado para se colocarem de novo em condições de a ele se submeterem. A mecanização conquistou tamanho poder sobre o homem, nos tempos livres, e sobre a sua felicidade, determinando tão completamente a fabricação dos produtos para distracção, que ele não tem acesso senão a cópias e reproduções do seu próprio trabalho. O suposto conteúdo não é mais que uma pálida fachada: o que lhe é dado é a sucessão automática de operações reguladas. Em suma, “só se pode escapar ao processo de trabalho na fábrica e na oficina, adequando a ele o ócio“.

A Filosofia de Theodor Adorno, considerada das mais complexas do século XX, fundamenta-se na perspectiva da Dialéctica. Uma das suas obras marcantes, a Dialética do Esclarecimento, em colaboração com Max Horkheimer durante a Segunda Grande Guerra, é uma crítica da razão instrumental, conceito fundamental deste último filósofo (uma crítica, fundada numa interpretação negativa do Iluminismo, de uma civilização técnica e da lógica cultural do sistema capitalista, que Adorno chama “indústria cultural"). Também é uma crítica à sociedade de mercado que não tem outro fim senão o progresso técnico. A actual civilização técnica, surgida do espírito do Iluminismo e do seu conceito de razão, não representa mais que um domínio racional sobre a natureza, que implica ao mesmo tempo um domínio (irracional) sobre o homem; os diferentes fenómenos de barbárie moderna (fascismo e nazismo) não seriam mais que a pior atitude autoritária de domínio sobre o outro (neste caso Adorno recorre a outro filósofo alemão, Nietzche). Na Dialéctica Negativa, intenta mostrar o caminho de uma reforma da razão em si mesma, com o fim de libertá-la deste lastro de domínio autoritário sobre as coisas e os homens, lastro que ela carrega desde a razão iluminista. Opõe-se à filosofia dialéctica inspirada em Hegel, que reduz ao princípio da identidade ou a sistema todas as coisas através do pensamento, superando suas contradições (crítica também do Positivismo Lógico, que deseja assenhorar-se da natureza por intermédio do conhecimento científico), o método dialéctico da “não-identidade", de respeitar a negação, as contradições, o diferente, o dissonante, o que chama também de inexpressável: o respeito ao objecto, enfim, e a recusa do pensamento sistemático. A razão só deixa de ser dominante se aceitar a dualidade sujeito / objecto, interrogando (e interrogando-se) sempre o sujeito diante do objecto, sem saber sequer se pode chegar a compreendê-lo por inteiro. Tal admissão do irracional (pensar no irracional é pensar nas categorias tradicionais que supõem uma reafirmação das estruturas da sociedade) leva-o a valorizar a arte, sobretudo a de vanguarda, já por si problemática (como a música atonal de Arnold Schonberg, p. ex.), porque supõe uma total independência face ao que representa a razão instrumental. Adorno vê na Arte um reflexo mediado do real.

Da Crítica da Razão, Adorno chega também à crítica da linguagem. Toda a linguagem conceptual produz alguma forma de violência cognitiva, pois nunca podemos conformar totalmente as palavras aos objetos e sentimentos tal como eles são (contradição do não-idêntico). Como alternativa e complemento à linguagem conceptual, valoriza a linguagem artística, que consegue expressar irracionalidades, contradições e medos sem os violentar por meio de conceitos. Ao erigir os seus próprios significados, a obra de arte cria um mundo interno sem necessidade de se espelhar em objetos externos e incorrer em violência cognitiva.

Para Adorno, a postura optimista de Walter Benjamin em respeito à função mais revolucionária do cinema desconsidera certos elementos fundamentais. Embora deva a maior parte de suas reflexões a Benjamin, Adorno mostrou a falta de sustentação de algumas teses, que não trazem à luz o antagonismo que reside no próprio interior do conceito de “técnica”. Segundo Adorno, passou despercebido a Benjamin que a técnica define-se em dois níveis: primeiro “enquanto coisa determinada intra-esteticamente” e, segundo, “enquanto desenvolvimento exterior às obras de arte”. O conceito de técnica não deve ser pensado de maneira absoluta: ele possui uma origem histórica e pode desaparecer.