Sumários

Géneros literários em História da Arte: a parangona das artes.

15 Outubro 2018, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Análise da literatura artística: dos manuais técnicos da Idade Média ao nascimento da teoria da arte no Renascimento.  As fontes e géneros literários da disciplina. Os tratados de arte (Vitrúvio, Leon Battista Alberti, Lorenzo Ghiberti, Andrea Palladio, Sebastiano Serlio, Francisco de Holanda). As biografias de artistas (Giorgio Vasari, Giovan Pietro Bellori, Cirillo Volkmar Machado). Os diários de artistas (Jacopo Pontormo). Os “diálogos“ (Pomponio Gaurico, Francisco de Holanda). As “parangonas” (Benedetto Varchi, Roma, 1547). Os manuais técnicos (Teófilo, Cennino Cennini, Filipe Nunes).


Concetto, idea, liberalidade, scintilla divina, através da obra de Michelangelo (1475-1564)

11 Outubro 2018, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

MICHELANGELO Buonarroti (1475-1564), em vida foi considerado o maior artista do tempo; chamavam-lhe o Divino e ao longo dos séculos até os dias de hoje foi sempre tido na mais alta conta. Faz parte do reduzido grupo de artistas de fama universal, protótipo dos génios. Michelangelo foi um dos primeiros artistas ocidentais a ter sua biografia publicada ainda em vida. A sua fama de águia das artes era tamanha que, como nenhum artista anterior ou contemporâneo,  sobrevivem muitos registos sobre a sua carreira e a sua personalidade, e os simples esboços de suas obras  eram tidos como relíquias por uma legião de admir dores.  Para a posteridade Michelangelo permanece como um dos  poucos artistas aptos a expressar a experiência do Belo, do Trágico e do Sublime numa dimensão cósmica e universal. Miguel  Ângelo Buonarroti teve oportunidade de conhecer em vida à publicação de duas elogiosas biografias, por Giorgio Vasari, editada em 1550,  e por Ascanio Condivi, esta dada à estampa em 1553. Posteriormente à morte do escultor, Giorgio Vasari publica uma segunda edição das suas Vite… (1568), e aí reformula alguns dos juízos que havia emitido acerca da vida e obra do grande mestre.Esta segunda edição das Vite (…) constitui, ainda hoje uma das bases fundamentais de estudo para a compreensão da vida e obra do nosso artista. O pintor-escritor Ascanio Condivi (1525-1574) nasceu no seio de uma família de mercadores em Ripatransone, vai para Roma em 1545, aí conhece Miguel Ângelo e ingressa na sua oficina. Acaso por vontade expressa do próprio Miguel Ângelo, Condivi decide escrever uma nova biografia do artista, com o intuito de corrigir algumas das afirmações de Giorgio Vasari. Essa biografia “oficial” é publicada em 1553 e grangeia sucesso. 

O português Francisco de Holanda (1517-1584) foi o primeiro artista português a estadear em Roma, em 1538-1540, na embaixada de D. Pedro Mascarenhas, e conheceu Miguel Ângelo, registando no tratado Da Pintura Antigua os diálogos que com ele manteve sobre antigualhas, liberalidade, pintura antiga e moderna e filosofia neoplatónica. Francisco de Holanda é o maior expoente da reflexão estética da Bella Maniera em Portugal. Pintor e humanista, filho do iluminador António de Holanda, partiu para Roma no âmbito da política de D. João III de estímulo à presença de bolseiros naquele que era o maior centro da cultura da época. Deixou desenhos da viagem no álbum Antigualhas e o tratado com os célebres Diálogos de Roma. Sobre o artista, são essenciais os estudos da historiadora de arte Sylvie Deswarte.

Michelangelo via-se mais como escultor que pintor ou arquitecto. Participou do debate sobre qual das artes – Pintura ou Escultura -- seria mais nobre, a  questão do paragone, e pôs-se do lado dos escultores. Em carta a Benedetto Varchi em 1547, disse: «Creio que a pintura só atinge sua excelência na medida em que se aproxima dos efeitos do relevo, enquanto que um relevo é considerado pobre quando se aproxima do carácter da pintura. Costumo pensar que a escultura é o farol da pintura, e que entre ambas existe a mesma diferença que há entre o sol e a lua. Contudo, também considero ambas em essência a mesma coisa, na medida em que ambas procedem da mesma faculdade, e daí que é fácil estabelecer entre elas harmonia e encerrar as disputas, que gastam mais de nosso tempo do que produzir as figuras em si. Sobre aquele homem (Leonardo da Vinci) que escreveu que a pintura é mais nobre que a escultura, acho que minha empregada sabe mais do que ele.

Análise de várias obras de Michelangelo e da influência por elas gerada.


Originais, cópias, réplicas, fraudes: a peritagem das obras de arte e a sua metodologia.

8 Outubro 2018, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

     A questão da originalidade de concepção das obras de arte impõe sempre que se determinem rigorosamente as referências formais e ideológicas tomadas pelos artistas na concepção de uma dada obra, e em que medida o discurso artístico preserva, ou tende a perder, a sua dimensão aurática. As categorias operativas propostas pela Iconologia, na esteira dos trabalhos pioneiros de Aby Warburg, e o estudo das trans-memórias que as peças patenteiam, são 'pontos de vista' essenciais na leitura integrada da arte, que merece a maior atenção dos estudiosos. Na Idade Moderna, nem todas as obras de arte seguiam modelos gravados, ao contrário do que muitas vezes se julga; sucede, pelo contrário, que algumas peças consideradas relevantes no seu tempo foram levadas a assumir essa função de inspiradoras de modelo, gerando por seu turno cópias, réplicas, variações parcelares e 'retomas' iconográficas. Esse processo de produção, tão comum no labor dos artistas e oficinas em diversas épocas e 'escolas', impõe modelos, réplicas e variantes, cópias e ‘citações’ formais, e até falsificações e fraudes, reproduções e ‘duplos’, os quais precisam de ser analisados em conjunto (mesmo que sejam de discreta qualidade, como muitas vezes sucede), num cuidadoso processo de comparação.  

     Constitui óptimo testemunho para esta nossa reflexão, entre muitos outros citados na aula, o grande painel Cristo com a cruz às costas, uma das obras-primas da pintura maneirista portuguesa,  vulgarmente chamada Rua da Amargura, pintado por António Campelo por volta de 1560-1570, ao voltar da cidade de Roma, onde aprendera nos círculos da Bella Maniera miguelangelesca e exposto no M.N.A.A. Encomendado pelos frades de Santa Maria de Belém,  o quadro foi muito elogiado pelas fontes dos séculos XVII e XVIII e, embora muito prejudicado por repintes e perdas de matéria e de valores só em parte resgatados no último restauro, é peça absolutamente original, enquanto aglutinadora dos novos sentidos caprichosos do Maneirismo romano, em cujos modelos teatrais se inspira. Mas o quadro foi,  ao mesmo tempo, uma viva fonte de inspiração para uma série de artistas portugueses que, com maior ou menor talento, tomaram a composição  para compôr, a partir do original de Campelo, algumas réplicas com cópias parcelares e variações de módulo. Estudam-se casos de pinturas (de qualidade e de bitola diferenciadas) existentes em Évora, Coimbra, Alhandra e Idanha-a-Velha que são sequenciais do modelo da Rua da Amargura, abrindo-se assim um campo de trabalho comparatista que é, queremos crer, importante para o apuro analítico-crítico das obras de arte.

     O estudo dos sentidos profundos da criação das obras de arte constitui um dos problemas maiores da História da Arte quando ela pretende definir a originalidade relativa dos objectos em apreço. A verdade é que as obras de arte tanto se assumem numa via entre a busca de originalidade e de novas formas de expressão como na via de uma retoma mais ou menos consciente (ora consequente, ora mais conformada) de ‘temas’, ‘soluções’, ‘códigos formais’ e ‘sujeitos de narração’ que já foram em algum momento sugeridos no seu discurso estético ou que já estão, mesmo, pré-estabelecidos. É por isso que na obra de um artista (mesmo de um artista que seja indiscutivelmente  um ‘grande’ artista) se cruzam com frequência as soluções de originalidade e as ‘retomas’, ‘pessoalismos’ e ‘auto-citações’, as réplicas directas ou cruzadas, as variações de temas alheios, e o sentido mais ou menos recalcado da cópia e da variação  que se mistura com as propostas assumidas no original. Eis um problemas fascinante (mais um !) que se coloca para a nossa disciplina da História da Arte e para o ofício dos historiadores de arte.


Art Brut, inconsciente criativo, Psicologia artística: novos géneros de análise da História da Arte

4 Outubro 2018, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Em 1974, António Reis realiza o filme Jaime, apoiado pelo Centro Português de Cinema. Jaime Fernandes, falecido em 1969, nasceu em Barco (Beira Baixo). Trabalhador rural, aos 38 anos foi internado por três décadas no Hospital Miguel Bombarda, como esquizofrénico-paranóico. Como pintor e desenhador, impôs-se: bastaram cinco anos para considerarem o camponês um génio em artes plásticas  Dois anos após a morte de Jaime, António Reis descobriu um desenho seu num gabinete clínico do Hospital e partiu à investigação., reunindo mais cem desenhos do autor e retratando a sua existência. Uma necessidade de alargar a Metodologia da H. Arte a novos campos de estudo e a novos géneros sempre desapreciados. Momentos significativos do encontro entre psicologia e reflexão sobre arte. A noção de inconsciente: arquétipos de Freuid e jung. 1910: Sigmund Freud, Uma Recordação de Infância de Leonardo da Vinci1914: Sigmund Freud, O Moisés de Michelangelo. 1932: Carl Gustave Jung, «Picasso» in O Espírito na Arte e na Ciência. Hans Prinzhorn (1886 - 1933): em 1920 reúne na Clínica Psiquiátrica de Heidelberg 5. 000 peças de doentes mentais provenientes de asilos de vários pontos da Europa; em 1922  escreve a sua obra mais conhecida Artistery of the Mentally Ill onde analisa o trabalho de dez doentes psiquiátricos (the schizophrenic masters) seleccionados a partir da colecção de Heidelberg;. O seu livro Artistery of the Mentally Ill (1922) questiona vas fronteiras que separam a arte dos doentes mentais e a arte das pessoas ditas “normais”. v vConsiderava que o impulso criativo era comum a qualquer ser humano independentemente do seu quadro psíquico. O trabalho de Prinzhorn foi divulgado no meio artístico. Vários artistas conheceram a sua obra e visitaram a sua colecção. Em 1945, Jean Dubuffet cria a Collection d’Art Brut em que reúne um dos acervos mais significativos de arte realizada em contexto psiquiátrico.  Dubuffet definiu nos seguintes termos o conceito de Arte Bruta: «Nous entendons par-là des ouvrages exécutés par personnes indemnes de culture artistique […] Nous y assistons  à l’opération artistique toute pure, brute, réinventée dans l’entier de toutes ses phases par son auteur, à partir seulement de ses propres impulsions. De l’art donc où se manifeste la seule fonction de l’invention […].» L’homme du commun à l’ouvrage (1973). Os estudos recentes sobre Art Brut e sobre a arte do fantástico e a sua metodologia de abordagem. A obra de VINCENT VAN GOGH (1853- 1890).


Conceito de Aura na definição do território da arte como base para a suas análise metodologicamente estruturada.

1 Outubro 2018, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Walter Benjamin, o conceito de aura e a História crítica das artes

 

A autenticidade de uma coisa é a suma de rudo o que desde a sua origem nela é transmissível, desde a sua duração material ao seu testemunho histórico. Uma vez que este testemunho assenta naquela duração, na reprodução ele acaba por vacilar, quando a primeira, a autenticidade, escapa ao homem e o mesmo sucede ao segundo; ao testemunho histórico da coisa. Apenas este é certo, mas o que assim vacila é exactamente a autoridade da coisa e o que murcha na era da reprodutibilidade da obra de arte é a sua aura»…

 

Walter Benedix Schönflies Benjamin (Berlim, 1982-Portbou, 1940), crítico, jornalista, historiador de arte, cientista, filósofo, tradutor, icionólogo e sociólogo, é uma das figuras mais prestigiantes no campo da Estética, que dinamizou através do conceito de AURA para uma nova percepção teórica e sensitiva das artes. Associado desde sempre à Escola de Frankfurt, tal como George Lukács e Bertold Brecht, recebeu a influência do místico judeu Gershom Scholem. Era um profundo conhecedor da língua e cultura francesas, tendo traduzido para alemão obras como Quadros Parisienses de Charles Baudelaire e Em Busca do Tempo Perdido de Marcel Proust. Mas é no campo da Estética que o seu contributo é original. "Há um quadro de Klee intitulado Angelus Novus. Representa um anjo que parece preparar-se para se afastar de qualquer coisa que olha fixamente. Tem os olhos esbugalhados, a boca escancarada e as asas abertas. O anjo da história deve ter este aspecto. Voltou o rosto para o passado. A cadeia de factos que aparece diante dos seus olhos é para ele uma catástrofe sem fim, que incessantemente acumula ruínas sobre ruínas e lhas lança aos pés". (Gesammelte Schriften, I, 2, "Über den Begriff der Geschichte", p. 697 (O Anjo da História, Obras escolhidas de Walter Benjamin, trad. João Barrento, Assírio & Alvim, Lisboa, 2010).

Sobre a famosa aura, escreveu na A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica: «A singularidade é idêntica à sua forma de se instalar no contexto da tradição. Esta tradição, ela própria, é algo de inteiramente vivo, de extraordinariamente mutável. Uma estátua antiga de Vénus, por exemplo, situava-se num contexto tradicional diferente, para os gregos que a consideravam um objecto de culto, e para os clérigos medievais que viam nela um ídolo nefasto. Mas o que ambos enfrentavam da mesma forma era a sua singularidade, por outras palavras, a sua aura»…O talento analítico de Benjamin expressou-se no modo como soube entrever relações entre tudo o que parecia disperso e amalgamado, numa capacidade de perceber as relações, afinal estreitas e clarificantes, entre a matéria bruta e o imaginário da produção de bens de consumo. São valores de longa sobrevivência, que interessam à prática da História e da Crítica das Artes e que explicam os mecanismos paragonais de gosto e de repulsa, de marginalidade e de massificação, de deriva repressiva e de ruptura vanguardística.

As novas gerações de historiadores e críticos de arte da era da globalização aprendem com estas lições oriundas da esfera da sociologia da arte, a psicologia, a antropologia e a filosofia marxista e que se tornam de utilidade para a definição da disciplina. A História-Crítica da Arte, ao mostrar utilidade perene, ao falar das obras em aberto (como as definiu Eco), progrediu de modo significativo no contexto de um mundo em globalização. Alargou capacidades de análise, recentrou interesses regionais, atraiu jovens investigadores, disponibilizou apoio dos poderes instituídos, redefiniu objectos de estudo no enfoque micro-artístico, amadureceu a visão patrimonialista sem antigas peias auto-menorizadoras, e reforçou esse seu entendimento (que só ela pode ter…) do discurso da arte como um fenómeno que é em todas as circunstâncias inesgotável e por isso trans-contemporâneo.

O fio de pensamento une os textos, que se agrupam sob o título O Anjo da História relaciona-se com a paixão de Benjamin por um quadro de Paul Klee, Angelus Novus. Gershom Scholem, seu amigo e biógrafo, conta que Benjamin adquiriu a obra de Klee em 1921 e diz que o amigo considerava a obra como uma sua possessão. O quadro de Klee tornou-se imagem obsessiva, expressão de uma certa visão da História, sem falar nas implicações talmúdicas da angelogia judaica, alegorizava a ideia da ruína e catástrofe. Essa concepção benjaminiana da catástrofe já aparece na obra A Origem do Drama Barroco, como percepção lúcida da falência do paradigma da concepção da História como progresso, insuflada pela visão contínua da temporalidade dos factos históricos. O olhar de Benjamin desespera nessa percepção falseada da realidade, em que a ilusão do progresso norteia toda a concepção da História na sua época. Para WB é preciso interromper a catástrofe, romper com a ilusão do Progresso e despertar para outra concepção da História, capaz de redimir a injustiça e despertar a débil força messiânica que existe em cada geração: despertar para outra dimensão da História, em que o passado surja metamorfoseado pela luz da redenção messiânica, mas também para outra dimensão da temporalidade, a do instante do Agora (Jetzt). Ora, esse é precisamente o "momento revolucionário", que rompe o contínuo da história e da visão da história entendida como sucessão e continuidade, a única, assim, capaz de interromper a catástrofe imparável.

No textos Sobre a crítica do poder como violência e Fragmento teológico-político, de 1919/1920, o que é claramente anunciado é o poder revolucionário e instaurador de uma nova ordem de valores que a interrupção messiânica comporta a partir de si. No primeiro é a interrupção do Direito humano a favor da instauração violenta do Direito divino, pois só esse funda a verdadeira justiça." Também no texto "Fragmento teológico-político", é a interrupção da ordem profana e o seu contínuo que opera a restitutio in integrum espiritual, isto é, fazendo surgir, através da dissolução do profano, a verdadeira ordem messiânica. Essa ideia, de uma ordem messiânica, é algo que se esbaterá nos anos seguintes da obra de Benjamin, que descobre o materialismo dialéctico em 1924, ao conhecer Asja Lascis. Só mais tarde regressará à sua visão messiânica da História. A obra deste genial pensador judeu de formação marxista combina ideias só na aparência antagónicas, desde o idealismo alemão ao materialismo dialéctico e ao misticismo judaico, e constitui um contributo fundamental para a Estética, com títulos como A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica (1936), as Teses Sobre o Conceito de História (1940) e a inacabada Paris, Capital do século XIX, enquanto A Tarefa do Tradutor constitui desde sempre referência incontornável dos estudos literários. O Projeto de Arcades (Passagenwerk), mais de mil pp. (1927-1939) com notas, citações, artigos curtos, recortes, imagens e fragmentos em justaposição sobre os Arcades parisienses do século XIX (centros comerciais cobertos) é também uma obra de referência.

Walter Benjamin faleceu em 1940, em Portbou, na fronteira espanhola, fugitivo da barbárie nazi. Suicidou-se após recusa de obter passaporte após passar pela França ocupada. A sua epistolografia final sintetiza bem o modo como a análise marxista e o misticismo se interligam para entender os modos de intersecção das artes e tecnologia, a luta de classes e a consciência libertária dos homens, incluindo a dimensão de transcendência. WB analisou de modo pioneiro o Cinema e a Fotografia, os media, e deixa obra imensa, só postumamente publicada. «Para se ser feliz, há que ser capaz de tomar consciência de si mesmo sem medo», escreveu… WB tinha o ensaio A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica na conta de primeira grande teoria materialista da arte. O texto centra-se na análise das causas e consequências da destruição da aura que envolve as obras enquanto objectos individualizados, únicos. Com o progresso das técnicas de reprodução, sobretudo do Cinema e da Fotografia, a aura dissolve-se nas várias reproduções do original, destituindo a obra de arte do seu status de raridade. Para Benjamin, a partir do momento em que a obra fica excluída da atmosfera aristocrática / religiosa que a tornam uma peça de eleição e objecto de culto, a dissolução da aura atinge dimensões sociais. Essas dimensões são o resultado da estreita relação existente entre as transformações técnicas e as da percepção estética.

A perda da aura e as consequências daí resultantes são muito sensíveis no Cinema, onde a reprodução de uma obra de arte carrega a possibilidade de uma radical mudança qualitativa na relação das massas com a arte. Embora o cinema, diz WB, exija o uso da personalidade viva do homem, este priva-se de sua aura; se, no Teatro, a aura de um Macbeth, p. ex., se liga indissoluvelmente à aura do actor que o representa, tal como essa aura é sentida pelo público, o mesmo não ocorre no Cinema, onde a aura do intérprete desaparece com a substituição do público pelo aparelho. Na medida em que o actor se torna acessório da cena, não é raro que os próprios acessórios desempenhem o papel de actores. Benjamin considera que a natureza vista pelos olhos difere da que é vista pela câmara: esta, ao substituir o espaço onde o homem age por outro onde sua acção é inconsciente, possibilita a experiência do inconsciente visual, tal como a prática psicanalítica possibilita a experiência do inconsciente instintivo. Exibindo a reciprocidade de acção entre a matéria e o homem, o Cinema seria de valia inestimável para o pensamento materialista. Adaptado adequadamente ao proletariado, que se prepararia para tomar o poder, o Cinema tornar-se-ia, em consequência, portador de uma extraordinária esperança histórica.

A análise de Benjamin mostra que as técnicas de reprodução das obras de arte, ao provocarem a queda da aura, promovem a liquidação do elemento tradicional da herança cultural; mas, por outro lado, esse processo contém um germe positivo na medida em que possibilita um outro relacionamento das massas com a arte, dotando-as de um instrumento eficaz de renovação das estruturas sociais e da sua consciência. Trata-se de uma postura optimista, objecto de reflexão crítica por parte de Adorno.

Actualmente a obra de Benjamin exerce grande influência, p. ex., em G. Agamben, no que toca ao conceito de Estado de excepção. O texto Teorias do Fascismo Alemão, de 1930, pressente a iminência do nazismo na Europa. A sua visão da História pretende-se como um antídoto face ao que pressente, pois percebeu que o optimismo da visão progressista oculta o hediondo rosto do fascismo alemão. Por isso, a visão benjaminiana da História, o seu pessimismo, associa-se ao sentimento de uma melancolia revolucionária que procura uma saída de emergência: "Marx diz que as revoluções são a locomotiva da história universal. Mas talvez as coisas se passem de maneira diferente. Talvez as revoluções sejam o gesto de accionar o travão de emergência por parte do género humano que viaja nesse comboio." (Arquivo Benjamin, mss. 1100). Trata-se de procurar um gesto ético que interrompa a catástrofe e abra passagem para uma outra compreensão da História: redespertar a força do passado no presente e devolver a glória aos vencidos da História. O Anjo espera esse momento redentor, pese o vendaval do Progresso que o arrasta "imparavelmente para o futuro“...

A obra de Benjamin reúne conceitos que têm provocado uma série de respostas, incluindo as de Jacques Derrida que, como nas suas leituras onde cuidadosamente reproduz textos de Benjamin, se destacam os aspectos místicos e a afirmação magnífica da alteridade absoluta. O princípio messiânica de Derrida defende que cada momento do tempo apresenta oportunidade única, revolucionária. Franz Rosenzweig, Gerschom Scholem, Hannah Arendt, Franz Kafka, Paul Celan, Emmanuel Levinas, Jacques Derrida, assumiram papel importante na tradição do pensamento judaico no século XX. A concepção materialista da História enriquece a perspectiva marxista de Benjamin e, bem assim, de Theodor Adorno e Max Horkheimer (e a Escola de Frankfurt, em geral), bem como de Georg Lukács e Bertold Brecht, com protagonismo na tradição da estética do século passado. A tradição da Filosofia alemã de Immanuel Kant, incluindo os românticos alemães (de Goethe aos irmãos Schlegel), FWJ Schelling e GWF Hegel, sem esquecer Edmund Husserl e o seu discípulo Martin Heidegger, mostra paralelos com o trabalho de W. Benjamin. As principais preocupações de Benjamin giraram em torno da compreensão dos problemas sociais e culturais da chamada era do alto capitalismo, consequência imediata da passagem do capitalismo industrial no início do século XX. Por isso, os temas tratados por si dão ideia da modernidade (com início na Renascença); a passagem da cultura burguesa do século XIX para o urbanismo do século XX; as problemáticas da arte e dos seus mercados e gostos (clássico, capitalista, burguês); a escrita (de crítica à jornalista); as minúcias do mundo quotidiano que emerge da 1ª grande guerra; a tecnologia no contexto da guerra; a urbanidade e o urbanismo; a infância; os sonhos; os anúncios e cartazes da publicidade, os panfletos, jornais, espaços (quartos, ruas, mapas) e edifícios em franca relação com a cidadania. Por close-ups das coisas que estão em nosso redor, concentrando-se em detalhes ocultos de objectos familiares, explorando ambientes comuns, sob a orientação engenhosa da câmara, o filme amplia, por um lado, a nossa compreensão das necessidades que governar as nossas vidas; por outro lado, consegue assegurar-nos um imenso campo de acção. Os nossos bares e as nossas ruas metropolitanas e os nossos escritórios e quartos mobilados, as estações de trem e as fábricas das cidades parecem ter-nos irremediavelmente presos. Depois veio o filme e explodiu nesta prisão-mundo em pedaços através da dinamite do décimo de segundo, pelo que, agora, no meio de longínquas ruínas e destroços, calmamente reaprendemos a viajar. Com o close-up, o espaço expande-se em câmara lenta, o movimento é ampliado. O alargamento de um instantâneo torna mais preciso o que, em qualquer caso, já era visível mas menos claro; revela inteiramente as novas formações estruturais de um tema qualquer… (Walter Benjamin, Illuminations, 236).

 

"The uniqueness of a work of art is inseparable from its being embedded in the fabric of tradition. This tradition itself is thoroughly alive and extremely changeable. An ancient statue of Venus, for example, stood in a different traditional context with the Greeks, who made it an object of veneration, than with the clerics of the Middle Ages, who viewed it as an ominous idol. Both of them, however, were equally confronted with its uniqueness, that is, its aura. Originally the contextual integration of art in tradition found its expression in the cult. We know that the earliest art works originated in the service of a ritual – first the magical, then the religious kind. It is significant that the existence of the work of art with reference to its aura is never entirely separated from its ritual function. In other words, the unique value of the “authentic” work of art has its basis in ritual, the location of its original use value. This ritualistic basis, however remote, is still recognizable as secularized ritual even in the most profane forms of the cult of beauty. The secular cult of beauty, developed during the Renaissance and prevailing for three centuries, clearly showed that ritualistic basis in its decline and the first deep crisis which befell it. With the advent of the first truly revolutionary means of reproduction, photography, simultaneously with the rise of socialism, art sensed the approaching crisis which has become evident a century later. At the time, art reacted with the doctrine of l’art pour l’art, that is, with a theology of art. This gave rise to what might be called a negative theology in the form of the idea of “pure” art, which not only denied any social function of art but also any categorizing by subject matter. (In poetry, Mallarme was the first to take this position.)

An analysis of art in the age of mechanical reproduction must do justice to these relationships, for they lead us to an all-important insight: for the first time in world history, mechanical reproduction emancipates the work of art from its parasitical dependence on ritual. To an ever greater degree the work of art reproduced becomes the work of art designed for reproducibility. From a photographic negative, for example, one can make any number of prints; to ask for the “authentic” print makes no sense. But the instant the criterion of authenticity ceases to be applicable to artistic production, the total function of art is reversed. Instead of being based on ritual, it begins to be based on another practice – politics."   (Walter Benjamin - The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction (1936).

 

O saldo de trabalho de Benjamin atinge, muitas vezes, resultados paradoxais, com tensões entre os aspectos da experiência: as experiências simultaneamente do tarde demais e cedo (muito cedo) na dimensão temporal (cf Hamlet: "o tempo é fora do comum") e ser ao mesmo tempo distante e close (dimensão espacial...; o conceito de "aura", uma das contribuições mais influentes de Benjamin, é melhor compreendido em termos destas tensões ou oscilações. Ele diz-nos que aura é uma "teia estranha de espaço e tempo" ou "uma distância tão próxima quanto possível."

A ideia principal é de algo inacessível e esquivo, algo muito valorizado, mas que é enganosa e fora do alcance. Aura, nesse sentido, está associada às noções das arte do século XIX, e é assim que Benjamin defende, com o início da fotografia, a perda gradual desse conceito. Fotografia, uma primeira tentativa de imitar a pintura, por causa da natureza da fotografia tecnologia, tomou a sua própria direcção contribuindo para a destruição de todas as noções tradicionais das artes plásticas. O selo e o livro formam as duas imagens que talvez melhor indiquem o que está em jogo. O valor enigmático de um selo para o colector é substituído pelo valor mais comum e crítico sugerido pelo conhecimento do livro, embora os livros também sejam objectos para o coleccionador. Ambos devem ser imputadas à nota de banco, que circula  num sistema de troca e não tem nenhum valor para além desse seu sistema. Por isso, o Cinema e o Filme são o que mais existe de sugestivo para Benjamin

Benjamin aborda os fenômenos de imagens em movimento no cinema e noticiário em seu ensaio de 1936 "A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica." É altamente recomendado como um dos mais clara e abrangente de todas as obras de Benjamin. É um argumento rigorosamente dialético, claramente influenciado por seu envolvimento contínuo com o marxismo e escrito com uma audiência em mente já está familiarizado com as obras de seu amigo Theodor Adorno. O pensamento dialético envolve mover-se através contrários sem nunca deixar um mandato ganho precedência sobre seu outro ou aparente pensamento oposto como a maioria de oposição tende a fazer. Na dialética cada termo só tem significado em relação ao seu contrário aparente ou outro. Benjamin começa por assumir o princípio essencial do materialismo dialético, que afirma que os meios de produção determinam a natureza da produção cultural, ou, mais tecnicamente, a infra-estrutura determina a superestrutura. No entanto, ele passa a mostrar que a superestrutura muda muito mais lentamente do que a infra-estrutura, com o efeito que os fenômenos culturais sempre atrasadas em relação as condições que os produzem. Por esta razão, ele está observando as condições de cultura presente no momento da sua primeira desenvolvimento e com um olho para o presente estado de produtivos (e reprodutivos) tecnologias. Seu modo de observação (como ele diz) é projetado para chamar a atenção para as mudanças nas condições de produção como forma de intervir no processo. Suas teses são, portanto, considerado como armas na guerra contra o fascismo. Dois modos de observação são considerados como modos de acção, o fascista ou reaccionário e o progressista ou revolucionário Para o modo fascista pertence a tentativa de tornar a política uma estéticas de propaganda (os comícios de Hitler e das massa fanatizadas), com ecos na arte da guerra, expressa por Marinetti e pelos futuristas. Condições técnicas / mecânicas de reprodução substituem condições anteriores de obras de arte, de produtores e consumidores. A fotografia vem a culminar gradualmente nas imagens em movimento do Cinema, e já implica cinema e o antecipa desde o início, assim como a câmara escura prefigurava no século XVI a imagem fixa da fotografia. A destruição da aura em reprodução mecânica sinaliza a passagem da obra de arte como culto (ou seja, como objecto religioso) para a obra de arte como exposição (no museu e, inevitavelmente, no cinema). As transições nesse campo ocorrem ao longo dos tempos históricos, começando pela arte rupestre (a magia), movendo-se através de iconicidade religiosa (os retábulos de altar e as catedrais), para o culto pós-renascentista de beleza. Em cada uma destas etapas o valor de culto da magia (oculto) continua a ser factor decisivo no valor ideológico da obra de arte. A etapa final envolve a transição das associações de culto residuais para o valor de exposição (contribuição gradual do capitalismo para o desenvolvimento da história do mundo). Assim, a Aura implica autenticidade, mas não há autenticidade sem a sua transformação em reprodutibilidade técnica (ou seja, a ideia de arte autêntica só surge quando a autenticidade é uma espécie ameaçada de obras de arte). Arte reprodutível substitui autenticidade com um adicional extra-inédito percepções são possíveis…