Sumários
Discussão dos trabalhos
19 Dezembro 2017, 16:00 • Susana Tavares Pedro
Esclarecimento de dúvidas com vista à realização dos trabalhos finais para avaliação.
Discussão de texto
12 Dezembro 2017, 16:00 • Susana Tavares Pedro
Discussão do artigo de Armando Petrucci, "Função da escrita e terminologia paleográfica".
Tipos gráficos em utilização (Petrucci 1979)
1. monografismo absoluto
nos quais se assista à presença de um único sistema gráfico (p.ex. da escrita latina) e, no interior dele, da variada mas limitada articulação de um único género de escrita, que é ao mesmo tempo a escrita da escola em todos os graus de ensino, a escrita de uso privado e documental, a escrita, por fim dos livros.
2. multigrafismo absoluto
a presença pelo menos no mesmo âmbito territorial e social de outros sistemas de escrita (p.ex. coexistência de escrita grega e latina no Egipto romano; de escrita latina, grega e árabe na Itália meridional normando-sueva, etc.), e portanto de uma situação que poderemos definir como « multigrafismo absoluto »
3. multigrafismo relativo
ou então, no interior de um único sistema de escrita, a coexistência de, pelo menos, tipos gráficos diferentes entre si e, portanto, de uma situação que poderemos definir como « multigrafismo relativo », o que é próprio, como é evidente, de qualquer sociedade com cultura escrita avançada, suficientemente articulada e socialmente difundida
situações de multigrafismo relativo podiam existir e contrapor-se diversas escritas de uso quotidiano, as quais não eram reconduzíveis a uma presumível unicidade de modelos, mas tinham origem em diferentes graus ou géneros de ensino elementar e eram utilizadas por categorias ou estratos diferentes da população; ao mesmo tempo existiam tantos modelos «normais» para quantos os tipos de escrita utilizados, ou pelo menos ensinados a nível escolar
4. multigrafismo relativo orgânico
Tais sociedades (e penso na romana dos séculos II ou III dC) apresentam normalmente o quadro, relativamente ordenado ainda que complexo, de um « multigrafismo relativo orgânico », i.e fundado numa bastante equilibrada relação hierárquica e funcional entre os diversos tipos de escrita em uso;
5. multigrafismo relativo disorgânico
mas não pode ser aqui ignorado o caso, contraposto, apresentado por ambientes de « multigrafismo relativo disorgânico », nos quais vários tipos de escrita, sem qualquer relação hierárquica entre si, alternam desordenadamente
História da escrita latina V, Graus de competência escribal
5 Dezembro 2017, 16:00 • Susana Tavares Pedro
ESCRITA HUMANÍSTICA
3.º escrita na idade moderna (desde o s. XV) - Battelli
4.º humanístico-moderno: recuperação das formas da época carolíngia pelos humanistas italianos (s. XV) e ulterior adopção nos países europeus (XVI e XVII) com excepção da Alemanha; Portugal fins XVI-XVII - Cenceti
Em meados dos. XIV, em Itália, ligado ao movimento dos pré-humanistas, houve um descontentamento com a letra medieval.
à roda de 1400, em Florença, dá-se a viragem completa, com a adopção de uma letra nova, não.gótica, a carolina dos séculos 10, 11. Nasce a letra moderna e espalha-se lentamente (em Portugal só cerca de 1550). A partir de 1500 a expansão é rápida fora de Itália, principalmente na França, Inglaterra, Catalunha...., mas na Alemanha só se difunde em meados so século XX
1. Petrarca. Grande humanista Italiano, ele próprio copia os seus textos e desenvolve uma letra especial, que na correspondência privada exprime como o objectivo de encontrar uma letra nova: é a semi-gótica.
Vários dos seus discípulos pré-humanistas continuam a tentativa de reformar a esrita, nomeadamente na segunda metade do s, XIV, Bocaccio. Na mudança de século o chanceler de Florença criara em seu redor um grupo de pré-humanistas de onde surgem três responsáveis pela nova letra: Coluccio Salutati, que introduz uma novidade ao copiar certas letras do alfabeto carolino, Poggio Bracciolini, que em 1402 copia o primeiro códice conhecido escrito integralmente segundo o modelo carolino, e adopta as maiúsculas capitais para as iniciais em substituição das maiúsculas góticas e unciais. Poggio montou uma oficina de escribas de escódices de luxo e difunde-se assim a letra humanística caligráfica solene, tb letra poggiana, que é o modelo transposto para a imprensa.
Niccoló Niccoli é um colega de Poggio, herdeiro de uma família de mercadores, que 20 anos após o primeiro trabalho de Poggio, fabrica para seu uso pessoal uma letra também influenciada pela carolina e que dará origem à humanistica caligráfica. Os códices mais antigos datam da década de 20 do século XV mas não se difunde pela Itália antes da 2.ª metade do século.
Desta desenvolve-se uma escrita mais cursiva, especialmente na corrrespondência, com uso restrito, mas que em 1500 passa igualmente para a imprensa pela mão de Aldo Manuzio, um dos maiores impressores italianos do tempo, que funde o tipo itálico.
Na cúria papel romana forma-se a partir da letra de Nicoli uma variante caligráfica, entre 1500 e 1520, a que se chamou a cancelleresca.
Surgem os primeiros manuais de caligrafica, da mão de Ludovico Arrighi (La operina) que ensina a cancelleresca e de Tagliente, em Veneza, que publica a Opera dhe insegnare a scrivere, obras que promovem a rápida difusão da nova letra.
Competência escribal (Petrucci 2002: 19-21)
Podem identificar-se seis categorias distintas de alfabetizados com base nas suas capacidades de escrita pessoais e específicas e, nos casos que que tal é possível, de leitura.
1. os cultos
Indivíduos que dominam sem dificuldade, quer do ponto de vista da produção de textos quer do do seu uso, todas as tipologias gráficas comummente usadas na sociedade a que pertencem; sabem geralmente também escrever textos em língua diversa da sua nativa e receberam instrução de nível superior
2. os alfabetizados profissionais
Empregam, com competência técnica por vezes elevada e sobretudo para fins profissionais de produção ou de reprodução textual, algumas (regra geral nunca todas) das tipologias e das técnicas gráficas em uso no seu tempo e no seu ambiente; as suas capacidades de leitura são bastante inferiores às de escrita e o seu grau de instrução é frequentemente de nível médio-baixo
3. os alfabetizados de uso
Possuem competências de leitura e escrita de nível médio-alto, que exercitam regra geral funcionalmente para exigências específicas de trabalho ou de relacionamento social (correspondência); o seu grau de instrução é médio-alto, a sua actividade de leitura é constante e criteriosamente seleccionada
4. os semialfabetizados funcionais
Possuem competências gráficas limitadas; escrevem apenas por necessidade e ocasionalmente, sempre na sua língua materna; lêem pouco ou pouquíssimo, por vezes nunca, mesmo que tecnicamente o possam fazer. (podem ser identificados com boa parte dos subescritores de documentos europeus altimedievais)
5. os semialfabetizados gráficos
Possuem competência escribal extremamente reduzida que os torna capazes de escrever apenas textos brevíssimos (subscrições, contas, séries alfabéticas, etc); não lêem ou fazem-no apenas quando obrigados e geralmente sem compreender o que lêem; o seu grau de instrução é elementar, mesmo bastante baixo.
6. os analfabetos
Não são tecnicamente capazes de ler nem de escrever, mesmo tendo por vezes recebido uma instrução rudimentar; a sua cultura é essencialmente oral e visual.
História da escrita latina IV
28 Novembro 2017, 16:00 • Susana Tavares Pedro
escrita(s) Gótica(s)
Battelli – 2.º período : escrita nos centros de cultura medieval
b) séc XIII-XIV, produção librária universitária e da sociedade laica e eclesiástica
O surgimento da escrita gótica é, no fundo, o último período de evolução da carolina, caracterizado por uma tendência para um traçado exageradamente caligráfico, marcado por contraste grande entre traços grossos e finos, com os traços curvos e fluidos gradualmente mais rectilíneos e angulosos. No término desta evolução, surge uma nova escrita, derivada da carolina: a gótica, termo cunhado pelos humanistas que reflecte o desagrado por um tipo gráfico considerado bárbaro quando confrontado com a minúscula carolina.
• contraste entre traços cheios e finos, e espessamento do traçado
• transformação dos arcos em traços angulares
• escrita comprimida, pesada, com tendência para o alongamento das hastes
• desaparecimento da ligadura & e substituição pela nota tironiana ⁊
• uso de um r derivado da capital a seguir a letras de formas arredondadas
• criação de nexos na junção de letras contíguas de curvas opostas (bo, oc, be...)
• desenvolvimento de um alfabeto maiúsculo com formas adaptadas das séries uncial, capital ou minúscula, com duplicação de traços e adição de traços complementares
O grande motor da evolução das escritas góticas foi a mudança cultural que se deu a partir da segunda metade do século XII com a criação dos estudos universitários.
• escritas caligráficas livrescas
• escritas mais modestas, de módulo menor e mais próximas da tradição carolina
• grande variedade de cursivos documentais.
Para simplificação, agrupam-se em dois géneros: a gótica livresca e a gótica cursiva
A escrita gótica deriva directamente da carolina em consequência de uma gradual estilização gráfica, que Batelli denomina um "excesso de maneirismo" que responde a um novo gosto estético reflectido por exemplo na arquitectura. Por outro lado, as novas formas resultam igualmente de uma inovação na técnica de escrita, na mudança do instrumento usado — a pena aparada com bisel à esquerda em substituição do cálamo.
1) livresca (textura)
A mais caligráfica, apurada no século XIII e mais evidente nos códices litúrgicos
Em França, sobretudo, nos manuscritos universitários, aparece a letra parisiense, de menores dimensões e de execução menos caligráfica; os traços verticais por vezes inclinam-se para a esquerda, mantendo grande contraste entre traços finos e cheios, com uma aspecto geral de irregularidade
2) minúscula gótica cursiva
A minúscula gótica cursiva não é uma evolução das cursivas anteriores mas sim uma derivação da minúscula carolina, que sucede em paralelo com o desenvolvimento da gótica livresca, da qual se diferencia pela ligeireza do traçado.
É a escrita de uso comum formada no ambiente das escritas documentais, usada em correspondência particular, nas minutas e documentos, nos livros de contabilidade e registos.
A característica principal é a velocidade de execução, que condiciona e determina a formação de ligaduras, entre letras e laçadas nas hastes, e favorece a tendência para a inclinação da escrita para a direita ou para a esquerda, perdendo a verticalidade caligráfica. O número de abreviaturas cresce em quantidade.
Algumas letras desenvolvem figuras características por causa da forma como se ligam à letra que segue, o c sempre pelo 2.º traço (superior), o d pela haste que forma laçada, o s e f descem sob a linha como o p e q
Desenvolvem-se formas finais para algumas letras: s, m, n e r.
2a) bastarda(s) lettre bâtarde
Em França forma-se uma outra derivação de chancelaria, com traçado regular, menos angulosa, muito inclinada para a direita e com forma particular nas hastes descendentes : mais espessas no topo e terminando em ponta na extremidade inferior. É o tipo de escrita preferido na feitura de códices franceses.
A bâtarde é uma síntese de formas cursivas e caligráficas, usada essencialmente em textos escritos já nas línguas romances e não em latim.
Portugal
Talvez por influência desta escrita bastarda que apresenta características cursivas caligrafizadas, em Portugal surge, nos documentos, uma nova escrita que Borges Nunes associa à revolução do Mestre de Avis, e, eventualmente, ao séquito aquitânico de D. Filipa de Lencastre: a letra joanina, cursivo muito regular, que evita em parte os traços horizontais muito prolongados do cursivo gótico que até c. 1375 é o típico da documentação portuguesa.
A letra joanina matém o uso de hastes altas, prolongamento das hastes inferiores e caudas, mas em vez dos traços arredondados do gótico cursivo anterior, apresenta traços angulosos e sem grande contraste entre cheios e finos.
A partir de meados do século XV acentua-se a influência da escrita Cortesana (do século XIV em Espanha), com diminuição da extenção das hastes e alívio da compressão horizontal da escrita, com inclinação à direita mais pronunciada e letras e sinais mais arredondados. O processo acentua-se no reinado de D. Manuel I, especialmente a partir de 1500, e surge uma letra nova, para a qual BN propõe o nome de manuelina. Tem duas vertentes, uma mais regular e caligráfica e outra mais veloz e cursiva, estudadas por Maria Teresa Pereira Coelho (Existiu uma escrita manuelina? Estudo paleográfico da produção gráfica de escrivães da corte régia portuguesa (1490-1530) Lisboa, 2006)
A manuelina comum caracteriza-se por maior arredondamento dos traços, diminuição do tamanho das hastes, que tendem a ser curtas e com laçadas, e progressiva diminuição de alguns caracteres, como o i longo, o s longo e o r longo; predominam o r redondo, o e com laçada e o i com plica (pinta). As ligações cursivas estabelecem-se entre os traços de cada letra, com consequente simplificação de feitura, entre letras de uma palavra e entre algumas palavras.
• diminuição do uso de abreviaturas com excepção do traço geral de abreviação, a nota tironiana para E e para COM e as abreviaturas associadas às letras p, v e s.
• ausência quase total de sinais de pontuação
A manuelina caligrafada apresenta arredondamento dos traços, diminuição da extensão das hastes e prolongamentos, aliados a clara separação de palavras, compressão horizontal da escrita, emprego do s cursivo de origem capital em final de palavra, menor uso de ligaduras, uso frequente de sinais de pontuação.
Da análida dos escrivães da Corte, nota-se que na documentação escrita por António Carneiro, secretário do Rei a partir de 1509, é onde se verifica mais cedo (1499) o uso da manuelina comum, e na escrita por Afonso Mexia (1497) onde se regista o primeiro exemplo de manuelina caligrafada.
Na prática quotidiana dos escrivães e tabeliães mais afastados da Corte Régia, os cursivos góticos joanino e manuelino prolongam-se por largos anos, por vezes com sobrevivências ainda nos alvores do século XVIII.
História da escrita latina III
21 Novembro 2017, 16:00 • Susana Tavares Pedro
escritas
“nacionais”
nas ilhas britânicas desenvolvem-se as formas mais livrescas da minúscula antiga (semiuncial) que são canonizadas em duas vaiedades: maiúscula e minúscula insulares – conserva sempre um carácter de escrita de livros, mesmo quando usada em documentos.
Em Espanha têm preponderância as formas mais correntes, cursivas e semicursivas, da mesma minúscula antiga, com um cursiva com formas e características locais muito pronunciadas que adquire alguma estabilidade morfológica nalgumas variedades (leonesa e moçárabe) e com duas variedades livrescas canonizadas, (toledana e castelhana).
Em França têm primazia as formas de chancelaria, cada vez mais artificiosas, canonizadas na escrita merovíngica, sem resolver o problema das escritas livrescas. Mantém-se o uso da uncial e da semi-uncial em paralelo com o universo disperso e florescente das pré-carolinas elaboradas em scriptoria monásticos, a maior parte das quais são tentativas de caligrafização das expressões cursivas e semi-cursivas da minúscula antiga ou mesmo da merovíngica.
Em Itália usam-se a uncial e a semi-uncial nos livros e, nos documentos, a minúscula cursiva, que se localiza e especializa em variedades particulares de «corsiva nuova» (ainda não estudadas sistematicamente), que dão lugar a canonizações cancellerescas na corte pontifícia (escrita curial) em em Nápoles (curialisca). No Norte as tentativas de criação de uma escrita livresca é interrompido com a adopção da minúscula carolina e no Sul, no mosteiro de Montecassino, canoniza-se a beneventana que se torna a escrita nacional livresca dessa zona da Itália e da Dalmácia.minúscula carolina
Na sequência da evolução anterior, faltava completar um processo de refinamento, de adaptação das formas básicas da escrita usual a uma escrita livresca caligráfica, harmoniosa, que respondesse às exigências estéticas mais rigorosas, ou seja, uma escrita "que representasse para a «usual» minúscula o que seis séculos antes representara a capital para a «usual maiúscula» de então (Cencetti 1997:166). Foi este o processo interrompido com a ruptura da unidade gráfica do mundo romano.
O universo gráfico que nasceu desta ruptura permanece intrinsecamente romano mas articula-se em direcções divergentes e torna-se fragmentário e dispeso. Atenua-se o sentido de exemplaridade (de modelo exemplar).
Esta deriva cultural teria tido enormes consequências na difusão e circulação dos livros (do conhecimento e da cultura) mas foi travada pelo nascimento de uma escrita que se pode considerar a expressão gráfica da cultura romano-cristã universalizante do Sacro Império Romano-Germânico que, pela primeira vez, existe como ideia espiritual: a minúscula carolina.
No reinado de Carlos Magno renasce a ideia da unidade do ocidente cristão. A estabilidade política propicia o desenvolvimento cultural com a criação de novas escolas e a procura de textos mais correctos do ponto de vista textual e de livros mais acessíveis graficamente. Enquadramento cultural é a prática de escrita monástica especialmente em ambiente beneditino na busca pela simplicidade. A escrita carolina nasce da confluência de duas correntes gráficas, a usual cursiva e as semiunciais livrescas. Ressalta como uma das maiores influências a escrita pré-carolina que se foi desenvolvendo no mosteiro de Corbie, cuja exemplo no seu estádio final é a Bíblia datada de 772-780. Esta escrita apresenta já as características (ainda arcaicas) da nova escrita.Os vários paleógrafos que se debruçaram sobre o problema da origem da escrita carolina tenderam a procurar justificar a sua criação num único centro de escrita, de onde teria depois alastrado: Roma, S. Martin de Tours (com Alcuíno de York), a escola Palatina, Corbie, Luxeuil, Lucca. Cada uma destas teorias considera a origem da carolina em determinado centros de escrita sem explicar o seu surgimento quase contemporâneo em centros diversos e longínquos (Battelli: 175). Hoje entende-se que não se pode procurar um ponto geograficamente localizado da génese da carolina mas (Gasparri) sim reconhecer nos vários exemplos que são identificados em diversos mosteiros do território Franco e italiano a convergência de dois elementos: a re-elaboração da semiuncial (em parte assente no tipo de Corbie) e a síntese de escritas pré-carolinas de cariz cursivo = é um mistura de muitas formas de origem comum, o resultado de uma corrente geral. Procede de um evolução lenta e progressiva que se desenvolve não por obra de uma pessoa ou de uma escola mas em relação a um vasto movimento cultural que foi o renascimento dos estudos no tempo de Carlos Magno. A expressão pré-carolina designa todas as escritas minúsculas não cursivas nem semi-cursivas de carácter livresco usadas em França e na do Norte anteriores à carolina, ou seja, designa todas as tentativas individuais ou de escolas para criar uma minúscula que substituísse a uncial e a semi-uncial na escrita de códices. Mas nenhuma pré-carolina pode ser considerada a «mãe» da carolina: salvo raríssimas excepções, nenhuma tem a figura do A uncial e em nenhuma se nota a tendência para eliminar as ligaduras, outra característica fundamental da carolina. Em termos da morfologia essencial, a carolina tem mais pontos de contacto com algumas minúsculas antigas ou com semi-unciais cursivizantes. A evolução da minúscula romana antiga tinha atingido um ponto estável na forma cursiva mas (Cencetti) estava ainda "à procura" de uma expresssão livresca. A semi-uncial, em vias de canonização, foi uma das linhas concretas mas não a única, que exprimiu as tendências para o alongamento das hastes, a redução do corpo das letras, e que se detectam em escritas que a paleografia tradicional definiu como "de transição". Muitos dos códices terão desaparecido, quer porque de aspecto mais modesto que os em uncial e semi-uncial, quer pela fragilidade do suporte (papiro), descartados após cópias sucessivas. Mas no terceiro quartel do século VIII aparecem por todo o lado escritas minúsculas que reflectem as mesmas tendências evolutivas anteriores e de onde se destaca um tipo que prevalece e a esse se dá o nome de minúscula carolina.
Trata-se, portanto, não de uma nova criação mas de uma continuação e concretização de um processo evolutivo implícito nas formas antigas abandonadas e retomadas, a prossecussão em vários locais de um processo geral evolutivo iniciado no período da unidade gráfica do mundo romano e mantido em suspensão durante duzentos anos.
Resta explicar o porquê deste regresso a modelos esquecidos: a resposta genérica é (Cencetti) óbvia: é o vasto movimento cultural do renascimento carolíngio. A escrita carolina afirma-se nas últimas décadas do século VIII por substituição (Battelli) ou por transformação (Cencetti) as minúsculas locais nos países francos, na Itália do Norte e do Centro, na Alemanha e Suíça; no séc. IX difunde-se na Catalunha e no séc. XII no resto da Península Ibérica. Da utilização livresca passa para uso de chancelaria (onde dará origem à minúscula diplomática nos sécs. IX-XII) e documental, neste caso sem se formar uma variedade cursiva, apenas com traçado mais livre, menos regular Do ponto de vista da morfologia, é uma escrita com formas regulares e constantes; com excepção do N nos primeiros tempos (até m. IX), todas as letras são de forma minúscula, sendo de salientar o S alto em substituição do capital
• cada letra está isolada, traçada em vários tempos segundo um ductus definido, sem ligaduras. Apenas se mantém algumas ligaduras que são tratadas de maneira caligráfica: et, st, nt, rt mais tarde ct. É caracterizada pelo aspecto arredondado das formas, equilíbrio entre o corpo das letras e as hastes ascendentes e descendentes, espaçamento das letras e ausência quase total de abreviaturas até ao século XI. No século XI começam a aparecer características particulares em cada nação.
Com o tempo, a escrita carolina sofre modificações nas suas formas primitivas e, em finais do século XII, adquire um aspecto mais anguloso que a transforma nas várias formas da escrita gótica:
• em Itália é grande e redonda, regular
• na Alemanha é mais pesada, grossa e angulosa
• em Inglaterra é alta e estreita com traços finos
• em França assemelha-se à inglesa mas mais grossa e arredondada
• em Espanha tem semelhanças com a francesa. Em Portugal só a partir do primeiro quartel do séc. XII aparecem formas alfabéticas misturadas com as da visigótica redonda que Santos considera carolino-góticas ou da gótica primitiva. De notar que estes elementos são, inicialmente, parte do sistema braquigráfico de abreviação por letra sobrescrita. A predominância das formas góticas (ao lado de formas da visigótica redonda e da visigótica cursiva) caracterizam a visigótica de transição ou semi-visigótica, atestável nos documentos no período entre 1054 e 1172.