Walter Benjamin e os conceitos de autenticidade e aura.

19 Abril 2018, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Walter Benjamin e os conceitos de autenticidade e aura.

Walter Benedix Schönflies Benjamin (Berlim, 1982-Portbou, 1940), crítico, jornalista, historiador de arte, cientista, filósofo, tradutor, icionólogo e sociólogo, é uma das figuras mais prestigiantes no campo da Estética, que dinamizou através do conceito de AURA para uma nova percepção teórica e sensitiva das artes. Associado desde sempre à Escola de Frankfurt, tal como George Lukács e Bertold Brecht, recebeu a influência do místico judeu Gershom Scholem. Era um profundo conhecedor da língua e cultura francesas, tendo traduzido para alemão obras como Quadros Parisienses de Charles Baudelaire e Em Busca do Tempo Perdido de Marcel Proust. Mas ér no campo da Estética que o seu contributo é original.

Sobre a famosa aura, escreveu na A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica: «A singularidade é idêntica à sua forma de se instalar no contexto da tradição. Esta tradição, ela própria, é algo de inteiramente vivo, de extraordinariamente mutável. Uma estátua antiga de Vénus, por exemplo, situava-se num contexto tradicional diferente, para os gregos que a consideravam um objecto de culto, e para os clérigos medievais que viam nela um ídolo nefasto. Mas o que ambos enfrentavam da mesma forma era a sua singularidade, por outras palavras, a sua aura»…

O talento analítico de Benjamin expressou-se no modo como soube entrever relações entre tudo o que parecia disperso e amalgamado, numa capacidade de perceber as relações, afinal estreitas e clarificantes, entre a matéria bruta e o imaginário da produção de bens de consumo. São valores de longa sobrevivência, que interessam à prática da História e da Crítica das Artes e que explicam os mecanismos paragonais de gosto e de repulsa, de marginalidade e de massificação, de deriva repressiva e de ruptura vanguardística.

As novas gerações de historiadores e críticos de arte da era da globalização aprendem com estas lições oriundas da esfera da sociologia da arte, a psicologia, a antropologia e a filosofia marxista e que se tornam de utilidade para a definição da disciplina.

A História-Crítica da Arte, ao mostrar utilidade perene, ao falar das obras em aberto (como as definiu Umberto Eco), progrediu de modo significativo no contexto de um mundo em globalização. Alargou capacidades de análise, recentrou interesses regionais, atraiu jovens investigadores, disponibilizou apoio dos poderes instituídos, redefiniu objectos de estudo no enfoque micro-artístico, amadureceu a visão patrimonialista sem antigas peias auto-menorizadoras, e reforçou esse seu entendimento (que só ela pode ter…) do discurso da arte como um fenómeno que é em todas as circunstâncias inesgotável e por isso trans-contemporâneo.

Walter Benjamin nasceu no seio de uma família judaica, filho de Emil Benjamin e de Paula Schönflies Benjamin, comerciantes de produtos franceses em Berlim. Na adolescência, perfilhou ideais socialistas e participou no  Movimento da Juventude Livre Alemã, colaborando na sua revista, revelando maior influência de Nietzche. Em 1915, conhece Gershom Gerhard Scholem, pensador judeu e arrebatado místico, de quem se torna muito próximo, quer pelo gosto comum pela arte, quer pela religião judaica que estudavam. Em 1919 defende tese de doutoramenrto sobre A Crítica de Arte no Romantismo Alemão, que foi aprovada e recomendada para publicação. Em 1925, constatou que a vida académica não lhe estava aberta, depois de ver rejeitada na Universidade de Frankfurt a tese de provas pedagógicas Origem do Drama Barroco Alemão. Interessa-se mais pelo marxismo, tal xcomo seu amiogo Theodor Adorno, defendendo a filosofia de George Lukács; publica resenhas e traduções que lhe trazem reconhecimento como crítico literário. Em 1934-35 vive em Itália, e vive tensões com o Instituto para Pesquisas Sociais (a chamada Escola de Frankfurt). Em 1940, data da morte, escreve as Teses Sobre o Conceito de História, considerada como o mais importante texto revolucionário desde Marx (embora outros vejam no livro um retrocesso no pensamento benjaminiano). A sua morte, desde sempre envolta em mistério, ocorre durante a tentativa de fuga através dos Pirinéus, quando em Portbou, temendo ser entregue à Gestapo, teria cometido o suicídio.

O fio de pensamento une os textos, que se agrupam sob o título O Anjo da História relaciona-se com a paixão de Benjamin por um quadro de Paul Klee, Angelus Novus. Gershom Scholem, seu amigo e biógrafo, conta que Benjamin adquiriu a obra de Klee em 1921 e diz que o amigo considerava a obra como uma sua possessão. O quadro de Klee tornou-se imagem obsessiva, expressão de uma certa visão da História, sem falar nas implicações talmúdicas da angelogia judaica, alegorizava a ideia da ruína e catástrofe. Essa concepção benjaminiana da catástrofe já aparece na obra A Origem do Drama Barroco, como percepção lúcida da falência do paradigma da concepção da História como progresso, insuflada pela visão contínua da temporalidade dos factos históricos. O olhar de Benjamin desespera nessa percepção falseada da realidade, em que a ilusão do progresso norteia toda a concepção da História na sua época. 

Para WB é preciso interromper a catástrofe, romper com a ilusão do Progresso e despertar para outra concepção da História, capaz de redimir a injustiça e despertar a débil força messiânica que existe em cada geração: despertar para outra dimensão da História, em que o passado surja metamorfoseado pela luz da redenção messiânica, mas também para outra dimensão da temporalidade, a do instante do Agora (Jetzt). Ora, esse é precisamente o "momento revolucionário", que rompe o contínuo da história e da visão da história entendida como sucessão e continuidade, a única, assim, capaz de interromper a catástrofe imparável.

No textos Sobre a crítica do poder como violência e Fragmento teológico-político, de 1919-20, o que é claramente anunciado é o poder revolucionário e instaurador de uma nova ordem de valores que a interrupção messiânica comporta a partir de si. No primeiro é a interrupção do Direito humano a favor da instauração violenta do Direito divino, pois só esse funda a verdadeira justiça." Também no texto "Fragmento teológico-político", é a interrupção da ordem profana e o seu contínuo que opera a restitutio in integrum espiritual, isto é, fazendo surgir, através da dissolução do profano, a verdadeira ordem messiânica. Essa ideia, de uma ordem messiânica, é algo que se esbaterá nos anos seguintes da obra de Benjamin, que descobre o materialismo dialéctico em 1924, ao conhecer Asja Lascis. Só mais tarde regressará à sua visão messiânica da História.Walter Benjamin faleceu em 1940, em Portbou, na fronteira espanhola, fugitivo da barbárie nazi. Suicidou-se após recusa de obter passaporte após passar pela França ocupada. A sua epistolografia final sintetiza bem o modo como a análise marxista e o misticismo se interligam para entender os modos como se intersectam as artes e a tecnologia, a luta de classes e a consciência libertária dos homens, incluindo a sua dimensão de transcendência. Benjamin analisou de modo pioneiro o papel do Cinema e da Fotografia, e o dos media, deixando obra imensa, só postumamente publicada pelos círculos marxistas académicos dos EUA e da Europa. «Para se ser feliz, há que ser capaz de tomar consciência de si mesmo sem medo», escreveu…

A autenticidade de uma coisa é a suma de rudo o que desde a sua origem nela é transmissível, desde a sua duração material ao seu testemunho histórico. Uma vez que este testemunho assenta naquela duração, na reprodução ele acaba por vacilar, quando a primeira, a autenticidade, escapa ao homem e o mesmo sucede ao segundo; ao testemunho histórico da coisa. Apenas este é certo, mas o que assim vacila é exactamente a autoridade da coisa e o que murcha na era da reprodutibilidade da obra de arte é a sua aura»…

O conceito de aura na obra de Walter Benjamin insere-se no âmbito da definição de obra de arte. O conceito está ligado à sua reprodutibilidade técnica. Desde sempre existiu a possibilidade dos homens copiarem o que os outros tinham feito. Num primeiro momento, essas cópias eram feitas por discípulos dos artistas e, num segundo momento, eram copiadas para fins lucrativos. No entanto, a arte deixa de ser reproduzida manualmente quando, a entrada da fotografia possibilita uma mudança na mentalidade das pessoas. Benjamin escreveu que “com a fotografia, a mão liberta-se pela primeira vez, no processo de reprodução de imagens, de importantes tarefas artísticas que a partir de então passaram a caber exclusivamente aos olhos que vêem através da objectiva. Como o olho apreende mais depressa do que a mão desenha, o processo de reprodução de imagens foi tão extraordinariamente acelerado que passou a poder acompanhar a fala.” O cinema, por exemplo, surgiu como um complemento dessa percepção visual mais rápida e do olhar.

Todavia, a reprodução da obra de arte relaciona-se com a possibilidade de indagação sobre a sua própria autenticidade. Para Benjamin, por mais perfeita que fosse a cópia, jamais seria igual à obra de arte original. Ou seja, uma obra reproduzida não capta totalmente o “aqui e agora” de uma obra de arte. Já a reprodução técnica possui maior autonomia do que a reprodução manual, por isso, para a reprodução técnica, o objecto não necessita ser reproduzido exactamente como ele se encontra no seu estado natural. “A autenticidade de uma coisa é a essência de tudo o que ela comporta de transmissível desde a sua origem, da duração material à sua qualidade de testemunho histórico.” Exibindo a reciprocidade de acção entre a matéria e o homem, o Cinema seria de valia inestimável para o pensamento materialista. Adaptado adequadamente ao proletariado, que se prepararia para tomar o poder, o Cinema tornar-se-ia, em consequência, portador de uma extraordinária esperança histórica.

A obra de Benjamin reúne conceitos que têm provocado uma série de respostas, incluindo as de Jacques Derrida que, como nas suas leituras onde cuidadosamente reproduz textos de Benjamin, se destacam os aspectos místicos e a afirmação magnífica da alteridade absoluta. O princípio messiânica de Derrida defende que cada momento do tempo apresenta uma oportunidade única, revolucionária. Franz Rosenzweig (Estrela da Redenção a partir de 1921), Gerschom Scholem, Hannah Arendt, Franz Kafka, Paul Celan, Emmanuel Levinas e Jacques Derrida, cada um deles, assumiu um papel importante na tradição do pensamento judaico no século XX. A concepção materialista da história (e o caso de amor com Asja Lacis) enriquece a perspectiva marxista de Benjamin e, bem assim, de Theodor Adorno e Max Horkheimer (e da Escola de Frankfurt, em geral), bem como de Georg Lukács e Bertold Brecht, com forte protagonismo na  tradição da estética do século passado.

A tradição da Filosofia alemã de Immanuel Kant, incluindo os românticos alemães (de Goethe aos irmãos Schlegel), FWJ Schelling e GWF Hegel, sem esquecer Edmund Husserl e o seu discípulo Martin Heidegger, mostram paralelos com o trabalho de W. Benjamin.O texto Teorias do Fascismo Alemão, de 1930, pressente a iminência do nazismo na Europa. A sua visão da História pretende-se como um antídoto face ao que pressente, pois percebeu que o optimismo da visão progressista oculta o hediondo rosto do fascismo alemão. Por isso, a visão benjaminiana da História, o seu pessimismo, associa-se ao sentimento de uma melancolia revolucionária que procura uma saída de emergência: "Marx diz que as revoluções são a locomotiva da história universal. Mas talvez as coisas se passem de maneira diferente. Talvez as revoluções sejam o gesto de accionar o travão de emergência por parte do género humano que viaja nesse comboio." (Arquivo Benjamin, mss. 1100). Trata-se de procurar um gesto ético que interrompa a catástrofe e abra passagem para uma outra compreensão da História: redespertar a força do passado no presente e devolver a glória aos vencidos da História. O Anjo espera esse momento redentor, pese o vendaval do Progresso que o arrasta "imparavelmente para o futuro“... A análise de Benjamin mostra que as técnicas de reprodução das obras de arte, ao provocarem a queda da aura, promovem a liquidação do elemento tradicional da herança cultural; mas, por outro lado, esse processo contém um germe positivo na medida em que possibilita um outro relacionamento das massas com a arte, dotando-as de um instrumento eficaz de renovação das estruturas sociais e da sua consciência. Trata-se de uma postura optimista, objecto de reflexão crítica por parte de Adorno. Actualmente a obra de Benjamin exerce grande influência, p. ex., em G. Agamben, no que toca ao conceito de Estado de excepção.