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Notícia

3 Março 2021, 14:00 Ernesto José Rodrigues

Definição de notícia. 

Considerações sobre os vocábulos contidos em «facto actual de interesse geral». 

Partes da notícia. O título. 


Resumo:

A definição clássica, e sucinta, que enquadra a anterior sem dela tomar o alcance político, social, etc., é a de Ricardo Cardet (Manual de Jornalismo, 2ª ed., 1979, p. 38): «Notícia é um facto actual com interesse geral.» Pressupõe-se que se trata de um facto verdadeiro, novo, facilmente comunicável segundo critérios de rigor e objectividade. Vejamos mais devagar.

       O conceito de actualidade varia com o tempo, a periodicidade informativa, a qualidade da recolha do material.

       Quando o Diário de Notícias de 24 de Março de 1865 dava, na primeira página, a crónica do dia, esclarecendo que «Em Macau havia socego á data de 30 de janeiro» (ou dizia: «Do Japão não ha novas importantes.»), é evidente que tal era notícia, porquanto o tempo da recolha na fonte seria recente (um navio chegara na véspera, p. ex.). Quando o mesmo jornal narrava eventos lisboetas de duas semanas antes, acaso requentados sobre a mesa da redacção, podia estar a fazer valer o interesse sobre a actualidade, se não era, simplesmente, a necessidade de preencher um buraco. 

       A norma das 24 horas a que sobrevive a notícia, se se trata de um diário, é ideal nem sempre cumprível. Há muitos 'retirados' [peças que não couberam] de última hora ou textos que pacientemente aguardam vez. Não raro, esperam por acontecimentos súbitos que os façam emergir e funcionar como background da notícia.

       Em qualquer dos casos, há que dar, sempre, a volta ao texto, de modo a justificar uma inserção ainda que tardia. Aí entra o duplo conceito de significação (do ponto de vista da notícia) e de interesse geral (para os leitores).

       Nos semanários, este aspecto é mais visível, quando, em vez de um qualquer desenvolvimento, a notícia já com barbas, sem deixar de ter a actualidade própria dos hebdomadários, só entra pela importância que, apesar de tudo, se lhe reconhece. O critério não é, pois, fazer a soma da semana; mas, tendo em conta a massa de leitores que não compra diários, facultar algo de verdadeiro que se considera simultaneamente importante, actual e com interesse.

       O conceito de novidade actualiza a matéria. Podemos substituí-lo pelo de oportunidade, pois sabemos que este conceito rege (em demasia, na Imprensa sem autonomia) o quadro noticioso. Quando um vespertino dá o que os matutinos já trouxeram, apresenta algo de novo, mas não inédito; o mesmo se dirá dos matutinos concorrentes.

       Daí que se persiga o inédito, o exclusivo, a cacha. Interessa o menos provável, o que se tem por raro ou singular. É isso que desperta a curiosidade, faz-se útil e tem impacto. Toca-nos ao vivo se lembrarmos um conceito decisivo na Imprensa regional: o da proximidade (ver III).

       Supostas estas condições, perguntamo-nos se tudo é comunicável. O jornalista torna-se decisor; conhece as suas defesas e os seus limites. Tem o direito a informar, mas não a deformar e difamar; há segredos que poderá revelar ou calar até melhor oportunidade; nunca deve ter a sensação de estar a fazer um frete ou ter consciência de ser manipulado. Só então, munido da objectividade possível (diversa da do historiador, que não obriga hora de fecho), se abalança à redacção da notícia. Trata-se de alguém que, ainda no estilo mais neutro, compromete uma subjectividade que previamente recolheu, seleccionou e valorizou os dados da observação e da experiência. Não se resguardará, assim, por norma, num pseudónimo, gentílico, nome paródico, abreviatura ou em asteriscos. Até que ponto, entretanto, se transforma a notícia em «emoção rigorosa»?

 

PARTES

       À luz dos conceitos acima explanados, a notícia 1) faz-se síntese, 2) desenvolve-se, ou 3) prolonga-se. Depende do órgão de informação ou do local de inserção. Pode dar azo, ainda e separadamente, a uma análise interpretativa e a formas de opinião, que explicitaremos noutro capítulo.

       A notícia-tipo consta de um título e uma entrada ou cabeça (lead) ­– estaríamos no ponto 1) –, de um corpo (ponto 2) e, eventualmente, de uma memória (background; ponto 3).

      

       1) O título pode já conter tudo, ou quase tudo. É pensado em termos de equilíbrio gráfico da(s) página(s) e do texto que procura resumir ou para que alerta. Para lá da sua composição gráfica, deve dizer o máximo em poucas palavras e menos linhas ainda.

       Na Imprensa mais viva e/ou sensacionalista, joga com a equivocidade de fórmulas latentes na consciência e imaginário dos falantes, transmitindo, do mesmo pé, uma opinião sobre "o quê" ou o "quem" da notícia. Os títulos, todavia, devem resumir-se à informação, evitando, p. ex., frases interrogativas, dubitativas e sistematicamente negativas que possam dar a entender ser o jornalista parte interessada naquilo que narra.

       Quer-se, por isso, breve, afirmativo e contendo verbo (de preferência, explícito) no indicativo e na forma activa. Advérbios, sobretudo em -mente, gerúndios e o relativo que podem estragar um título.

       O copulativo ser não comparece forçosamente: «O 'Independente' [é] mais suíço»; partículas e artigos, ou dados indefinidos, são de evitar, bem como a repetição vocabular: «Tribunal alemão condena agressores de moçambicano», diz também o Expresso de 30-10-1993. E logo a seguir, na mesma coluna: «Chivukuvuku condena UNITA».

       Nesta edição, as doze notícias da primeira página contêm dez verbos no indicativo presente: «Presidente/ da UGT/ demite-se»; «TAP: ministro minimiza/ proposta da administração»; «PSD multa Álvaro Barreto»; [Surgem] «Novas acusações/ de corrupção/ em Loures»; «João Soares deita/ achas na fogueira»; sendo as demais formas: tem, iliba, condena, regressa, ganha.

       Em títulos com duas ou mais linhas, o verbo pesa mais na primeira. 

       Nos antípodas, O Independente, pretendendo-se directo e opinativo/interpretativo, transforma os títulos em rótulos, por ausência do verbo, e geralmente com frases-feitas, lugares-comuns, etc., de sentido assumidamente dúbio ou dúplice: «Laranjas podres» significa problemas no PSD; a recente vitória dos ex-comunistas na Polónia deu «Regresso ao passado»; a candidata Antonieta Garcia, sucedendo ao marido autarca, favorece (até em termos perigosamente publicitários) «Casal Garcia»... Diferente, para pior, é a ambiguidade informativa nestas linhas do Diário de Notícias: «Principal revista cultural alemã/ festeja 30 anos com apreensão». [Apreensão em relação ao futuro ou porque o número comemorativo foi apreendido?]

       O recurso à cultura cinematográfica («A Grande Ilusão», «A Regra do Jogo»), literária («Crime e Castigo») ou outra em muito pode ajudar o registo estilístico em que sabem primar muitos títulos.

       Um título acompanha-se, às vezes, de antetítulo (que, menos largo, esclarece ou enquadra aquele) e de subtítulo (que desenvolve, pormenoriza ou completa), quanto baste para termos a notícia completa: «100 contos// PSD multa Álvaro Barreto // ...e vinte deputados 'revoltam-se' contra Duarte Lima».

       Já pouco feliz é o exemplo que nos propõe Silva Araújo, em Vamos Falar de Jornalismo, 1988, p. 88:«Conselho de Ministros// Iniciativas para normalizar/ abastecimento de petróleo// Governo readmite gestores/ da empresa 'Notícias-Capital'». Aqui, o subtítulo não joga.

       Em textos longos, para amenizar a leitura ou constituir blocos de sentido, convém encaixar intertítulos (ou subtítulos, que sintetizam o que segue, que destacam através de citação, etc.).

       Jornais houve (Diário Popular) e há que transformaram o antetítulo e subtítulos, de tão desenvolvidos, em verdadeiros super-leads.

       O lead, cabeça ou síntese da notícia (já, por sua vez, resumido no título), é a entrada régia: destacada ou não, deve responder a seis perguntas relativas ao acontecimento, quando ali chegamos: quem? (agente, activo ou passivo, da acção), o quê? (o que aconteceu, acontece ou vai acontecer), quando?, onde?, como? (em que circunstâncias se deu o quê), porquê? (às vezes, com o sentido de "para quê?").

       A Imprensa de província costuma abrir pelo "quando", se não é um qualquer nariz de cera, ignorando que quatro quintos das notícias das agências internacionais começam pelo "quem". Chegam ao cúmulo de redigir na primeira pessoa. Ou acrescentar inutilidades que só compreendemos num Diário de Notícias de 31-1-1865: «Dizem da Regoa que parece ter passado o inverno que flagellava ha muito tempo aquelles habitantes; o Douro já começou a baixar. // Muito estimamos.»

       Na técnica da pirâmide invertida, em que a importância do assunto é, em teoria, decrescente à medida que avançamos, (basta, por isso, cortar pelo fim, se faltar espaço) e, desde logo, antes ainda de se começar, é regra básica cortar no próprio umbigo.           Escrevemos "em teoria" lembrados do modelo (seguimos o anglo-saxónico, a chamada 'AP form', da Associated Press[1]) do francês Le Monde, que abre por lead autónomo, investindo, num segundo bloco, em descrição e explicação onde a ordem dos dados não força uma hierarquização por importância de sentido.

       Assim, o lead informativo – de preferência, uma só oração gramatical, ou um parágrafo de duas frases – arranca com o mais importante em, mais ou menos, 20 palavras, até um máximo de 36, de modo a tornar a matéria facilmente memorizada.

       Esta ganha em ser dada através de palavras simples e bissílabas ou trissílabas. Bordões como "Segundo o dirigente tal" ou "De acordo com" retiram força à frase, que apostará em verbos mais fortes que os simplesmente declarativos (dizer, declarar, referir, afirmar, frisar, considerar, etc.).

       Sendo embora prática normal abrir com citação, é evidente que o discurso indirecto causa maior impacto e pode recuperar, a seguir, a citação, que ameniza o discurso do jornalista. Eis, segundo Daniel Ricardo (o. cit., p. 21), o lead «clássico», lançado pela Reuter: «Londres, 6 de Fevereiro – O Rei Jorge VI de Inglaterra morreu, esta madrugada, enquanto dormia, na sua casa de Sandrigham, devido a uma trombose coronária.»

       O "quando" e o "onde" não comparecem nos casos mais óbvios ou se nada acrescentam à informação: «Os proprietários açorianos estão a ser penalizados devido à crise dos lacticínios.» 

       2) O "como" e o "porquê", se também podem abrir lead, ou obrigar este a desdobrar-se num segundo parágrafo, são tidos por elementos secundários e, em geral, tratados no corpo da notícia, onde se retoma e alarga o que já fora condensado antes. É o lugar certo para intervalar episódios curiosos e integrar o discurso directo.

       3) Os relacionamentos próximos e longínquos, as associações, a contextualização, em suma, concorrem na memória ou background: pensa-se no leitor menos adentrado no assunto e destila-se, aos poucos, informação que o situe, a qual também pode constituir peça à parte ou claramente separada de 2).

       O teste da abertura pode sair reforçado se o derradeiro parágrafo da peça resistir na memória do leitor: em vez de, inconscientemente, debitar prosa (sabendo que alguém lha irá cortar), o jornalista que cumpre prazos e espaço concedido faz desaguar o texto numa ponta final memorável que a todos enriquece – desdogmatizando, assim, em termos de efeito, a técnica da pirâmide invertida. 

       Este exercício noticioso – fundamental – requer, como os demais géneros, um prévio trabalho de recolha e selecção do material. O local e regional assumem, então, um valor próprio, com laivos de universal, dado pela proximidade.


[1] Fundada em 1848. Primeira foi a agência Havas, criada por Charles Havas, em 1835. Dela nasceu a Agence France-Presse, 1944. Seguiram-se a Reuter, em Londres, e a Wolff, em Berlim (1851). Outras: United Press, 1907; International News Service, 1909; Tass, 1918; Lusitânia, 1944. O primeiro telegrama da Havas em Portugal foi inserido no Diário de Notícias de 10-III-1866. Curiosamente, Charles-Louis Havas casou em Lisboa (4-II-1808). 


Notícia

3 Março 2021, 12:30 Ernesto José Rodrigues

Definição de notícia. 

Considerações sobre os vocábulos contidos em «facto actual de interesse geral». 

Partes da notícia. O título. 


Resumo:

A definição clássica, e sucinta, que enquadra a anterior sem dela tomar o alcance político, social, etc., é a de Ricardo Cardet (Manual de Jornalismo, 2ª ed., 1979, p. 38): «Notícia é um facto actual com interesse geral.» Pressupõe-se que se trata de um facto verdadeiro, novo, facilmente comunicável segundo critérios de rigor e objectividade. Vejamos mais devagar.

       O conceito de actualidade varia com o tempo, a periodicidade informativa, a qualidade da recolha do material.

       Quando o Diário de Notícias de 24 de Março de 1865 dava, na primeira página, a crónica do dia, esclarecendo que «Em Macau havia socego á data de 30 de janeiro» (ou dizia: «Do Japão não ha novas importantes.»), é evidente que tal era notícia, porquanto o tempo da recolha na fonte seria recente (um navio chegara na véspera, p. ex.). Quando o mesmo jornal narrava eventos lisboetas de duas semanas antes, acaso requentados sobre a mesa da redacção, podia estar a fazer valer o interesse sobre a actualidade, se não era, simplesmente, a necessidade de preencher um buraco. 

       A norma das 24 horas a que sobrevive a notícia, se se trata de um diário, é ideal nem sempre cumprível. Há muitos 'retirados' [peças que não couberam] de última hora ou textos que pacientemente aguardam vez. Não raro, esperam por acontecimentos súbitos que os façam emergir e funcionar como background da notícia.

       Em qualquer dos casos, há que dar, sempre, a volta ao texto, de modo a justificar uma inserção ainda que tardia. Aí entra o duplo conceito de significação (do ponto de vista da notícia) e de interesse geral (para os leitores).

       Nos semanários, este aspecto é mais visível, quando, em vez de um qualquer desenvolvimento, a notícia já com barbas, sem deixar de ter a actualidade própria dos hebdomadários, só entra pela importância que, apesar de tudo, se lhe reconhece. O critério não é, pois, fazer a soma da semana; mas, tendo em conta a massa de leitores que não compra diários, facultar algo de verdadeiro que se considera simultaneamente importante, actual e com interesse.

       O conceito de novidade actualiza a matéria. Podemos substituí-lo pelo de oportunidade, pois sabemos que este conceito rege (em demasia, na Imprensa sem autonomia) o quadro noticioso. Quando um vespertino dá o que os matutinos já trouxeram, apresenta algo de novo, mas não inédito; o mesmo se dirá dos matutinos concorrentes.

       Daí que se persiga o inédito, o exclusivo, a cacha. Interessa o menos provável, o que se tem por raro ou singular. É isso que desperta a curiosidade, faz-se útil e tem impacto. Toca-nos ao vivo se lembrarmos um conceito decisivo na Imprensa regional: o da proximidade (ver III).

       Supostas estas condições, perguntamo-nos se tudo é comunicável. O jornalista torna-se decisor; conhece as suas defesas e os seus limites. Tem o direito a informar, mas não a deformar e difamar; há segredos que poderá revelar ou calar até melhor oportunidade; nunca deve ter a sensação de estar a fazer um frete ou ter consciência de ser manipulado. Só então, munido da objectividade possível (diversa da do historiador, que não obriga hora de fecho), se abalança à redacção da notícia. Trata-se de alguém que, ainda no estilo mais neutro, compromete uma subjectividade que previamente recolheu, seleccionou e valorizou os dados da observação e da experiência. Não se resguardará, assim, por norma, num pseudónimo, gentílico, nome paródico, abreviatura ou em asteriscos. Até que ponto, entretanto, se transforma a notícia em «emoção rigorosa»?

 

PARTES

       À luz dos conceitos acima explanados, a notícia 1) faz-se síntese, 2) desenvolve-se, ou 3) prolonga-se. Depende do órgão de informação ou do local de inserção. Pode dar azo, ainda e separadamente, a uma análise interpretativa e a formas de opinião, que explicitaremos noutro capítulo.

       A notícia-tipo consta de um título e uma entrada ou cabeça (lead) ­– estaríamos no ponto 1) –, de um corpo (ponto 2) e, eventualmente, de uma memória (background; ponto 3).

      

       1) O título pode já conter tudo, ou quase tudo. É pensado em termos de equilíbrio gráfico da(s) página(s) e do texto que procura resumir ou para que alerta. Para lá da sua composição gráfica, deve dizer o máximo em poucas palavras e menos linhas ainda.

       Na Imprensa mais viva e/ou sensacionalista, joga com a equivocidade de fórmulas latentes na consciência e imaginário dos falantes, transmitindo, do mesmo pé, uma opinião sobre "o quê" ou o "quem" da notícia. Os títulos, todavia, devem resumir-se à informação, evitando, p. ex., frases interrogativas, dubitativas e sistematicamente negativas que possam dar a entender ser o jornalista parte interessada naquilo que narra.

       Quer-se, por isso, breve, afirmativo e contendo verbo (de preferência, explícito) no indicativo e na forma activa. Advérbios, sobretudo em -mente, gerúndios e o relativo que podem estragar um título.

       O copulativo ser não comparece forçosamente: «O 'Independente' [é] mais suíço»; partículas e artigos, ou dados indefinidos, são de evitar, bem como a repetição vocabular: «Tribunal alemão condena agressores de moçambicano», diz também o Expresso de 30-10-1993. E logo a seguir, na mesma coluna: «Chivukuvuku condena UNITA».

       Nesta edição, as doze notícias da primeira página contêm dez verbos no indicativo presente: «Presidente/ da UGT/ demite-se»; «TAP: ministro minimiza/ proposta da administração»; «PSD multa Álvaro Barreto»; [Surgem] «Novas acusações/ de corrupção/ em Loures»; «João Soares deita/ achas na fogueira»; sendo as demais formas: tem, iliba, condena, regressa, ganha.

       Em títulos com duas ou mais linhas, o verbo pesa mais na primeira. 

       Nos antípodas, O Independente, pretendendo-se directo e opinativo/interpretativo, transforma os títulos em rótulos, por ausência do verbo, e geralmente com frases-feitas, lugares-comuns, etc., de sentido assumidamente dúbio ou dúplice: «Laranjas podres» significa problemas no PSD; a recente vitória dos ex-comunistas na Polónia deu «Regresso ao passado»; a candidata Antonieta Garcia, sucedendo ao marido autarca, favorece (até em termos perigosamente publicitários) «Casal Garcia»... Diferente, para pior, é a ambiguidade informativa nestas linhas do Diário de Notícias: «Principal revista cultural alemã/ festeja 30 anos com apreensão». [Apreensão em relação ao futuro ou porque o número comemorativo foi apreendido?]

       O recurso à cultura cinematográfica («A Grande Ilusão», «A Regra do Jogo»), literária («Crime e Castigo») ou outra em muito pode ajudar o registo estilístico em que sabem primar muitos títulos.

       Um título acompanha-se, às vezes, de antetítulo (que, menos largo, esclarece ou enquadra aquele) e de subtítulo (que desenvolve, pormenoriza ou completa), quanto baste para termos a notícia completa: «100 contos// PSD multa Álvaro Barreto // ...e vinte deputados 'revoltam-se' contra Duarte Lima».

       Já pouco feliz é o exemplo que nos propõe Silva Araújo, em Vamos Falar de Jornalismo, 1988, p. 88:«Conselho de Ministros// Iniciativas para normalizar/ abastecimento de petróleo// Governo readmite gestores/ da empresa 'Notícias-Capital'». Aqui, o subtítulo não joga.

       Em textos longos, para amenizar a leitura ou constituir blocos de sentido, convém encaixar intertítulos (ou subtítulos, que sintetizam o que segue, que destacam através de citação, etc.).

       Jornais houve (Diário Popular) e há que transformaram o antetítulo e subtítulos, de tão desenvolvidos, em verdadeiros super-leads.

       O lead, cabeça ou síntese da notícia (já, por sua vez, resumido no título), é a entrada régia: destacada ou não, deve responder a seis perguntas relativas ao acontecimento, quando ali chegamos: quem? (agente, activo ou passivo, da acção), o quê? (o que aconteceu, acontece ou vai acontecer), quando?, onde?, como? (em que circunstâncias se deu o quê), porquê? (às vezes, com o sentido de "para quê?").

       A Imprensa de província costuma abrir pelo "quando", se não é um qualquer nariz de cera, ignorando que quatro quintos das notícias das agências internacionais começam pelo "quem". Chegam ao cúmulo de redigir na primeira pessoa. Ou acrescentar inutilidades que só compreendemos num Diário de Notícias de 31-1-1865: «Dizem da Regoa que parece ter passado o inverno que flagellava ha muito tempo aquelles habitantes; o Douro já começou a baixar. // Muito estimamos.»

       Na técnica da pirâmide invertida, em que a importância do assunto é, em teoria, decrescente à medida que avançamos, (basta, por isso, cortar pelo fim, se faltar espaço) e, desde logo, antes ainda de se começar, é regra básica cortar no próprio umbigo.           Escrevemos "em teoria" lembrados do modelo (seguimos o anglo-saxónico, a chamada 'AP form', da Associated Press[1]) do francês Le Monde, que abre por lead autónomo, investindo, num segundo bloco, em descrição e explicação onde a ordem dos dados não força uma hierarquização por importância de sentido.

       Assim, o lead informativo – de preferência, uma só oração gramatical, ou um parágrafo de duas frases – arranca com o mais importante em, mais ou menos, 20 palavras, até um máximo de 36, de modo a tornar a matéria facilmente memorizada.

       Esta ganha em ser dada através de palavras simples e bissílabas ou trissílabas. Bordões como "Segundo o dirigente tal" ou "De acordo com" retiram força à frase, que apostará em verbos mais fortes que os simplesmente declarativos (dizer, declarar, referir, afirmar, frisar, considerar, etc.).

       Sendo embora prática normal abrir com citação, é evidente que o discurso indirecto causa maior impacto e pode recuperar, a seguir, a citação, que ameniza o discurso do jornalista. Eis, segundo Daniel Ricardo (o. cit., p. 21), o lead «clássico», lançado pela Reuter: «Londres, 6 de Fevereiro – O Rei Jorge VI de Inglaterra morreu, esta madrugada, enquanto dormia, na sua casa de Sandrigham, devido a uma trombose coronária.»

       O "quando" e o "onde" não comparecem nos casos mais óbvios ou se nada acrescentam à informação: «Os proprietários açorianos estão a ser penalizados devido à crise dos lacticínios.» 

       2) O "como" e o "porquê", se também podem abrir lead, ou obrigar este a desdobrar-se num segundo parágrafo, são tidos por elementos secundários e, em geral, tratados no corpo da notícia, onde se retoma e alarga o que já fora condensado antes. É o lugar certo para intervalar episódios curiosos e integrar o discurso directo.

       3) Os relacionamentos próximos e longínquos, as associações, a contextualização, em suma, concorrem na memória ou background: pensa-se no leitor menos adentrado no assunto e destila-se, aos poucos, informação que o situe, a qual também pode constituir peça à parte ou claramente separada de 2).

       O teste da abertura pode sair reforçado se o derradeiro parágrafo da peça resistir na memória do leitor: em vez de, inconscientemente, debitar prosa (sabendo que alguém lha irá cortar), o jornalista que cumpre prazos e espaço concedido faz desaguar o texto numa ponta final memorável que a todos enriquece – desdogmatizando, assim, em termos de efeito, a técnica da pirâmide invertida. 

       Este exercício noticioso – fundamental – requer, como os demais géneros, um prévio trabalho de recolha e selecção do material. O local e regional assumem, então, um valor próprio, com laivos de universal, dado pela proximidade.


[1] Fundada em 1848. Primeira foi a agência Havas, criada por Charles Havas, em 1835. Dela nasceu a Agence France-Presse, 1944. Seguiram-se a Reuter, em Londres, e a Wolff, em Berlim (1851). Outras: United Press, 1907; International News Service, 1909; Tass, 1918; Lusitânia, 1944. O primeiro telegrama da Havas em Portugal foi inserido no Diário de Notícias de 10-III-1866. Curiosamente, Charles-Louis Havas casou em Lisboa (4-II-1808). 




Exemplos de crónica

2 Março 2021, 14:00 Ernesto José Rodrigues

Exemplos de crónica jornalística no século XIX. 

A Internet antecipada em 1868: “O jornalismo no ano 2000”. 

 

Bibliografia: Ernesto Rodrigues, Crónica Jornalística. Século XIX. Lisboa: Círculo de Leitores, 2004. 

Fernando Venâncio, Crónica Jornalística. Século XX. Lisboa: Círculo de Leitores, 2005. 

Guilherme de Azevedo, Crónica Ocidental. Edição de Ernesto Rodrigues. Lisboa: Esfera do Caos, 2016. 


Opinião

24 Fevereiro 2021, 14:00 Ernesto José Rodrigues

Géneros de opinião.   

 

A crónica.  

Características. 

Quatro tipos particulares: a primeira crónica, a última, metacrónica, sobre nada.


Ver 'Opinião' em www.culturaport.blogs.sapo.pt, em 18-2-2019. 


Opinião

24 Fevereiro 2021, 12:30 Ernesto José Rodrigues

Géneros de opinião.   

 

A crónica.  

Características. 

Quatro tipos particulares: a primeira crónica, a última, metacrónica, sobre nada.


Ver 'Opinião' em www.culturaport.blogs.sapo.pt, em 18-2-2019.