Sumários

Origem e causas da expansão para Ocidente

23 Setembro 2019, 10:00 Ana Margarida Costa Arruda dos Santos Gonçalves

Na segunda metade do século XX, os estudos que foram realizados sobre a realidade política e social da área sírio-palestiniana permitiram uma análise mais exacta sobre os fenómenos que motivaram a colonização ocidental. Tornou-se assim possível abordar a chegada de populações fenícias ao Ocidente do Mediterrâneo no âmbito de um outro quadro conceptual, distinto do utilizado até então. A imagem, dominante, de uma expansão marítima exclusivamente motivada por aspectos comerciais, baseada em pressupostos que bebiam teoria e método nas escolas económicas funcionalistas, esbateu-se.

 

A grave crise demográfica vivida pelos reinos de Tiro e Sídon a partir dos finais do século XI, literariamente documentada e arqueologicamente provada, o encerramento por parte dos reinos sírios da rota que da Fenícia conduzia à Anatólia, e as dificuldades sentidas pelas populações tírias no abastecimento de cereais no continente asiático, devido à pressão exercida pelo império Assírio sobre esses territórios, são dados que puderam ser acrescentados à clássica procura dos metais ocidentais.

 

Por outro lado, a importância dada aos recursos metalíferos do Ocidente nos estudos sobre a colonização fenícia da Península Ibérica deve ser entendida no quadro das perspectivas teóricas do século XX sobre o colonialismo antigo, em geral, e o fenício, em particular. O facto de se dar como certo que o processo de instalação de populações orientais na área meridional da Península Ibérica decorria, apenas e exclusivamente, numa óptica de abastecimento do centro (o Oriente) pela periferia (o Ocidente), em áreas onde o centro era deficitário, caso dos metais, dificultou a interpretação deste processo em todas as suas vertentes possíveis. Tudo indica que a maioria das análises do colonialismo oriental no Ocidente se baseou na perspectiva de que este integrava uma mesma entidade única, na qual desempenharia uma função específica dentro de um sistema geograficamente alargado. Os modelos da «diáspora comercial» e da «colonização agrícola» são também explicitados.


A pré-colonização: conceito e aplicação para a Península Ibérica

19 Setembro 2019, 10:00 Ana Margarida Costa Arruda dos Santos Gonçalves

Se a instalação de grupos fenícios na Península Ibérica foi ou não precedida por contactos de carácter exploratório, que teriam como objectivo preparar a referida instalação, foi o tema abordado.

 

Apresentaram-se as teses que tentaram solucionar a dicotomia existente entre a cronologia atribuída pelos autores clássicos à fundação de Gadir (século XII a.n.e.) e as datas que, nos finais dos anos 50 e nos 60 do século XX, se podiam inferir dos materiais arqueológicos recolhidos, primeiro em Lixus, e, mais tarde, nas então designadas «feitorias paleo-púnicas» da costa de Málaga e de Granada (séculos VIII/VII a.n.e.). 

 

Essas teorias devem ser devidamente enquadradas no tempo em que foram produzidas, uma época precoce da investigação sobre a colonização fenícia do Ocidente, quando não estavam ainda disponíveis nem cronologias absolutas, nem sequer conjuntos de materiais de dimensão e coerência interna suficientes para que se tornasse possível entender, devidamente, um fenómeno a vários níveis muito complexo. 

 

As críticas ao modelo de Tarradel são também apresentadas, tendo em conta não só o facto de os fenómenos ocorridos no Ocidente durante a primeira metade do 1º milénio a.n.e. terem sido decorrentes de factos que tiveram lugar no Oriente, mas também os novos dados entretanto aduzidos aos já existentes, quer no que se refere à colonização propriamente dita, quer aos momentos que imediatamente a precederam, destacando-se, em ambos casos, os da cronologia absoluta. 

 

Chama-se também a atenção para os elementos que permitem identificar a existência, nos momentos finais do 2º milénio a.n.e., de estreitos contactos entre o Atlântico e o Mediterrâneo, contactos que se materializaram num já vasto conjunto de espólios encontrados nos territórios banhados pelos dois mares (e muitas vezes em áreas interiores), valorizando-se igualmente, neste processo, o papel jogado quer pelas comunidades atlânticas, responsáveis pelo chamado «mercado atlântico», quer pelas mediterrâneas, e ainda pelos indígenas da Península Ibérica.


Apresentação

16 Setembro 2019, 10:00 Ana Margarida Costa Arruda dos Santos Gonçalves

O funcionamento da disciplina: apresentação do programa e da bibliografia. Regras da avaliação.

Temática geral. As fontes: autores antigos; arqueologia; epigrafia; numismática. 

O âmbito cronológico.


Nos inícios do 1º milénio a.n.e., instalaram-se na Península Ibérica populações próximo-orientais, oriundas da faixa sírio-palestiniana e da Grécia, tanto continental como insular, e mesmo das colónias gregas da Ásia. 

O território peninsular não estava, contudo, nessa época, desocupado, nele habitando um vasto conjunto de comunidades, diferencialmente distribuídas do ponto de vista geográfico. Estes grupos não correspondiam a uma qualquer unidade política, apresentando, muito possivelmente, distintas organizações sociais e padrões de instalação específicos. As culturas materiais e as próprias arquitecturas, domésticas e funerárias, divergem, ainda que, no geral, se possa afirmar que partilham um mesmo estádio de desenvolvimento económico e tecnológico, estádio esse que é substancialmente diverso do que era observado nos locais de origem das populações oriundas da área do Mediterrâneo Oriental.

 A interacção e o contacto entre estas distintas comunidades, autóctones e exógenas, com distintos modelos sociais e diversos graus de desenvolvimento tecnológico, e o resultado desses processos, são o objectivo central da disciplina Indígenas, Fenícios e Gregos no Ocidente Peninsular.

O estudo da realidade a abordar é quase sempre feito com base nas evidências arqueológicas que as escavações arqueológicas têm proporcionado. Com efeito, a determinadas comunidades humanas está quase sempre adstrito um específico conjunto de artefactos e tecnologias, que lhes são próprias, bem como arquitecturas funerárias e domésticas. A análise dessas realidades arqueológicas constitui a base da abordagem às diversas comunidades que habitaram a Península Ibérica durante o 1º milénio a.n.e.

 A diversidade cultural e, mesmo, étnica do Ocidente peninsular do 1º milénio a.n.e. pode, no entanto, ser também rastreada em algumas fontes clássicas. Se é certo que muitas delas são já de época romana, a verdade é que outras, como Heródoto ou Herodoro, são mais antigas, e outras ainda, como o poema de Avieno, parece terem por base textos bastante anteriores. 

 De qualquer modo, mesmo as fontes de época romana, sobretudo aquelas que relatam os acontecimentos relativos à conquista da Hispânia, apresentam por vezes descrições mais ou menos pormenorizadas da paleo-etnologia dos territórios conquistados. Os topónimos, etnónimos, hidrónimos e teónimos, registados nos textos dos autores greco-latinos, ajudam a determinar áreas linguisticamente diferenciadas e permitem assim, também, com as devidas cautelas, estabelecer regiões cultural e etnicamente distintas.

A realidade cultural e humana do Ocidente peninsular é analisada num período correspondente, grosso modo, ao 1º milénio a.n.e., período que tradicionalmente se designa por Idade do Ferro. Temos, portanto, uma época balizada pelo final da Idade do Bronze, por um lado, e, por outro, pelo início da conquista romana do território peninsular. 

 Se a cronologia exacta de determinados acontecimentos verificados nesse período, quer na Península Ibérica quer em outras regiões da Europa, e mesmo no Norte de África e no Próximo Oriente, não levanta grandes dificuldades, há casos em que a datação histórica tem vindo justificadamente a ser posta em causa. Assim, se não restam dúvidas que o desembarque em Ampúrias do exército romano ocorreu no ano de 218 a.n.e., e que Hiram I foi rei de Tiro no século X, a datação da chegada de colonizadores fenícios à Península Ibérica tem vindo a ser discutida com base nos novos dados fornecidos pelo método do radiocarbono.

Aquilo que ficou conhecido por 2ª revolução do radiocarbono, ou seja: a calibração das datas através da dendrocronologia, contribuiu decisivamente para que o debate sobre cronologias fosse crescendo em alguns sectores da comunidade científica e começou a ganhar corpo a ideia que as datas convencionalmente atribuídas à colonização fenícia ocidental poderiam recuar cerca de 100 anos. 

 A partir da primeira metade dos anos 90 do século XX, começou a fixar-se em circa900 a.n.e. o início da colonização fenícia ocidental, o que se traduziu numa verdadeira revolução histórica e ou cronológica, porque, entre as várias questões que levanta, destaca-se a redefinição da própria sequência cronológica da cerâmica grega da época geométrica.

A epigrafia latina apresenta-se como uma importante fonte para o conhecimento da etnologia pré-romana. Os antropónimos registados e os topónimos mencionados ajudam a conhecer melhor a localização de determinados núcleos urbanos referidos nas fontes clássicas, bem como a determinar as origens étnicas e culturais das populações pré-romanas da Península Ibérica.