Sumários

A escultura do Renascimento em portugal.

20 Outubro 2021, 12:30 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

A arte da Escultura adequa-se finalmente ao Renascimento com a vinda, em 1517, do frqancês Nicolau de Chanterene, autor das esculturas régias do portal do Mosteiro dos Jerónimos e do retábulo de alabastro da capela do Mosteiro jerónimo da Pena, em Sintra. Em 1528, outro gaulês, o normando João de Ruião, estabelece-se em Coimbra, onde trabalhará muito o calcáreo da região, num regime de verdadeiro monopólio que se prolonga até 1580, data do falecimento. Nasceu em Ruão cerca de 1500, e foi primeiramente identificado com um Jean de Rouen que trabalha no túmulo do Cardeal George de Amboise (1520 - 1525). Cerca de 1528 os Meneses, cujo brasão está sobre o portal mandam edificar a igreja da Atalaia. Entre 1529 e 1531 D. Jorge de Meneses manda edificar a capela da Varziela para albergar o seu sepulcro. Morre a 1 de Março de 1532. Em 1529, casa com Isabel Pires, filha de Pero Eanes, mestre de carpintaria de todas as obras reais, fica cunhado de Marcos Pires e de Cristovão de Figueiredo. Amigo e sócio de Diogo de Castilho. Teve vários filhos: Jerónimo de Ruão, Simão de Ruão (esteve em Roma e na Índia, arquitecto militar); Maria (casada com o livreiro Henrique de Colónia); João (cursou Leis, bacharel em 1555, professor da Univ. de Coimbra), Cosme (estudou cânones e professou num convento de Coimbra); Helena (ficou solteira e sempre com o pai). Morre em 1580

A reivindicação de uma melhor dimensão estatutária por parte dos artistas portugueses, à luz daquilo que na Itália renascentista se entendia por liberalità nobiltà, tem sido matéria privilegiada de estudos no contexto do Humanismo. Verifica-se que a influência do tratadismo, as viagens a Roma e Antuérpia, e os debates no seio dos studia humanitatis abriram campo, nos reinados de D. Manuel I e de D. João III, para que os pintores, escultores, iluminadores, ourives, arquitectos e outros artistas se consciencializassem do seu dever de reclamar um estatuto social de privilégio, dada a «antiguidade» e «nobreza» das artes que praticavam e a exemplo do que noutros reinos já se reconhecia. Estudam-se na paisagem portuguesa casos de auto-retratos (Vasco Fernandes), de pleitos entre artistas e clientes (João de Ruão, Diogo de Contreiras), de debates no seio de estruturas corporativas (saída da Bandeira de São Jorge), de afirmação individual da liberalidade (João de Castilho, Chanterene, Gregório Lopes), de reivindicação de cargos (Cristóvão de Figueiredo), e até de defesa de segredos da arte (Reimão d'Armas). O tempo do Renascimento foi rico, em Portugal, destes e outros sintomas de que os melhores artistas não olhavam a meios para afirmar a sua identidade criadora e obter a emancipação da sua classe. 


O Mestre da Lourinhã e a pintura de corte.

14 Outubro 2021, 12:30 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

O CHAMADO MESTRE DA LOURINHÃ E AS ENCOMENDAS DE CORTE EM PORTUGAL NO DEALBAR DO SÉC. XVI


O ambiente artístico desenvolvido no reinado de D. Manuel I revela uma grande dinâmica e um decisivo esforço de ‘aggiornamento’ face aos modelos renascentistas europeus, tanto flamengos como italianos. É no campo da pintura retabular que a arte portuguesa mostra originalidade na busca de repertórios e modelos o mais possível  ‘centralizados’, através de um regime laboral com supervisão régia e um trabalho organizado em «parcerias» e «companhias». O papel de Jorge Afonso à frente da Oficina Régia e o do nórdico Francisco Henriques e seus colaboradores, não esgota o panorama das grandes encomendas de regime, em que se destaca também o enigmático pintor que a historiografia tem apelidado de Mestre da Lourinhã e que actua ao serviço de D. Maria, segunda mulher do Venturoso, dos frades ieronimitas, e da Ordem Militar de São Tiago de Espada. O restauro recente do retábulo da Sé do Funchal permite que a obra deste mestre possa ser apreciada, agora, segundo novos e refrescantes indicadores críticos.

No contexto da estabilidade nacional do início de Quinhentos, o papel do Venturoso em prol da Res publica, em fidelidade a princípios ieronimitas, e o seu  conceito de Pater Patriae que se prolonga pela fase manuelina-joanina, aliada ao conceito de Lisboa umbilicus mundi, e à apertada legislação do rei (Leitura Nova, Ordenações, Regimento dos oficiais, reforma dos forais e das áreas judiciais, justificação da moeda, reforma do sistema de pesos e medidas, modernização das Cortes, do sistema heráldico e Oficiais de Armas, fundação dos hospitais das Misericórdias e outras confrarias de assistência, etc). Desenvolve-se, sob signo do Renascimento (por via tanto flamenga como italiana)  uma cultura livresca e uma marca artística sui generis com impacto na arquitectura, no urbanismo e nos equipamentos decorativos. Também o papel da oração individual, esteio da doutrina hieronimita, vai adquirir um papel relevante no contexto da grande encomenda oficial, tanto na metrópole como nos espaços ultramarinos do Império, explicando as características, por exemplo, da grande pintura devocional de corte. Os conventos jerónimos são decorados à imagem dessa ideologia de poder centralizado por artistas como o Mestre da Lourinhã e Frei Carlos.       O panorama de crescimento do Reino português e dos territórios sob sua influência no reinado de D. Manuel I (1495-1521) mostra, a propósito do ambiente de trabalho artístico desenvolvido, uma dinâmica nunca antes atingida e um grande esforço de modernização sob tutela centralizada. Existiu uma dominante ideia imperial que amadurece depois de 1503, como diz o historiador Luís Filipe Reis Thomaz ao recordar o modo como, sob batuta da Ordem de Cristo e os valores de São Jerónimo, germinou o projecto de construção de um vasto império ultramarino e se desenhou mesmo a hipótese de conquista de Jerusalém como corolário de um destino messiânico de que Portugal se desejava catalizador (1990). Essa eufórica idade de ouro que se assume no reforço de um poder absoluto e centralizado, teve imensa repercussão no discurso da arquitectura e das artes decorativas manuelinas, abertas também a ressonâncias de um hibridismo colonial com que, paulatinamente, estas se souberam miscigenar.  

No campo da pintura de corte, que constitui um capítulo da arte portuguesa sob todos os pontos de vista brilhante, é notório o esforço de aggiornamento com modelos renascentistas europeus, tanto de origem flamenga como os de ressonância italiana, a par da definição de «estilemas» e «modos de fazer» que poderíamos considerar, de certa forma, como estilemas portugueses. Tratou-se de um tempo de prosperidade socio-económica e política, de grandioso desenvolvimento da construção, que incrementa a maior especialização dos pintores, em que se multiplicam as grandes encomendas na metrópole e mesmo para espaços ultramarinos (como Goa, Ormuz e Malaca), e em que vários são os artistas estrangeiros (Francisco Henriques e Frei Carlos) que demandam o país e se instalam em Lisboa, e também em Viseu, Coimbra e Évora (ou mesmo em Braga, Viana do Castelo e Tavira), com as suas oficinas, mercados fixos e espaços de actuação determinados. Esta grande pintura mostra sentido de originalidade na busca de soluções plásticas, repertórios e modelos, ainda que nas fontes artísticas seguidas dominem os modelos de Bruges e Antuérpia e as receitas iconográficas continuem a ser muitas vezes as das xilogravuras alemãs e flamengas.

A identificação da obra do Mestre da Lourinhã remonta a 1933, quando o historiador de arte Luís Reis-Santos encontrou em dependências da Misericórdia da Lourinhã as duas tábuas procedentes do mosteiro da Berlenga e as associou estilisticamente às do retábulo da Sé do Funchal, ao Pentecostes , à Profissão de Santa Paula e às do antigo retábulo de São Tiago de Palmela, expostas no Museu Nacional de Arte Antiga, e ainda ao São Jerónimo do Museu Soares dos Reis, considerando-os obra de um único e só mestre luso-flamengo de altíssima qualidade, que designou por Mestre da Lourinhã e do Funchal. O anónimo Mestre da Lourinhã actuou ao serviço de D. Maria, segunda mulher de D. Manuel, e da Ordem Militar de São Tiago, e deixou um rol de tábuas notabilíssimas, todas do mesmo estilo e da mesma ‘mão’, integradas em alguns dos ciclos retabulares referidos (Palmela, Funchal, Almeirim, Caldas). O restauro recente do retábulo da Sé do Funchal  (W.M.F.) permitiu, aliás, que a obra deste Mestre pudesse ser apreciada segundo novos e refrescantes indicadores críticos, explicando melhor esta ambiência laboral, sob todos os títulos notável, que foi a produção de pintura na corte lisboeta do tempo de D. Manuel I e no início do reinado de D. João III, em que o Mestre se destacou.

Quem foi o Mestre da Lourinhã ? Já se tentou identificar o anónimo artista com Álvaro Pires, um pintor e iluminador da corte de D. Manuel) que foi responsável por alguns frontispícios iluminados da Leitura Nova e que esteve envolvido naa decorações das festas de casamento de D. Manuel com sua terceira esposa D. Leonor em 1521. Trata-se de hipótese que tem, em seu reforço, o facto de existirem afinidades entre as referidas iluminuras, com paisagem roqueira e arvoredo estilizado, e os sfumatos dos fundos nas tábuas do Mestre da Lourinhã. 


Do Grutesco ao Brutesco

13 Outubro 2021, 12:30 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Grotesco: género arqueológico, oriundo das grotte romanas, os palazzi de Tibério e Nero, e muito popular durante o renasci,mento, no mfim do século XI e primeira metade do século XVI. Segundo Benvenuto Cellini o nome vem da gruta do Monte Esquilino, em Roma, restos subterrâneos da Casa de Ouro de Nero postos a descoberto em 1480 e muito visitados pelos artistas do Renascimento como Pinturicchio, Rafael, Giovanni da Udine, Filippino Lippi, Pinturicchio, Sodoma, Aspertini, Ferrari Gaudenzio e o portuguêrs Francisco de Holanda. No século XVI, o uso desta decoração era fonte de desprezo para teóricos como Vasari, que os descreveu "ridículas pinturas licenciosas“. Na verdade, o grotesco, que se caracteriza pela negação do espaço, seres híbridos e monstruosos, temas libertinos, de figuras fantásticas, assumem a imagem do all’antico. Depois da descoberta das decorações da casa de Nero (1480), sob o pretexto de imitatio antiquitatis, foram muito seguidos. Pintores famosos usam-nos, gravadores abrem estampas. Giovanni da Udine, ao contrário do Morto da Feltre (que ganhou o título, de acordo com Vasari, por ter passado mais tempo abaixo da terra copiar grotesco), deu vitalidade a este género de monstruosidades e do fantástico pagão. Com a Contra-Reforma e o fim do Maneirismo, o grotesco tende a desaparecer, limitado ao arabesco e à chinoiserie – menos em Portugal. O grotesco passa então a significar algo estranho, assumindo a conotação de ridículo e caricatural…

Abunda na literatura artística dos sécs XVII-XVIII a referência a brutesco a óleo, a fresco, estuque e azulejo na decoração da arquitectura sacra e civil. Precise-se que o brutesco, usado na arte portuguesa de Seiscentos como género autónomo, não pode ser confundido com o grotesco clássico de raíz neroriana (de uso tão criticado pela Contra-Reforma): é outra coisa, mesmo que o termo pareça corruptela semântica da fórmula com que o Renascimento apelidou as decorações pagãs das grotte dos palazzi imperiais romanos... Esta linguagem inspira-se na tradição dos grottesche difundidos pela gravura de Agostino Veneziano, Zoan Andrea de Mântua, Nicoletto da Modena, com o capricho paganizado do grotesco clássico, dando uso à complexa folhagem acântica, meninos-anjos, frutos, aves, festões, cartelas, símbolos eucarísticos, no contexto de programas moralizantes aptos a deixar impressão viva e um testemunho catequizador dos seus temas mrianos e cristológicos. Por um século – do reinado de D. João IV ao do Magnífico – a modalidade contribui para uma obra de arte total na dimensão lusa do conceito belloriano de ubel composto. Disse o Engº Santos Simões que «as composições dos brutescos são sempre centradas por um motivo principal (as cartelas na maioria dos casos) e desenvolvem-se simetricamente segundo um eixo vertical; ligando-se ao motivo central por meio de ornatos lineares ou formais, todo o conjunto forma uma unidade, sem soluções de continuidade». É a integração do brutesco azulejado ou pintado na superfície arquitectónica, com largueza cenográfica nunca atingido pelo uso pontual dos grotescos, com perfeito sentido de equilíbrio desta inédita recriação da tapetagem pictórica, que explica a perenidade de um gosto com estas características, que perdura até data avançada do século XVIII, quando outras soluções internacionalizadas (o uso da «quadratura») estavam instaladas nos gostos da clientela.   

Depois de, com a Contra-Reforma, o Grutesco ser paulatinamente desrecomendado (ou proibido), o Brutesco compacto, inspirado na tradição dos grottesche da Antiguidade clássica, que o Renascimento redignificou, embora com linguagem comedida e contra-reformista, nasce como género autónomo com o século XVII e adquire foros de repertório nacional como linguagem apelativa de um Barroco de totalidades que une a pintura a óleo e fresco, o azulejo, a talha dourada, o marmoreado e o embutido).


Os arquitectos João de Castilho e Miguel de Arruda.

7 Outubro 2021, 12:30 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Os arquitectos João de Castilho e Miguel de Arruda e a afirmação de uma linguagem construtiva oposta à tradição gótico-manuelina: o triunfo de um  gosto 'all antico'. Fontes, influências e respostas possíveis. As micro-arquitecturas. Formação, biografia e percursos de João de Castilho, comprovando-se a verdadeira dimensão poliédrica do mestre. Aprendizagem e formação de Castilho junto da escola toledana/oficina de Enrique Egas. Transposição para o território português de formas oriundas dessa escola, assim como mão de obra. Demostração da importância das inovações, soluções e modelos construtivos aplicados na arquitetura tardo-gótica. Vocabulário tardo-gótico inserido no contexto europeu. Geografia de um estaleiro. Mobilidade artística do mestre e da sua oficina como disseminadora de formas. Clarificação das questões referentes ao classismo do mestre trasmiero; Em Tomar, temos a ingerência de Bartolomeu de Paiva (1533) e de Miguel de Arruda (década de 1540).


Introdução ao estudo da arquitectura renascentista em Portugal.

6 Outubro 2021, 12:30 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Caminhos da arquitectura portuguesa -- religiosa, militar, palatina e civil -- entre o Gótico final («gótico-manuelino») e as inovações classicistas do Renascimento. Os tratados (Vitrúvio, Serlio, Sagredo). De Boitaca e dos irmãos Arruda a João de Castilho, umas via original de «italianização»: entre Antigo e Moderno, do «Gótico-Manuelino» como Utopia de Império e Novo Mundo, ao 'all'antico' de João  de  Castilho, «homem  capaz de  construir o Mundo». Os estaleiros dos Jerónimos e de Tomar.