História da escrita latina IV
28 Novembro 2017, 16:00 • Susana Tavares Pedro
escrita(s) Gótica(s)
Battelli – 2.º período : escrita nos centros de cultura medieval
b) séc XIII-XIV, produção librária universitária e da sociedade laica e eclesiástica
O surgimento da escrita gótica é, no fundo, o último período de evolução da carolina, caracterizado por uma tendência para um traçado exageradamente caligráfico, marcado por contraste grande entre traços grossos e finos, com os traços curvos e fluidos gradualmente mais rectilíneos e angulosos. No término desta evolução, surge uma nova escrita, derivada da carolina: a gótica, termo cunhado pelos humanistas que reflecte o desagrado por um tipo gráfico considerado bárbaro quando confrontado com a minúscula carolina.
• contraste entre traços cheios e finos, e espessamento do traçado
• transformação dos arcos em traços angulares
• escrita comprimida, pesada, com tendência para o alongamento das hastes
• desaparecimento da ligadura & e substituição pela nota tironiana ⁊
• uso de um r derivado da capital a seguir a letras de formas arredondadas
• criação de nexos na junção de letras contíguas de curvas opostas (bo, oc, be...)
• desenvolvimento de um alfabeto maiúsculo com formas adaptadas das séries uncial, capital ou minúscula, com duplicação de traços e adição de traços complementares
O grande motor da evolução das escritas góticas foi a mudança cultural que se deu a partir da segunda metade do século XII com a criação dos estudos universitários.
• escritas caligráficas livrescas
• escritas mais modestas, de módulo menor e mais próximas da tradição carolina
• grande variedade de cursivos documentais.
Para simplificação, agrupam-se em dois géneros: a gótica livresca e a gótica cursiva
A escrita gótica deriva directamente da carolina em consequência de uma gradual estilização gráfica, que Batelli denomina um "excesso de maneirismo" que responde a um novo gosto estético reflectido por exemplo na arquitectura. Por outro lado, as novas formas resultam igualmente de uma inovação na técnica de escrita, na mudança do instrumento usado — a pena aparada com bisel à esquerda em substituição do cálamo.
1) livresca (textura)
A mais caligráfica, apurada no século XIII e mais evidente nos códices litúrgicos
Em França, sobretudo, nos manuscritos universitários, aparece a letra parisiense, de menores dimensões e de execução menos caligráfica; os traços verticais por vezes inclinam-se para a esquerda, mantendo grande contraste entre traços finos e cheios, com uma aspecto geral de irregularidade
2) minúscula gótica cursiva
A minúscula gótica cursiva não é uma evolução das cursivas anteriores mas sim uma derivação da minúscula carolina, que sucede em paralelo com o desenvolvimento da gótica livresca, da qual se diferencia pela ligeireza do traçado.
É a escrita de uso comum formada no ambiente das escritas documentais, usada em correspondência particular, nas minutas e documentos, nos livros de contabilidade e registos.
A característica principal é a velocidade de execução, que condiciona e determina a formação de ligaduras, entre letras e laçadas nas hastes, e favorece a tendência para a inclinação da escrita para a direita ou para a esquerda, perdendo a verticalidade caligráfica. O número de abreviaturas cresce em quantidade.
Algumas letras desenvolvem figuras características por causa da forma como se ligam à letra que segue, o c sempre pelo 2.º traço (superior), o d pela haste que forma laçada, o s e f descem sob a linha como o p e q
Desenvolvem-se formas finais para algumas letras: s, m, n e r.
2a) bastarda(s) lettre bâtarde
Em França forma-se uma outra derivação de chancelaria, com traçado regular, menos angulosa, muito inclinada para a direita e com forma particular nas hastes descendentes : mais espessas no topo e terminando em ponta na extremidade inferior. É o tipo de escrita preferido na feitura de códices franceses.
A bâtarde é uma síntese de formas cursivas e caligráficas, usada essencialmente em textos escritos já nas línguas romances e não em latim.
Portugal
Talvez por influência desta escrita bastarda que apresenta características cursivas caligrafizadas, em Portugal surge, nos documentos, uma nova escrita que Borges Nunes associa à revolução do Mestre de Avis, e, eventualmente, ao séquito aquitânico de D. Filipa de Lencastre: a letra joanina, cursivo muito regular, que evita em parte os traços horizontais muito prolongados do cursivo gótico que até c. 1375 é o típico da documentação portuguesa.
A letra joanina matém o uso de hastes altas, prolongamento das hastes inferiores e caudas, mas em vez dos traços arredondados do gótico cursivo anterior, apresenta traços angulosos e sem grande contraste entre cheios e finos.
A partir de meados do século XV acentua-se a influência da escrita Cortesana (do século XIV em Espanha), com diminuição da extenção das hastes e alívio da compressão horizontal da escrita, com inclinação à direita mais pronunciada e letras e sinais mais arredondados. O processo acentua-se no reinado de D. Manuel I, especialmente a partir de 1500, e surge uma letra nova, para a qual BN propõe o nome de manuelina. Tem duas vertentes, uma mais regular e caligráfica e outra mais veloz e cursiva, estudadas por Maria Teresa Pereira Coelho (Existiu uma escrita manuelina? Estudo paleográfico da produção gráfica de escrivães da corte régia portuguesa (1490-1530) Lisboa, 2006)
A manuelina comum caracteriza-se por maior arredondamento dos traços, diminuição do tamanho das hastes, que tendem a ser curtas e com laçadas, e progressiva diminuição de alguns caracteres, como o i longo, o s longo e o r longo; predominam o r redondo, o e com laçada e o i com plica (pinta). As ligações cursivas estabelecem-se entre os traços de cada letra, com consequente simplificação de feitura, entre letras de uma palavra e entre algumas palavras.
• diminuição do uso de abreviaturas com excepção do traço geral de abreviação, a nota tironiana para E e para COM e as abreviaturas associadas às letras p, v e s.
• ausência quase total de sinais de pontuação
A manuelina caligrafada apresenta arredondamento dos traços, diminuição da extensão das hastes e prolongamentos, aliados a clara separação de palavras, compressão horizontal da escrita, emprego do s cursivo de origem capital em final de palavra, menor uso de ligaduras, uso frequente de sinais de pontuação.
Da análida dos escrivães da Corte, nota-se que na documentação escrita por António Carneiro, secretário do Rei a partir de 1509, é onde se verifica mais cedo (1499) o uso da manuelina comum, e na escrita por Afonso Mexia (1497) onde se regista o primeiro exemplo de manuelina caligrafada.
Na prática quotidiana dos escrivães e tabeliães mais afastados da Corte Régia, os cursivos góticos joanino e manuelino prolongam-se por largos anos, por vezes com sobrevivências ainda nos alvores do século XVIII.