Sumários

Oficina dos média (conclusão)

2 Dezembro 2020, 15:30 Silvia Valencich Frota

Conclusão da sequência de oficinas. Estudo de caso: "A Transformação Digital do Estadão - O Jornalismo do Futuro Agora".


Literatura e Jornalismo

27 Novembro 2020, 17:00 Ernesto José Rodrigues

Literatura e Jornalismo: ligações perigosas.
Resumo, a partir de Ernesto Rodrigues,  Mágico Folhetim. Literatura e Jornalismo em Portugal, 1998.


Lembrando Barthes, notas de Jean Ricardou e gerais contribuições no colectivo Que Pode a Literatura?[1], podíamos relacionar escrevente [informador; informação = prosa, utilidade, mediação, transparência, colectivo / livro de estilo] e escritor [poesia = literatura, finalismo, opacidade, singular/estilo de um nome].

Referência (passível de ser, em ambos os casos, emotiva, fática e metalinguística) e comunicação, opõem-se, igualmente, no grau, qualidade e destino dos seus ‘ruídos’ e sons (formas de apresentação, capacidade evocativa, peso relativo ou absoluto do emissor, público-alvo, lixo ou conservação em espaço socializado como é uma biblioteca[2]). Transitivo e funcional, aquele, intransitivo e perseguidor de uma ontologia, este, podemos matizar os conceitos no, também barthesiano, «bâtard», esse tipo ‘cruzado’ do escritor escrevente que bem calha no folhetinismo.

O problema da ‘identificação com’, que elege a literatura espaço de intersubjectividade, distingue-a da informação: «[...] é uma outra verdade que se torna minha sem deixar de ser outra. Abdico do meu ‘eu’ [na literatura] em favor de quem fala e, no entanto, continuo a ser eu própria», diz Simone de Beauvoir (ob. cit.: 69). A «actualidade» subjectiva (que leva François Mauriac a conceber «le journalisme comme une sorte de journal à demi intime; – comme une transposition, à l’usage du grand public, des émotions et des pensées quotidiennes suscitées en nous par l’‘actualité’»[3]) só muito parcialmente convive em profissão de pendor universal, que foi sempre sujeito a articulados legislativos e deontológicos.

O texto não-literário é, por definição, o que se não reveste de dimensão estético-literária. Esta, entre outras condições, exige do criador uma intenção, uma finalidade, uma especificidade técnico-artística, conhecimento do quadro institucional e uma autonomia (diferente de gratuitidade) que, embora englobando valores sociológicos, políticos, etc., a eles se não submete. Daqui resulta uma capacidade multidiscursiva, com riqueza de propostas e sentidos dificilmente redutíveis a unívoco. O texto não-literário, em contrapartida, é um modo de discurso denotativo, de sentido dirigido e funcional, prático, em que a comunicação se faz numa só via: mesmo que comporte índices estéticos, estes não podem ser determinantes. Acontece, entretanto, que os textos literários de um tempo, e que dominaram o cânone, passam de moda, são esquecidos; e, simultaneamente, outros, que viviam na periferia, acederam ao centro do literário. Nesta lógica, podíamos considerar não-literário o que não entra no cânone do momento, e que a crítica literária e a Universidade definem, quase sempre contra o gosto das maiorias; mas essa não é a melhor solução, quando certos artigos de jornal podem ser vividos por nós como a melhor literatura… Não espero encontrar uma receita médica (seja, na literatura médica) o prazer que me dão alguns poemas; mas uma lição sobre a química da água, ou do suor, por António Gedeão, obedecendo à prosódia mínima versificatória, torna-se um poema notável. Assim, e em resumo, tudo, em cada momento, pode ser e não ser literário: entre a defesa do específico que toca sensibilidades (não forçosamente maioritárias) e o aspecto prático e meramente comunicativo do discurso se decide do valor de um texto.   

O jornalista-escritor dirá que ninguém o censura – naturalmente, se souber escrever peça de tantas linhas ou cumprir agenda e perceber, claramente, que o reino da verosimilhança não é para vender diariamente nas bancas; escritor-jornalista (não me refiro ao colaborador de Imprensa) é que já não existe, porque foi-se um tempo andrógino em que, contra o parecer hodierno, notícia e comentário se enlaçavam − nem de outro modo havia ironia romântica; em que, para aceder à via real, era recomendável estar em letra de forma, ter um romancelho para mostrar, como dirá Júlio César Machado – sendo que essa via, mais do que a actividade jornalística em si, era o cobiçado espaço do folhetim. Aí se fundiam, num exercício de captura do leitor, literatura e jornalismo[4].


    [1] Trad. de Urbano Tavares Rodrigues, Lisboa, Estampa, 1968.

    [2] O caixote do lixo é pior, bem vistas as coisas, que «uma existência morta na estante kitsch do novo-rico», onde, pelo menos, há hipótese de ressurreição. (Cf. João Barrento, “Da Literatura, do Jornalismo e da Imortalidade – Sobre Kurt Tucholsky”, Diário Popular – Letras. Artes, 27-IX-1979: I, XII [I]).

[3] «Sur ce plan [de l’‘actualité’], il arrive qu’une maladie ou une simple lecture prenne presque autant de valeur qu’une révolution : c’est leur retentissement dans notre vie intérieure qui mesure l’importance des événements.» “Avertissement”, Journal, Tome I, Paris, Éditions Bernard Grasset, 1944. 

[4] Devedor de muita informação aqui constante, saiu, entretanto, de Helena de Sousa Freitas, Jornalismo e Literatura: Inimigos ou Amantes? Contribuições para o Estudo de Uma Relação Controversa, Rhode Island, Peregrinação Publications, 2002. Seguiram-se outras dissertações universitárias na base de idênticas preocupações. No Brasil, ver Gustavo de Castro, Alex Galeno, orgs., Jornalismo e Literatura. A Sedução da Palavra, São Paulo, Escrituras Editora, 2002. De incidência italiana, com relevo para a terceira página dos diários, Alberto Papuzzi trouxe Letteratura e Giornalismo, Roma / Bari, Laterza, 1998, e Professione Giornalista. Tecniche e Regole di Un Mestiere, nuova edizione, Roma, Donzelli editore, 2003. O contágio entre as matrizes mediática e literária está em Marie-Ève Thérenty, La Littérature au Quotidien. Poétiques Journalistiques au XIXe Siècle, Paris, Seuil, 2007, sendo de acrescentar AA. VV., Presse et Plumes. Journalisme et Littérature au XIX Siècle, Paris, Nouveau Monde éd., 2011. 


Literatura e Jornalismo

27 Novembro 2020, 15:30 Ernesto José Rodrigues

Literatura e Jornalismo: ligações perigosas.
Resumo, a partir de Ernesto Rodrigues, Mágico Folhetim. Literatura e Jornalismo em Portugal, 1998.


Lembrando Barthes, notas de Jean Ricardou e gerais contribuições no colectivo Que Pode a Literatura?[1], podíamos relacionar escrevente [informador; informação = prosa, utilidade, mediação, transparência, colectivo / livro de estilo] e escritor [poesia = literatura, finalismo, opacidade, singular/estilo de um nome].

Referência (passível de ser, em ambos os casos, emotiva, fática e metalinguística) e comunicação, opõem-se, igualmente, no grau, qualidade e destino dos seus ‘ruídos’ e sons (formas de apresentação, capacidade evocativa, peso relativo ou absoluto do emissor, público-alvo, lixo ou conservação em espaço socializado como é uma biblioteca[2]). Transitivo e funcional, aquele, intransitivo e perseguidor de uma ontologia, este, podemos matizar os conceitos no, também barthesiano, «bâtard», esse tipo ‘cruzado’ do escritor escrevente que bem calha no folhetinismo.

O problema da ‘identificação com’, que elege a literatura espaço de intersubjectividade, distingue-a da informação: «[...] é uma outra verdade que se torna minha sem deixar de ser outra. Abdico do meu ‘eu’ [na literatura] em favor de quem fala e, no entanto, continuo a ser eu própria», diz Simone de Beauvoir (ob. cit.: 69). A «actualidade» subjectiva (que leva François Mauriac a conceber «le journalisme comme une sorte de journal à demi intime; – comme une transposition, à l’usage du grand public, des émotions et des pensées quotidiennes suscitées en nous par l’‘actualité’»[3]) só muito parcialmente convive em profissão de pendor universal, que foi sempre sujeito a articulados legislativos e deontológicos.

O texto não-literário é, por definição, o que se não reveste de dimensão estético-literária. Esta, entre outras condições, exige do criador uma intenção, uma finalidade, uma especificidade técnico-artística, conhecimento do quadro institucional e uma autonomia (diferente de gratuitidade) que, embora englobando valores sociológicos, políticos, etc., a eles se não submete. Daqui resulta uma capacidade multidiscursiva, com riqueza de propostas e sentidos dificilmente redutíveis a unívoco. O texto não-literário, em contrapartida, é um modo de discurso denotativo, de sentido dirigido e funcional, prático, em que a comunicação se faz numa só via: mesmo que comporte índices estéticos, estes não podem ser determinantes. Acontece, entretanto, que os textos literários de um tempo, e que dominaram o cânone, passam de moda, são esquecidos; e, simultaneamente, outros, que viviam na periferia, acederam ao centro do literário. Nesta lógica, podíamos considerar não-literário o que não entra no cânone do momento, e que a crítica literária e a Universidade definem, quase sempre contra o gosto das maiorias; mas essa não é a melhor solução, quando certos artigos de jornal podem ser vividos por nós como a melhor literatura… Não espero encontrar uma receita médica (seja, na literatura médica) o prazer que me dão alguns poemas; mas uma lição sobre a química da água, ou do suor, por António Gedeão, obedecendo à prosódia mínima versificatória, torna-se um poema notável. Assim, e em resumo, tudo, em cada momento, pode ser e não ser literário: entre a defesa do específico que toca sensibilidades (não forçosamente maioritárias) e o aspecto prático e meramente comunicativo do discurso se decide do valor de um texto.   

O jornalista-escritor dirá que ninguém o censura – naturalmente, se souber escrever peça de tantas linhas ou cumprir agenda e perceber, claramente, que o reino da verosimilhança não é para vender diariamente nas bancas; escritor-jornalista (não me refiro ao colaborador de Imprensa) é que já não existe, porque foi-se um tempo andrógino em que, contra o parecer hodierno, notícia e comentário se enlaçavam − nem de outro modo havia ironia romântica; em que, para aceder à via real, era recomendável estar em letra de forma, ter um romancelho para mostrar, como dirá Júlio César Machado – sendo que essa via, mais do que a actividade jornalística em si, era o cobiçado espaço do folhetim. Aí se fundiam, num exercício de captura do leitor, literatura e jornalismo[4].


    [1] Trad. de Urbano Tavares Rodrigues, Lisboa, Estampa, 1968.

    [2] O caixote do lixo é pior, bem vistas as coisas, que «uma existência morta na estante kitsch do novo-rico», onde, pelo menos, há hipótese de ressurreição. (Cf. João Barrento, “Da Literatura, do Jornalismo e da Imortalidade – Sobre Kurt Tucholsky”, Diário Popular – Letras. Artes, 27-IX-1979: I, XII [I]).

[3] «Sur ce plan [de l’‘actualité’], il arrive qu’une maladie ou une simple lecture prenne presque autant de valeur qu’une révolution : c’est leur retentissement dans notre vie intérieure qui mesure l’importance des événements.» “Avertissement”, Journal, Tome I, Paris, Éditions Bernard Grasset, 1944. 

[4] Devedor de muita informação aqui constante, saiu, entretanto, de Helena de Sousa Freitas, Jornalismo e Literatura: Inimigos ou Amantes? Contribuições para o Estudo de Uma Relação Controversa, Rhode Island, Peregrinação Publications, 2002. Seguiram-se outras dissertações universitárias na base de idênticas preocupações. No Brasil, ver Gustavo de Castro, Alex Galeno, orgs., Jornalismo e Literatura. A Sedução da Palavra, São Paulo, Escrituras Editora, 2002. De incidência italiana, com relevo para a terceira página dos diários, Alberto Papuzzi trouxe Letteratura e Giornalismo, Roma / Bari, Laterza, 1998, e Professione Giornalista. Tecniche e Regole di Un Mestiere, nuova edizione, Roma, Donzelli editore, 2003. O contágio entre as matrizes mediática e literária está em Marie-Ève Thérenty, La Littérature au Quotidien. Poétiques Journalistiques au XIXe Siècle, Paris, Seuil, 2007, sendo de acrescentar AA. VV., Presse et Plumes. Journalisme et Littérature au XIX Siècle, Paris, Nouveau Monde éd., 2011.  


Reportagem

26 Novembro 2020, 17:00 Ernesto José Rodrigues

A REPORTAGEM

       Estar em [serviço de] reportagem significa contactar fontes, presenciar acontecimentos, recolher dados com que redigir uma peça, noticiosa ou outra.

       No primeiro caso, o trabalho do repórter é uma metodologia, uma diligência para se informar e passar a mensagem; no segundo, geralmente com outra preparação e tempo de espera, é um género específico.

       Os nossos viajantes de Quinhentos são repórteres notáveis, que, amiúde, o Destino forçou; a descrição do ambiente que acompanha o nascimento do futuro Filipe IV de Espanha, nascido a 8 de Abril de 1605, em Valladolid, e as festas que seguiram até ao regresso à Pátria, em 26 de Julho, do narrador – às vezes, identificável com Tomé Pinheiro da Veiga –, fazem da sua Fastigínia (impressa em 1911), com as respectivas datações no lugar de capítulos, um monumento soberbo à arte de observar, anotar, memorizar, perguntar e envolver-se (sempre com um olhar crítico) no quadro em movimento.

       A definição do tema, que propomos ou nos é proposto, constitui o passo inaugural. Há assuntos que, não sendo ainda de actualidade, podem 'rebentar' de um momento para o outro.

       A costela profética, que há cento e tal anos ainda era vantagem de poetas e visionários, entrou agora nos sociólogos e afins, bem como em jornalistas de campo, se se aceita esta analogia com quem investiga no contacto directo com realidades que nem sempre chegam via telefone.

       O segundo passo é começar a entrever por que lado vamos pegar no assunto. Aí joga a força que este tem, o tempo disponível, a relação com fontes mais ou menos seguras e numerosas, etc. Só analisada a multidão de razões podemos inteirar-nos do alcance e quadro das nossas perquisições, incutindo-lhes, logo, um certo tipo de orientação que pode adaptar-se ao longo das investigações.

       Para responder com alguma segurança ao que se nos antolha, urge recorrer às fontes documentais mínimas (o arquivo do jornal, talvez a hemeroteca, uma boa biblioteca de rápida e fácil consulta), interrogar colegas, questionar colaboradores adentrados na matéria – registando, no entretempo, essa informação, acaso vital se o background da peça dela necessitar.

       Em vez de cair abruptamente no meio a devassar, podem já algumas fontes preciosas ter aplainado caminho, indicando ou levando aos locais certos, às pessoas aconselháveis, ou alertando para casos a não descurar e curiosidades do cenário que venham suavizar a prosa. É como ter um mapa na cabeça para melhor nos guiarmos.

       Entrados em acção, convém privilegiar, naturalmente, a observação directa, cujo empirismo possa ser iluminado por fontes directas (às vezes, documentais) sob forma de repetidas e breves entrevistas abrangendo um leque social e profissional vasto, idealmente exaustivo.

       Atentos e corteses é diferente de partidários; a reacção a gestos, vozes e locais não deve ser emotiva; um pé sempre atrás é a melhor postura. Lá chegará o tempo das cordialidades.

 

       Feita a recolha, fielmente consignada, segue a inevitável selecção sobre um 'filme' que de novo revemos, agora frente ao papel ou à gravação (porque não à filmagem?). O que vamos valorizar tem a ver, como para a notícia, com aspectos de interesse humano, localismos universalizáveis ou invulgares, dramas pungentes...

       Da arte de focalizar, e chamar uma frase à luz da entrada da peça, depende o êxito ou inêxito do empreendimento, sobretudo quando já fomos 'batidos' por colega e só nos resta um derradeiro ângulo.

       Não concede as liberdades da crónica, mas a individuação é aceitável; não se dobra às regras da pirâmide invertida, mas não despreza logo no início momentos fortes, com outros acaso disseminados pelo texto. Responde aos seis quesitos da notícia e imita-a nas partes. Só que, inevitavelmente, junta explicações para os factos-base ou destaca a sua significação, sem que precisem de vir relatados cronologicamente.

       Se, no decurso do trabalho, irrompem elementos passíveis de compor notícia, esta, sem prejuízo da reportagem, deve avançar.

       Philippe Gaillard (O Jornalismo, 1974) dedica o capítulo IV da segunda parte às "diferentes reportagens", nelas integrando a reportagem política ou parlamentar, judiciária e desportiva; a de informações gerais; a que processa o enviado especial; o inquérito e a grande reportagem; a que envia o repórter para todo o serviço que é o correspondente; a entrevista, enfim.

       No primeiro caso, o substantivo substitui crónica, a fim de evitar confusões com o citado género: releva-se a necessária especialização e competência do cronista; a capacidade de antevisão; a curiosidade, o tacto e a discrição. E sobreleva a vigilância na reportagem de sessão, de audiência ou de jogo, porquanto, aí, «o acessório pode ser mais espectacular que o essencial» (p. 63).

       O segundo tipo conjuga-se com a inspiração no fait divers: polícia, bombeiros, hospitais, prisões, recepcionistas, empregados de balcão, etc., são entidades a ter sempre debaixo de olho.

       O enviado especial debate-se com um acontecimento imprevisto e com a pressão do fecho do jornal. Se não beneficia de um correspondente no local, tem de jogar com a troca de informações junto de colegas que se anteciparam ou com os telegramas das agências.

       Sai-se bem se, do genericamente conhecido, der algum "furo" e, no mínimo, uma síntese informativa completa pessoalizada no estilo e na análise que propuser. Também a descrição dos ambientes, excluídos pelas agências, dão a cor dessa presença e justificam, em última instância, a deslocação.

       Se esta é feita com tempo, possibilidade de despachos regulares (ou, no caso de semanário, quinzenário, etc., com um só envio ou redacção já no local de trabalho), maior largueza no tratamento da variedade com que deparamos e proliferação de elementos secundários, então vemo-nos perante um grande repórter, na discriminação de Gaillard inexplicavelmente ao lado do inquiridor, que remetemos para a área da entrevista. O papel, quer do enviado especial, quer do grande repórter, é não raro exercitado, com vantagem, pelo correspondente, sobretudo estrangeiro.         

       Neste género, o que há de curioso é o salto do repórter entre vários mundos que a sua personalidade tem de conglobar - o que, associado à indisfarçável subjectivação a querer explodir, nos dá um retrato de vários seres em diálogo, orquestrados por mestre-de-cerimónias também visível no quadro: o retrato (e o auto-retrato), como na pintura, será a espécie mais recente dentro do género, também por culpa do sistema de estrelato em que as vaidades e paixões humanas nos lançaram.

       No volume primeiro sobre Repórteres e Reportagens de Primeira Página - 1901-1910 (1991), Jacinto Baptista explica o título sob o ângulo da história literária, rebusca as frequências iniciais dos vocábulos (repórter entrou no Dicionário de Morais em 1890) e, já no campo da actividade em que foi Mestre, refere como «a prática, corrente até época recente, quase até aos nossos dias, [era a] da reportagem como tarefa colectiva, anónima, raramente identificada ou personalizada com a assinatura do repórter ou as dos repórteres que as fizeram» (p. 7).

       Pouco considerado no seio da Redacção, e sem peso sindical, este «noticiarista por excelência» (p. 8) era pau para toda a colher e de pouco serviria mostrar os galões de excelente escritor e jornalista, ainda que fosse um Raul Brandão, já 'vingado', entretanto, nos últimos três decénios com assinaturas de Baptista-Bastos e Fernando Dacosta, entre outros.

       A prática do decénio que abre o século apostava em várias chamadas de frases substantivas (ou rótulos, separadas por travessão) ao espaço que será o do subtítulo, incluindo, por vezes, uma estruturação em antetítulo e título que nada fica a dever aos contemporâneos.

       Estes substituíram aquelas frases por um aparato de janelas, que abrem em certas partes da peça, ora assentes em citações fortes, ora num lapso discursivo do jornalista.

       Ao tempo, a linguagem ainda excessivamente adjectiva e, em especial, os longos narizes de cera matizavam o texto, de onde ressaltam, porém, estilemas inconfundíveis que facilitam a atribuição de autoria.

       Quanto a nós, a experiência das viagens oitocentistas – sobretudo, a novidade que era andar de comboio, com envio diário da peça ao jornal – prepara, desde esses anos 40, o leitor para um descritivo que nasce da observação apaixonada, com interacção de diálogos, reflexões pessoais e uma vontade enorme de apreensão do real envolvente.

       Os quatro primeiros capítulos daquele Júlio César Machado, Da Loucura e das Manias em Portugal (1871), são uma reportagem notável no hospital de Rilhafoles: acompanhado por fonte privilegiada na figura do respectivo director, o jornalista visita os pavilhões dos doidos, das doidas, dos idiotas e dos coléricos para, mais narrativo e descritivo do que conceituoso, oferecer um panorama da nacional demência emparedada – antes de, em mais nove capítulos, curar dos que, andando cá fora, também têm 'telha'.

       Não vá sem citar o que, para José A. Benitez (em Daniel Ricardo, p. 29), constituiria a estrutura da reportagem ideal:

       «1. Apresentação do tema (lead):

       a) afirmação de carácter geral;

       b) exemplo específico;

       c) facto significativo.

       2. Definição do tema num ou vários parágrafos, pormenorizando a afirmação geral, o exemplo específico ou o facto significativo através:

       a) da reiteração;

       b) do contraste;

       c) de um incidente concreto.

       3. Aprofundamento do tema num número indeterminado de parágrafos, particularizando ou comprovando os seus pontos mais significativos.

       4. Culminação do tema em dois ou três parágrafos, estabelecendo as conclusões, através:

       a) da indicação das consequências;

       b) da exploração de factos similares;

       c) da apresentação dos valores em causa.»

       Mãos à obra, partindo da análise de reportagens históricas e das que agora nos oferecem generosos viajantes. Começar pela antiga e mensal Grande Reportagem pode ser um exercício gratificante.


Oficinas dos média (cont.)

25 Novembro 2020, 17:00 Silvia Valencich Frota

Discussão e reflexão sobre os noticiários televisivos: CMTV, RTP, SIC e TVI.