Sumários

Teatro Comunitário - Quénia e Austrália

4 Dezembro 2018, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

DEZEMBRO                                   3ª FEIRA                                          21ª Aula

 

4

 

Conclusão do visionamento do CD dedicado a Community Theatre – Global Perspectives de Eugen van Erven.

Retomámos a observação, suspensa há uma semana, do episódio dedicado ao trabalho teatral de um grupo de mulheres que vivia numa aldeia do Quénia ocidental, Sigoti, e que aí trabalhava sob orientação do professor Ngûgî wa Thiong’o da Universidade de Nairobi. Aquilo a que assistimos tem um valor particular pois já não existe como expressão e referência de Teatro e Comunidade. O grupo de mulheres deixou de poder fazer teatro político. O professor e escritor Ngûgî wa Thiong’o foi obrigado a sair do Quénia e a refugiar-se no estrangeiro.

Este estudo de caso forneceu-nos a possibilidade de acompanharmos um teatro diferente. O espaço natural, em torno do qual as mulheres representavam tinha um particular significado para a comunidade local. O simbolismo da água e o seu arredondamento com a terra circundante criavam o cenário adequado para a ligação entre passado e presente, projectando ao mesmo tempo a acção que deveria trazer melhoria para a população aí sediada. A opção de filmagem proporcionou-nos um breve contacto com o quotidiano activo dessas mulheres, com a cumplicidade desenvolvida entre elas e de que os homens estavam praticamente arredados. Olhar para aquele tipo de representação não estimula o exótico mas a consciência de que populações em outras partes do planeta manifestam idênticas necessidades básicas em que se inserem a cultura e arte.

Seguiu-se o último exemplo situado geograficamente em relação a Portugal na outra ponta do mundo. O estudo de caso aconteceu na Austrália e foi conduzido por dois artistas que integram o Urban Theatre Projects que actua em Sidney. O espaço escolhido para a performance é o caminho-de-ferro e as suas carruagens. Pudemos inferir que espectadores e actores partilharam sempre o mesmo espaço urbano, onde várias formas de arte se tornaram responsáveis pela abertura de comportamentos que de outro modo estariam associados a factores de repetição e modelos que constituem um hábito aceite. Ver pessoas que não se conhecem a dançar numa plataforma de uma estação de comboios é no mínimo surpreendente. Este grupo de Sydney continua a dedicar-se a estes actos performativos, sempre com renovada imaginação e vontade de ligar os elementos da comunidade, talvez bairro, tornando os seus quotidianos mais leves e divertidos.

 

Leituras recomendadas:

- RANCIÈRE Jacques 2010, O espectador emancipado, tradução de José Miranda Justo, Lisboa: Orfeu Negro.

- RANCIÈRE, Jacques 2010, O Mestre Ignorante – Cinco lições sobre a emancipação intelectual, Ramada: Edições Pedago, pp. 7-24.

- ERVEN, Eugene van, Community Theatre – Global Perspectives, London and New York: Routledge, 2001, pp. 1-13 e 243-260. ESTA OBRA ENCONTRA-SE NA ÍNTEGRA DISPONÍVEL NA INTERNET

https://www.google.pt/search?tbm=bks&hl=pt-PT&q=COMMUNITY+THEATRE%3A+Global+Perspectives

 

Filme visionado:

ERVEN, Eugene van, Community Theatre – Global Perspectives, London and New York: Routledge, 2002, CD, 90’, narrado em inglês.

 

Referências complementares

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ng%C5%A9g%C4%A9_wa_Thiong'o

http://www.ngugiwathiongo.com/

https://books.google.pt/books?id=JVCMO2arc7gC&pg=PA168&lpg=PA168&dq=women%27s+theatre+in+Sigoti+village&source=bl&ots=Op2Y68YXPt&sig=Yxc4y2pjuDf5A1Jsma0h_xzTZ

https://en.wikipedia.org/wiki/Kamiriithu_Community_Education_and_Cultural_Centre


Teatro Comunitário mundo fora

29 Novembro 2018, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Enquanto aguardamos a actualização das leituras recomendadas, dedicadas a Jacques Rancière, optámos por mostrar um CD com material diverso sobre Teatro e Comunidade, da autoria de Eugen van Erven. Este professor de teatro na Universidade de Utrecht realizou, em 2001, uma longa viagem localmente programada por alguns países (Filipinas, Holanda, EUA, Costa Rica, Quénia e Austrália), a fim de conceber um estudo comparado sobre como em cada um dos lugares escolhidos e em função dos problemas encontrados nessas comunidades, o teatro propunha uma intervenção artística com benefício para as populações envolvidas.

Saliente-se que em muitos dos exemplos visionados foi possível acompanhar o processo de preparação de cada espectáculo e o resultado do mesmo junto dos espectadores locais. Constatou-se ainda que na maioria das observações os pequenos grupos de teatro trabalhavam com profissionais, professores de teatro, dramaturgos, encenadores que não só procuravam responder às questões colocadas pelas pessoas e que se projectavam de imediato na construção do espectáculo, como estes eram também solicitados a oferecerem algum enquadramento psicológico e afectivo em casos mais delicados que a preparação do espectáculo suscitava.

Em todas as comunidades até agora observadas tornou-se perceptível que a função do teatro não era exibir-se como uma estrutura montada e regularmente visitada, mas antes proporcionar enquadramento às diversas questões que perturbavam as pessoas que, como actores amadores, procuravam no teatro uma resposta, uma clarificação, uma sugestão de mudança face aos problemas que as afectavam, quer maioritariamente de natureza colectiva (PETA nas Filipinas), quer de âmbito individual e colectivo (STU, Holanda, Teatro de la Realidad, USA, Aguamarina, Costa Rica, Ngûgî wa Thiong’o, Quénia).

É dentro desta perspectiva que a proposta filosófica de Jacques Rancière sobre como se deverão relacionar os fazedores de teatro e os seus observadores me parece ter aqui exacto cabimento. Para já através do método de Jacotot, que nestes exemplos tem uma leitura mais diversificada e de maior proximidade através da construção de um objecto artístico, do que acontece em relação ao descrito sobre o trabalho dos estudantes com o Telémaco de Fénelon. Não sabemos por Rancière se a aprendizagem da língua francesa pelos estudantes de Lovaina se traduziu num exercício apenas individual do uso da inteligência ou se entre colegas houve interajuda. Ao contrário do que se terá passado na universidade de Lovaina, as comunidades que observámos na preparação dos seus espectáculos funcionaram sempre como um colectivo.

Tal constatação não inviabiliza, porém, que não possamos aplicar a estes casos, considerados por van Erven, o princípio da igualdade das inteligências associado à rejeição da «ordem explicadora». Verificamos com os vários testemunhos apresentados em Community Theatre, e ainda não chegámos ao fim, que eles conferem às metodologias utilizadas uma particular relevância que se manifesta num trabalho de campo junto dos elementos de cada comunidade e que é posteriormente integrado no espectáculo a realizar. Esta pesquisa é também uma forma de criar proximidade com as pessoas que irão posteriormente assistir ao espectáculo. Quem se ocupa desta pesquisa são os actores que assim recolhem informação a partir da qual se escrevem textos dramatúrgicos e se prepara a representação.

Qualquer distância entre fazedores e observadores é claramente ultrapassada pela vontade de cada um contribuir para um bem comum. E este ganha consistência pela criação artística que existe porque é de todos, ou, pelo menos, de uma grande maioria. A autenticidade deste comportamento nasce da necessidade que é originada na própria comunidade e à qual o Teatro procura responder como modo de autonomização das inteligências.

 

Leituras recomendadas:

- RANCIÈRE Jacques 2010, O espectador emancipado, tradução de José Miranda Justo, Lisboa: Orfeu Negro.

- RANCIÈRE, Jacques 2010, O Mestre Ignorante – Cinco lições sobre a emancipação intelectual, Ramada: Edições Pedago, pp. 7-24.

- ERVEN, Eugene van, Community Theatre – Global Perspectives, London and New York: Routledge, 2001, pp. 1-13 e 243-260.

 

Filme em visionamento:

ERVEN, Eugene van, Community Theatre – Global Perspectives, London and New York: Routledge, 2002, CD, 90’ narrado em inglês.

 

Aulas previstas em Novembro – 8

Aulas dadas em Novembro – 8

Saídas culturais - 1

 

 


Entrega do 1º teste de avaliação de conhecimentos. Exercício colaborativo sobre Rancière

27 Novembro 2018, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

NOVEMBRO                        3ª FEIRA                               19ª Aula

 

27

 

Entrega do primeiro teste de avaliação de conhecimentos e comentários a propósito.

Parcelamento do ensaio de Jacques Rancière O espectador emancipado e distribuição simultânea desses momentos textuais por pequenos grupos de alunos. Cada grupo ocupou-se da sua parte textual específica com vista à construção de um texto comum de interpretação como resultado do diálogo em sala de aula.

A conclusão deste exercício permitir-nos-á referenciar todo o texto de Rancière salientando os pontos altos do mesmo.

Leituras recomendadas:

- RANCIÈRE Jacques 2010, O espectador emancipado, tradução de José Miranda Justo, Lisboa: Orfeu Negro.

- RANCIÈRE, Jacques 2010, O Mestre Ignorante – Cinco lições sobre a emancipação intelectual, Ramada: Edições Pedago, pp. 7-24.


Rancière e o teatro comunitário

22 Novembro 2018, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

NOVEMBRO                        5ª FEIRA                               18ª Aula

 

22

 

Discussão sobre os espectáculos visionados nas saídas de campo anteriormente assinaladas. Alguns dos alunos recorreram para esta sessão aos seus diários de bordo.

O interesse nos espectáculos, em particular, por O mundo é redondo, suscitou entusiasmo e deu ocasião a que se discutisse, por exemplo, o uso de diferentes línguas, questão que integrava igualmente o anterior espectáculo Netos de Gungunhana-

 

Fizemos a seguir leitura conjunta de algumas partes do ensaio de Jacques Rancière O Espectador emancipado com a intenção de tornar mais clara a posição do autor que defende a existência de um único plano contínuo em termos ideológico-simbólicos e políticos entre quem representa um espectáculo e quem a ele assiste.

Esta possibilidade de interpretação do papel do espectador tornar-se-á mais clara quando visionarmos alguns acompanhamentos de preparação de espectáculos de natureza comunitária realizados por Eugen Van Erven em diferentes espaços da Terra.

Entendo o pensamento de Rancière associado ao comportamento do espectador de um ponto de vista essencialmente político, apesar das questões estéticas com ele relacionadas e presentes na representação de espectáculos desempenharem uma função primordial justamente na possibilidade de associar um ambiente comunitário ao modo como os seus intervenientes são simultaneamente membros de uma comunidade e artistas.  

 

Leituras recomendadas:

- RANCIÈRE Jacques 2010, O espectador emancipado, tradução de José Miranda Justo, Lisboa: Orfeu Negro.

- RANCIÈRE, Jacques 2010, O Mestre Ignorante – Cinco lições sobre a emancipação intelectual, Ramada: Edições Pedago, pp. 7-24.


Do Mestre Ignorante ao Espectador Emancipado - Jacques Rancière

20 Novembro 2018, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

NOVEMBRO                        3ª FEIRA                               17ª Aula

 

20

 

Saída de Campo – Teatro do Bairro, O mundo é redondo, texto de Gertrude Stein, tradução e dramaturgia de Luísa Costa Gomes, encenação de António Pires. 16.11.2018 21:30-23:30.

 

Saída de Campo – Museu Nacional de Etnologia, Cartas do Novo Mundo, espectáculo baseado na carta de Pero Vaz de Caminha a D. Manuel I, e outras cartas de autores diversos, encenação de Miguel Abreu, representação de F. José Oliveira. Esta saída de campo resultou num espectáculo só para nós e a meu pedido. Após a representação tivemos visita guiada e acompanhada de muita informação preciosa ao espólio da Galeria da Amazónia que nos permitiu alcançar um melhor enquadramento de uma das regiões mais sensíveis do Brasil.

 

Concluído o visionamento conjunto destes três espectáculos, encetaremos a partir de agora o diálogo, já iniciado sobre Netos de Gungunhana, e que deverá abranger o que vimos. Talvez venha a ser possível criar diversas pontes entre os três objectos artísticos.

Reclamo pelo diário de bordo de cada um.

 

Iniciámos o estudo do ensaio de Jacques Rancière O Espectador emancipado partindo do acompanhamento ao episódio que dá origem a essa reflexão escrita do filósofo francês. E esse episódio traça-nos o perfil de um homem chamado Joseph Jacotot que é tido como uma figura excêntrica no contexto da sua época, primeiro na França revolucionária e posteriormente no período da Restauração da monarquia constitucional (1814-1830) que repõe e reajusta os valores e princípios do conservadorismo.

A acção de Joseph Jacotot é primeiro traçada por Jacques Rancière no seu livro O Mestre Ignorante - Cinco Lições sobre a emancipação intelectual (2007).

Dessa obra retirei alguns parágrafos que pudessem ajudar a enquadrar o ensaio que temos em mãos. Foram essas passagens que lemos e comentámos na perspectiva de compreendermos o sentido da igualdade das inteligências e do processo de aprendizagem que muito para além vai da transmissão de conhecimentos.


Uma aventura intelectual.

 

•      Em 1818, Joseph Jacotot, professor de literatura francesa na universidade de Lovaina, viveu uma aventura intelectual.

•      Uma carreira longa e agitada dever-lhe-ia ter dado a possibilidade de estar ao abrigo de surpresas: fizera dezanove anos em 1789. Ensinava então Retórica, em Dijon, e preparava-se para seguir a profissão de advogado. Em 1792, servira como artilheiro no exército da República. Depois, a Convenção viu-o sucessivamente como juiz de instrução, instrutor no Departamento da Pólvora, secretário do ministro da Guerra e substituto do director da Escola Politécnica.

•      Regressado a Dijon, ensinou Análise, Ideologia e as línguas antigas, Matemática pura e transcendental e Direito. Em Março de 1815, a estima dos seus compatriotas fizera dele um deputado. O regresso dos Bourbons obrigou-o ao exílio e obteve, através da generosidade do rei dos Países Baixos, o lugar de professor a meio salário. Joseph Jacotot conhecia as leis da hospitalidade e contava passar uns dias tranquilos em Lovaina.

•      O destino decidiria as coisas de outro modo. As aulas do humilde professor foram, com efeito, depressa apreciadas pelos estudantes. Entre os que as quiseram desfrutar, um bom número desconhecia a língua francesa. Joseph Jacotot, por seu lado, desconhecia completamente o holandês. Não existia portanto língua em que lhes pudesse ensinar aquilo que eles exigiam. Era necessário responder ao seu voto. Para tal, era necessário estabelecer, entre eles e ele, o elo mínimo de uma coisa comum. Ora publicara-se, por esa altura, em Bruxelas, uma edição bilingue do Telémaco [de François Fénelon]. A coisa comum fora encontrada e o Telémaco entrou deste modo na vida de Joseph Jacotot. Mandou enviar o livro aos estudantes, e, através de um intérprete, pediu-lhes que aprendessem o texto em francês com a ajuda da tradução existente. Quando conseguiram compreender a metade do primeiro livro, fê-los repetir sem cessar o que haviam aprendido depois de lerem o resto para serem capazes de o contar. Foi uma solução dada pelo acaso mas, também, em pequena escala, uma experiência filosófica muito ao gosto do que se queria no século das Luzes. Joseph Jacotot, em 1818, continuava a ser um homem do século anterior.

•      Contudo a experiência ultrapassou as suas expectativas. Pediu aos estudantes assim preparados para escreverem em francês sobre o que pensavam de tudo o que haviam lido. «Esperavam-se barbarismos horríveis, de uma impotência talvez absoluta. Como, de facto, todos aqueles jovens, privados de explicações prévias, poderiam ter compreendido e resolvido as dificuldades de uma língua nova para eles? Que importa! Era preciso ver onde os teria conduzido esta rota aberta por acaso, quais seriam os resultados deste empirismo desesperado.

•      Qual não foi o seu espanto ao descobrir que aqueles alunos, entregues a si próprios, se haviam saído desse passo difícil tão bem como se tivessem sabido muito francês. Não seria então preciso mais do que querer para poder? Seriam então todos os homens capazes de compreender virtualmente o que outros haviam feito e compreendido?» (Félix e Victor Ratier, 1818: 155)

•      Tal foi a revolução que esta experiência do acaso provocou no seu espírito. Até então, acreditara naquilo em que todos os professores conscienciosos acreditam: que o grande objectivo do mestre é o de transmitir os conhecimentos que tem aos alunos, a fim de os educar, por níveis, até à sua própria ciência. Sabia, como eles, que não se tratava e de cumular os alunos de conhecimentos e de os fazer repetir como papagaios, mas também que era necessário procurar os caminhos do acaso, onde os espíritos se perdem, ainda incapazes de distinguir o essencial do acessório e o princípio da consequência. Rancière, 2010: 7-9)

•      (…) Assim raciocinavam todos os professores conscienciosos.

•      Assim tinha raciocinado e agido Joseph Jacotot, ao longo de trinta anos de profissão. Ora eis então que o grãozinho de areia vinha por acaso introduzir-se na máquina. Ele não dera explicação alguma aos seus «alunos» sobre os primeiros elementos da língua. Não lhes explicara a ortografia e as conjugações. Eles tinham procurado, sozinhos, as palavras francesas correspondentes às palavras que conheciam e a razão das suas desinências. Haviam aprendido, sozinhos, a combiná-las, para fazer, por sua vez, frases em francês: frases essas em que a ortografia e a gramática se tornavam cada vez mais exactas, à medida que avançavam no livro; mas, sobretudo, frases de escritores e não de alunos de escola. Seriam então as explicações do mestre supérfluas? Ou, se o não eram, a quem e a quê seriam porventura úteis? (Rancière, 2010:10)

 

Sugestão de endereço electrónico

https://projetoutopia.wordpress.com/2015/12/13/as-aventuras-de-telemaco-francois-fenelon/