Sumários

Danto: uma introdução ao conceito de ArtWorld.

30 Março 2021, 15:30 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Visto que a criação ex-nihilo está reservada aos deuses - categoria em que o artista não se enquadra --- o homem comum não cria a partir do nada. Como tal, existe toda uma história por detrás de toda a criação artística. Sendo o nosso foco temporal de reflexão o período contemporâneo, e, principalmente, a arte realizada nos dias que correm, abrimos a abordagem vendo a posição que a arte tem neste mesmo período, partindo do conceito de Artworld, o “mundo da arte”, tal como o definiram e caracterizaram Arthur C. Danto e que noutros autores é completado, procurando definir a natureza da obra de arte, ou seja, chegar às determinações que vigoram hodiernamente.

“Entendo aqui, por útil, o conceito operatório (Artworld) utilizado pelo antropólogo e crítico de arte Arthur C. Danto para caracterizar as teias relacionais entre artistas, agentes, galeristas, mecenas, críticos de imprensa, fotógrafos, leiloeiros e demais promotores da indústria e do mercado das artes, técnicos de conservação e restauro, museólogos, curadores de exposições, sociólogos, historiadores de arte e os públicos.” (Serrão, 2016: 585).

A partir de Arthur C. Danto percebemos que não existe, a priori , nenhuma barreira formal à apresentação de obras ao mundo. A categoria de Artworld tem importância maior do que as concepções de outros autores. Ela engloba em si todas as formas de arte, pois não há nada que impeça teoricamente o cruzamento das artes. A divisão de George Dickie (Public Artworld) diz-nos que cada área tem elementos e regras específicas, o que não é de todo mentira. Contudo, no pensamento hodierno essa divisão cada vez se torna mais ultrapassada. Certo está Howard Becker (Mundos da Arte) quando realça a carga de cooperação entre os vários Mundos da Arte, e através dele conseguimos vários elementos para pensar a produção artística. Ao ponto na vida prática do artista, ponto em que decide expor, chamamos: momento de exposição. O juiz só falará depois de exposto o caso; para o réu se defender tem de contratar advogado e em cooperação terão de construir os seus argumentos. O artista, antes de sair para o mundo, forma a sua identidade, busca, obtém parcerias, procura formação, desenvolve técnicas. De forma leviana se afirma que o artista pode fazer o que bem entender e só depois terá sucesso em função do mundo da arte. Interessa-nos explorar esse tempo que o artista percorre até chegar ao momento de exposição.

Howard S. Becker: “…temos uma noção da organização dos mundos da arte que parte do mero bom senso: eles existem de tal modo que alguns dos seus membros são considerados pela maioria das pessoas interessadas como mais habilitados que outros para falar em nome desse mundo da arte. As pessoas interessadas são as que participam nas actividades cooperativas onde as obras desse mundo são produzidas e consumidas. Os membros deste modo habilitados podem ser considerados como tais em virtude da sua experiência, porque possuem um dom inato para reconhecer a arte, ou porque aquele é o seu trabalho e porque devem estar bem preparados para o saber. Pouco importa a razão. O que lhes permite estabelecer e afirmar a distinção é a autoridade que os participantes lhes reconhecem de comum acordo.” (Becker, 2010: 142)… Mas Becker não deixa de seguir a mesma linha de pensamento, atribuindo a responsabilidade da reputação de um artista ao trabalho coletivo no seio dos mundos da arte: Para que as reputações se imponham duradouramente, os críticos e os estetas devem estabelecer teorias da arte e critérios que permitam reconhecer a arte, a arte de qualidade e a grande arte. Sem tais critérios, ninguém poderia formular juízos acerca das obras, dos géneros e das disciplinas que, por sua vez, determinam os juízos dos artistas.(Becker, 2010: 293). A filosofia da arte, a estética e a teoria da arte em geral desempenham um papel

de relevo no estabelecer dos critérios de Becker. No entanto, falam só do que é visto, abordam aquilo que, em diferentes intensidades, já existe e se encontra no mundo da arte. A sua teoria é muito interessante por tentar chegar ao pano de fundo do mundo da arte. Ao contrário de Danto, que filosoficamente define uma categoria universal para compreender o estado da arte no mundo contemporâneo, Becker fá-lo sociologicamente, dividindo e analisando cada parte desse mundo artístico nesta mesma era. Dessa forma, surge a pluralização: mundo(s) da arte, analisada com carga empírica forte. Para ele não existe só um mundo da arte. Becker encaixa nos mundos da arte o fabricante de lápis, o crítico, o fabricante de tintas, o pintor, o cineasta; fazendo variar o grau e o impacto da intervenção de cada entidade. Os Mundos da Arte não são só os intervenientes directos, também os indirectos têm papel relevante (Becker, 2010). O importante destas ideias é a interação entre os indivíduos e entidades que formam estes mundos, as relações que fazem a arte surgir e evoluir, como processo constante, acrescente-se: dialético, englobando muitas contradições, sendo o progresso o resultado da resolução dessas contradições. Vamos ao encontro à teoria de Becker que nos diz que a produção artística depende de uma cooperação no seio dos Mundos da Arte. Esta cooperação nem sempre é pacífica, e depende de imensas condicionantes que vão fazer a obra vir à luz do dia de uma maneira e não de outra… “Também nos apercebemos de que os mundos da arte acabam frequentemente por aceitar obras que haviam rejeitado num primeiro momento. De onde se pode deduzir que a diferença não reside nas obras em si, mas sobretudo na capacidade que um mundo da arte tem de acolher as obras e os seus autores” (Becker, 2010: 196).


Danto: uma introdução ao conceito de Art World.

30 Março 2021, 14:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Visto que a criação ex-nihilo está reservada aos deuses - categoria em que o artista não se enquadra --- o homem comum não cria a partir do nada. Como tal, existe toda uma história por detrás de toda a criação artística. Sendo o nosso foco temporal de reflexão o período contemporâneo, e, principalmente, a arte realizada nos dias que correm, abrimos a abordagem vendo a posição que a arte tem neste mesmo período, partindo do conceito de Artworld, o “mundo da arte”, tal como o definiram e caracterizaram Arthur C. Danto e que noutros autores é completado, procurando definir a natureza da obra de arte, ou seja, chegar às determinações que vigoram hodiernamente.

“Entendo aqui, por útil, o conceito operatório (Artworld) utilizado pelo antropólogo e crítico de arte Arthur C. Danto para caracterizar as teias relacionais entre artistas, agentes, galeristas, mecenas, críticos de imprensa, fotógrafos, leiloeiros e demais promotores da indústria e do mercado das artes, técnicos de conservação e restauro, museólogos, curadores de exposições, sociólogos, historiadores de arte e os públicos.” (Serrão, 2016: 585).

A partir de Arthur C. Danto percebemos que não existe, a priori , nenhuma barreira formal à apresentação de obras ao mundo. A categoria de Artworld tem importância maior do que as concepções de outros autores. Ela engloba em si todas as formas de arte, pois não há nada que impeça teoricamente o cruzamento das artes. A divisão de George Dickie (Public Artworld) diz-nos que cada área tem elementos e regras específicas, o que não é de todo mentira. Contudo, no pensamento hodierno essa divisão cada vez se torna mais ultrapassada. Certo está Howard Becker (Mundos da Arte) quando realça a carga de cooperação entre os vários Mundos da Arte, e através dele conseguimos vários elementos para pensar a produção artística. Ao ponto na vida prática do artista, ponto em que decide expor, chamamos: momento de exposição. O juiz só falará depois de exposto o caso; para o réu se defender tem de contratar advogado e em cooperação terão de construir os seus argumentos. O artista, antes de sair para o mundo, forma a sua identidade, busca, obtém parcerias, procura formação, desenvolve técnicas. De forma leviana se afirma que o artista pode fazer o que bem entender e só depois terá sucesso em função do mundo da arte. Interessa-nos explorar esse tempo que o artista percorre até chegar ao momento de exposição.

Howard S. Becker: “…temos uma noção da organização dos mundos da arte que parte do mero bom senso: eles existem de tal modo que alguns dos seus membros são considerados pela maioria das pessoas interessadas como mais habilitados que outros para falar em nome desse mundo da arte. As pessoas interessadas são as que participam nas actividades cooperativas onde as obras desse mundo são produzidas e consumidas. Os membros deste modo habilitados podem ser considerados como tais em virtude da sua experiência, porque possuem um dom inato para reconhecer a arte, ou porque aquele é o seu trabalho e porque devem estar bem preparados para o saber. Pouco importa a razão. O que lhes permite estabelecer e afirmar a distinção é a autoridade que os participantes lhes reconhecem de comum acordo.” (Becker, 2010: 142)… Mas Becker não deixa de seguir a mesma linha de pensamento, atribuindo a responsabilidade da reputação de um artista ao trabalho coletivo no seio dos mundos da arte: Para que as reputações se imponham duradouramente, os críticos e os estetas devem estabelecer teorias da arte e critérios que permitam reconhecer a arte, a arte de qualidade e a grande arte. Sem tais critérios, ninguém poderia formular juízos acerca das obras, dos géneros e das disciplinas que, por sua vez, determinam os juízos dos artistas.(Becker, 2010: 293). A filosofia da arte, a estética e a teoria da arte em geral desempenham um papel

de relevo no estabelecer dos critérios de Becker. No entanto, falam só do que é visto, abordam aquilo que, em diferentes intensidades, já existe e se encontra no mundo da arte. A sua teoria é muito interessante por tentar chegar ao pano de fundo do mundo da arte. Ao contrário de Danto, que filosoficamente define uma categoria universal para compreender o estado da arte no mundo contemporâneo, Becker fá-lo sociologicamente, dividindo e analisando cada parte desse mundo artístico nesta mesma era. Dessa forma, surge a pluralização: mundo(s) da arte, analisada com carga empírica forte. Para ele não existe só um mundo da arte. Becker encaixa nos mundos da arte o fabricante de lápis, o crítico, o fabricante de tintas, o pintor, o cineasta; fazendo variar o grau e o impacto da intervenção de cada entidade. Os Mundos da Arte não são só os intervenientes directos, também os indirectos têm papel relevante (Becker, 2010). O importante destas ideias é a interação entre os indivíduos e entidades que formam estes mundos, as relações que fazem a arte surgir e evoluir, como processo constante, acrescente-se: dialético, englobando muitas contradições, sendo o progresso o resultado da resolução dessas contradições. Vamos ao encontro à teoria de Becker que nos diz que a produção artística depende de uma cooperação no seio dos Mundos da Arte. Esta cooperação nem sempre é pacífica, e depende de imensas condicionantes que vão fazer a obra vir à luz do dia de uma maneira e não de outra… “Também nos apercebemos de que os mundos da arte acabam frequentemente por aceitar obras que haviam rejeitado num primeiro momento. De onde se pode deduzir que a diferença não reside nas obras em si, mas sobretudo na capacidade que um mundo da arte tem de acolher as obras e os seus autores” (Becker, 2010: 196).


Danto: uma introdução ao conceito de ArtWorld.

25 Março 2021, 15:30 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Visto que a criação ex-nihilo está reservada aos deuses - categoria em que o artista não se enquadra --- o homem comum não cria a partir do nada. Como tal, existe toda uma história por detrás de toda a criação artística. Sendo o nosso foco temporal de reflexão o período contemporâneo, e, principalmente, a arte realizada nos dias que correm, abrimos a abordagem vendo a posição que a arte tem neste mesmo período, partindo do conceito de Artworld, o “mundo da arte”, tal como o definiram e caracterizaram Arthur C. Danto e que noutros autores é completado, procurando definir a natureza da obra de arte, ou seja, chegar às determinações que vigoram hodiernamente.

“Entendo aqui, por útil, o conceito operatório (Artworld) utilizado pelo antropólogo e crítico de arte Arthur C. Danto para caracterizar as teias relacionais entre artistas, agentes, galeristas, mecenas, críticos de imprensa, fotógrafos, leiloeiros e demais promotores da indústria e do mercado das artes, técnicos de conservação e restauro, museólogos, curadores de exposições, sociólogos, historiadores de arte e os públicos.” (Serrão, 2016: 585).

A partir de Arthur C. Danto percebemos que não existe, a priori , nenhuma barreira formal à apresentação de obras ao mundo. A categoria de Artworld tem importância maior do que as concepções de outros autores. Ela engloba em si todas as formas de arte, pois não há nada que impeça teoricamente o cruzamento das artes. A divisão de George Dickie (Public Artworld) diz-nos que cada área tem elementos e regras específicas, o que não é de todo mentira. Contudo, no pensamento hodierno essa divisão cada vez se torna mais ultrapassada. Certo está Howard Becker (Mundos da Arte) quando realça a carga de cooperação entre os vários Mundos da Arte, e através dele conseguimos vários elementos para pensar a produção artística. Ao ponto na vida prática do artista, ponto em que decide expor, chamamos: momento de exposição. O juiz só falará depois de exposto o caso; para o réu se defender tem de contratar advogado e em cooperação terão de construir os seus argumentos. O artista, antes de sair para o mundo, forma a sua identidade, busca, obtém parcerias, procura formação, desenvolve técnicas. De forma leviana se afirma que o artista pode fazer o que bem entender e só depois terá sucesso em função do mundo da arte. Interessa-nos explorar esse tempo que o artista percorre até chegar ao momento de exposição.

Howard S. Becker: “…temos uma noção da organização dos mundos da arte que parte do mero bom senso: eles existem de tal modo que alguns dos seus membros são considerados pela maioria das pessoas interessadas como mais habilitados que outros para falar em nome desse mundo da arte. As pessoas interessadas são as que participam nas actividades cooperativas onde as obras desse mundo são produzidas e consumidas. Os membros deste modo habilitados podem ser considerados como tais em virtude da sua experiência, porque possuem um dom inato para reconhecer a arte, ou porque aquele é o seu trabalho e porque devem estar bem preparados para o saber. Pouco importa a razão. O que lhes permite estabelecer e afirmar a distinção é a autoridade que os participantes lhes reconhecem de comum acordo.” (Becker, 2010: 142)… Mas Becker não deixa de seguir a mesma linha de pensamento, atribuindo a responsabilidade da reputação de um artista ao trabalho coletivo no seio dos mundos da arte: Para que as reputações se imponham duradouramente, os críticos e os estetas devem estabelecer teorias da arte e critérios que permitam reconhecer a arte, a arte de qualidade e a grande arte. Sem tais critérios, ninguém poderia formular juízos acerca das obras, dos géneros e das disciplinas que, por sua vez, determinam os juízos dos artistas.(Becker, 2010: 293). A filosofia da arte, a estética e a teoria da arte em geral desempenham um papel

de relevo no estabelecer dos critérios de Becker. No entanto, falam só do que é visto, abordam aquilo que, em diferentes intensidades, já existe e se encontra no mundo da arte. A sua teoria é muito interessante por tentar chegar ao pano de fundo do mundo da arte. Ao contrário de Danto, que filosoficamente define uma categoria universal para compreender o estado da arte no mundo contemporâneo, Becker fá-lo sociologicamente, dividindo e analisando cada parte desse mundo artístico nesta mesma era. Dessa forma, surge a pluralização: mundo(s) da arte, analisada com carga empírica forte. Para ele não existe só um mundo da arte. Becker encaixa nos mundos da arte o fabricante de lápis, o crítico, o fabricante de tintas, o pintor, o cineasta; fazendo variar o grau e o impacto da intervenção de cada entidade. Os Mundos da Arte não são só os intervenientes directos, também os indirectos têm papel relevante (Becker, 2010). O importante destas ideias é a interação entre os indivíduos e entidades que formam estes mundos, as relações que fazem a arte surgir e evoluir, como processo constante, acrescente-se: dialético, englobando muitas contradições, sendo o progresso o resultado da resolução dessas contradições. Vamos ao encontro à teoria de Becker que nos diz que a produção artística depende de uma cooperação no seio dos Mundos da Arte. Esta cooperação nem sempre é pacífica, e depende de imensas condicionantes que vão fazer a obra vir à luz do dia de uma maneira e não de outra… “Também nos apercebemos de que os mundos da arte acabam frequentemente por aceitar obras que haviam rejeitado num primeiro momento. De onde se pode deduzir que a diferença não reside nas obras em si, mas sobretudo na capacidade que um mundo da arte tem de acolher as obras e os seus autores” (Becker, 2010: 196).


Introdução ao estudo do conceito de Artworld.

23 Março 2021, 15:30 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Introdução ao estudo do conceito de Artworld.

Tempos de crise, reflexão e mudança. Neste dealbar de milénio, acompanhando os efeitos da globalização à escala planetária, desenham-se novos quadros de referência no chamado mundo da arte. Entendo aqui, por útil, o conceito operatório utilizado pelo antropólogo e crítico de arte Arthur C. Danto para caracterizar as teias relacionais entre artistas, agentes, galeristas, mecenas, críticos de imprensa, fotógrafos, leiloeiros e demais promotores da indústria e do mercado das artes, técnicos de conservação e restauro, museólogos, curadores de exposições, sociólogos, historiadores de arte, e os públicos . Face a um quadro global que altera relações de domínio, esbate paradigmas e dilui fronteiras, tanto a produção artística como a própria fruição e consumo das artes e, também, o papel actuante da História da Arte -- disciplina inserida nesse vasto mundo em mutação com as suas teorizações críticas, a sua capacidade de interrogar sentidos e a sua metodologia de análise das obras artísticas --, vêem o seu papel interventivo substancialmente alterado nos seus pressupostos.

•A Filosofia de Theodor Adorno, considerada das mais complexas do século XX assenta na perspectiva da DIALÉCTICA. Uma das suas obras mais célebres, a Dialética do Esclarecimento (com Max Horkheim), é uma crítica da razão instrumental, conceito-base fundado em interpretação negativa do Iluminismo, da civilização técnica e da lógica cultural do capitalismo ( a «indústria cultural»), ou seja, da sociedade de mercado que não persegue outro fim que não o do progresso técnico. Esta, surgida do espírito do Iluminismo e o seu conceito de razão, não representa mais que um domínio racional sobre a natureza, que implica paralelamente um domínio (irracional) sobre o homem; os diferentes fenómenos de barbárie, fascismo e nazismo, não seriam senão manifestações desta atitude autoritária de domínio sobre o outro, e neste caso, Adorno recorre a outro filósofo alemão, Nietsche.

Na Dialéctica Negativa, Adorno mostra o caminho de uma reforma da razão como modo de a libertar deste domínio autoritário sobre as coisas e os homens, lastro que ela carrega desde a razão iluminista. Opõe-se à filosofia dialéctica hegeliana, que reduz ao princípio da identidade ou a sistema todas as coisas através do pensamento, superando as suas contradições (crítica também do Positivismo Lógico, que deseja conquistar a natureza por intermédio do conhecimento científico), o método dialéctico da não-identidade, o respeitar a negação, as contradições, o diferente, o dissonante, o que chama também de inexprimível: o respeito pelo objecto, a crítica ao pensamento sistemático. A razão só deixa de ser dominadora se aceitar a dualidade de sujeito e objecto, interrogando e interrogando-se sempre o sujeito diante do objeto, sem saber sequer se o poderá entender por inteiro.

•Tal admissão do irracional (pensar no irracional é pensar nas categorias tradicionais que supõem uma reafirmação das estruturas sociais da sociedade) leva Adorno a valorizar a arte, sobretudo a de vanguarda, já por si problemática, como a música atonal de Arnold Schonberg, por exemplo -, porque supõe uma independência total face ao que representa a razão instrumental. Na arte, Adorno vê um reflexo mediado do real. •Da Crítica da Razão, Adorno chega também à crítica da linguagem. Toda a linguagem conceptual produz alguma forma de violência cognitiva, pois nunca podemos conformar totalmente as palavras aos objetos e sentimentos tal como eles são (contradição do não-idêntico). Como alternativa e complemento à linguagem conceptual, valoriza a linguagem artística, que consegue expressar irracionalidades, contradições e medos sem osviolentar por meio de conceitos. Ao erigir os seus próprios significados, a obra de arte cria um mundo interno sem necessidade de se espelhar em objetos externos e incorrer em violência cognitiva.•Para Adorno, a postura optimista de Walter Benjamin em respeito à função mais revolucionária do cinema desconsidera certos elementos fundamentais. Embora deva a maior parte de suas reflexões a Benjamin, Adorno mostrou a falta de sustentação de algumas teses, que não trazem à luz o antagonismo que reside no próprio interior do conceito de “técnica”. Segundo Adorno, passou despercebido a Benjamin que a técnica define-se em dois níveis: primeiro “enquanto coisa determinada intra-esteticamente” e, segundo, “enquanto desenvolvimento exterior às obras de arte”. O conceito de técnica não deve ser pensado de maneira absoluta: ele possui uma origem histórica e pode desaparecer. •Ao visar a produção em série e a homogeneização, a técnica de reprodução sacrifica a distinção entre o carácter da obra de arte e do sistema social. Se a técnica passa a exercer grande poder sobre a sociedade, tal ocorre, diz Adorno, graças a aspectos que favorecem tal poder, que depende das classes dominantes e, assim, a racionalidade da técnica identifica-se com a do próprio domínio. Tal ideia evidencia que o Cinema não deve ser tomados como arte. O facto de não serem senão negócios, diz Adorno, basta-lhe como ideologia. Enquanto negócios, os seus fins comerciais são realizados por meio de sistemática exploração de bens considerados culturais: a “indústria cultural”. •Este termo foi usado pela primeira vez em 1947 na Dialéctica do Iluminismo, de Adorno e Horkheimer. Pretendia substituir «cultura de massas» que induz ao engano e satisfaz os interesses dos detentores dos veículos de comunicação de massa. Os defensores da “cultura de massa” querem dar a entender que se trata de algo como uma cultura que surge espontânea; para Adorno, a indústria cultural, ao aspirar à integração vertical de seus consumidores, adapta os produtos ao consumo e determina-o. Interessada nos homens apenas enquanto consumidores ou empregados, a indústria cultural reduz a humanidade, no seu conjunto, e cada um de seus elementos, a condições que os seus interesses impõem. A indústria cultural traz todos elementos típicos do mundo industrial moderno e nele exerce papel específico -- portadora da ideologia dominante, que outorga sentido a todo o sistema.  Adorno fala da ideologia capitalista, sua cúmplice -- a indústria cultural contribui para falsificar as relações entre os homens, e dos homens com a natureza, de tal forma que o resultado final constitui uma espécie de anti-iluminismo. •Considerando-se diz Adorno que o iluminismo tem como finalidade libertar os homens do medo, tornando-os senhores e libertando-os da magia e do mito, e admitindo que tal finalidade pode ser atingida por meio da ciência e da tecnologia, tudo levaria a crer que o iluminismo instauraria o poder do homem sobre a ciência e sobre a técnica. Mas ao invés disso, liberto do medo mágico, o homem tornou-se vítima de novo mito: o progresso da dominação técnica. •Tal progresso transformou-se em instrumento da  indústria cultural para conter o desenvolvimento da consciência das massas. Assim, a indústria cultural “impede a formação de indivíduos independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente”. O próprio ócio do homem é utilizado pela indústria cultural com o fito de mecanizá-lo, de modo que, sob o capital capitalismo nas suas formas mais avançadas, o lazer torna-se prolongamento do trabalho. Para Adorno, a diversão é desejada pelos que desejam fugir ao processo de trabalho mecanizado para se colocarem em condições de se submeterem a ele. A mecanização conquistou tal poder sobre o homem, no tempo livre, e sobre sua felicidade, que o homem não tem acesso senão a cópias e reproduções do próprio trabalho. • O suposto conteúdo não é mais que uma pálida fachada: o que realmente lhe é dado é a sucessão automática de operações reguladas. Em suma, diz Adorno, “só se pode escapar ao processo de trabalho na fábrica e na oficina, adequando-se a ele no ócio’. Tolhendo a consciência das massas e instaurando o poder da mecanização sobre o homem, a indústria cultural cria condições favoráveis para a implantação do seu comércio fraudulento, no qual os consumidores são enganados em relação ao que lhes é prometido. Muitos exemplos mostram como a indústria cultural administra o mundo social.

BIBL.•Arthur C. DANTO,  After the End of Art. Contemporary art and the Pale of History, Princeton University Press, Philadelphia, 1987. Cfr. a este propósito Hélder GOMES,  Relativismo Axiológico e Arte Contemporânea. Critérios de Recepção Crítica da Obra de Arte – Uma leitura de Filosofia da Arte de Arthur C. Danto, Departamento de Filosofia (orientação de António Pedro Pitta e Vitor Serrão), Universidade de Coimbra, 2002. 


Introdução ao estudo do conceito de Artworld.

23 Março 2021, 14:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Introdução ao estudo do conceito de Artworld.

Tempos de crise, reflexão e mudança. Neste dealbar de milénio, acompanhando os efeitos da globalização à escala planetária, desenham-se novos quadros de referência no chamado mundo da arte. Entendo aqui, por útil, o conceito operatório utilizado pelo antropólogo e crítico de arte Arthur C. Danto para caracterizar as teias relacionais entre artistas, agentes, galeristas, mecenas, críticos de imprensa, fotógrafos, leiloeiros e demais promotores da indústria e do mercado das artes, técnicos de conservação e restauro, museólogos, curadores de exposições, sociólogos, historiadores de arte, e os públicos . Face a um quadro global que altera relações de domínio, esbate paradigmas e dilui fronteiras, tanto a produção artística como a própria fruição e consumo das artes e, também, o papel actuante da História da Arte -- disciplina inserida nesse vasto mundo em mutação com as suas teorizações críticas, a sua capacidade de interrogar sentidos e a sua metodologia de análise das obras artísticas --, vêem o seu papel interventivo substancialmente alterado nos seus pressupostos.

•A Filosofia de Theodor Adorno, considerada das mais complexas do século XX assenta na perspectiva da DIALÉCTICA. Uma das suas obras mais célebres, a Dialética do Esclarecimento (com Max Horkheim), é uma crítica da razão instrumental, conceito-base fundado em interpretação negativa do Iluminismo, da civilização técnica e da lógica cultural do capitalismo ( a «indústria cultural»), ou seja, da sociedade de mercado que não persegue outro fim que não o do progresso técnico. Esta, surgida do espírito do Iluminismo e o seu conceito de razão, não representa mais que um domínio racional sobre a natureza, que implica paralelamente um domínio (irracional) sobre o homem; os diferentes fenómenos de barbárie, fascismo e nazismo, não seriam senão manifestações desta atitude autoritária de domínio sobre o outro, e neste caso, Adorno recorre a outro filósofo alemão, Nietsche.

Na Dialéctica Negativa, Adorno mostra o caminho de uma reforma da razão como modo de a libertar deste domínio autoritário sobre as coisas e os homens, lastro que ela carrega desde a razão iluminista. Opõe-se à filosofia dialéctica hegeliana, que reduz ao princípio da identidade ou a sistema todas as coisas através do pensamento, superando as suas contradições (crítica também do Positivismo Lógico, que deseja conquistar a natureza por intermédio do conhecimento científico), o método dialéctico da não-identidade, o respeitar a negação, as contradições, o diferente, o dissonante, o que chama também de inexprimível: o respeito pelo objecto, a crítica ao pensamento sistemático. A razão só deixa de ser dominadora se aceitar a dualidade de sujeito e objecto, interrogando e interrogando-se sempre o sujeito diante do objeto, sem saber sequer se o poderá entender por inteiro.

•Tal admissão do irracional (pensar no irracional é pensar nas categorias tradicionais que supõem uma reafirmação das estruturas sociais da sociedade) leva Adorno a valorizar a arte, sobretudo a de vanguarda, já por si problemática, como a música atonal de Arnold Schonberg, por exemplo -, porque supõe uma independência total face ao que representa a razão instrumental. Na arte, Adorno vê um reflexo mediado do real. •Da Crítica da Razão, Adorno chega também à crítica da linguagem. Toda a linguagem conceptual produz alguma forma de violência cognitiva, pois nunca podemos conformar totalmente as palavras aos objetos e sentimentos tal como eles são (contradição do não-idêntico). Como alternativa e complemento à linguagem conceptual, valoriza a linguagem artística, que consegue expressar irracionalidades, contradições e medos sem osviolentar por meio de conceitos. Ao erigir os seus próprios significados, a obra de arte cria um mundo interno sem necessidade de se espelhar em objetos externos e incorrer em violência cognitiva.•Para Adorno, a postura optimista de Walter Benjamin em respeito à função mais revolucionária do cinema desconsidera certos elementos fundamentais. Embora deva a maior parte de suas reflexões a Benjamin, Adorno mostrou a falta de sustentação de algumas teses, que não trazem à luz o antagonismo que reside no próprio interior do conceito de “técnica”. Segundo Adorno, passou despercebido a Benjamin que a técnica define-se em dois níveis: primeiro “enquanto coisa determinada intra-esteticamente” e, segundo, “enquanto desenvolvimento exterior às obras de arte”. O conceito de técnica não deve ser pensado de maneira absoluta: ele possui uma origem histórica e pode desaparecer. •Ao visar a produção em série e a homogeneização, a técnica de reprodução sacrifica a distinção entre o carácter da obra de arte e do sistema social. Se a técnica passa a exercer grande poder sobre a sociedade, tal ocorre, diz Adorno, graças a aspectos que favorecem tal poder, que depende das classes dominantes e, assim, a racionalidade da técnica identifica-se com a do próprio domínio. Tal ideia evidencia que o Cinema não deve ser tomados como arte. O facto de não serem senão negócios, diz Adorno, basta-lhe como ideologia. Enquanto negócios, os seus fins comerciais são realizados por meio de sistemática exploração de bens considerados culturais: a “indústria cultural”. •Este termo foi usado pela primeira vez em 1947 na Dialéctica do Iluminismo, de Adorno e Horkheimer. Pretendia substituir «cultura de massas» que induz ao engano e satisfaz os interesses dos detentores dos veículos de comunicação de massa. Os defensores da “cultura de massa” querem dar a entender que se trata de algo como uma cultura que surge espontânea; para Adorno, a indústria cultural, ao aspirar à integração vertical de seus consumidores, adapta os produtos ao consumo e determina-o. Interessada nos homens apenas enquanto consumidores ou empregados, a indústria cultural reduz a humanidade, no seu conjunto, e cada um de seus elementos, a condições que os seus interesses impõem. A indústria cultural traz todos elementos típicos do mundo industrial moderno e nele exerce papel específico -- portadora da ideologia dominante, que outorga sentido a todo o sistema.  Adorno fala da ideologia capitalista, sua cúmplice -- a indústria cultural contribui para falsificar as relações entre os homens, e dos homens com a natureza, de tal forma que o resultado final constitui uma espécie de anti-iluminismo. •Considerando-se diz Adorno que o iluminismo tem como finalidade libertar os homens do medo, tornando-os senhores e libertando-os da magia e do mito, e admitindo que tal finalidade pode ser atingida por meio da ciência e da tecnologia, tudo levaria a crer que o iluminismo instauraria o poder do homem sobre a ciência e sobre a técnica. Mas ao invés disso, liberto do medo mágico, o homem tornou-se vítima de novo mito: o progresso da dominação técnica. •Tal progresso transformou-se em instrumento da  indústria cultural para conter o desenvolvimento da consciência das massas. Assim, a indústria cultural “impede a formação de indivíduos independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente”. O próprio ócio do homem é utilizado pela indústria cultural com o fito de mecanizá-lo, de modo que, sob o capital capitalismo nas suas formas mais avançadas, o lazer torna-se prolongamento do trabalho. Para Adorno, a diversão é desejada pelos que desejam fugir ao processo de trabalho mecanizado para se colocarem em condições de se submeterem a ele. A mecanização conquistou tal poder sobre o homem, no tempo livre, e sobre sua felicidade, que o homem não tem acesso senão a cópias e reproduções do próprio trabalho. • O suposto conteúdo não é mais que uma pálida fachada: o que realmente lhe é dado é a sucessão automática de operações reguladas. Em suma, diz Adorno, “só se pode escapar ao processo de trabalho na fábrica e na oficina, adequando-se a ele no ócio’. Tolhendo a consciência das massas e instaurando o poder da mecanização sobre o homem, a indústria cultural cria condições favoráveis para a implantação do seu comércio fraudulento, no qual os consumidores são enganados em relação ao que lhes é prometido. Muitos exemplos mostram como a indústria cultural administra o mundo social.

BIBL.•Arthur C. DANTO, After the End of Art. Contemporary art and the Pale of History, Princeton University Press, Philadelphia, 1987. Cfr. a este propósito Hélder GOMES, Relativismo Axiológico e Arte Contemporânea. Critérios de Recepção Crítica da Obra de Arte – Uma leitura de Filosofia da Arte de Arthur C. Danto, Departamento de Filosofia (orientação de António Pedro Pitta e Vitor Serrão), Universidade de Coimbra, 2002.