Sumários

VI. O Pensamento: uma Investigação Lógica - 4

11 Abril 2024, 09:30 António José Teiga Zilhão


Análise e discussão do ensaio de Gottlob Frege O Pensamento: uma Investigação Lógica Der Gedanke: eine logische Untersuchung) de 1918/19 - 4
17. Poderão realmente existir pensamentos cujo conteúdo é composto por partes acessíveis apenas através da contemplação da experiência privada? 18. A estratégia de Frege para abordar esta questão: pensamentos compostos por partes apenas acessíveis através da contemplação da experiência privada teriam que ser, eles próprios, entidades pertencentes por inteiro à experiência privada; entidades pertencentes à experiência privada seriam, por definição, conteúdos de consciência ("ideias", na terminologia fregeana); por sua vez, os conteúdos de consciência definir-se-iam pela posse de um conjunto cumulativo de propriedades. 19. Definição do elenco de propriedades cuja posse distinguiria ideias (i.e., conteúdos de consciência) de objectos físicos: i) as ideias não são sensorialmente perceptíveis; os objectos físicos são sensorialmente perceptíveis; ii) as ideias não subsistem de forma independente; os objectos físicos subsistem de forma independente; iii) as ideias necessitam de um portador; os objectos físicos não estão ligados a qualquer portador; iv) nenhuma ideia pode ter mais do que um portador; o mesmo objecto físico pode ser igualmente apreendido por diferentes observadores. 20. Relação dos pensamentos com as propriedades i)-iv): os pensamentos partilham com as ideias apenas a propriedade i), mas não as propriedades ii), iii) e iv), e partilham com os objectos físicos as propriedades  ii), iii) e iv), mas não a propriedade i); assim sendo, os pensamentos nem seriam ideias nem seriam objectos físicos; eles instituiriam um terceiro reino ontológico, distinto tanto do dos objectos físicos como do das ideias ou conteúdos de consciência. 21. Conclusão do argumento de Frege: dadas as propriedades que definem o que é ser um pensamento, é contraditório com essa definição pensar que poderiam existir pensamentos inteiramente compostos por partes apenas acessíveis no âmbito da experiência privada; de facto, nestas circunstâncias, os termos que, por hipótese, representariam tais partes num pensamento não reuniriam as condições necessárias para poderem ter uma referência; em consequência, as frases que supostamente representariam tais pensamentos não teriam qualquer objecto e, portanto, não teriam sentido (i.e., não representariam, de facto, qualquer pensamento); por outro lado, se uma asserção formulada na primeira pessoa do singular exprimir realmente um pensamento, então os conteúdos de consciência que a acompanham na mente do falante não pertencem ao pensamento que ela exprime. 

VI. O Pensamento: uma Investigação Lógica - 3

9 Abril 2024, 12:30 António José Teiga Zilhão


Análise e discussão do ensaio de Gottlob Frege O Pensamento: uma Investigação Lógica Der Gedanke: eine logische Untersuchung) de 1918/19 - 3
14. A mesma frase assertiva pode exprimir mais do que um pensamento; este é especialmente o caso quando uma frase assertiva contém nomes próprios; num tal contexto, o pensamento que a mesma exprime depende do modo de apresentação (do sentido) desses nomes próprios, tanto para o falante como para o interlocutor; diferentes modos de apresentação (sentidos) do mesmo nome próprio associam a mesma frase a pensamentos diferentes, ainda que co-referenciais. 15. Do mesmo modo, a co-referencialidade de dois nomes próprios distintos tão-pouco constitui condição suficiente da sinonímia cognitiva de duas frases distintas que relacionem o mesmo predicado com cada um dos termos singulares co-referenciais; em ambos os casos, é possível que um falante competente atribua a um dos pensamentos o valor de verdade Verdadeiro e ao outro o valor de verdade Falso (sendo, por conseguinte, uma das atribuições objectivamente incorrecta). 16. O caso particular das frases assertivas indicativas formuladas na primeira pessoa do singular: prima facie, uma tal frase parece estar, ipso facto, associada a dois pensamentos distintos - o pensamento no qual o termo 'Eu' refere a delimitação do campo da experiência fenomenológica dada ao falante no momento da asserção e o pensamento no qual o termo 'Eu' funciona como um indexical que identifica um indivíduo entre os demais, descrevendo o seu conteúdo aspectos do mundo público comum tanto ao falante quanto aos interlocutores. 17. Mas poderão realmente existir pensamentos pertencendo ao mundo da experiência privada?     

VI. O Pensamento: uma Investigação Lógica - 2

4 Abril 2024, 09:30 António José Teiga Zilhão


Análise e discussão do ensaio de Gottlob Frege O Pensamento: uma Investigação Lógica Der Gedanke: eine logische Untersuchung) de 1918/19 - 2

9. Só as frases nas quais se afirma ou comunica alguma coisa, i.e., em geral, frases indicativas, exprimem pensamentos; mas, numa frase indicativa, há que distinguir entre dois aspectos da mesma - o conteúdo e a asserção; só o primeiro contém o pensamento que a frase exprime. 10. Com efeito, é possível capturar um pensamento sem o colocar como verdadeiro; assim sendo, há que distinguir entre três actos: i) a apreensão ou captura de um pensamento (o processo de pensar), ii) o reconhecimento como verdadeiro de um pensamento apreendido (a formulação do juízo), iii) a manifestação ou comunicação do juízo, i.e., de um pensamento apreendido e tido por verdadeiro (a asserção). 11. Dadas estas distinções, torna-se compreensível por que é que, para Frege, a asserção de uma frase indicativa f acompanhada com o qualificativo 'é verdade que f' ou 'f é verdadeira' nada acrescenta à simples asserção da frase; para o autor da elocução, a questão da verdade põe-se antes da formulação do juízo, após a captura de um pensamento, e não depois, no momento da asserção. O predicado ´é verdadeira' ou 'é verdade que' aplicado a frases assertivas é assim redundante. 12. Além do conteúdo e da asserção, muitas frases indicativas contêm ainda outros aspectos como, e.g., o tom, os quais estão associados à expressão da emoção e dos sentimentos dos falantes; estes aspectos são, todavia, irrelevantes para a determinação de qual o pensamento expresso por uma frase; no âmbito de uma investigação lógica, eles devem, por isso, ser negligenciados.13. Mas, se é de facto o caso que, com frequência, muitos dos componentes da frase devem ser negligenciados para se poder pôr em evidência o pensamento que ela exprime, é também o caso que, com frequência, para se poder pôr em evidência o pensamento que uma frase exprime, é necessário ou acrescentar à frase componentes que dela não fazem parte (por exemplo, a identificação do momento em que a asserção foi feita) ou modificar alguns dos componentes que dela fazem parte (por exemplo, nos casos em que uma frase contém componentes indexicais de tempo e espaço).

VI. O Pensamento: uma Investigação Lógica - 1

2 Abril 2024, 12:30 António José Teiga Zilhão


Análise e discussão do ensaio de Gottlob Frege O Pensamento: uma Investigação Lógica ( Der Gedanke: eine logische Untersuchung) de 1918/19 - 1 

1. A Lógica como 'Ciência da Verdade': o propósito da Lógica é descobrir as leis da verdade. 2. Dois sentidos associados ao uso do termo 'lei': sentido prescritivo (moral, direito); sentido descritivo (ciências da natureza); quando se fala em 'leis da verdade' como o objecto da Lógica, o termo 'lei' deve ser aqui entendido no mesmo sentido em que se fala de 'lei', quando se fala de leis da natureza (i.e., estas são leis descritivas). 3. Há, todavia, que distinguir entre as leis da verdade e as leis dos processos de pensamento efectivos; estas últimas são de natureza psicológica e descrevem eventos sujeitos à causalidade natural; aquelas não são de natureza psicológica e não descrevem eventos sujeitos à causalidade natural. 4. Usos do termo 'verdadeiro' que nada têm a ver com a Ciência da Verdade: i) 'verdadeiro' como 'genuíno' ou 'veraz'; ii) 'verdadeiro' como 'próprio' ou 'não adulterado'. 5. O uso do termo 'verdadeiro' que tem a ver com o modo como o mesmo é usado na Ciência da Verdade é o uso típico das ciências naturais. 6. Discussão da interpretação de 'x é verdadeiro', tal como usado nas ciências naturais: a interpretação mais frequente de 'x é verdadeiro' neste âmbito é analisável como 'x é uma representação verdadeira'; a noção de 'representação verdadeira' elucidada à custa da noção de 'correspondência' entre representação e representado; análise desta noção - uma representação seria tanto mais verdadeira quanto mais correspondesse ao representado; mas, num caso em que houvesse coincidência perfeita entre representação e representado, o que se obteria não seria uma representação maximamente verdadeira, mas sim a ausência de representação; não havendo coincidência perfeita entre representação e representado, o que se obteria seria apenas uma correspondência parcial; mas a uma correspondência parcial deveria estar associada apenas uma verdade parcial; ora, uma verdade parcial não é uma verdade; a verdade não admite graus; no caso particular da representação mental, esta situar-se-ia num plano ontológico (o do mundo das coisas mentais que existiriam no tempo mas não no espaço) distinto do plano ontológico do representado (o do mundo das coisas físicas, que existiriam no espaço e no tempo); como poderia então uma coisa mental corresponder no sentido pretendido a uma coisa física? Conclusão: o termo 'correspondência' não teria aqui as condições de uso que permitiriam atribuir-lhe um sentido claro; por outro lado, o esforço no sentido da clarificação do mesmo no âmbito da perspectiva standard revelaria que o entendimento da noção de verdade como correspondência seria contraditório nos seus próprios termos. 7. A questão da verdade (ou da falsidade) só surge a respeito de frases e não de coisas, ideias ou representações; todavia, aquilo que, numa frase, pode ser verdadeiro ou não é, na realidade, o seu sentido, e não a frase propriamente dita; por sua vez, o sentido de uma frase é um pensamento; logo, os pensamentos são aquilo acerca do que a questão da verdade pode colocar-se. 8. Os pensamentos são entidades imateriais (nem físicas, nem mentais); sendo os pensamentos imateriais, a questão da verdade só pode então colocar-se a respeito de entidades imateriais; ser verdadeiro não seria, portanto, uma propriedade perceptível ou predicável a respeito de quaisquer coisas materiais.  

V. O que é uma função? - 2

21 Março 2024, 09:30 António José Teiga Zilhão


Análise e discussão do ensaio de Gottlob Frege O que é uma função? Was ist eine Funktion? de 1904 - 2

Conclusão da análise e discussão do ensaio de Frege indicado em epígrafe: 

IV. O carácter confuso da definição de função de Czuber, na qual os conceitos de função, domínio, contradomínio, valor, argumento e variável se encontram misturados de uma forma muito pouco clara. V. A função (aritmética) como uma entidade independente dos seus argumentos e valores que estabelece uma correspondência entre os elementos de conjuntos de números. VI. A essência da função reside na natureza dessa correspondência, e não na definição dos elementos que compõem o domínio e o contradomínio da mesma. VII. A essência da função deixa-se exprimir (mas não definir) por meio do apelo à noção de insaturação. VIII. Enquanto representante da função no simbolismo, a expressão funcional deve igualmente exibir um carácter insaturado; análise de diferentes modos de indicar a insaturação característica da função na expressão funcional. IX. Necessidade de distinguir entre a indicação da insaturação na expressão funcional e a indicação da generalidade em expressões complexas (de 2ª ordem) que envolvem expressões funcionais (de 1ª ordem) (este seria o uso legítimo das variáveis). X. O papel deletério do verbo ser na geração de concepções confusas de função: ao usar o mesmo termo verbal para a igualdade e para a predicação (ou pertença), a língua cria a ilusão de que 'função de x' seria um predicado de 1ª ordem de objectos supostamente indeterminados, supostamente denominados pela suposta variável y. XI. O desiderato da preservação da clareza conceptual deve sobrepôr-se à predisposição natural entre os matemáticos para a obtenção de concisão nas formulações linguísticas. XII. A importância de se recorrer a uma notação conceptual (Begriffsschrift), independente da linguagem natural, para que o desiderato expresso em XI. possa ser cabalmente alcançado.