Sumários

A fraternidade europeia

22 Abril 2020, 14:00 Ernesto José Rodrigues

Um olhar para lá: a lírica portuguesa de 1848-1850, a favor das revoluções nacionalistas europeias. 
Proposta de leitura: poemas de Luís Augusto Palmeirim, Francisco Gomes de Amorim e outros, ditos ultra-românticos.
Ainda: o quadro europeu segundo A. P. Lopes de Mendonça, no jornal O Século (1848), editado por Ernesto Rodrigues (2008). [Ofereço exemplar a quem se propuser recensão deste volume.]

Nota: na ausência de alguns nomes de alunos na mailing list do Portal Académico, peço a estes que me contactem, tendo em vista os dois elementos de avaliação. 


Dois perfis satíricos

17 Abril 2020, 14:00 Ernesto José Rodrigues

Olhares desencantados sobre Portugal em Setecentos:

Tomás Pinto Brandão, "Este É o Bom Governo de Portugal".
Francisco de Melo Franco, O Reino da Estupidez (1785). 

Nota: estes textos estão online


Estrangeiros setecentistas sobre Portugal

15 Abril 2020, 14:00 Ernesto José Rodrigues

Apreciações de visitantes estrangeiros e olhares nacionais sobre os reinados de D. João V e D. José I. 


Bibliografia recomendada:

Biblioteca Nacional. 1989. Portugal no Século XVIII. De D. João V à Revolução Francesa. Lisboa: BN [catálogo].

Chaves, Castelo Branco. 21987. Os Livros de Viagens em Portugal no Século XVIII e a Sua Projecção Europeia. Lisboa: ICALP. 



Novos retratos: Aquilino Ribeiro e outros

3 Abril 2020, 14:00 Ernesto José Rodrigues

Aquilino Ribeiro, no Guia de Portugal (“O Português”, 1924), coloriu-nos de «sociabilidade», e, paradoxalmente, inaglutinação; pior, libelou-nos insolidários:

 

[…] O português é o homem mais sociável deste mundo. […] Onde o português chega, há tertúlia; desenvolve-se a afabilidade; alarga-se o halo humano. […] Essa expressão “é muito dado” existe apenas na nossa língua. Com ela se traduz a despreocupada lhaneza, espírito de comunicabilidade, nenhum preconceito nem timbre na vida das relações. Axioma: de todos os europeus o português é o mais tratável. […] Não há que discutir: o português é o bicho mais adaptável do universo. […]

Com certeza que significa ânimo prazenteiro, […]. Representa ainda gosto de folgar; tendência para a irradiação; abandono – vá – aos impulsos do bem ou do mal, para o caso pouco importa; efuzibilidade [sic]; descuido; hábitos de mentidero; sentimento atenuado das responsabilidades; uma certa lassidão perante a vida e uma certa filosofia de lazzarone que se resume em considerar a luta como coisa tonta e vã perante a eternidade.

E por cima de tudo, a coroar estes sentimentos, […] uma grande simpatia humana.

Sendo o português sociável por excelência, na vida prática, para lá da boa intenção, é o mais inaglutinativo dos viventes. E porquê? Porque associação implica vontade, disciplina, sobretudo esforço a longo prazo, […]. Mas nesta aversão pelo associanismo o elemento de repulsa não é representado pelo amor da liberdade […]. É antes rebeldia aos vínculos morais, atonia perante o dever social, impropriedade do seu individualismo para tudo o que tenha carácter colectivo. Fraterno, já dissemos que o era, mas duma fraternidade de casa da malta, sem sanção nem obrigação, toda eventual e caprichosa, pois. E, ó paradoxo, […] é insolidário com o próximo. Neste particular, a História Trágico-Marítima constitui o pior requisitório que se poderia instaurar contra um povo.

 

Eduardo Lourenço (72010: 78) matiza o fundamento de Aquilino: «Os portugueses não convivem entre si […], espiam-se, controlam-se uns aos outros; não dialogam, disputam-se, […].» Marcello Duarte Mathias (1980) diverte-se:

 

Nessa altura ainda não compreendera que não há coisa que o Português mais deteste do que estar só – viver sozinho, viajar sozinho, almoçar sozinho, ter de engatar sozinho ou ir duas horas por ano sozinho ao cinema (é o suficiente aliás para ter enxaquecas e não conseguir ver o filme) faz-lhe perder o apetite e andar abatido.

De resto, quando assim sucede telefona desesperadamente a um amigo para se encontrar com ele, após o que os dois procuram outros amigos. Uma vez reunidos e em quantidade numerosa, vão juntos desperdiçar o resto do tempo que lhes sobra (outra grande e irreprimível vocação nacional) para sítios de preferência cheios de muita malta conhecida onde possa, novamente e todos juntos, avistar as caras familiares de outros tipos também em grupo e para ali perdidos a olharem de soslaio uns para os outros, falando a mesmíssima coisa que eles, ou seja, nada. A matar o tempo, à roda do vazio, per secula seculorum, como se a vida afinal não lhes pertencesse.

 

Vergílio Ferreira, escrevendo no pós-Abril, deita abaixo o edifício:

 

O Português é de si egoísta, disparatado, impulsivo, inconsciente, sem o sentido da medida, ignorante e fanfarrão, provinciano, campónio, sobretudo o da cidade, complexado, arranjista, trafulha, de uma esperteza saloia, fala-barato, arreeiro, malcriado, exibicionista, sem critério, desindividualizado, sem sentido de humor, sem finura, pascácio, parolo. […] E no entanto, simultaneamente, mas sempre dentro da insensatez, o Português é também generoso, chauvinista, hábil, de inteligência embora camponesa, audacioso, com um critério de honra escrupuloso, doce, amável, galhofeiro, cioso de si e o mais[1].

 

Lamenta que Portugal,

 

desde que começou a pensar-se, pensou-se sempre, não em função dele próprio, mas em função dos outros; não em função do que ele devia pensar de si, mas do que julgava que os outros pensavam dele e do que ele de si pensava. […] A nossa basófia [sic] congénita vem da necessidade de que se repare em nós. […] Pensar Portugal é pensá-lo no que ele é e não iludirmo-nos sobre o que ele é. Ora o que ele é é a inconsciência, um infantilismo orgânico, o repentismo, o desequilíbrio emotivo que vai da abjecção e lágrima fácil aos actos grandiosos e heroicos, a credulidade, o embasbacamento, a difícil assumpção da própria liberdade e a paralela e cómoda entrega do próprio destino às mãos dos outros, o mesquinho espírito de intriga, o entendimento e valorização de tudo numa dimensão curta, a zanga fácil e a reconciliação fácil como se tudo fossem rixas de família, a tendência para fazermos sempre da nossa vida um teatro, o berro, o espalhafato, a desinibição tumultuosa, o despudor com que exibimos facilmente o que devia ficar de portas adentro, a grosseria de um novo-rico sem riqueza, o egoísmo feroz e indiscreto balanceado com o altruísmo, se houver gente a ver ou a saber, a inautenticidade visível se queremos subir além de nós, a superficialidade vistosa, a improvisação de expediente, o arrivismo, a trafulhice e o gozo e a vaidade de intrujar com a nossa «esperteza saloia», o fatalismo, a crendice milagreira, a parolice. Decerto, temos também as nossas virtudes.» (p. 281)

 

Não enumera essas virtudes, para, sem funda reflexão histórica, voltar à «crença milagreira, porque toda a nossa história é um jogo de acasos. Nós não criámos um rumo histórico, assente na reflexão, na previsão, no trabalho. À parte a exploração da costa de África até à Índia, que é que fizemos? […] Mas o que é espantoso […] é que este país improvisado e cheio de nódoas já dure há oitocentos anos. Como não acreditar em milagres? Toda a nossa vida tem sido feita de expedientes e jogos de roleta.» (p. 282)

No mês seguinte, Agosto de 1979, retoma esse então na moda ‘pensar Portugal’, quando a democracia era mediocridade e, ao contrário de outros povos, não sabíamos assumir-nos mesmo no disfórico. País «de élites, de indivíduos isolados que de repente se põem a ser gente», antes de a ‘canalhada’ os insultar ou, mortos, pô-los «ao peito por jactância», quando não os ignora, conclui: «O segredo da nossa História está em que o povo não existe. Mas existindo os outros por ele, a História vai-se fazendo mais ou menos a horas.» (p. 296) No quente da refrega, em projecções do íntimo que a ‘canalha’ desatende, Vergílio Ferreira julga que lhe basta uma pitada de exemplos históricos para resumir país e povo inexistente a alguns iluminados…

[1] Conta-Corrente 2, Lisboa, Livraria Bertrand, 1981: 250.


O português e o universalismo

1 Abril 2020, 14:00 Ernesto José Rodrigues

Duas palavras sobre “Universalismo, particularismo ou cosmopolitismo”, de Castelo Branco Chaves, seguido pela resposta de António José Saraiva, “O português e o universalismo”[1].

No calor das comemorações centenárias nacionais e da Segunda Guerra Mundial, aquele separa «um século de esplêndido universalismo» do génio «característica e acentuadamente universalista» que não temos (p. 11). Entende por «génio universalista a expressão original do que no homem existe de mais profundo e permanente, a elaboração de uma cultura, a criação de uma metafísica da vida e de um estilo de forma particular mas de entendimento universal». Perdão: não foi um, foram dois séculos:

 

Nos séculos XV e XVI a acção portuguesa no Mundo teve um alcance universalista nos domínios do temporal e, reflexamente, nas ciências de aplicação. A grandeza dêsse alcance só pode ser dignamente comparada à que, nos domínios do social e do moral, atingiu o cristianismo, e entretanto êste povo que realiza obra tão formidável e tão irresistìvelmente transformadora dos destinos do Mundo não enriqueceu a humanidade nem com uma filosofia, nem com uma religião nova, nem com outra cultura, nem com uma arte original. (p. 12)

 

Esta conclusão é lamentável: a humanidade por onde navegámos não reconhece cultura que ainda (sem razão, pelos vistos) dizemos portuguesa, e nem um resquício de ‘arte original’ se salvou. A relação com o mar, de frutos literários, científicos, humanistas – celebrados até num J. L. Borges, e não tomados como meras «fontes de informação» (p. 15) –, e nascimento de novas nações, é ignorada pelo articulista.

Hesitante no porquê dos Descobrimentos – «fatalidade geográfica» (p. 12), «propaganda e dilatação da Fé», «interesses económicos» –, concede, ainda assim, termos ‘cultura’, irresponsabilizando-se num «talvez» e na crítica ao «utilitarismo»:

 

Os condicionalismos mesológicos e económicos a que estava sujeita a empresa dos Descobrimentos, impondo ao português uma actividade de fins utilitários, prejudicaram talvez irremediavelmente a sua cultura. Esta só se gera, desenvolve e desabrocha ali onde o desinteresse seja a feição predominante. O utilitarismo pode fazer os povos grandes e fortes, mas não os faz cultos; por si só pode dotá-los com o saber científico e o aperfeiçoamento técnico, mas não lhes dará nem filósofos nem grandes artistas; […]. (p. 13)

 

Receoso de exemplificar com os impérios inglês ou francês, que nunca quiseram ser ricos nem poderosos, nem criar filósofos – é caso para concluir –, opõe o espírito de Atenas à Roma «brutal e apenas digna de secundário interêsse», mesmo na literatura. A crassa ignorância do articulista estabelece, então, uma analogia entre a «expansão imperial» romana e aquele nosso «grande empreendimento mercantil e guerreiro», o qual, cantado n’Os Lusíadas serviçais («ao serviço dêle»), faz com que, «talvez, seja nulo o valor humano dessa obra estèticamente tão bela». Outro «talvez» cobarde, em conclusão inadmissível. Sem «uma concepção de vida que lhe seja própria» (p. 15), o português lê-se à luz de «concepções alheias»: sem universalismo, o, apesar de tudo, «génio português [cursivo meu] é eminentemente plástico», e «Daí ser impreciso e vário, daí a facilidade com que apreende, imita e adapta, e a falta de singularidade no que realiza e expressa». Decorre que, além de não possuir «génio universalista», também não tem «um definido e afinado particularismo nacional» (p. 16), antes «um universalismo de forma sem unidade de estilo, e sem conteúdo intelectual e étnico», que se designa por «cosmopolitismo». Prova, risível: falar bem línguas estrangeiras (ainda que não fale bem a sua?). Informado? erudito? Sim; culto é que não. Sem «resistência interior que singulariza o carácter», sem «dramatismo que provoca o desajuste entre o que permanentemente se é, e tudo o que vai sendo a fantasmagoria da vida», conclusão derradeira: «O português, em suma, adopta e adapta-se – é cosmopolita.» (p. 18)

Na história das nações, não há génio universalista dado, ou permanente; vão de si os particularismos nacionais, afinal, corroborados nesta prosa; cosmopolitas, sim, mais ou menos em função das eras, eivados, mesmo, de um sentido estóico (que, por ser sobretudo romano, não lanço contra Castelo Branco Chaves).

O jovem António José Saraiva julga perceber que universal (a Expansão, por exemplo, é contingente, um facto) não é o mesmo que universalista, lei constante do espírito, do logos. Mas os gregos não foram contingência e um certo logos? Há um ‘génio universalista’, que só «certas raças» possuem, «conceito qualitativo» absurdo (p. 300)? Não haverá aí uma «concepção qualitativa, substancialista, mitológica, particularista» (p. 299) de ‘génio’? Donde, «uma contradição irredutível»:

 

Por um lado, o Autor define o universal em função do contingente histórico, separando as duas coisas: o universal está nas leis do espírito, mas, por outro lado, afirmando que os Portugueses – que são, como os Gregos, etc., um facto histórico – não trazem dentro de si «um génio universal», confundiu os dois planos que pretendeu distinguir. Assim, fêz o universal solidário com o contingente e avulso; assim, negou a lei pelo facto. Insisto na contradição: ou o logos é o universal e, portanto, não é específico de certas raças; ou se é específico de certas raças não é o universal.

 

Posto o que, é já outra conversa saber se «o logos floresceu mais entre os Gregos que os Portugueses» (p. 300), ou se não há «resistência interior» no Camões lírico (e porque não n’Os Lusíadas, que Saraiva, corroborante, ainda não abordara, como não estudara o século XVII que maltrata, na sequência?). Importam menos as derivas sobre o Sebastianismo, ou tão-só enquanto significando recusa de «uma atitude crítica», «de iniciativa», desembocando nisto:

 

O Português é, como qualquer outro povo, o resultado de uma conjugação de elementos, uma relação, um cruzamento de fios numa rêde. O logos, o universal, a inteligibilidade (três maneiras de dizer a mesma coisa) consiste em que êsse enredamento se torna compreensível e destrinçável. Se desistimos de o compreender, inventamos um D. Sebastião ou um absoluto, que simplesmente suprime o problema, negando a inteligibilidade das coisas. (p. 304)  


[1] Respectivamente, em Litoral (Lisboa), n.º 1, Junho de 1944: 11-18, e n.º 3, Agosto-Setembro de 1944: 297-305.