Sumários

Notícia

30 Outubro 2020, 17:00 Ernesto José Rodrigues

As leis da pertinência, sinceridade, informatividade, exaustividade. 

Partes e construção da notícia.


Resumo:

A mais recente definição de notícia - ou a proposta de um programa, se quisermos - é de Augusto Delkáder (El País, supl. Babelia, 11-9-1993): «Os factos, os dados. A emoção rigorosa. Perturba a nossa vida. Aumenta as paixões e divide as opiniões. O facto rompe a ignorância. Destrói a incomunicabilidade. Iguala os cidadãos. Crisol da sociedade plural. Fronteira da sociedade democrática. Objecto precioso para a manipulação. Tesouro que interessa ao poder. Matéria substantiva do ofício de jornalista. Quando souberes algo, procura contá-lo. Sempre que interesse a toda a gente. Pelo menos, pensa que assim é.»

       Já definição clássica, e sucinta, que enquadra a anterior sem dela tomar o alcance político, social, etc., é a de Ricardo Cardet (Manual de Jornalismo, 2ª ed., 1979, p. 38): «Notícia é um facto actual com interesse geral.» Pressupõe-se que se trata de um facto verdadeiro, novo, facilmente comunicável segundo critérios de rigor e objectividade. Vejamos mais devagar.

       O conceito de actualidade varia com o tempo, a periodicidade informativa, a qualidade da recolha do material.

       Quando o Diário de Notícias de 24 de Março de 1865 dava, na primeira página, a crónica do dia, esclarecendo que «Em Macau havia socego á data de 30 de janeiro» (ou dizia: «Do Japão não ha novas importantes.»), é evidente que tal era notícia, porquanto o tempo da recolha na fonte seria recente (um navio chegara na véspera, p. ex.). Quando o mesmo jornal narrava eventos lisboetas de duas semanas antes, acaso requentados sobre a mesa da redacção, podia estar a fazer valer o interesse sobre a actualidade, se não era, simplesmente, a necessidade de preencher um buraco. 

       A norma das 24 horas a que sobrevive a notícia, se se trata de um diário, é ideal nem sempre cumprível. Há muitos 'retirados' [peças que não couberam] de última hora ou textos que pacientemente aguardam vez. Não raro, esperam por acontecimentos súbitos que os façam emergir e funcionar como background da notícia.

       Em qualquer dos casos, há que dar, sempre, a volta ao texto, de modo a justificar uma inserção ainda que tardia. Aí entra o duplo conceito de significação (do ponto de vista da notícia) e de interesse geral (para os leitores).

       Nos semanários, este aspecto é mais visível, quando, em vez de um qualquer desenvolvimento, a notícia já com barbas, sem deixar de ter a actualidade própria dos hebdomadários, só entra pela importância que, apesar de tudo, se lhe reconhece. O critério não é, pois, fazer a soma da semana; mas, tendo em conta a massa de leitores que não compra diários, facultar algo de verdadeiro que se considera simultaneamente importante, actual e com interesse.

       O conceito de novidade actualiza a matéria. Podemos substituí-lo pelo de oportunidade, pois sabemos que este conceito rege (em demasia, na Imprensa sem autonomia) o quadro noticioso. Quando um vespertino dá o que os matutinos já trouxeram, apresenta algo de novo, mas não inédito; o mesmo se dirá dos matutinos concorrentes.

       Daí que se persiga o inédito, o exclusivo, a cacha. Interessa o menos provável, o que se tem por raro ou singular. É isso que desperta a curiosidade, faz-se útil e tem impacto. Toca-nos ao vivo se lembrarmos um conceito decisivo na Imprensa regional: o da proximidade (ver III).

       Supostas estas condições, perguntamo-nos se tudo é comunicável. O jornalista torna-se decisor; conhece as suas defesas e os seus limites. Tem o direito a informar, mas não a deformar e difamar; há segredos que poderá revelar ou calar até melhor oportunidade; nunca deve ter a sensação de estar a fazer um frete ou ter consciência de ser manipulado. Só então, munido da objectividade possível (diversa da do historiador, que não obriga hora de fecho), se abalança à redacção da notícia. Trata-se de alguém que, ainda no estilo mais neutro, compromete uma subjectividade que previamente recolheu, seleccionou e valorizou os dados da observação e da experiência. Não se resguardará, assim, por norma, num pseudónimo, gentílico, nome paródico, abreviatura ou em asteriscos. Até que ponto, entretanto, se transforma a notícia em «emoção rigorosa»?

 

PARTES

       À luz dos conceitos acima explanados, a notícia 1) faz-se síntese, 2) desenvolve-se, ou 3) prolonga-se. Depende do órgão de informação ou do local de inserção. Pode dar azo, ainda e separadamente, a uma análise interpretativa e a formas de opinião, que explicitaremos noutro capítulo.

       A notícia-tipo consta de um título e uma entrada ou cabeça (lead) ­– estaríamos no ponto 1) –, de um corpo (ponto 2) e, eventualmente, de uma memória (background; ponto 3).

      

       1) O título pode já conter tudo, ou quase tudo. É pensado em termos de equilíbrio gráfico da(s) página(s) e do texto que procura resumir ou para que alerta. Para lá da sua composição gráfica, deve dizer o máximo em poucas palavras e menos linhas ainda.

       Na Imprensa mais viva e/ou sensacionalista, joga com a equivocidade de fórmulas latentes na consciência e imaginário dos falantes, transmitindo, do mesmo pé, uma opinião sobre "o quê" ou o "quem" da notícia. Os títulos, todavia, devem resumir-se à informação, evitando, p. ex., frases interrogativas, dubitativas e sistematicamente negativas que possam dar a entender ser o jornalista parte interessada naquilo que narra.

       Quer-se, por isso, breve, afirmativo e contendo verbo (de preferência, explícito) no indicativo e na forma activa. Advérbios, sobretudo em -mente, gerúndios e o relativo que podem estragar um título.

       O copulativo ser não comparece forçosamente: «O 'Independente' [é] mais suíço»; partículas e artigos, ou dados indefinidos, são de evitar, bem como a repetição vocabular: «Tribunal alemão condena agressores de moçambicano», diz também o Expresso de 30-10-1993. E logo a seguir, na mesma coluna: «Chivukuvuku condena UNITA».

       Nesta edição, as doze notícias da primeira página contêm dez verbos no indicativo presente: «Presidente/ da UGT/ demite-se»; «TAP: ministro minimiza/ proposta da administração»; «PSD multa Álvaro Barreto»; [Surgem] «Novas acusações/ de corrupção/ em Loures»; «João Soares deita/ achas na fogueira»; sendo as demais formas: tem, iliba, condena, regressa, ganha.

       Em títulos com duas ou mais linhas, o verbo pesa mais na primeira. 

       Nos antípodas, O Independente, pretendendo-se directo e opinativo/interpretativo, transforma os títulos em rótulos, por ausência do verbo, e geralmente com frases-feitas, lugares-comuns, etc., de sentido assumidamente dúbio ou dúplice: «Laranjas podres» significa problemas no PSD; a recente vitória dos ex-comunistas na Polónia deu «Regresso ao passado»; a candidata Antonieta Garcia, sucedendo ao marido autarca, favorece (até em termos perigosamente publicitários) «Casal Garcia»... Diferente, para pior, é a ambiguidade informativa nestas linhas do Diário de Notícias: «Principal revista cultural alemã/ festeja 30 anos com apreensão». [Apreensão em relação ao futuro ou porque o número comemorativo foi apreendido?] 

       O recurso à cultura cinematográfica («A Grande Ilusão», «A Regra do Jogo»), literária («Crime e Castigo») ou outra em muito pode ajudar o registo estilístico em que sabem primar muitos títulos.

       Um título acompanha-se, às vezes, de antetítulo (que, menos largo, esclarece ou enquadra aquele) e de subtítulo (que desenvolve, pormenoriza ou completa), quanto baste para termos a notícia completa: «100 contos// PSD multa Álvaro Barreto // ...e vinte deputados 'revoltam-se' contra Duarte Lima».

       Já pouco feliz é o exemplo que nos propõe Silva Araújo, em Vamos Falar de Jornalismo, 1988, p. 88:«Conselho de Ministros// Iniciativas para normalizar/ abastecimento de petróleo// Governo readmite gestores/ da empresa 'Notícias-Capital'». Aqui, o subtítulo não joga.

       Em textos longos, para amenizar a leitura ou constituir blocos de sentido, convém encaixar intertítulos (ou subtítulos, que sintetizam o que segue, que destacam através de citação, etc.).

       Jornais houve (Diário Popular) e há que transformaram o antetítulo e subtítulos, de tão desenvolvidos, em verdadeiros super-leads.

       O lead, cabeça ou síntese da notícia (já, por sua vez, resumido no título), é a entrada régia: destacada ou não, deve responder a seis perguntas relativas ao acontecimento, quando ali chegamos: quem? (agente, activo ou passivo, da acção), o quê? (o que aconteceu, acontece ou vai acontecer), quando?, onde?, como? (em que circunstâncias se deu o quê), porquê? (às vezes, com o sentido de "para quê?").

       A Imprensa de província costuma abrir pelo "quando", se não é um qualquer nariz de cera, ignorando que quatro quintos das notícias das agências internacionais começam pelo "quem". Chegam ao cúmulo de redigir na primeira pessoa. Ou acrescentar inutilidades que só compreendemos num Diário de Notícias de 31-1-1865: «Dizem da Regoa que parece ter passado o inverno que flagellava ha muito tempo aquelles habitantes; o Douro já começou a baixar. // Muito estimamos.»

       Na técnica da pirâmide invertida, em que a importância do assunto é, em teoria, decrescente à medida que avançamos, (basta, por isso, cortar pelo fim, se faltar espaço) e, desde logo, antes ainda de se começar, é regra básica cortar no próprio umbigo.           Escrevemos "em teoria" lembrados do modelo (seguimos o anglo-saxónico, a chamada 'AP form', da Associated Press[1]) do francês Le Monde, que abre por lead autónomo, investindo, num segundo bloco, em descrição e explicação onde a ordem dos dados não força uma hierarquização por importância de sentido.

       Assim, o lead informativo – de preferência, uma só oração gramatical, ou um parágrafo de duas frases – arranca com o mais importante em, mais ou menos, 20 palavras, até um máximo de 36, de modo a tornar a matéria facilmente memorizada.

       Esta ganha em ser dada através de palavras simples e bissílabas ou trissílabas. Bordões como "Segundo o dirigente tal" ou "De acordo com" retiram força à frase, que apostará em verbos mais fortes que os simplesmente declarativos (dizer, declarar, referir, afirmar, frisar, considerar, etc.).

       Sendo embora prática normal abrir com citação, é evidente que o discurso indirecto causa maior impacto e pode recuperar, a seguir, a citação, que ameniza o discurso do jornalista. Eis, segundo Daniel Ricardo (o. cit., p. 21), o lead «clássico», lançado pela Reuter: «Londres, 6 de Fevereiro – O Rei Jorge VI de Inglaterra morreu, esta madrugada, enquanto dormia, na sua casa de Sandrigham, devido a uma trombose coronária.»

       O "quando" e o "onde" não comparecem nos casos mais óbvios ou se nada acrescentam à informação: «Os proprietários açorianos estão a ser penalizados devido à crise dos lacticínios.» 

       2) O "como" e o "porquê", se também podem abrir lead, ou obrigar este a desdobrar-se num segundo parágrafo, são tidos por elementos secundários e, em geral, tratados no corpo da notícia, onde se retoma e alarga o que já fora condensado antes. É o lugar certo para intervalar episódios curiosos e integrar o discurso directo.

       3) Os relacionamentos próximos e longínquos, as associações, a contextualização, em suma, concorrem na memória ou background: pensa-se no leitor menos adentrado no assunto e destila-se, aos poucos, informação que o situe, a qual também pode constituir peça à parte ou claramente separada de 2).

       O teste da abertura pode sair reforçado se o derradeiro parágrafo da peça resistir na memória do leitor: em vez de, inconscientemente, debitar prosa (sabendo que alguém lha irá cortar), o jornalista que cumpre prazos e espaço concedido faz desaguar o texto numa ponta final memorável que a todos enriquece – desdogmatizando, assim, em termos de efeito, a técnica da pirâmide invertida. 

       Este exercício noticioso – fundamental – requer, como os demais géneros, um prévio trabalho de recolha e selecção do material. O local e regional assumem, então, um valor próprio, com laivos de universal, dado pela proximidade.


[1] Fundada em 1848. Primeira foi a agência Havas, criada por Charles Havas, em 1835. Dela nasceu a Agence France-Presse, 1944. Seguiram-se a Reuter, em Londres, e a Wolff, em Berlim (1851). Outras: United Press, 1907; International News Service, 1909; Tass, 1918; Lusitânia, 1944. O primeiro telegrama da Havas em Portugal foi inserido no Diário de Notícias de 10-III-1866. Curiosamente, Charles-Louis Havas casou em Lisboa (4-II-1808). 


Notícia

30 Outubro 2020, 15:30 Ernesto José Rodrigues

As leis da pertinência, sinceridade, informatividade, exaustividade. 

Partes e construção da notícia.


Resumo:

A mais recente definição de notícia - ou a proposta de um programa, se quisermos - é de Augusto Delkáder (El País, supl. Babelia, 11-9-1993): «Os factos, os dados. A emoção rigorosa. Perturba a nossa vida. Aumenta as paixões e divide as opiniões. O facto rompe a ignorância. Destrói a incomunicabilidade. Iguala os cidadãos. Crisol da sociedade plural. Fronteira da sociedade democrática. Objecto precioso para a manipulação. Tesouro que interessa ao poder. Matéria substantiva do ofício de jornalista. Quando souberes algo, procura contá-lo. Sempre que interesse a toda a gente. Pelo menos, pensa que assim é.»

       Já definição clássica, e sucinta, que enquadra a anterior sem dela tomar o alcance político, social, etc., é a de Ricardo Cardet (Manual de Jornalismo, 2ª ed., 1979, p. 38): «Notícia é um facto actual com interesse geral.» Pressupõe-se que se trata de um facto verdadeiro, novo, facilmente comunicável segundo critérios de rigor e objectividade. Vejamos mais devagar.

       O conceito de actualidade varia com o tempo, a periodicidade informativa, a qualidade da recolha do material.

       Quando o Diário de Notícias de 24 de Março de 1865 dava, na primeira página, a crónica do dia, esclarecendo que «Em Macau havia socego á data de 30 de janeiro» (ou dizia: «Do Japão não ha novas importantes.»), é evidente que tal era notícia, porquanto o tempo da recolha na fonte seria recente (um navio chegara na véspera, p. ex.). Quando o mesmo jornal narrava eventos lisboetas de duas semanas antes, acaso requentados sobre a mesa da redacção, podia estar a fazer valer o interesse sobre a actualidade, se não era, simplesmente, a necessidade de preencher um buraco. 

       A norma das 24 horas a que sobrevive a notícia, se se trata de um diário, é ideal nem sempre cumprível. Há muitos 'retirados' [peças que não couberam] de última hora ou textos que pacientemente aguardam vez. Não raro, esperam por acontecimentos súbitos que os façam emergir e funcionar como background da notícia.

       Em qualquer dos casos, há que dar, sempre, a volta ao texto, de modo a justificar uma inserção ainda que tardia. Aí entra o duplo conceito de significação (do ponto de vista da notícia) e de interesse geral (para os leitores).

       Nos semanários, este aspecto é mais visível, quando, em vez de um qualquer desenvolvimento, a notícia já com barbas, sem deixar de ter a actualidade própria dos hebdomadários, só entra pela importância que, apesar de tudo, se lhe reconhece. O critério não é, pois, fazer a soma da semana; mas, tendo em conta a massa de leitores que não compra diários, facultar algo de verdadeiro que se considera simultaneamente importante, actual e com interesse.

       O conceito de novidade actualiza a matéria. Podemos substituí-lo pelo de oportunidade, pois sabemos que este conceito rege (em demasia, na Imprensa sem autonomia) o quadro noticioso. Quando um vespertino dá o que os matutinos já trouxeram, apresenta algo de novo, mas não inédito; o mesmo se dirá dos matutinos concorrentes.

       Daí que se persiga o inédito, o exclusivo, a cacha. Interessa o menos provável, o que se tem por raro ou singular. É isso que desperta a curiosidade, faz-se útil e tem impacto. Toca-nos ao vivo se lembrarmos um conceito decisivo na Imprensa regional: o da proximidade (ver III).

       Supostas estas condições, perguntamo-nos se tudo é comunicável. O jornalista torna-se decisor; conhece as suas defesas e os seus limites. Tem o direito a informar, mas não a deformar e difamar; há segredos que poderá revelar ou calar até melhor oportunidade; nunca deve ter a sensação de estar a fazer um frete ou ter consciência de ser manipulado. Só então, munido da objectividade possível (diversa da do historiador, que não obriga hora de fecho), se abalança à redacção da notícia. Trata-se de alguém que, ainda no estilo mais neutro, compromete uma subjectividade que previamente recolheu, seleccionou e valorizou os dados da observação e da experiência. Não se resguardará, assim, por norma, num pseudónimo, gentílico, nome paródico, abreviatura ou em asteriscos. Até que ponto, entretanto, se transforma a notícia em «emoção rigorosa»?

 

PARTES

       À luz dos conceitos acima explanados, a notícia 1) faz-se síntese, 2) desenvolve-se, ou 3) prolonga-se. Depende do órgão de informação ou do local de inserção. Pode dar azo, ainda e separadamente, a uma análise interpretativa e a formas de opinião, que explicitaremos noutro capítulo.

       A notícia-tipo consta de um título e uma entrada ou cabeça (lead) ­– estaríamos no ponto 1) –, de um corpo (ponto 2) e, eventualmente, de uma memória (background; ponto 3).

      

       1) O título pode já conter tudo, ou quase tudo. É pensado em termos de equilíbrio gráfico da(s) página(s) e do texto que procura resumir ou para que alerta. Para lá da sua composição gráfica, deve dizer o máximo em poucas palavras e menos linhas ainda.

       Na Imprensa mais viva e/ou sensacionalista, joga com a equivocidade de fórmulas latentes na consciência e imaginário dos falantes, transmitindo, do mesmo pé, uma opinião sobre "o quê" ou o "quem" da notícia. Os títulos, todavia, devem resumir-se à informação, evitando, p. ex., frases interrogativas, dubitativas e sistematicamente negativas que possam dar a entender ser o jornalista parte interessada naquilo que narra.

       Quer-se, por isso, breve, afirmativo e contendo verbo (de preferência, explícito) no indicativo e na forma activa. Advérbios, sobretudo em -mente, gerúndios e o relativo que podem estragar um título.

       O copulativo ser não comparece forçosamente: «O 'Independente' [é] mais suíço»; partículas e artigos, ou dados indefinidos, são de evitar, bem como a repetição vocabular: «Tribunal alemão condena agressores de moçambicano», diz também o Expresso de 30-10-1993. E logo a seguir, na mesma coluna: «Chivukuvuku condena UNITA».

       Nesta edição, as doze notícias da primeira página contêm dez verbos no indicativo presente: «Presidente/ da UGT/ demite-se»; «TAP: ministro minimiza/ proposta da administração»; «PSD multa Álvaro Barreto»; [Surgem] «Novas acusações/ de corrupção/ em Loures»; «João Soares deita/ achas na fogueira»; sendo as demais formas: tem, iliba, condena, regressa, ganha.

       Em títulos com duas ou mais linhas, o verbo pesa mais na primeira. 

       Nos antípodas, O Independente, pretendendo-se directo e opinativo/interpretativo, transforma os títulos em rótulos, por ausência do verbo, e geralmente com frases-feitas, lugares-comuns, etc., de sentido assumidamente dúbio ou dúplice: «Laranjas podres» significa problemas no PSD; a recente vitória dos ex-comunistas na Polónia deu «Regresso ao passado»; a candidata Antonieta Garcia, sucedendo ao marido autarca, favorece (até em termos perigosamente publicitários) «Casal Garcia»... Diferente, para pior, é a ambiguidade informativa nestas linhas do Diário de Notícias: «Principal revista cultural alemã/ festeja 30 anos com apreensão». [Apreensão em relação ao futuro ou porque o número comemorativo foi apreendido?]

       O recurso à cultura cinematográfica («A Grande Ilusão», «A Regra do Jogo»), literária («Crime e Castigo») ou outra em muito pode ajudar o registo estilístico em que sabem primar muitos títulos.

       Um título acompanha-se, às vezes, de antetítulo (que, menos largo, esclarece ou enquadra aquele) e de subtítulo (que desenvolve, pormenoriza ou completa), quanto baste para termos a notícia completa: «100 contos// PSD multa Álvaro Barreto // ...e vinte deputados 'revoltam-se' contra Duarte Lima».

       Já pouco feliz é o exemplo que nos propõe Silva Araújo, em Vamos Falar de Jornalismo, 1988, p. 88:«Conselho de Ministros// Iniciativas para normalizar/ abastecimento de petróleo// Governo readmite gestores/ da empresa 'Notícias-Capital'». Aqui, o subtítulo não joga.

       Em textos longos, para amenizar a leitura ou constituir blocos de sentido, convém encaixar intertítulos (ou subtítulos, que sintetizam o que segue, que destacam através de citação, etc.).

       Jornais houve (Diário Popular) e há que transformaram o antetítulo e subtítulos, de tão desenvolvidos, em verdadeiros super-leads.

       O lead, cabeça ou síntese da notícia (já, por sua vez, resumido no título), é a entrada régia: destacada ou não, deve responder a seis perguntas relativas ao acontecimento, quando ali chegamos: quem? (agente, activo ou passivo, da acção), o quê? (o que aconteceu, acontece ou vai acontecer), quando?, onde?, como? (em que circunstâncias se deu o quê), porquê? (às vezes, com o sentido de "para quê?").

       A Imprensa de província costuma abrir pelo "quando", se não é um qualquer nariz de cera, ignorando que quatro quintos das notícias das agências internacionais começam pelo "quem". Chegam ao cúmulo de redigir na primeira pessoa. Ou acrescentar inutilidades que só compreendemos num Diário de Notícias de 31-1-1865: «Dizem da Regoa que parece ter passado o inverno que flagellava ha muito tempo aquelles habitantes; o Douro já começou a baixar. // Muito estimamos.»

       Na técnica da pirâmide invertida, em que a importância do assunto é, em teoria, decrescente à medida que avançamos, (basta, por isso, cortar pelo fim, se faltar espaço) e, desde logo, antes ainda de se começar, é regra básica cortar no próprio umbigo.           Escrevemos "em teoria" lembrados do modelo (seguimos o anglo-saxónico, a chamada 'AP form', da Associated Press[1]) do francês Le Monde, que abre por lead autónomo, investindo, num segundo bloco, em descrição e explicação onde a ordem dos dados não força uma hierarquização por importância de sentido.

       Assim, o lead informativo – de preferência, uma só oração gramatical, ou um parágrafo de duas frases – arranca com o mais importante em, mais ou menos, 20 palavras, até um máximo de 36, de modo a tornar a matéria facilmente memorizada.

       Esta ganha em ser dada através de palavras simples e bissílabas ou trissílabas. Bordões como "Segundo o dirigente tal" ou "De acordo com" retiram força à frase, que apostará em verbos mais fortes que os simplesmente declarativos (dizer, declarar, referir, afirmar, frisar, considerar, etc.).

       Sendo embora prática normal abrir com citação, é evidente que o discurso indirecto causa maior impacto e pode recuperar, a seguir, a citação, que ameniza o discurso do jornalista. Eis, segundo Daniel Ricardo (o. cit., p. 21), o lead «clássico», lançado pela Reuter: «Londres, 6 de Fevereiro – O Rei Jorge VI de Inglaterra morreu, esta madrugada, enquanto dormia, na sua casa de Sandrigham, devido a uma trombose coronária.»

       O "quando" e o "onde" não comparecem nos casos mais óbvios ou se nada acrescentam à informação: «Os proprietários açorianos estão a ser penalizados devido à crise dos lacticínios.» 

       2) O "como" e o "porquê", se também podem abrir lead, ou obrigar este a desdobrar-se num segundo parágrafo, são tidos por elementos secundários e, em geral, tratados no corpo da notícia, onde se retoma e alarga o que já fora condensado antes. É o lugar certo para intervalar episódios curiosos e integrar o discurso directo.

       3) Os relacionamentos próximos e longínquos, as associações, a contextualização, em suma, concorrem na memória ou background: pensa-se no leitor menos adentrado no assunto e destila-se, aos poucos, informação que o situe, a qual também pode constituir peça à parte ou claramente separada de 2).

       O teste da abertura pode sair reforçado se o derradeiro parágrafo da peça resistir na memória do leitor: em vez de, inconscientemente, debitar prosa (sabendo que alguém lha irá cortar), o jornalista que cumpre prazos e espaço concedido faz desaguar o texto numa ponta final memorável que a todos enriquece – desdogmatizando, assim, em termos de efeito, a técnica da pirâmide invertida. 

       Este exercício noticioso – fundamental – requer, como os demais géneros, um prévio trabalho de recolha e selecção do material. O local e regional assumem, então, um valor próprio, com laivos de universal, dado pela proximidade.


[1] Fundada em 1848. Primeira foi a agência Havas, criada por Charles Havas, em 1835. Dela nasceu a Agence France-Presse, 1944. Seguiram-se a Reuter, em Londres, e a Wolff, em Berlim (1851). Outras: United Press, 1907; International News Service, 1909; Tass, 1918; Lusitânia, 1944. O primeiro telegrama da Havas em Portugal foi inserido no Diário de Notícias de 10-III-1866. Curiosamente, Charles-Louis Havas casou em Lisboa (4-II-1808). 


Crónica-anúncio da Internet

29 Outubro 2020, 17:00 Ernesto José Rodrigues

Um anónimo em 1868 sobre "O jornalismo no ano 2000".

Gabrielomania. 
Balanço: espécies de Opinião.
Folhetim e Crónica: sínteses.
 
OPINIÃO

       Qualquer assunto noticiado pode merecer uma tripla abordagem opinativa: editorial (da direcção), comentário (do jornalista ou editor) e opinião propriamente dita (de colaborador).

       O primeiro decorre de um estatuto editorial por que toda a publicação se rege. Assinado, ou não, pelo director e/ou director-adjunto, responsabiliza a linha do jornal.

       Carreados elementos informativos e argumentos clara e metodicamente expressos, toma-se uma posição, evitando transformá-lo em panfleto.

       Nasceu do artigo de fundo que inundava a primeira página na Imprensa oitocentista, maioritariamente votada à defesa do partido ou de famílias políticas, religiosas e outras. O redactor político, que não precisava de assinar, ascenderia, cedo ou tarde, a lugares de eleição.

       Hoje, pede-se verdade, isenção e objectividade, além de brevidade e clareza. Caluniar ou difamar não constam do programa; e hemos de equacionar a relação público-privado, denunciando este se, de facto, vem reflectir-se negativamente na coisa pública.

       Há uma exposição sucinta do acontecimento confirmado, segue-se um desenvolvimento cartesiano que opera do mais simples para o mais complexo, desaguamos em conclusão não forçosamente unilateral ou dogmática.

       Para bom entendedor, o colorido do tom e a veemência de algumas posições só por milagre, acaso ou grande arte não deitarão a perder a suposta objectividade. Mas é um horizonte a atingir.

       O comentário (em princípio, graficamente solto) do jornalista ou editor da página, precedido de breve análise e propostas de interpretação, é antecâmara de sentido para o editorial.

       Sem querer ludibriar o leitor, ou apertá-lo numa teia de posições alheias que o redactor toma como suas, passa-se tal responsabilidade para colaboradores regulares/episódicos, que marcarão o ponto de vista que, sempre dentro do estatuto editorial, entenderem marcar.

       Os equívocos e dados positivos que desta tripla conjugação aflorarem justificam a participação dos leitores, enquanto partes directa ou indirectamente interessadas.

       Para lá da secção própria de correspondência – desde as primeiras décadas de Oitocentos, e mesmo no espaço nobre do folhetim –, a publicação faz prova de isenção se do próprio corpo redactorial fizer emergir um jornalista provedor dos leitores (ombusdman), independente da direcção e administração.

       Neste quadro – quando não é a folha a motivá-la –, nasce uma forma rica e de largas tradições na Imprensa e na literatura que é a polémica, desembocando tantas vezes num registo "baixo". Tivemos cinco grandes momentos nesse âmbito: a recepção setecentista ao Verdadeiro Método de Estudar, de Verney, e, com larguíssimo e fundamental desenvolvimento na Imprensa periódica, a polémica à volta da publicação do poema anti-ibérico D. Jaime (1862), de Tomás Ribeiro, que prenunciava a ruidosa Questão do Bom Senso e Bom Gosto (1865-66) e a dissolução das Conferências do Casino (1871). A derradeira seria a reacção popular e intelectual ao Ultimatum inglês de 1890.

       Entre os autores, Camilo Castelo Branco, multímodo colaborador de Imprensa, leva, por certo, a palma, seja pela quantiosa actividade neste domínio, seja pela virulência com que respondia aos detractores.

       Espécies da tipologia que avançamos são, pois, o artigo de análise e de opinião (se conseguirmos destrinçar entre ambos), o artigo de fundo propriamente dito (que não responsabiliza quanto o editorial), o apontamento, o bilhete, o eco - conforme a mancha gráfica se reduz e ganha em densidade, pessoalização, crítica e humor, mesmo.

       Estas serão devidas a gente da casa ou de fora, assinadas também por iniciais e, até, nomes enigmáticos (vejam-se os antigos bilhetes de Vítor Direito na página 2 do Correio da Manhã, brevíssimos editoriais que já trazia da última página do antigo República, e o cortante Au Jour le Jour, antes, não-assinado, na primeira página do Monde, agora regressado à última sob nome factício).

       Já o colunismo, por seu lado, convida personalidades de fora, sendo mister referir o que decorre da crítica e da crónica.

       A crítica varia quanto à matéria (desportiva, tauromáquica, teatral, etc.; o mesmo se passa com a crónica) e quanto à sua formalização. Se descermos à particularidade literária, subdivide-se em mera impressão ou juízo de valor, em nota, recensão, ensaio, tratado, sistema.

       Há uma importância crescente nesta hierarquização, já com foros de revista literária e até universitária a partir da recensão: é preciso dizer do que consta a obra ou artigo em causa e questionar os pontos mais fracos, dando-lhes solução ainda que provisória. O ensaio também chega a ocupar as efémeras páginas de um diário; jamais os dois últimos.

       A crítica e a crónica tiveram uma infância jornalística próxima, que chegou a confundir-se. Muito ficaram a dever a outro espaço - aquele que, efectivamente, mais concorreu para que se fale em mass media e que, hoje, ressurge de forma insuspeitada. Estamos a falar do folhetim.

       Pela sua importância, algumas breves palavras.

 

       SOBRE O FOLHETIM

       Nos últimos decénios, pudemos assistir a um curioso regresso do folhetim numa tríplice vertente: a publicação, em jornal e, depois, em livro de algumas ficções e crónicas; o recurso, nos mais variados assuntos, à linguagem própria do género (sobretudo, ao termo em si); enfim, mais significativo, o alcance no universo das audiências que está a conseguir a telenovela, última e mais poderosa descendente daquela matriz, cujas qualidades e defeitos assume sem complexos.

       Referindo-nos, tão-só, ao pós-25 de Abril de 1974, encontramos José Rodrigues Miguéis a sair, religiosamente, no Diário Popular com O Pão Não Cai do Céu (1974-76), aí iniciando, em 17-11-77, Programação do Caos.

       Augusto Abelaira deixa incompleto, no JL - Jornal de Letras, Artes & Ideias de 29-3-1983, O Único Animal Que?, depois saído em volume.

       Mário de Carvalho e Clara Pinto Correia fazem, nas páginas do Diário de Notícias (1985-86), um remake de O Mistério da Estrada de Sintra (1870), que ao mesmo jornal tinham levado Eça de Queirós e Ramalho Ortigão. Intitula-se esse livro E Se Tivesse a Bondade de Me Dizer Porquê?.

       Hélia Correia dá ao Jornal Ilustrado (1986) A Fenda Erótica.

      As referências à linguagem, aos temas e às personagens folhetinescas assomam, entretanto, cada vez mais em livros recentes. Mas o fenómeno, para o comum dos leitores, é mais evidente no apelo que os jornais fazem sempre que desejam exprimir o descontínuo, rotineiro, incaracterístico e até dispersivo da actualidade nacional.

       Na política (o folhetim do Ministério da Saúde), no desporto (o folhetim Rosa Mota), no social (uma fuga rocambolesca), a realidade lê-se segundo uma trama em que sucedem golpes de teatro, momentos de suspensão, cenas inverosímeis, a vitória de personagens secundárias que tomam a dianteira do tablado...

       É o nosso frenesi por histórias - quando o excesso de comunicação já embrulha as mensagens - que assoma em desejos mais ou menos cumulados pela telenovela, depois de o mesmo ter acontecido com o folhetim radiofónico e, antes e paralelamente, com as fotonovelas e a banda desenhada. Símile destas formas, na época áurea do folhetim, era o melodrama.

       Ora, enquanto se reimplanta o romanesco, não desapareceu de vez o folhetim-crónica e José-Augusto França manteve largamente a chama: os que, desde 1968, publicou maioritariamente no Diário de Lisboa, facultaram os dois volumes de Quinhentos Folhetins (1984, 1993).

       Na verdade, ele executa a crónica artística, ou o folhetim-crónica na sua variante crítica (mais voltada para as artes plásticas), como se iniciou, de facto, o género (sobre o teatro) e, ainda hoje, se mantém no feuilleton do Monde (sobre livros), às sextas-feiras.

       Entretanto, raras são as publicações que continuam a seccionar ficções, se não é em tempo de férias, para o que os melhores jornais europeus convidam reputados escritores.           

       O folhetim começa por ser um artigo de crítica dramática lançado, em 1800, pelo abade Geoffroy, no parisiense Journal des Débats. O termo feuilleton, ligado à encadernação, ocorre em 1790 e, já em 1719, o London Post dera, em episódios, Robinson Crusoe, de Daniel Defoe.

       Se a prova da serialização fosse condição suficiente, era possível recuar mais; não: necessita de outras condições para se impor e arrastar decisivamente os hábitos da Imprensa, da escrita, da leitura e do Poder, em suma.

       Essa revolução começa no segundo semestre de 1836 (1 de Julho), em Paris, quando são lançados dois diários concorrentes: La Presse e Le Siècle. Apostam na redução do preço da assinatura para metade, na publicidade e no romance-folhetim.

       Esta literatura "de porteira" - como pejorativamente dirão, sendo que era nos cubículos da porteira e nos cafés que se faziam leituras colectivas - dará curso a uma literatura "industrializada" (Sainte-Beuve), que enriquece as empresas jornalísticas, os autores doravante reconhecidos, torna os leitores sedentos e atrapalha o Poder, que inventa desmoralização dos costumes em textos onde se lê oposição política e que, por isso, em dois momentos, lançará novos impostos sobre a Imprensa que aqueles publica.

       É nesse interim que o folhetim-crónica se afirma, o que, entre nós, com ficções débeis ou de importação, mais depressa aconteceu, independentemente de perseguições desse tipo.

       Os autores são contratados a peso de ouro e a sua transferência leva atrás dezenas de milhares de leitores, aos quais acolhem em gabinetes abertos a reclamações, sugestões, conselhos sobre o destino a dar às personagens. O empresário já exigiu que a história não acabasse antes da renovação das assinaturas.

       Os sucessos de Eugène Sue (com, primeiro, Os Mistérios de Paris, durante 16 meses no Journal des Débats, em 1842-43) e de Victor Hugo (sendo que Os Miseráveis, de 1862, são um romance folhetinesco) podem balizar vinte anos de frenesi, em que o jornalismo se torna de vez um meio de comunicação de massas. Mas a lista não ficaria por aqui, se continuássemos.

       Em Portugal, onde metade da nossa memória colectiva ainda está depositada em muita e ignorada Imprensa, deparamos com o termo folhetim em 1838, só dicionarizado em 1873.

       Espaço ideal para uma imagem do que fomos, convocou, nos seus rodopés de jornais – a coluna caindo, qual "chouriço", passa a ser cortada pelo grosso filete separador, como demarcando o único terreno que, por muito tempo, justificava ser assinado (nas revistas, mantém-se o perfil das colunas) –, os melhores autores e aí vieram a lume os marcos definidores dos géneros literários e jornalísticos.

       “Os Canibais”, de Álvaro do Carvalhal (1865-66, na Revista de Coimbra, ainda com o título A Estátua Viva”; nos Contos, em 1868) são um verdadeiro programa de tiques e diligências narrativas.

       Herculano insere n'O Panorama, desde 1839, as futuras Lendas e Narrativas (1851); aí dá O Bobo em 1843 (em livro, 1878) e inaugura o romance histórico, bem como as cartas sobre a História de Portugal ou O Pároco da Aldeia, alvores da novelística campesina.

       Garrett passeia, também em 1843, parte das Viagens na Minha Terra, nessa Revista Universal Lisbonense por que se responsabilizaria Castilho e onde A. P. Lopes de Mendonça inscreve Memórias de Um Doido (1849-1850). Mas, já em 1848, passara n'A Revolução de Setembro o que será o primeiro título a sério entre nós dedicado a Ensaios de Crítica e Litteratura (1849).

       Príncipe dos folhetinistas, deixou o seu espaço naquele diário ao herdeiro Júlio César Machado, cronista de Lisboa como nenhum outro, jornalista de impressões sobre teatro, viagens, livros ou a modorra nacional: falando de tudo e de coisa nenhuma, numa prosa leve e risonha, não deixou de curar Das Loucuras e das Manias em Portugal (1871), treze deliciosos capítulos antes saídos no Diário de Notícias.

       Neste mesmo ano, acrescentando outro veneno à condição nacional, a verdadeira crónica dos nossos costumes passa-se para o mais largo fôlego d'As Farpas (42 caderninhos de 96 páginas, 1871-1883). Já então, se Júlio César mantinha as suas "revistas da semana" no folhetim, a crónica libertara-se para outras colunas: perdera aquele espaço de eleição, mas arregimentava novos cultores e afirmava-se mais una, no processo de um sujeito confrontado com a realidade da notícia, que lhe chegava e revia ou inventava e justificava. Eça de Queirós excedia-se nesse campo. Camilo, por necessidade, de tudo dava aos rodapés, incluindo teatro. Na província, grassava a poesia.

       Em resumo, numa proposta de tipologia, teremos o folhetim romanesco (conto, novela, romance, com o familiar Continua); o folhetim-crónica, com a variante folhetim-crítico, mais voltado para o acompanhamento editorial; o folhetim-carta, quer pelas missivas dos leitores (que passarão a outra secção), quer enquanto formalização de ficções como O Mistério da Estrada de Sintra; o folhetim-poema (influenciando o poema-folhetim, casos de D. Jaime, 1862, ou Poema da Mocidade, 1865, este de Pinheiro Chagas e causa próxima da Questão Coimbrã); o folhetim-teatro (Poesia ou Dinheiro? e Patologia do Casamento, de Camilo, passadas d'A Concórdia, 1855, às Cenas Contemporâneas, 1856); por derradeiro, o que alguns designavam folhetim-sincrético, quando as anteriores espécies se misturavam.

 

       A CRÓNICA

       A crónica releva da História, da Literatura e do Jornalismo. A "chronica do dia", com que o Diário de Notícias abria nos seus primórdios, informava de entrada, ronceiramente, que «Suas Magestades e Altezas passam sem novidade em suas importantes saudes». Seguiam o calendário litúrgico, nascimento e ocaso do sol, efemérides, despachos telegráficos e locais que, hoje, nunca consideraríamos notícia. Era uma salada a sobrevoar a unidade do folhetim, firme no seu poiso. A História do dia cumpria-se no Jornalismo possível. Em breve, a Literatura tomaria o lugar daquela e, no presente, seria possível associar-lhes outras disciplinas (sociologia, psicologia, etc.).

       O que interessa, todavia, é que, deslaçando-se do folhetim, manteve a constante da voz pessoal, fez-se paleta de uma íntima e suspensa reportagem por que dá a cara o subscritor.

       É à luz daquelas três macro-estruturas que José Marques de Melo elabora um útil texto de síntese (“A crónica”, em Jornalismo e Literatura, 1988, pp. 41-53), contrapondo, depois, a crónica do jornalismo hispano-americano à do luso-brasileiro.

       Aqui, «é um gênero jornalístico opinativo, situado na fronteira entre a informação de atualidade e a narração literária, configurando-se como um relato poético do real».

       Contestamos, de seguida, que ela deva obedecer às «três condições essenciais de qualquer manifestação jornalística: atualidade, oportunidade e difusão coletiva». Não: a crónica pode, e deve, criar as duas primeiras, alargando a terceira. É, como não nota o articulista, uma das facetas do poético, que solta e se liberta do nada.

       O folhetinista sabia isso: acusado regularmente de não ter ideias, reinventava situações que o país não favorecia e brincava com essa desgraça no próprio texto. Queria-se menos crítico que bem-disposto; antes diletante que doutrinário; preferindo os brincos da frivolidade à sisudez conselheiral.

       Tudo isso passou para a crónica moderna, mais irónica do que austera, a favor de jogos linguísticos contra lugares conceituosos. A sua função «educativa» é bem menor do que pensam Nuno Rocha e o autor do artigo.

       Victor Silva Lopes (Iniciação ao Jornalismo, 2ª ed., 1981, p. 103), aí citado, é modelar: «A crónica é um pequeno texto narrativo que se ocupa de um episódio (às vezes, banal ou insólito) do quotidiano [pessoal ou colectivo, acrescentamos]. O cronista prevalece o comentário, numa linguagem expressiva, por vezes poética, mas simples e clara.»

       E depois: «A crónica permite uma interpretação subjectiva da realidade e, frequentemente, faculta ao seu autor a possibilidade de revelar seus ideais. [...] A ironia, o humor ou a dureza do tema são formas geralmente escolhidas para rematar uma crónica. Aliás, o cronista num jornal procura observar a realidade (sem muitas das vezes se servir da entrevista), julga-a e procura extrair um comportamento social [não forçosamente, juntamos].»

       Daniel Ricardo (ob. cit., p. 31), opondo traços distintivos entre reportagem e crónica, na perspectiva de José A. Benitez (Tecnica Periodistica, 1971), oferece seis alíneas, sendo, todavia, problemáticas as duas últimas:

       «e) à vivência pessoal, na reportagem, contrapõe-se a reacção pessoal, na crónica.

       f) A reportagem explica, interpreta, analisa; a crónica propõe, sugere, convida a imaginar.»

       Bom: quanto a f), é um caso de gradação, porque estes géneros podem intercambiar-se; quanto a e), a inanidade da diferença vivência/reacção surge clara se fecharmos com a definição que defende Óscar Mascarenhas (“Crónica nada!”, Diário de Notícias, 26-11-1992): «Crónica é relato pincelado, é reportagem na primeira pessoa. Acompanha um acontecimento num dado tempo e transporta o leitor nos nossos olhos.»

       De imediato, como a negar a citada diferença: «Crónica é o recurso jornalístico a que se lança mão quando a descrição seria fastidiosa, impossível ou ociosa.»

       Ou seja: a oposição entre géneros não vinga; modelização de um programa, qualquer género é singular, contaminado embora. É notório que, nestas aspas de Mascarenhas, só há reacção com vivência.

            Informação alheia ou que de nós extraímos, a notícia pesa e a ela voltamos, porque, sobre as breves ou a síntese – de facto, só título e lead, e nem sempre aquele –, a apreensão dos elementos cronísticos nasce, muitas vezes, do hoje omnipoderoso fait divers.


Teste

28 Outubro 2020, 17:00 Silvia Valencich Frota

Realização de teste escrito individual.


Teste

28 Outubro 2020, 15:30 Silvia Valencich Frota

Realização de teste escrito individual.