Sumários

D. Sebastião

12 Novembro 2020, 15:30 Ernesto José Rodrigues

A figura humana. 

O quadro nacional, segundo o anónimo de Jornada del-rei dom Sebastição à África.
Alguma bibliografia.


Exercício escrito

9 Novembro 2020, 17:00 Ernesto José Rodrigues

Primeiro exercício escrito.


Exercício escrito

9 Novembro 2020, 15:30 Ernesto José Rodrigues

Primeiro exercício escrito.


António Ferreira, Castro

5 Novembro 2020, 15:30 Ernesto José Rodrigues

Leitura e comentário de excertos da Castro

Teste-modelo: dois exemplos.


Pedro e Inês de Castro

2 Novembro 2020, 17:00 Ernesto José Rodrigues

O quadro histórico, abaixo resumido.

Conselhos bibliográficos, além de outras frentes artísticas. Ver www.culturaport.blogs.sapo.pt, Março de 2012.
Exemplos literários, em particular, as trovas de Garcia de Resende e as oitavas camonianas. 

O infante D. Pedro e D. Constança Manuel casaram pela igreja em 24 de Agosto de 1340. O casamento por procuração fora em 1336, mas Afonso XI, rei de Leão e Castela (1312-1350), retinha a noiva por razões de política interna ‒ contra um pai poderoso, D. João Manuel, que o rei português D. Afonso IV (1325-1357) apoiava. Cumulativamente, este não admitia que a sua filha, a formosíssima Maria cantada n’Os Lusíadas, que já dera um filho a Leão e Castela, o futuro rei D. Pedro I (1350-1368), fosse violentada e trocada no leito por amante com dezena de bastardos.

A experiência transfronteiriça do infante ameaçava desastre, pois não resultara a tentativa com D. Branca, que veio ao reino para contrair matrimónio em 1330. Filha do infante Pedro de Castela e de Maria, infanta de Aragão, a menina nascera antes de 1314 (dizem alguns que em 1319); o infante, em 1320. Os historiadores debatem se houve sacramento e consumação, e por que razão D. Branca voltou para casa: dificuldade de relação entre pré-púberes? problemas fisiológicos ou psicológicos? inutilidade política? Se houve esponsais, não houve casamento, aliás, canonicamente inválido antes dos 14 anos. Médicos e políticos de Espanha compreenderam que D. Branca não estava apta para casar, e jamais casou, morrendo em 1375.

Agora, em 1340, o Islamita, que julgava aproveitar dissensões ibéricas, obrigara à união: a rogo da filha, D. Afonso IV conjuga esforços com Afonso XI e torna-se o bravo da batalha do Salado (30 de Outubro), nome de rio na província de Cádiz. Desanuviada a relação, Afonso XI autoriza a saída de Constança Manuel, que chega, enfim, a Lisboa, trazendo com ela – dizem alguns que foi chamada depois ‒ «hũa donzela mujto fermosa que por fermosa e de singular disposição lhe chamauão colo de garça»: Inês de Castro. Inês nascera entre 1320 e 1325: beleza e juventude ofuscavam infante de 20 anos, cuja mulher lhe levava sete anos. 

Ora, porque «se sintia que ho Ifante dom Pedro lhe queria bem [a Inês] e estava em algũa maneira a ella afeiçoado», convidam-na para madrinha de Luís (1341; outros remetem para 1344, após a irmã Maria, 6-IV-1342). A criança morre uma semana depois, mas o convite envenena a historiografia: não seria o compadrio «obstáculo canónico» a futuro casamento entre Pedro e Inês, deslegitimando os filhos que viessem?

Em público, a donzela galega deixa-se tratar por comadre, sem jamais usar os termos de comadre ou compadre dirigindo-se ao casal. Se Pedro crescia em amor, «quando della soube particularmẽte que nũqua consintira em sua vontade ser sua comadre, ficou dahi por diante mujto mays contente e lhe quis por jso muyto maior bem». Esta contra-vontade destrói, em Direito Canónico, qualquer obstáculo.

Morre Constança em 1345 (no parto do terceiro filho, o futuro rei D. Fernando, 31-X-1345, ou logo depois, dirá Fernão Lopes; também se assinala a morte em 1349). E, após forçado desterro, chamada Inês de junto da tia castelhana Teresa de Albuquerque, gera quatro filhos, «todos hũas bellas criaturas, por se parecerem todos ha may cuja fermosura naquele tempo naõ auya e mais por serem furtados e auydos com tanto contentamẽto dambos». D. Afonso (1350?) pouco sobreviveu; D. João (1351? 1352?) tem vida de romance[1]; D. Dinis (1353) morreu desterrado em Castela, jazendo no mosteiro de Nossa Senhora de Guadalupe. Beatriz (1354), sepultada na Sé de Burgos, casou com Sancho, conde de Albuquerque, um dos muitos filhos bastardos de Afonso XI e Leonor Nunes de Gusmão, logo, irmão de Henrique de Trastâmara e meio-irmão de Pedro, o Cruel, filho da formosíssima Maria. De Beatriz e Sancho nasceu Leonor, casada com D. Fernando de Castela, e rei de Aragão, pais da rainha D. Leonor, mulher do nosso D. Duarte, de que nasceu D. Afonso V.

Se, pela ascendência, Inês era bisneta bastarda de Sancho IV de Castela, o Bravo, e seu pai, D. Pedro Fernandes de Castro, primo co-irmão do infante D. Pedro ‒ consanguinidade coberta por bula do Papa João XXII, de 18-II-1325 ‒, serviu Afonso XI como mordomo-mor, ela foi, pela descendência, tronco da Casa Real portuguesa. Não só: a mãe provinha de D. Sancha Nunes de Chacim, e esta de D. Nuno Martins de Chacim, o último braganção, aio e mordomo-mor de D. Dinis, sepultado no mosteiro de Castro de Avelãs. Seria inspiração para se casar em Bragança?

Primeiro, contudo, aqui nasce João, que, na opinião de modernos historiadores, devera ser rei de Portugal, em vez do meio-irmão João, mestre de Avis. Pelo casamento com D. Constança de Castela, Senhora de Alba de Tormes, foi 1.º duque de Valência de Campos, e as vicissitudes da vida arrastaram-no à sepultura no convento de Santo Estêvão, em Salamanca. O filho do primeiro casamento com Maria Teles, D. Fernando d’Eça ou de Portugal, deu origem aos Eças e aos Portugal; de outros filhos vieram os Acuña, os Castros e os Vasconcelos. O filho D. Fernando da Guerra (nascido em 1385) seria 1.º Senhor de Bragança e de várias terras doadas pelo tio D. João I. Por via do irmão Álvaro Pires de Castro, Inês seria tia-avó de outro D. João de Castro, o qual casou com D. Leonor de Acuña y Girón, nascendo D. Joana de Castro, mulher de D. Fernando, segundo duque de Bragança.

O casamento de Pedro e Inês ocorreu no primeiro de Janeiro de 1354, ou 1353, contados os sete anos até à declaração daquele, em Cantanhede (1360). Não havia impedimento canónico para que o deão da Guarda pudesse abençoá-los, fosse na igreja de São Vicente, como reza a tradição, ou em casa particular dentro da muralha. A memória popular, também castelhana, reforça a tese: «Hallóse Don Pedro libre, / y a su mal medio buscando, / se casó con Doña Inés / en Berganza con recato.»[2]

D. Afonso IV lutara contra o pai D. Dinis, que preferia o bastardo Afonso Sanches, e só a Rainha Santa Isabel resolvera a contenda; agora, vencido pelos conselheiros, que temem o valimento dos dois irmãos de Inês junto de Pedro (não irá arrastá-los para o vespeiro castelhano? não irá substituir Fernando pelo meio-irmão João, filho de Inês? não lhes retirará influência?), contemporiza: envia ao filho o arcebispo de Braga, que, reconhecendo a afeição mútua dos jovens, lhe pede para «tomar molher» e pôr Inês a bom recato, tal vai a murmuração no país. Pedro agradece, percebe-se que não pode casar quem já está casado, e não acredita que a possam matar, sendo ela sem culpa, e nem ter nome de cristão quem contra ela atente.

Pousando em Montemor-o-Velho, D. Afonso IV dá, enfim, ordem de morte. Está velho, e sabe que o filho se levantará contra ele: outra rainha, D. Beatriz, há-de apaziguá-los. Agora, na madrugada de 7 de Janeiro de 1355, Inês repousa nas casas do mosteiro de Santa Clara, onde, sabia o neto, o espírito da Rainha Santa só aceitava casais sacramentados, o que é outra demonstração subtil de ter havido casamento, fosse clandestino, de consciência ou morganático (não sendo Inês filha de rei), hipótese esta mais excruciante para D. Afonso IV. Inês sai ao encontro dos algozes: rodeada pelos três filhos, «com mujta humildade lhe pidia que por respeito daqueles jnoçentes seus netos ouuesse della misericordia». Compassivo e turvado, o rei volta o rosto, disposto a perdoar, e partir.

Desautorizados, os conselheiros apelam às suas vidas, em perigo, tal o ódio que Pedro, ausente e fora desta torpe iniciativa, lhes dedicará. É fraco argumento, se, em breve, terão de fugir; nem ser Inês causa provável de perigos futuros (que se não cumpriram) justifica um crime contra a mais elementar justiça, que seria julgá-la. O bravo, agora derrotado, lava as mãos como Pilatos, também indiferente à cláusula jurídica do pregão público: e, ao arrepio da inocência, das lágrimas dos filhos, da inevitável vingança de Pedro, «a mataram cuelmẽte ás punhaladas, do qual elrei foy mui prasmado e auido mais por abominauel crueza que por seuera nem louvada justiça». Mais: foi degolada.      

Na segunda metade de 1361 (senão em 1362 ou 1363), o rei D. Pedro procedeu à transladação dos restos de D. Inês de Santa Clara para o mosteiro de Alcobaça, onde sua «molher», como ele disse, e provou repetidamente, o esperou, até 1367. Assim Bragança triangula com Coimbra e Alcobaça neste imaginário ‒ prova maior de um amor invencível, que deu origem ao mais universal mito português. 

[1] E.  Rodrigues, A Casa de Bragança, Lisboa, Âncora, 2013. As citações saem de Brásio, “Duas notas marginais ao problema do casamento de D. Pedro com D. Inês de Castro”. InAnais. Academia Portuguesa da História, II série, vol. 12,1962: 97-112.

[2] Gabriel Lobo Laso de la Vega, “Don Pedro I de Portugal y Doña Inés de Castro”, Romancero Español: colección de romances selectos desde el siglo XV hasta nuestros dias, ed. José Bergua, Madrid, 1995:176.