Sumários
Apresentação geral do Programa
12 Setembro 2022, 09:30 • Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão
PROGRAMA DA DISCIPLINA ARTE MODERNA DE PORTUGAL / RTE DO
RENASCIMENTO E DO MANEIRISMO EM PORTUGAL
(Licenciatura, 3º ano, 2022-23), 1º semestre, 2ªs e 5ªs, 9h30-11 h.. Docente: Prof. Vitor Serrão.
Objectivos:
O objectivo científico do programa desta nova
unidade curricular visa caracterizar, de modo o mais possível actualizado, a
cultura artística produzida em Portugal em três tempos distintos e cronologicamente sucedâneos – de cerca de 1460 a
cerca de 1620 --, com indiscutível força de inovação e qualidades plurais
específicas: o Renascimento
propriamente dito na sua expressão humanística e na sua devoção ao classicismo all’antico, captado sob influências
mistas (italiana, flamenga, castelhana, e francesa); o Maneirismo, fase de eufórica busca libertária no plano da criação e
da afirmação estatutária (a Bella Maniera);
e o Maneirismo reformado (ou Contra-Maniera), arte das Contra-Reforma
católica, fidelizada a parâmetros de propaganda e catecismo que, no seu alinhamento
ao decorum tridentino, abrem caminho
ao Barroco seiscentista.
Longe de se poderem inscrever em balizas cronológicas
precisas, estes três «ciclos estilísticos» (que por vezes se interpenetram
entre si, ao sabor de involuções descontínuas e fidelidades retardatárias),
precisam de ser estudados de per si,
numa perspectiva alargada de integração que não esqueça, entre outros, os
contextos políticos, literários, religiosos e laborais em que tais estilemas se
desenvolveram, sem esquecer os desdobramentos imperiais inerentes, sabendo-se
que a realidade portuguesa dos séculos XV e XVI (e XVII) integra um vasto
espaço ultramarino (que se estende ao Maghreb, à costa africana, ao Brasil, ao
Estado da Índia Portuguesa, à China, ao Japão) onde a sua influência se faz
sentir (bem como, em terreno de miscigenações, se sentem influências-outras
emanadas dos novos territórios de conquista ou penetração). Temas como a arte
indo-portuguesa ou a arte sino-portuguesa, ou os Biombos Nam-Ban, por exemplo, não podem, por isso, ser descartadas no
presente programa de estudos.
A forte influência da cultura do Quattrocento italiano, que se prolonga
até à produção final de Rafael de Urbino († 1520), marca no caso português o
episódio brilhante do Renascimento e a especificidade dos seus resultados, quer
no campo da arquitectura (João de Castilho, Miguel de Arruda), da escultura
(Chanterene, João de Ruão) ou da pintura (de Nuno Gonçalves a Gregório Lopes),
quer no campo das artes de decoração (talha, azulejo, ourivesaria, mobiliário,
têxteis…), quer na consciência emergente que conduz à reivindicação de um
estatuto de liberalidade criativa, que se define melhor com as viagens a Roma de uma série de artistas
nacionais em tempo de D. João III e D. Sebastião, já em decisiva viragem de
gosto para o Maneirismo. Com este estilo, a Bella
Maniera (em que se inscrevem a obra poética de Luís de Camões e a teoria da
arte de Francisco de Holanda), a arte portuguesa envereda por um tempo de ousadias, uma frenética busca
de novos caminhos, em incisiva ruptura com anteriores academismos e
esgotamentos formais. Enfim, após cerca de 1580, é a arte mais disciplinada e
pedagógica da Contra-Maniera que vai
desenhar o seu curso produtivo, com resultados por vezes admiráveis na busca de
consensos vernáculos, coincidentes com a nova realidade nacional decorrente da
Monarquia Dual filipina.
Aprender a ver, a ler e perceber as obras
de arte inscritas neste arco temporal -- 1450 a 1620 – e saber conjugar as
linhas de evolução temporal, descobrindo as suas valências específicas, são os
objectivos desta unidade curricular que pretende reavaliar um dos mais
brilhantes «tempos» da História da Arte portuguesa (e ultramarina).
Avaliação: os alunos serão avaliados
mediante um teste presencial (21 de Novembro) e um trabalho prático (ficha analítico-descritiva de uma obra de
arte portuguesa, ou existente em
Portugal, que se integre nos ‘tempos’ em apreço, e que será apresentado e
discutido em aula complementar).
Conteúdos Programáticos:
1. Visão de conjunto sobre as especificidades
da arte portuguesa de circa
1460-1620: entre o Tardo-Gótico, o Renascimento, o Maneirismo e a Contra-Maniera. O século XVI português e
o processo da Expansão: os chamados Descobrimentos como antecâmara de novas
relações e partilhas artísticas com a Europa e o Mundo.
2. A cultura do Humanismo em Itália e em
Portugal e os sintomas de viragem proto-renascentista nos Painéis de São Vicente, de Nuno Gonçalves. A introdução do
Renascimento em Portugal. Importações de arte (a Bíblia dos Jerónimos) e chegada de mão-de-obra estrangeira.
3. O Tardo-Gótico na arquitectura
portuguesa e ultramarina: do fenómeno do gótico-manuelino
à arquitectuta de ‘modo antigo’.
Humanismo, Proto-Renascimento e Classicismo na construção portuguesa e
ultramarina. Os poderes laicos e as Ordens religiosas (a Ordem de São Jerónimo).
4. A corte renascentista de D. Manuel I
e D. João III: o papel dos literati,
a antichità, o gosto ao romano. Novos mecenatos: o peso da
cultura cristocêntrica, a Devotio Moderna,
a Ars moriendi. Cultura artística e
antropocentrismo. Matematização do mundo. Ciência e rigor da forma geométrica.
A caligrafia e a iluminura.
5. Arquitectura renascentista ‘ao italiano’: João de Castilho, Miguel
de Arruda, Diogo de Torralva. Tomar, Évora, Coimbra, centros ‘ao romano’. O fascínio das ‘rovine’ e o culto da Antiguidade. Casos
de novidade e de resistência na paisagem arquitectónica nacional.
6. A escultura: a vinda de Nicolau de
Chanterene em 1517 e a sua obra nos Jerónimos, em Sintra e em Évora. O escultor
João de Ruão, a sua «escola», e o ciclo
do calcário em Coimbra. Os barristas: Felipe Odarte. Francisco Loreto e os escultores
franceses.
7. A pintura e as demais artes da
Flandres: dois polos interpretativos de um ‘tempo’. A influência de Bruges,
Gand e Antuérpia. O pintor Francisco Henriques, a «oficina de Frei Carlos» (ou
do Espinheiro) e o designado Mestre da Lourinhã. O vitral (Francisco Henriques).
A iluminura de António de Holanda e Álvaro Pires. A Leitura Nova e os Livros de
Horas.
8. A idade
de ouro da pintura nacional: o ciclo manuelino-joanino. Jorge Afonso e a Oficina
Régia de Lisboa. Gregório Lopes e os ‘mestres de Ferreirim’. Vasco Fernandes, o
Grão Vasco, entre o mito e a
realidade. Oficinas regionais (Viseu, Viana do Castelo, Évora). O italianismo
crescente: exercício científico e mental,
da terceira dimensão à perspectiva e ao naturalismo das formas.
9. A nobre
arte do retrato cortesão: a busca de rigor numa arte ‘pelo natural’ que se autonomiza. A presença de Anthonis Moro em
Lisboa e a sua influência. As obras de Cristóvão de Morais e Lourenço de Salzedo.
As miniaturas.
10. As artes decorativas: o entalhe, o azulejo,
o mobiliário, as pratas, a joalharia, os têxteis, os guadamecis (couros
lavrados). Novos estilos e linhas influentes (o exemplo do indo-português, a
tradição mudéjar, etc). Fidelidades vernáculas e engenho cenográfico.
11. Artes da cal e novas linguagens
decorativas e vernaculares: stucco,
fresco, esgrafito, obra de massa, embrechado. Novos gostos e importações de
modelos. Sentido da globalização dos espaços: a obra de arte total no século XVI português.
12. As viagens a Roma: Francisco de Holanda, Campelo. Os tratados, o
desenho e a circulação de livros e gravuras. O Neo-Platonismo e o Irenismo. Os
novos mecenas. A internacionalização das artes e os conceitos de liberalità e de Maniera. A Arqueologia e a descoberta das antigualhas.
13. A pintura maneirista em Portugal e os
novos paradigmas do ‘despejo’. A
primeira geração pictórica: Diogo de Contreiras e os «seguidores de Gregório
Lopes». O Maneirismo como novidade absoluta nos mercados nacionais e
ultramarinos. Os «romanizados» e a influência italiana: Campelo, João Baptista,
António Leitão, Gaspar Dias.
14. A escultura e talha maneiristas:
Diogo de Çarça e Felipe de Bries. Novas tipologias de retábulos e de cadeirais.
O arquitecto Jerónimo de Ruão e o ‘flamenguismo’:
sondagem de novas cenografias do espaço (a igreja da Luz de Carnide e a
capela-mor dos Jerónimos).
15. A reivindicação de um estatuto social
de liberalidade: da corporação
gremial à inventio. A carta de Diogo
Teixeira a D. Sebastião em 1577. Movimentos de emancipação anti-corporativa. A
literatura artística ao serviço da liberdade dos artistas.
16. Repercussão dos tratados de arte em
Portugal: dos cânones do Proto-Renascimento aos valores anti-clássicos. A
arquitectura de Nicolau de Frias e o Palácio Ducal de Vila Viçosa.
17. As artes no Império: pintura,
escultura e talha em Goa (a chamada Roma
do Oriente) e no Estado da Índia portuguesa.
18. Ética e estética no Renascimento e o
Maneirismo: a consagração dos valores humanistas. A influência das ideias de
Benito Arias Montano.
19. A busca do fantástico e o sentido da liberalità
criadora: a consagração do Grotesco e do Brutesco. O fresco maneirista
português. A pintura de Francisco de Campos.
20. O Concílio de Trento (1545-1563) e a
sua influência religiosa, cultural e artística. O papel mecenático dos Arcebispos
D. Teotónio de Bragança (Évora) e D. Frei Bartolomeu dos Mártires (Braga). As
novas orientações conciliares. As obras de Nicolau de Frias e Pero Vaz Pereira.
21. A caligrafia (Giraldo Fernandes de
Prado), a iluminura portuguesa (Estêvão Gonçalves Neto) e as outras artes do
desenho. O ensino das artes (a Irmandade de São Lucas).
22. Arquitecturas salvíficas: conceitos
de decorum, estilo chão, gosto desornamentado. A Monarquia Dual filipina e as
linhas vernaculares da construção portuguesa (e ultramarina) pós-1580 e pós-tridentina.
23. Censura e iconoclasma no campo das
artes: o escândalo de Soror Maria da Visitação e o pintor régio Fernão Gomes.
Casos de artistas reprimidos e de obras de arte destruídas, enterradas ou
modificadas por ordem dos censores do Santo Ofício.
24. A arte contra-maneirista portuguesa à
luz de novos desígnios catequéticos. A viragem circa 1600: o caso dos pintores Simão Rodrigues e Domingos Vieira
Serrão, do escultor Gonçalo Rodrigues, das dinastias de arquitectos (Frias,
Tinocos, Coutos).
25. No limiar do Barroco: as últimas
expressões maneiristas face a uma arte que se renova no sentido de um novo
naturalismo com marca de pedagogia e rigor.