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Georges Didi-Huberman e o pensamento iconológico actual.

9 Março 2021, 14:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Georges Didi-Huberman, historiador de arte e filósofo, professor na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, é o herdeiro intelectual de Aby Warburg, de Walter Benjamin e de Georges Bataille, e tem consagrado a sua reflexão iconológica a uma leitura crítica da tradição da História da Arte e do pensamento das imagens. Abrangendo tanto as artes visuais como a História da Arte, a Psicanálise, a Antropologia e as Ciências Humanas, Didi-Huberman publicou mais de 40 títulos, traduzidos em várias línguas. a sua obra recobre uma multiplicidade assombrosa de temas e artistas, da histeria ao Holocausto, de Fra Angelico a Pasolini, entre outros.

Georges Didi-Huberman nasceu em Saint-Étienne em 1953 e é filósofo, historiador, crítico de arte, professor da École de Hautes Études em Sciences Sociales, em Paris e autor de títulos como La Peinture incarnée, suivi de Le chef-d’oeuvre inconnu par Honoré de Balzac (Paris: Minuit, 1985), Devant l’image. Question posée aux fins d’une histoire de l’art (Paris: Minuit, 1990), Ce que nous voyons, ce qui nous regarde (Paris: Minuit, 1992; trad. O que vemos, o que nos olha, São Paulo, Editora 34, 1998; Porto, Dafne, 2011), La Ressemblance de l’informe, ou le gai savoir visuel selon Georges Bataille (Paris: Macula, 1995), Devant le temps. Histoire de l’art et anachronisme des images (Paris: Minuit, 2000) e L’image survivante. Histoire de l’art et temps des fantômes selon Aby Warburg (Paris: Minuit, 2002).

As fronteiras entre Historia da Arte, imagens e Antropologia foram felizmente abaladas no decorrer das duas últimas décadas. Na virada cognitiva visual do nosso tempo, essas ciências – Antropologia e História da Arte – outrora distintas, vão redescobrindo a natureza e os horizontes de seus próprios começos. Num ensaio de Etienne Samain, retraçam-se algumas das etapas de relações entre antropologia, imagens e arte, remetendo às contribuições de Gregory Bateson, Claude Lévi-Strauss, Alfred Gell, Hans Belting, William J.T.Mitchell e, em novo espaço crítico, a obra humanistica de Georges Didi-Huberman, na linhagem de Aby Warburg e Walter Benjamin. Situam-se  as imagens e o saber visual num campo privilegiado de questionamentos sobre a nossa História e sobre o porvir de nosso planeta. Para Aby Warburg, mentor de Didi-Hubermann, a História da Arte não se define no sentido cronológico ou evolutivo da análise estilístico-formal, mas sim através do estudo do sentido da involução morfológica que afecta de anacronismo todos os modos históricos e estilos. Urge estabelecer, portanto, um espaço de reflexão e de investigação – a que chamou Denkraun – que permita o projecto de uma psicologia histórica da expressão humana a partir do estudo das imagens. Esse teatro será a Biblioteca por si imaginizada, construída a partir de 1926 em Hamburgo para albergar a célebre Kultgurwissenschstliche Bibliothek Warburg.  Defende o conceito de imagem em contínuo movimento, apto a criar espaços de trans-contextulidade, de acúmulo de memórias e afectos e, por conseguinte, de demanda de um olhar antropológico.

As quatro fotografias tomadas clandestinamente em Auschwitz-Birkenau acompanharam o trabalho de Dici-Huberman de modo quase obsessivo. Mostram um extermínio em massa. Toda a revolta que causa, para um historiador das imagens, está destinada ao fracasso, ainda que a força testemunhal que delas se exala sej enorme. As fotografias testemunham um levantamento, ainda que desesperado, por ser conduzido prisioneiros judeus que arriscaram fazer essas fotografias para testemunhar para além de sua própria morte – mas o que sucede é que são precisamente as imagens que se insurgem e que sobrevivem…Images malgré tout, obra seminal de Didi-Huberman (2003) é uma elaboração do problema da visualidade da Shoah (Holocausto) a partir de quatro fotografias capturadas em agosto de 1944 no crematório V do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, por membros do Sonderkommando nazi: grupo de judeus e comunistas obrigados, em troca de parca sobrevida, a conduzir os recém-chegados às câmaras de gás e recolher os cadáveres, arrastá-los aos fornos crematórios, limpar os dejectos e dispersar as cinzas !

No verão de 1944, alguns imembros do Sonderkommando conseguiram, articulados com a resistência polaca, transmitir ao mundo os únicos testemunhos visuais do genocídio. Escondidos num tubo de pasta de dentes, os negativos, junto com manuscritos (depois publicados França sob o título “Vozes sob as cinzas”), foram enviados pelos prisioneiros , assim furando a lógica implacável do universo concentracionário. A máquina, escondida num balde, documenta o momento em que 24 .000 judeus e comunistas húngaros eram executados por dia, com aniquilação de 435.00 em apenas quatro meses. As câmaras de gás funcionavam 24 horas por dia, até que os fornos crematórios e o Zyklon B (substância que produzia o gás letal) se esgotavam…  É nesse contexto que, sob a moldura negra do interior da câmara de gás do Crematório V e sob pena de execução imediata, o grego conhecido como Alex pôde tirar a câmara, apertar o obturador e registar as trémulas imagens. Dois anos antes da publicação de Images malgré tout, as imagens deste inferno (precárias mas tão falantes), tornaram-se alvo de polémica aquando da exposição Mémoire des camps - Photographies des camps de concentration et d’extermination nazis 1933-1999 (Paris., 2001)

“O imaginável como experiência não pode ser o inimaginável como dogma”, diz Didi-Huberman, sobre a imagem que nada ou pouco revela para além do gesto último de alguém que, sob vigilância dos SS faz aparecer ao mundo o bosque de bétulas de Birkenau. Ora as imagens interrogam essas testemunhas indiferentes e mudas. Didi-Huberman não nega o “inimaginável” e o “irrepresentável” da ordem da experiência traumática, como aporia do testemunho e fundamento negativo da linguagem, encarnado pelo sobrevivente. Nega, sim, o “inimaginável”, o “irrepresentável” como norma, dogma e imperativo, tão evocados por certas “estéticas da negatividade” (os quadros suprematistas de Malevitch, os monocromos negros de Ad Reinhardt) e, mais perigosamente, manipulados pelo negacionismo histórico. Damos-lhe a palavra: «Costumamos pensar que as imagens devem mostrar algo reconhecível, mas elas são mais do que isso. São gestos, actos de fala. As sombras e a falta de foco dessas fotos mostram a urgência e o perigo com que foram feitas. Eliminar isso com o pretexto de que prejudicam a visibilidade é errado. Essas fotos são testemunhos, e é desonesto cortar a fala de uma testemunha. Temos que escutar também seus silêncios».•Estas fotografias feitas por prisioneiros de antemão condenados , captadas do interior de um crematório, coloca uma radical problemática ética, política e estética entre a tomada de posição e a posterior manipulação dessas imagens. Por isso, não sendo a imagem uma coisa, um troféu privado, mas um gesto, um “acto coletivo” historicamente situado, como é o caso, Didi-Huberman afirma: ela responde a esse ato com outro acto, nosso próprio olhar. •O gesto do fotógrafo clandestino foi, no final das contas, tão simples quanto heróico, ao usar a máquina no interior da câmera de gás, justamente onde os SS o abrigava, dia após dia, a descarregar os cadáveres das vítimas assassinadas. Alex transformou, por raros segundos roubados, o trabalho servil, o seu trabalho de escravo de inferno, num verdadeiro trabalho de resistência”. Sendo assim, pergunta, o seu acto de testemunho não devia ser entendido como um minúsculo deslocamento do trabalho de morte em trabalho de olhar ?  Reenquadradas pelo Museu de Auschwitz-Birkenau, decupadas em Noite e neblina, negadas em Shoah, problematizadas em "Cascas" e reencenadas em O filho de Saul, essas imagens, clandestinas e sobreviventes, sublevam-se, rasgam o arquivo e o fazem-nos murmurar…

Numa entrevista dada à Marianne Alphant no Centro Pompidou em junho de 2010, Georges Didi-Hubermann dizia: «O meu sonho era o de fazer o que Michel Foucault conseguiu nos seus textos [As palavras e as coisas], isto é, esboçar uma arqueologia do saber visual». Que caminhos heurísticos e metodológicos sugere, que indagações propõe ?  Parte da ideia de que as imagens são fenómenos, acontecimentos, aparições, revelações, epifanias, luzes que queimam o tecido humano (social) e interpelam (ou não) nosso quotidiano. Olhamos Gostaria para elas e deixamos que nos provoquem, inquietem (ou deixem indiferentes), já que elas não são apenas actos e factos, mas lugares de memórias (lembranças, retomas, sobrevivências, ressurgências… nachleben !), revelações de tempos passados e presentes, senão lugares de expectativas, esperança, prefigurações, presságios, promessas, desejos...Ver arte não é só estudar campos de memória, arquivos vivos e lugares de desejos, mas sobretudo terrenos de questões sobre nossa história e o nosso ser, os nossos anseios e apelos que nos convocam a tomar posição em nome da história humana, em nome do porvir de nosso planeta. 

Assim, importa não só pensar a imagem  mas pensar por imagens, isto é, aprender a abrir, a desdobrar as imagens, para nelas se redescobrir, na perspectiva aberta por Walter Benjamin, os seus profundos valores de uso (de utilização, de projecto) para o nosso tempo. O antropólogo, o cientista social, o historiador de arte, tem de ir além da descrição, do registo, da documentação da história presente dos homens e das culturas, etc, pois deve «atentar  nas pulsões e sofrimentos do mundo, e transformá-los e remontá-los numa forma explicativa implicativa e alternativa» (Didi-Huberman 2010:191) .Pergunta Didi-Hubermann: «Somos artistas, antropólogos, sociólogos, historiadores de arte, fotógrafos, videógrafos, amantes das imagens, seres humanos. Levanto esta questão: o que faremos das imagens (das imagens dos outros e de nossas imagens) para servir ao nosso século, para pensar nossa História, para fazer viver os homens? E, mais ainda: como faremos delas e com elas, lugares de conhecimentos e de questionamentos, actos de memória, campos de desejos e de futuros ?»

A HISTÓRIA DA ARTE É TAMBÉM UM EXERCÍCIO DE COMPAIXÃO. O trabalho do antropólogo das imagens Georges Didi-Huberman (1953-) é,  pois, um desafio analítico-comparatista do saber ver. Como diz, as imagens tomam posição e, mais, coincidem num ponto: exprimem a infinda compaixão pelos outros, os oprimidos da História, as vítimas do mundo transfigurado em arena de cobiças, o mistério vivencial dos deserdados. Sim, as artes não se fazem ignorando a desordem do mundo mas podem consolar os que nela (e com ela) vivem. 


• Livros em português de Georges Didi-Huberman: 

--1992, O que vemos, O que nos olha, São Paulo, Editora 34, 1998.

--1992, O que nós vemos, O que nos olha, trad. G. Anghel e J. P. Cachopo, Porto, Dafne, 2011.

--2002, A Imagem Sobrevivente. História da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg, trad. V. Ribeiro, Rio de Janeiro, Contraponto, 2013.

--2004, Imagens apesar de tudo, trad. V. Brito e J. P. Cachopo, Lisboa, KKYM, 2012.

--2009, Ser crânio. Lugar, contato, pensamento, escultura, trad. V. C. Nova, A. Tugny, Belo Horizonte, Ed. C/Arte,  2009.

--2011, Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta, trad. R. C. Botelho e R. P. Cabral, Lisboa, KKYM+EAUM, 2013.

--2011, Sobrevivência dos vaga-lumes, trad. V. C. Nova e M. Arbex, Belo Horizonte, Editora UFMG, 2011.

--2013, Falenas. Ensaios sobre a aparição, trad. A. Preto, V. Brito, et. al., KKYM, Lisboa, 2015.

--2013, Que emoção! Que emoção?, trad. M. P. Santos, KKYM, Lisboa, 2015.


GEORGE DIDI-HUBERMAN E O PENSAMENTO ICONOLÓGICO ACTUAL, ENTRE A PERCEPÇÃO E A EMOÇÃO

4 Março 2021, 15:30 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Georges Didi-Huberman, historiador de arte e filósofo, professor na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, é o herdeiro intelectual de Aby Warburg, de Walter Benjamin e de Georges Bataille, e tem consagrado a sua reflexão iconológica a uma leitura crítica da tradição da História da Arte e do pensamento das imagens. Abrangendo tanto as artes visuais como a História da Arte, a Psicanálise, a Antropologia e as Ciências Humanas, Didi-Huberman publicou mais de 40 títulos, traduzidos em várias línguas. a sua obra recobre uma multiplicidade assombrosa de temas e artistas, da histeria ao Holocausto, de Fra Angelico a Pasolini, entre outros.

Georges Didi-Huberman nasceu em Saint-Étienne em 1953 e é filósofo, historiador, crítico de arte, professor da École de Hautes Études em Sciences Sociales, em Paris e autor de títulos como La Peinture incarnée, suivi de Le chef-d’oeuvre inconnu par Honoré de Balzac (Paris: Minuit, 1985), Devant l’image. Question posée aux fins d’une histoire de l’art (Paris: Minuit, 1990), Ce que nous voyons, ce qui nous regarde (Paris: Minuit, 1992; trad. O que vemos, o que nos olha, São Paulo, Editora 34, 1998; Porto, Dafne, 2011), La Ressemblance de l’informe, ou le gai savoir visuel selon Georges Bataille (Paris: Macula, 1995), Devant le temps. Histoire de l’art et anachronisme des images (Paris: Minuit, 2000) e L’image survivante. Histoire de l’art et temps des fantômes selon Aby Warburg (Paris: Minuit, 2002).

As fronteiras entre Historia da Arte, imagens e Antropologia foram felizmente abaladas no decorrer das duas últimas décadas. Na virada cognitiva visual do nosso tempo, essas ciências – Antropologia e História da Arte – outrora distintas, vão redescobrindo a natureza e os horizontes de seus próprios começos. Num ensaio de Etienne Samain, retraçam-se algumas das etapas de relações entre antropologia, imagens e arte, remetendo às contribuições de Gregory Bateson, Claude Lévi-Strauss, Alfred Gell, Hans Belting, William J.T.Mitchell e, em novo espaço crítico, a obra humanistica de Georges Didi-Huberman, na linhagem de Aby Warburg e Walter Benjamin. Situam-se  as imagens e o saber visual num campo privilegiado de questionamentos sobre a nossa História e sobre o porvir de nosso planeta. Para Aby Warburg, mentor de Didi-Hubermann, a História da Arte não se define no sentido cronológico ou evolutivo da análise estilístico-formal, mas sim através do estudo do sentido da involução morfológica que afecta de anacronismo todos os modos históricos e estilos. Urge estabelecer, portanto, um espaço de reflexão e de investigação – a que chamou Denkraun – que permita o projecto de uma psicologia histórica da expressão humana a partir do estudo das imagens. Esse teatro será a Biblioteca por si imaginizada, construída a partir de 1926 em Hamburgo para albergar a célebre Kultgurwissenschstliche Bibliothek Warburg.  Defende o conceito de imagem em contínuo movimento, apto a criar espaços de trans-contextulidade, de acúmulo de memórias e afectos e, por conseguinte, de demanda de um olhar antropológico.

As quatro fotografias tomadas clandestinamente em Auschwitz-Birkenau acompanharam o trabalho de Dici-Huberman de modo quase obsessivo. Mostram um extermínio em massa. Toda a revolta que causa, para um historiador das imagens, está destinada ao fracasso, ainda que a força testemunhal que delas se exala sej enorme. As fotografias testemunham um levantamento, ainda que desesperado, por ser conduzido prisioneiros judeus que arriscaram fazer essas fotografias para testemunhar para além de sua própria morte – mas o que sucede é que são precisamente as imagens que se insurgem e que sobrevivem…Images malgré tout, obra seminal de Didi-Huberman (2003) é uma elaboração do problema da visualidade da Shoah (Holocausto) a partir de quatro fotografias capturadas em agosto de 1944 no crematório V do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, por membros do Sonderkommando nazi: grupo de judeus e comunistas obrigados, em troca de parca sobrevida, a conduzir os recém-chegados às câmaras de gás e recolher os cadáveres, arrastá-los aos fornos crematórios, limpar os dejectos e dispersar as cinzas !

No verão de 1944, alguns imembros do Sonderkommando conseguiram, articulados com a resistência polaca, transmitir ao mundo os únicos testemunhos visuais do genocídio. Escondidos num tubo de pasta de dentes, os negativos, junto com manuscritos (depois publicados França sob o título “Vozes sob as cinzas”), foram enviados pelos prisioneiros , assim furando a lógica implacável do universo concentracionário. A máquina, escondida num balde, documenta o momento em que 24 .000 judeus e comunistas húngaros eram executados por dia, com aniquilação de 435.00 em apenas quatro meses. As câmaras de gás funcionavam 24 horas por dia, até que os fornos crematórios e o Zyklon B (substância que produzia o gás letal) se esgotavam…  É nesse contexto que, sob a moldura negra do interior da câmara de gás do Crematório V e sob pena de execução imediata, o grego conhecido como Alex pôde tirar a câmara, apertar o obturador e registar as trémulas imagens. Dois anos antes da publicação de Images malgré tout, as imagens deste inferno (precárias mas tão falantes), tornaram-se alvo de polémica aquando da exposição Mémoire des camps - Photographies des camps de concentration et d’extermination nazis 1933-1999 (Paris., 2001)

“O imaginável como experiência não pode ser o inimaginável como dogma”, diz Didi-Huberman, sobre a imagem que nada ou pouco revela para além do gesto último de alguém que, sob vigilância dos SS faz aparecer ao mundo o bosque de bétulas de Birkenau. Ora as imagens interrogam essas testemunhas indiferentes e mudas. Didi-Huberman não nega o “inimaginável” e o “irrepresentável” da ordem da experiência traumática, como aporia do testemunho e fundamento negativo da linguagem, encarnado pelo sobrevivente. Nega, sim, o “inimaginável”, o “irrepresentável” como norma, dogma e imperativo, tão evocados por certas “estéticas da negatividade” (os quadros suprematistas de Malevitch, os monocromos negros de Ad Reinhardt) e, mais perigosamente, manipulados pelo negacionismo histórico. Damos-lhe a palavra: «Costumamos pensar que as imagens devem mostrar algo reconhecível, mas elas são mais do que isso. São gestos, actos de fala. As sombras e a falta de foco dessas fotos mostram a urgência e o perigo com que foram feitas. Eliminar isso com o pretexto de que prejudicam a visibilidade é errado. Essas fotos são testemunhos, e é desonesto cortar a fala de uma testemunha. Temos que escutar também seus silêncios».•Estas fotografias feitas por prisioneiros de antemão condenados , captadas do interior de um crematório, coloca uma radical problemática ética, política e estética entre a tomada de posição e a posterior manipulação dessas imagens. Por isso, não sendo a imagem uma coisa, um troféu privado, mas um gesto, um “acto coletivo” historicamente situado, como é o caso, Didi-Huberman afirma: ela responde a esse ato com outro acto, nosso próprio olhar. •O gesto do fotógrafo clandestino foi, no final das contas, tão simples quanto heróico, ao usar a máquina no interior da câmera de gás, justamente onde os SS o abrigava, dia após dia, a descarregar os cadáveres das vítimas assassinadas. Alex transformou, por raros segundos roubados, o trabalho servil, o seu trabalho de escravo de inferno, num verdadeiro trabalho de resistência”. Sendo assim, pergunta, o seu acto de testemunho não devia ser entendido como um minúsculo deslocamento do trabalho de morte em trabalho de olhar ?  Reenquadradas pelo Museu de Auschwitz-Birkenau, decupadas em Noite e neblina, negadas em Shoah, problematizadas em "Cascas" e reencenadas em O filho de Saul, essas imagens, clandestinas e sobreviventes, sublevam-se, rasgam o arquivo e o fazem-nos murmurar…

Numa entrevista dada à Marianne Alphant no Centro Pompidou em junho de 2010, Georges Didi-Hubermann dizia: «O meu sonho era o de fazer o que Michel Foucault conseguiu nos seus textos [As palavras e as coisas], isto é, esboçar uma arqueologia do saber visual». Que caminhos heurísticos e metodológicos sugere, que indagações propõe ?  Parte da ideia de que as imagens são fenómenos, acontecimentos, aparições, revelações, epifanias, luzes que queimam o tecido humano (social) e interpelam (ou não) nosso quotidiano. Olhamos Gostaria para elas e deixamos que nos provoquem, inquietem (ou deixem indiferentes), já que elas não são apenas actos e factos, mas lugares de memórias (lembranças, retomas, sobrevivências, ressurgências… nachleben !), revelações de tempos passados e presentes, senão lugares de expectativas, esperança, prefigurações, presságios, promessas, desejos...Ver arte não é só estudar campos de memória, arquivos vivos e lugares de desejos, mas sobretudo terrenos de questões sobre nossa história e o nosso ser, os nossos anseios e apelos que nos convocam a tomar posição em nome da história humana, em nome do porvir de nosso planeta. 

Assim, importa não só pensar a imagem  mas pensar por imagens, isto é, aprender a abrir, a desdobrar as imagens, para nelas se redescobrir, na perspectiva aberta por Walter Benjamin, os seus profundos valores de uso (de utilização, de projecto) para o nosso tempo. O antropólogo, o cientista social, o historiador de arte, tem de ir além da descrição, do registo, da documentação da história presente dos homens e das culturas, etc, pois deve «atentar  nas pulsões e sofrimentos do mundo, e transformá-los e remontá-los numa forma explicativa implicativa e alternativa» (Didi-Huberman 2010:191) .Pergunta Didi-Hubermann: «Somos artistas, antropólogos, sociólogos, historiadores de arte, fotógrafos, videógrafos, amantes das imagens, seres humanos. Levanto esta questão: o que faremos das imagens (das imagens dos outros e de nossas imagens) para servir ao nosso século, para pensar nossa História, para fazer viver os homens? E, mais ainda: como faremos delas e com elas, lugares de conhecimentos e de questionamentos, actos de memória, campos de desejos e de futuros ?»

A HISTÓRIA DA ARTE É TAMBÉM UM EXERCÍCIO DE COMPAIXÃO. O trabalho do antropólogo das imagens Georges Didi-Huberman (1953-) é,  pois, um desafio analítico-comparatista do saber ver. Como diz, as imagens tomam posição e, mais, coincidem num ponto: exprimem a infinda compaixão pelos outros, os oprimidos da História, as vítimas do mundo transfigurado em arena de cobiças, o mistério vivencial dos deserdados. Sim, as artes não se fazem ignorando a desordem do mundo mas podem consolar os que nela (e com ela) vivem. 


• Livros em português de Georges Didi-Huberman: 

--1992, O que vemos, O que nos olha, São Paulo, Editora 34, 1998.

--1992, O que nós vemos, O que nos olha, trad. G. Anghel e J. P. Cachopo, Porto, Dafne, 2011.

--2002, A Imagem Sobrevivente. História da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg, trad. V. Ribeiro, Rio de Janeiro, Contraponto, 2013.

--2004, Imagens apesar de tudo, trad. V. Brito e J. P. Cachopo, Lisboa, KKYM, 2012.

--2009, Ser crânio. Lugar, contato, pensamento, escultura, trad. V. C. Nova, A. Tugny, Belo Horizonte, Ed. C/Arte,  2009.

--2011, Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta, trad. R. C. Botelho e R. P. Cabral, Lisboa, KKYM+EAUM, 2013.

--2011, Sobrevivência dos vaga-lumes, trad. V. C. Nova e M. Arbex, Belo Horizonte, Editora UFMG, 2011.

--2013, Falenas. Ensaios sobre a aparição, trad. A. Preto, V. Brito, et. al., KKYM, Lisboa, 2015.

--2013, Que emoção! Que emoção?, trad. M. P. Santos, KKYM, Lisboa, 2015.



O método iconológico de Erwin Panofsky.

2 Março 2021, 15:30 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

No livro Through the Looking-glass and what Alice found twere, Lewis Carroll narra o fascínio de Alice, junto ao gato negro Kitty, pelo grande espelho que a intriga, onde se reflecte o quarto em que está encerrada, até ao momento em que finalmente atravessa o espelho e penetra na sua aventura. Aí, dentro, tudo é igual à imagem que Alice podia ver reflectido na superfície, mas tudo o que não era entrevisto na imagem reflectida é, pelo contrário, muito diferente do imaginável... É o mundo da fantasia, todavia com regras precisas, um mundo que Alice tem de percorrer para o poder compreender na sua globalidade...Através do espelho... Através da imagem... 

A abordagem iconológica encontra nesta dimensão de entrega ao total descobrimento as suas mais  puras raízes, o seu inflamado desejo de flanquear a superfície das coisas (e das obras de arte) para poder descobrir o seu lado escondido, a sua face oculta... A História da Arte passou o tempo’vasariano’  das biografias e o tempo ‘morelliano’ das leituras formais dotadas da maior cientificidade, aprendendo nas várias vertentes – histórica, documental, laboratorial, sociológica, semiótica – um pouco da sua especificidade como disciplina dotada de fascínios no modo sempre irrepetível de saber ver em globalidade as obras de arte.

•Eis que a ICONOLOGIA ultraopassa a sua dimensão de ramo operativo da História da Arte e, passando pelo bom uso da Iconologia, é capaz de apontar sentidos, descodificar programas, entretecer mistérios que as imagens oferecem aos espectadores, ao longo dos tempos. Depois do uso do termo no dicionário de símbolos que Cesare Ripa editou em Roma (Iconologie, 1593) e reeditou, ilustrado, em 1603, a Iconologia ressurge em Roma, em Outubro de 1912, no  X Congrès International d’Historiens d’Art, por palavras de Aby Warburg (1866-1929), ao expôr a sua «leitura iconológica» dos frescos do Palazzo Schifanoia em Ferrara, em oposição às leituras formais e estritamente descritivas dos seus colegas. Na sua biblioteca de Hamburgo, Aby Warburg reunirá materiais de approche interdisciplinar da H. Arte com a Astrologia, a História das Religiões, a Antropologia, a Sociologia, a Literatura, o Folclore, etc, assim nascendo o Instituto Warburg, que o regime nazi obrigará a transferir em 1933 para Londres. Sob direcção de Fritz Saxl, ´o Instituto recebe grande impacto: aí se formarão Ernst Cassirer. Meyer Shapiro e Erwin Panofsky, entre outros...

Discípulo de Warburg, Panofsky graduou-se em 1914 na Universidade de Friburgo, com uma tese sobre o pintor alemão Albrecht Durer, depois de estudar em várias universidades alemãs. Em 1916 casou-se com Dora Mosse, também historiadora da arte. Em 1924 aparece a primeira de suas grandes obras: Idea: uma contribuição para a história das ideias na história da arte, em que examina a história da teoria neoplatónica na arte do Renascimento.•Entre 1926 e 1933 foi professor na Universidade de Hamburgo, onde havia começado a lecionar em 1921. Abandonou a Alemanha quando os nazis tomaram o poder em 1933 (era de ascendência judia) e instalou-se nos EUA Estados, para onde havia viajado como professor convidado em 1931. Foi professor no Instituto para Estudos Avançados da Universidade de Princeton (1935-1962), mas também trabalhou nas universidades de Harvard (1947-1948) e New York (1963-1968). Foi amigo de  Wolfgang Pauli, um dos criadores da física quântica. Para Panofsky a História da Arte é uma ciência em que se definem três momentos inseparáveis do ato interpretativo das obras de arte na sua globalidade: a leitura no sentido fenoménico da imagem; a interpretação de seu significado iconográfico; e a penetração de seu conteúdo essencial como expressão de valores. A arte medieval e do Renascimento (que estudou profundamente), estão definidos em seu livro Renascimentos e Renascimentos na Arte Ocidental. Foi amigo de  Wolfgang Pauli, um dos criadores da física quântica. Panofsky  definiu aquilo que distingue ICONOGRAFIA e ICONOLOGIA. Em Estudos sobre Iconologia (1939) deu exemplos: definiu iconografia como a identificação do tema da obra em estudo, e iconologia como análise do significado. Exemplificou o acto com o homem levantar o chapéu: num 1º momento  vemos um homem que tira da cabeça um chapéu, num 2º momento  percebemos que o gesto de levantar o chapéu pode ser , por exemplo, «resquício do cavalherismo medieval: era costume os homens armados tirarem os elmos para deixar claras as suas intenções pacíficas». Enfatizou, nesse e outros trabalhos pioneiros, a importância dos costumes quotidianos para explicar melhor as representações simbólicas que as obras de arte assumem. 

•Em 1939, em Estudos em Iconologia, Panofsky detalha as suas ideias dos três níveis da compreensão da História da Arte:•Primário, aparente ou natural: o nível mais básico de entendimento, esta camada consiste na percepção da obra em sua forma pura. Tomando-se, p. ex., uma pintura da Última Ceia. Se nos ativermos ao 1º nível, o quadro poderia ser percebido somente como uma pintura de treze homens sentados à mesa. Este 1º nível é o mais básico para o entendimento da obra, despojado de qualquer conhecimento ou contexto cultural.•Secundário ou convencional: Este nível avança mas, a brindo-se ao contexto cultural e ao saber iconográfico. Por exemplo, um observador do Ocidente entenderia que a pintura dos treze homens sentados à mesa representa a Última Ceia. Similarmente, vendo uma imagem de um homem com auréola e um leão, poderia interpretar-se como São Jerónimo.•Significado Intrínseco ou conteúdo (Iconologia): num plano mais profundo para entender a obra – vista não como um incidente isolado mas um produto de um ambiente histórico preciso --, e trabalhando com estas camadas, o historiador de arte coloca questões como "por que é que São Jerónimo era importante para o encomendante ?" Esta última camada é sempre uma síntese: o historiador da arte pergunta: "o que é que a obra significa" ? •Para Panofsky, era importante considerar os três estratos como ele examinou a arte renascentista. Irving Lavin diz que "era esta insistência sobre o significado e sua busca - especialmente nos locais onde ninguém suspeitava que havia - que levou Panofsky a entender a arte, não como os historiadores haviam feito até então, mas como um empreendimento intelectual no mesmo nível que as tradicionais artes liberais".

Na prática, a ICONOLOGIA dedica particular relevo ao estudo dos textos, dos contextos e dos programas: todas as obras de arte têm um programa interno, que pode ser perceptível. O modelo conceptual de Aby Warburg, e de Panofsky, buscava já englobar forma, sujeito e sentido na sua abordagem das obras de arte. É certo que os estudos iconológicos têm dado maior ênfase aos temas do Renascimento (como o estudo de Panofsky e Fritz Saxl, de 1923, sobre a Melencolia I de Durer), e tem negligenciado outras épocas artísticas – mas tal não deve ser visto como sinónimo de fraqueza, mas sim como falta de aplicação integral do seu modus faciendi...

O uso da Iconologia, tal como praticado após a morte dos seus fundadores, tem tido recuos e «vulgatas» redutoras. É certa, e tem dose de verdade, a crítica de que alguma iconologia presta mais atenção aos textos literários que às obras de arte. É certo, e tem dose de verdade também, a crítica de que alguma iconologia se perde nas gavetas infindas das colecções de gravura na sua busca desenfreada de um «sentido escondido» em todas as imagens, e de lhes determinar a priori um sentido determinado de que depois tenta fazer prova... Enfim, é também certo que a obra de arte se não pode reduzir aos seus códigos de significação, e que esta «irredutibilidade» de alguma iconologia presta um mau serviço ao estudo integral das obras de arte, por não as deixar expressar livremente os seus códigos estéticos... É certo que algumas destas críticas colhem fundo: em nome da iconologia, tem-se praticado uma H. de Arte redutora. Mas convém lembrar também que, num prisma bem diverso, a Iconologia suscitou outro tipo críticas (o maccarthismo nos EUA versus a teoria de Panofsky, desconfiando do uso do termo ‘ideologia’...). A questão reside, segundo o grande historiador de arte, na operacionalidade do método: «a Iconologia é uma técnica que quedará fundamental para a identidade dos géneroas de imagem e no uso das fontes», aduzindo que importa também  ter-se em conta a necessária «abertura» inerente à arte e à interpretação dos símbolos e códigos artísticos.

Segundo Aby Warburg, o que importa à ICONOLOGIA é abrir as fronteiras entre várias matérias do saber, entre várias disciplinas das Humanidades, redefinindo noções como «contexto» e «programa artístico» e arrticulando vias interdisciplinares de saber ver as obras de arte na sua carga de integralidades.  


A TEORIA DA ARTE FACE À ICONOLOGIA: DE ABY WARBURG A ERWIN PANOFSKY. CASOS DE ESTUDO.

2 Março 2021, 14:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

No livro Through the Looking-glass and what Alice found twere, Lewis Carroll narra o fascínio de Alice, junto ao gato negro Kitty, pelo grande espelho que a intriga, onde se reflecte o quarto em que está encerrada, até ao momento em que finalmente atravessa o espelho e penetra na sua aventura. Aí, dentro, tudo é igual à imagem que Alice podia ver reflectido na superfície, mas tudo o que não era entrevisto na imagem reflectida é, pelo contrário, muito diferente do imaginável... É o mundo da fantasia, todavia com regras precisas, um mundo que Alice tem de percorrer para o poder compreender na sua globalidade...Através do espelho... Através da imagem... 

A abordagem iconológica encontra nesta dimensão de entrega ao total descobrimento as suas mais  puras raízes, o seu inflamado desejo de flanquear a superfície das coisas (e das obras de arte) para poder descobrir o seu lado escondido, a sua face oculta... A História da Arte passou o tempo’vasariano’  das biografias e o tempo ‘morelliano’ das leituras formais dotadas da maior cientificidade, aprendendo nas várias vertentes – histórica, documental, laboratorial, sociológica, semiótica – um pouco da sua especificidade como disciplina dotada de fascínios no modo sempre irrepetível de saber ver em globalidade as obras de arte.

•Eis que a ICONOLOGIA ultraopassa a sua dimensão de ramo operativo da História da Arte e, passando pelo bom uso da Iconologia, é capaz de apontar sentidos, descodificar programas, entretecer mistérios que as imagens oferecem aos espectadores, ao longo dos tempos. Depois do uso do termo no dicionário de símbolos que Cesare Ripa editou em Roma (Iconologie, 1593) e reeditou, ilustrado, em 1603, a Iconologia ressurge em Roma, em Outubro de 1912, no X Congrès International d’Historiens d’Art, por palavras de Aby Warburg (1866-1929), ao expôr a sua «leitura iconológica» dos frescos do Palazzo Schifanoia em Ferrara, em oposição às leituras formais e estritamente descritivas dos seus colegas. Na sua biblioteca de Hamburgo, Aby Warburg reunirá materiais de approche interdisciplinar da H. Arte com a Astrologia, a História das Religiões, a Antropologia, a Sociologia, a Literatura, o Folclore, etc, assim nascendo o Instituto Warburg, que o regime nazi obrigará a transferir em 1933 para Londres. Sob direcção de Fritz Saxl, ´o Instituto recebe grande impacto: aí se formarão Ernst Cassirer. Meyer Shapiro e Erwin Panofsky, entre outros...

Discípulo de Warburg, Panofsky graduou-se em 1914 na Universidade de Friburgo, com uma tese sobre o pintor alemão Albrecht Durer, depois de estudar em várias universidades alemãs. Em 1916 casou-se com Dora Mosse, também historiadora da arte. Em 1924 aparece a primeira de suas grandes obras: Idea: uma contribuição para a história das ideias na história da arte, em que examina a história da teoria neoplatónica na arte do Renascimento.•Entre 1926 e 1933 foi professor na Universidade de Hamburgo, onde havia começado a lecionar em 1921. Abandonou a Alemanha quando os nazis tomaram o poder em 1933 (era de ascendência judia) e instalou-se nos EUA Estados, para onde havia viajado como professor convidado em 1931. Foi professor no Instituto para Estudos Avançados da Universidade de Princeton (1935-1962), mas também trabalhou nas universidades de Harvard (1947-1948) e New York (1963-1968). Foi amigo de  Wolfgang Pauli, um dos criadores da física quântica. Para Panofsky a História da Arte é uma ciência em que se definem três momentos inseparáveis do ato interpretativo das obras de arte na sua globalidade: a leitura no sentido fenoménico da imagem; a interpretação de seu significado iconográfico; e a penetração de seu conteúdo essencial como expressão de valores. A arte medieval e do Renascimento (que estudou profundamente), estão definidos em seu livro Renascimentos e Renascimentos na Arte Ocidental. Foi amigo de  Wolfgang Pauli, um dos criadores da física quântica. Panofsky  definiu aquilo que distingue ICONOGRAFIA e ICONOLOGIA. Em Estudos sobre Iconologia (1939) deu exemplos: definiu iconografia como a identificação do tema da obra em estudo, e iconologia como análise do significado. Exemplificou o acto com o homem levantar o chapéu: num 1º momento  vemos um homem que tira da cabeça um chapéu, num 2º momento  percebemos que o gesto de levantar o chapéu pode ser , por exemplo, «resquício do cavalherismo medieval: era costume os homens armados tirarem os elmos para deixar claras as suas intenções pacíficas». Enfatizou, nesse e outros trabalhos pioneiros, a importância dos costumes quotidianos para explicar melhor as representações simbólicas que as obras de arte assumem. 

•Em 1939, em Estudos em Iconologia, Panofsky detalha as suas ideias dos três níveis da compreensão da História da Arte:•Primário, aparente ou natural: o nível mais básico de entendimento, esta camada consiste na percepção da obra em sua forma pura. Tomando-se, p. ex., uma pintura da Última Ceia. Se nos ativermos ao 1º nível, o quadro poderia ser percebido somente como uma pintura de treze homens sentados à mesa. Este 1º nível é o mais básico para o entendimento da obra, despojado de qualquer conhecimento ou contexto cultural.•Secundário ou convencional: Este nível avança mas, a brindo-se ao contexto cultural e ao saber iconográfico. Por exemplo, um observador do Ocidente entenderia que a pintura dos treze homens sentados à mesa representa a Última Ceia. Similarmente, vendo uma imagem de um homem com auréola e um leão, poderia interpretar-se como São Jerónimo.•Significado Intrínseco ou conteúdo (Iconologia): num plano mais profundo para entender a obra – vista não como um incidente isolado mas um produto de um ambiente histórico preciso --, e trabalhando com estas camadas, o historiador de arte coloca questões como "por que é que São Jerónimo era importante para o encomendante ?" Esta última camada é sempre uma síntese: o historiador da arte pergunta: "o que é que a obra significa" ? •Para Panofsky, era importante considerar os três estratos como ele examinou a arte renascentista. Irving Lavin diz que "era esta insistência sobre o significado e sua busca - especialmente nos locais onde ninguém suspeitava que havia - que levou Panofsky a entender a arte, não como os historiadores haviam feito até então, mas como um empreendimento intelectual no mesmo nível que as tradicionais artes liberais".

Na prática, a ICONOLOGIA dedica particular relevo ao estudo dos textos, dos contextos e dos programas: todas as obras de arte têm um programa interno, que pode ser perceptível. O modelo conceptual de Aby Warburg, e de Panofsky, buscava já englobar forma, sujeito e sentido na sua abordagem das obras de arte. É certo que os estudos iconológicos têm dado maior ênfase aos temas do Renascimento (como o estudo de Panofsky e Fritz Saxl, de 1923, sobre a Melencolia I de Durer), e tem negligenciado outras épocas artísticas – mas tal não deve ser visto como sinónimo de fraqueza, mas sim como falta de aplicação integral do seu modus faciendi...

O uso da Iconologia, tal como praticado após a morte dos seus fundadores, tem tido recuos e «vulgatas» redutoras. É certa, e tem dose de verdade, a crítica de que alguma iconologia presta mais atenção aos textos literários que às obras de arte. É certo, e tem dose de verdade também, a crítica de que alguma iconologia se perde nas gavetas infindas das colecções de gravura na sua busca desenfreada de um «sentido escondido» em todas as imagens, e de lhes determinar a priori um sentido determinado de que depois tenta fazer prova... Enfim, é também certo que a obra de arte se não pode reduzir aos seus códigos de significação, e que esta «irredutibilidade» de alguma iconologia presta um mau serviço ao estudo integral das obras de arte, por não as deixar expressar livremente os seus códigos estéticos... É certo que algumas destas críticas colhem fundo: em nome da iconologia, tem-se praticado uma H. de Arte redutora. Mas convém lembrar também que, num prisma bem diverso, a Iconologia suscitou outro tipo críticas (o maccarthismo nos EUA versus a teoria de Panofsky, desconfiando do uso do termo ‘ideologia’...). A questão reside, segundo o grande historiador de arte, na operacionalidade do método: «a Iconologia é uma técnica que quedará fundamental para a identidade dos géneroas de imagem e no uso das fontes», aduzindo que importa também  ter-se em conta a necessária «abertura» inerente à arte e à interpretação dos símbolos e códigos artísticos.

Segundo Aby Warburg, o que importa à ICONOLOGIA é abrir as fronteiras entre várias matérias do saber, entre várias disciplinas das Humanidades, redefinindo noções como «contexto» e «programa artístico» e arrticulando vias interdisciplinares de saber ver as obras de arte na sua carga de integralidades.  


Introdução aAby Warburg.

25 Fevereiro 2021, 15:30 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

NOTAS DE ICONOLOGIA WARBURGHIANA

SOBRE ABY WARBURG – A ACTUALIDADE DO SEU «MÉTODO ICONOLÓGICO»

 

 

    Aby Warburg (1866-1929) foi um dos mais extraordinários praticantes da História da Arte. Desde cedo se interessou, de modo sistemático, pelo estudo da antropologia artística, aquilo a que chamou pormenores histórico-artísticos e procurou saber de que modo as obras de arte se inscrevem sempre nos seus contextos de origem. Filho de uma família de ricos banqueiros judeus de Hamburgo, estuda em Bona com grandes nomes como C. Justi, K. Lamprecht e H. Thoda, continua os estudos em Estrasburgo e em Florença, com M. Friedlaender e H. Ullmann e aprofunda as suas revolucionárias teses sobre um Renascimento naturalístico à luz da sobrevivência (e não da descoberta) de uma Antiguidade clássica que os tempos medievais preservaram, teses estas opostas à «estática beleza ideal» de Winckelmann e do formalismo académico, e que expõe na sua tese Ricerche sull’immagine dell’antichitá nel primo Renascimento italiano (1893).

    Leitor atento de Burckhardt e de Alois Riegl, defensores de um estudo da civilização como desenvolvimento geral e como comunidade espiritual, pretendeu ver a obra de arte como mediadora simbólica entre a subjectividade do artista e a realidade social objectiva. Mas não é o ‘conteúdo’ e sim a «psicologia histórica da expressão humana» que o movem. Assim, aquele que é considerado o fundador da Iconologia e, também, da História Social da Arte, desde as suas primícias universitárias se afastou da lição do formalismo (de Riegl a Wolfflin), justamente por rejeitar a crença de que a aspiração à liberdade sentida pelos artistas pudesse conduzir a uma espécie de região autónoma da actividade humana – o que se designa por arte – e que seria, nesse caso, algo independente da vontade, das necessidades e das aspirações da vida comum. Vai dedicar-se ao estudo da função da criação figurativa na vida das civilizações na sua relação entre imagem, palavra e símbolo.

     A iconologia é vista, na obra pioneira deste autor, como a via disciplinar da História da Arte que assume o estudo integral (e integrado) dos estereotipos formais, tomando como exemplo de pesquisa os da Antiguidade clássica retomados no Renascimento italiano, e preterindo o conhecimento de construção do espaço geométrico ou perspéctico à análise das regras que, de facto, determinam a representação de um espaço interior tornado visível no ecrán plástico em duas ou mais dimensões. Pergunta Warburg: «qual a relação entre a vida de um período histórico e o modo como o homem é nesse período representado ? Como se conexa tal com a concepção de vida do indivíduo ?». Por isso, ele estudou as festas, as representações teatrais, a literatura, a astrologia, a magia, etc, tudo o que permite transfigurar na esfera artística o modelo antigo, esse patetismo ligado a uma anciana emotividade ritual. A atenção dada à memória como função geral da matéria organizada que entronca no imaginário primitivo adquire novas atenções e desenvolvimentos em torno de símbolos e testemunhos de uma qualquer sobrevivência de experiências emotivas do passado.

     Warburg delimitou um campo de pesquisa que baptizou de ‘psicologia histórica da expressão humana’, a partir do estudo associado das formas e das funções. A análise da obra artística e dos seus usos na sociedade andam a par: segundo o seu discípulo Ernst Cassirer, uma das suas maiores contribuições para a História da Arte foi ter entendido a «lei da inércia» segundo a qual as formas artísticas se transferem naturalmente ao longo dos tempos e das sociedades. Em 1895-96, Warburg vive a sua aventurosa passagem junto das comunidades índias do Novo México (os Hopis e Oraibis), aí estudando o «ritual da serpente», os símbolos e mitos dessas sociedades ainda poupadas ao etnocídio que se aproximava. Foi um estágio frutuoso. Afirma, a partir do estudo dos símbolos hopis, a transcendência do primitivismo sobre o barbarismo, e que o homem racional se mantém o mesmo em todos os tempos, pelo que alguma das bases do psicologismo do Renascimento, no seu «recorrente primitivismo», pode ser encontrado no tipo de vida e nos costumes das comunidades índias do Novo México. O símbolo da serpente de língua bifurcada dos hopi ressurge, de facto, em muitas culturas ao longo de milénios e com significações que, no essencial, se não afastam do eterno desejo de ordem contra o caos.

     No estudo de Warburg sobre Albrecht Durer e a Antiguidade clássica, saído em Leipzig em 1906, analisa um desenho de Durer de 1494 e outro da escola de Mantegna com a cena da Morte de Orfeu e mostra como o patetismo da cena deriva de vasos gregos e não é tão-só um exercício de atelier, como se supunha, mas uma reviviência apaixonada do Antigo, segundo os mistérios do paganismo, o Orfeo de Poliziano, alinhado com as representações teatrais da obra de Ovídio (que se representava em Mântua em 1471, e em outras cidades italianas). O itinerário temático sai de Atenas, passa por Roma, Mântua, Florença e atinge Nuremberga e outros centros, em épocas distintas e sob signos culturais distintos. Warburg rejeitou com clareza as teses de que o Renascimento era um mero retorno ao Antigo (como impunham as teses formalistas de Winckelmann). Para ele, citamos, «os estudos sobre as religiões da Antiguidade clássica ensinam sempre mais do que considerar essa mesma Antiguidade simbolizada por um Hermes bifronte de Apolo e Dionísio. O ethos apolíneo apagar-se-ia com o pathos dionisíaco, quase como uma dobra dupla de um mesmo tronco enraizado na profundeza misteriosa da terra grega... Ora o Quattrocento sabia apreciar essa dupla riqueza oriunda da Antiguidade pagã: os artistas do século XV veneravam a Antiguidade, tanto pela sua ordem e regularidade como pela destreza com que ela dava expressão ao temperamento patético. Podia-se pois recorrer aos superlativos da mímica até então banidos como processo mais de acordo com um tempo que defendia uma expressão mais livre, tanto no sentido real como figurado. Devemos aprender a considerar de modo imparcial a dupla riqueza estilística dos Antigos, como durante tantos anos tentei conseguir através da pesquisa. Posso afirmar que fui guiado na via da pesquisa pelas palavras do meu venerável mestre Carl Justi: ‘’A erudição não deveria ser senão a redescoberta do ponto de vista segundo o qual a obra de arte fui feita em determinado momento do passado’’...».

    Nessa perspectiva, para a iconologia warburghiana, o Renascimento não foi só um momento único de ressurreição da simplicidade e grandeza da escultura grega, já que Botticelli não se interessou pelo estudo da perspectiva nem pela teoria das proporções mas sim pelo estudo dos temas alegóricos e literários (mesmo os mais obscuros, como se vê na sua Primavera), temas que eram caros à elite de Florença do tempo dos Médicis e estavam em plena harmonia com o seu próprio apego à alegoria e aos valores neopagãos (e neoplatónicos). Se o conceito de «Renascença do estilo» pode ser algo híbrido, é certo que «os artistas italianos buscavam, mais que a medida do ideal clássico, os modelos de mímicas patéticas acentuadas»... Assim, a ICONOLOGIA CRÍTICA de Warburg nasceu com a consciência de que é antes de mais imperioso cumprir um «inquérito sobre as fontes da imagem». Na obra Arte Italiana e Astrologia Internacional, Warburg estuda as imagens pagãs «emigradas» nos países do Norte, que de seguida ressurgem nos frescos quatrocentistas do Palazzo Schifanoia em Ferrara (encomenda de Borso d’Este a Francesco del Cossa em 1470), com uma série de metamorfoses naturalmente integradas no discurso. As trocas de experiência entre o Oriente e o Norte explicariam essa origem clássica: para Warburg, «o símbolo é sempre uma forma radical de sobrevivência, exclusivamente racional, simbolicamente omnipresente e omnicompreensível através da memória imagética colectiva». O símbolo conduz ao espaço de pensamento (Denkraum) em que, através de ondas mnemónicas, estímulos e imagens de fenómenos ancestrais, se exprime o equilíbrio entre polos opostos, a emotividade e a racionalidade, equilíbrio esse que define como a «iconografia do intervalo».

      Como afirma Eveline Pinto (prefácio a Essais florentins de Warburg, 1990), «ao invés de remeter para um acto de interpretação visando o sentido-outro do programa iconográfico (como fará Panofsky), a análise iconológica de Warburg situa-se no primeiro nível de pesquisa pois visa assegurar o ‘stock’ de referências e conhecimentos históricos, literários e outros indispensáveis para se compreender a cadeia de fenómenos em apreço: tal ‘stock’ é imperioso para resolver questões, iluminar o chamado ‘conteúdo representativo’ das imagens, compreender a coesão dos processos evolutivos que governam o curso estilístico, ou seja, a transformação da forma expressiva ou representativa. Longe de se limitar, como fez Panofsky, a identificar a forma a fim de aceder ao conteúdo representado, Warburg orienta o processo explicativo das obras pela elucidação das tensões e lutas de que a forma é sempre a objectivação, a manifestação ou o resultado»... Nessa medida, o homem do Renascimento não se teria fechado num espaço cultural exclusivamente definido pelo regresso ao Antigo. As imagens e formas que a cultura renascentista criou saíram menos da Antiguidade clássica, ao contrário do que se pensa, que de uma herança cristã medieval a que os seus clientes continuavam de certo modo ligados, pelo que o «milagre do Renascimento» foi, sim, a resistência que a cultura desse tempo soube opôr à violência do ‘pathos’. Assim, Piero della Francesa, na sua pesquisa sobre a luz e a perspectiva em moldes quase científicos, e Ghirlandaio (frescos de Santa Maria Novella, Florença), no seu «estilo ideal antiquizante’ (sic), sintetizando a partir do tríptico Portinari de Van der Goes o realismo do Norte (uma ninfa vestida ‘alla francese’...) e a esfera idealizada vinda do antico (uma ninfa nua exprimindo a paixão profana), são artistas que representam bem esse tipo de resistência.

     Warburg (cujo internamento no hospital-sanatório de Kreuzlinger entre 1921 e 1923, vítima de psicoses e traumas, o obrigou a provar sanidade mental, retornando em 1924 ao instituto de Hamburgo) é figura preponderante da História da Arte no sentido em que esta disciplina aspira a construír um pensamento analítico e reflexivo eficaz no estudo integral da obra de arte. Ele não buscou demonstrar que o modo de representação artística faz parte do comportamento social (embora tal estivesse explícito), mas soube ligar as obras de arte à expressividade das personalidades envolvidas na sociedade dos tempos. À luz de um estudo da função da criação figurativa na vida das civilizações, as obras não poderiam pois, ser compreendidas fora do conhecimento explícito dessa vida. O «estilo ideal antiquizante» impõe-se na Toscana do séc. XV como atestam os frescos de Santa Maria Novella, de Ghirlandaio, com ecos da escultura do Arco de Constantino, caso da Vitória troiana, o triunfo de Baco e Ariadne, etc. A dupla riqueza da Antiguidade foi retomada no séc. XV como testemunho da beleza estética e do patetismo. É a descoberta do «ponto de vista» que guiou a obra de arte num dado momento que orienta a pesquisa... A ressurreição dos demónios da Antiguidade na forma metafórica que assumem os calendários medievais e as imagens impressas no tempo da Reforma de Lutero tem um sentido que não é tanto estético mas político e religioso. Mostra o medo e incerteza colectiva que se orienta para fins políticos, através da força coerciva da imagem. As previsões de um ‘novo dilúvio’ e o estudo da astrologia no fim do séc. XV influenciam a linguagem das imagens; a guerra dos camponeses na Alemanha reformista identifica-se contra a luta entre Júpiter e Saturno; os dois monges da ‘Invectia’ de Middelburg (1492) retratam essa dualidade (mesmo sem recurso à reutilização pró-papista que gravura terá mais tarde). Aliás, a propaganda dos acólitos de Lutero insistiu muito no contexto da reviviscência da Antiguidade no humanismo alemão, no estudo da cosmologia grega aplicada ao profetismo. O medo dos cometas em forma de espada definidos por Plínio como maléficvos era comum, como se deduz da troca decorrespondência entre Melanchton e Camerarius, e as interpretações do próprio Lutero... Além disso, o princípio metodológico da Iconologia warburghiana não dissocia o estudo das formas e o estudo das funções que assumem, bem como a utilidade social das obras e a caracterização do ‘mundo da arte’ no seio da qual as obras foram geradas. Trata-se da primeira concepção da H. da Arte que é verdadeiramente interdisciplinar e que pode ser hoje, com grande vantagem, retomada como lançamento das bases teórico-metodológicas da nossa área de estudos. Da obra de Warburg ao conceito de NOVA ICONOLOGIA vai um passo... No livro Through the Looking-glass and what Alice found twere, Lewis Carroll narra o fascínio de Alice junto ao gato negro Kitty pelo espelho que a intriga, onde se reflecte o quarto em que está encerrada, até ao momento em que atravessa o espelho e começa a sua aventura. Dentro, tudo é igual à imagem que Alice podia ver reflectida na superfície, mas o que não era entrevisto na imagem reflectida é, pelo contrário, diferente do imaginável... É o mundo da fantasia, com regras precisas, um mundo que Alice tem de percorrer para o compreender na sua globalidade... Através do espelho, através da imagem: a abordagem iconológica encontra nesta dimensão de entrega ao descobrimento as suas puras raízes, o inflamado desejo de flanquear a superfície das coisas (e das obras de arte) para descobrir o seu lado escondido, a sua face oculta... A História da Arte passou o tempo ’vasariano’ das biografias e o tempo ‘morelliano’ das leituras formais dotadas da maior cientificidade, aprendendo nas várias vertentes – histórica, documental, laboratorial, sociológica, semiótica – um pouco da sua especificidade como disciplina dotada de fascínios no modo sempre irrepetível de saber ver em globalidade as obras de arte.

     Eis que a ICONOLOGIA ultrapassa a sua dimensão de ramo operativo da História da Arte e se torna capaz de apontar sentidos, descodificar programas, entretecer mistérios que as imagens oferecem ao longo dos tempos. Depois do uso do termo no dicionário de símbolos que Cesare Ripa editou em Roma (Iconologie, 1593) e reeditou, ilustrado, em 1603, a Iconologia ressurge em Roma, em Outubro de 1912, no X Congrès International d’Historiens d’Art, por palavras de Warburg ao expôr a «leitura iconológica» dos frescos do Palazzo Schifanoia em Ferrara, em oposição às leituras formais e estritamente descritivas dos seus colegas. Na biblioteca de Hamburgo, reunirá materiais de approche inter-disciplinar da H. Arte, Astrologia, História das Religiões, Antropologia, Sociologia, Literatura, Folclore, etc, assim nascendo o Instituto Warburg, que com o regime nazi será transferido em 1933 para Londres. Sob direcção de Fritz Saxl, aí se formarão Ernst Cassirer, Erwin Panofsky, etc. Ao recordar o modo como o estudo do significado das obras de arte foi esquecido, Saxl compara a Iconologia com a Geologia e a Iconografia com a Geografia: esta limita-se a registar as coisas terrenas, enquanto a Geologia estuda as estruturas, origem, evolução, coerência dos elementos... A imagem metafórica pode aplicar-se à Cosmografia /Cosmologia, à Etnografia /Etnologia, que permitem o mesmo raciocínio: aquelas disciplinas limitam-se a constatar, as últimas a explicar e interpretar... Hoogewerff seguirá o ‘colossal trabalho iconográfico’ de Émile Mâle para traçar as bases de uma iconologia da arte cristã medieval. A hagiografia, crenças e superstições, a história dos Concílios, a patrologia, a himnologia, os apócrifos, os textos sagrados, servem-lhe para compreender ‘iconologicamente’ op sentido da arte românica e gótica francesa. A introdução, em 1939, aos Studies in Iconology de Panofsky, vai aprofundar estes conceitos e fazer a célebre distinção entre três níveis de leitura das obras de arte:

     1. Nível pré-iconográfico, com descrição ‘primária e natural’ dos objectos, factos e imagens em termos estritos de formas e de estilos;

     2. Nível iconográfico, com ‘análise dos temas e conceitos específicos’ expressos pelos objectos segundo as fontes literárias e/ou o seu tipo ou época;

     3. Nível iconológico, onde se situa a leitura interpretativa dos significados intrínsecos da Obra de Arte em apreço segundo o quadro contextual (social, ideológico, político, etc) e segundo o quadro mais lacto dos símbolos e códigos que a informam como «tendência essencial do espírito humano».

     Na prática, a ICONOLOGIA dedica particular relevo ao estudo dos textos, dos contextos e dos programas: todas as obras de arte têm um programa interno, que pode ser perceptível. O modelo conceptual de Aby Warburg, e de Panofsky, buscava já englobar forma, sujeito e sentido na sua abordagem das obras de arte. É certo que os estudos iconológicos têm dado maior ênfase aos temas do Renascimento (como o estudo de Panofsky e Fritz Saxl, de 1923, sobre a Melencolia I de Durer), e tem negligenciado outras épocas artísticas – mas tal não deve ser visto como sinónimo de fraqueza, mas sim como falta de aplicação integral do seu modus faciendi...

     O uso da Iconologia, tal como praticado após a morte dos seus fundadores, tem tido recuos e «vulgatas» redutoras. É certa, e tem dose de verdade, a crítica de que alguma iconologia presta mais atenção aos textos literários que às obras de arte. É certo, e tem dose de verdade também, a crítica de que alguma iconologia se perde nas gavetas infindas das colecções de gravura na sua busca desenfreada de um «sentido escondido» em todas as imagens, e de lhes determinar a priori um sentido determinado de que depois tenta fazer prova... Enfim, é também certo que a obra de arte se não pode reduzir aos seus códigos de significação, e que esta «irredutibilidade» de alguma iconologia presta um mau serviço ao estudo integral das obras de arte, por não as deixar expressar livremente os seus códigos estéticos... É certo que algumas destas críticas colhem fundo: em nome da iconologia, tem-se praticado uma H. de Arte redutora. Mas convém lembrar também que, num prisma bem diverso, a Iconologia suscitou outro tipo críticas (o maccarthismo nos EUA versus a teoria de Panofsky, desconfiando do uso do termo ‘ideologia’...). A questão reside, segundo o grande historiador de arte, na operacionalidade do método: «a Iconologia é uma técnica que quedará fundamental para a identidade dos géneroas de imagem e no uso das fontes», aduzindo que importa também  ter-se em conta a necessária «abertura» inerente à arte e à interpretação dos símbolos e códigos artísticos.

     Segundo Aby Warburg, o que importa à ICONOLOGIA é abrir as fronteiras entre várias matérias do saber, entre várias disciplinas das Humanidades, redefinindo noções como «contexto» e «programa artístico» e arrticulando vias interdisciplinares de saber ver as obras de arte na sua carga de integralidades. 

 

     A Primavera de Sandro Botticelli

     Sandro Boticelli nasceu em Florença em 1445 e ali faleceu em 1510. Foi discípulo de Fra Filippo Lippi, cujos modelos seguiu nos primeiros tempos da sua actividade, e, à excepção de curto período em Roma (1481-82; obras como a História de Moisés na Capela Sistina), permaneceu sempre em Florença. Esteve ao serviço dos poderosos Medici, em especial de Lorenzo di Pierfrancesco de Medici (primo de Lorenzo de Medici, pessoa muito influenciada pela obras de Poliziano e Marsilio Ficino), para quem pinta entre 1478 e 1484 as célebres obras, Primavera e Nascimento de Vénus. Foi também para Lorenzo di Pierfrancesco que Botticelli fez os desenhos para uma das edições da Divina Comédia de Dante. Pelo que se conhece da biografia do pintor verifica-se que o mestre trabalhou sobretudo para a burguesia florentina e para uma clientela culta de formação neoplatónica. Após os primeiros anos de actividade, o seu modo estilístico foi-se personalizando, afastando-se quer de Fillipo Lippi, quer dos seus contemporâneos Verrochio e Pollaiollo.

     Os estudos e referências à Primavera e ao Nascimento de Vénus multiplicam-se ao longo dos tempos na História da Arte, em perspectivas diversas (formalistas, positivistas, etc). Na perspectiva iconográfica e, sobretudo, iconológica, são fundamentais as obras de Erwin Panofsky Renascimento e Renascimentos na Arte Ocidental e de Edgar Wind Pagan Mysteries in the Renaissance (trad.: Los Misterios Paganos del Renacimiento). Um estudo recente de Mirella Levi d’Ancona, (Due quadri del Botticelli eseguiti per nascite in Casa Medici, Firenze, Leo S. Olschki Editore, 1997) envolve conceptualizações úteis, a ponderar cuidadosamente, dado que envolvem aspectos polémicos ou redutores. Poucos quadros poderão almejar ao estatuto de «Pintura do Século» como A Primavera, de Sandro Botticelli, uma das obras de inspiração mitológica que o autor (criador do género) realizou na década de 1480 à sombra do mecenato da poderosa família florentina dos Médicis. Foi, ao que tudo indica, pintado para um primo segundo de Lorenzo o Magnífico, de nome Lourenço de Pierfrancesco, que se tornaria protector do pintor e fora educado sob a tutela do primo, tendo sido discípulo do poeta Poliziano e do filósofo Marsílio Ficino, o principal animador da Academia Platónica que se reunia num dos palácios da família, a Academia de Careggi, nos arredores da Cidade do Arno. Apesar da controvérsia que a identificação das fontes de inspiração da pintura tem suscitado entre os estudiosos do Renascimento, a leitura de Edgar Wind (Pagan Misteries in the Renaissance, 1968) é a mais abrangente e lúcida, baseando-se precisamente na conjugação de textos antigos e modernos proporcionados ao pintor por Poliziano e nos princípios da Theologia Platonica de Ficino. A leitura do quadro deve ser feita da direita para a esquerda.

     A primeira tríade de personagens representa a metamorfose da ninfa Clóris na esplendorosa Flora, por acção do vento fecundante da primavera, Zéfiro, inspirando-se num passo dos Fastos, do poeta latino Ovídio. Assim se justificam as cinco centenas de espécies botânicas representadas, atapetando os diferentes planos da composição, documentando o interesse para-científico dos artistas do Renascimento pela Natureza. Em contraponto, no lado oposto, vemos uma segunda tríade, constituída pelas Três Graças, Castidade, Beleza e Volúpia. Entre as duas tríades, Vénus, Deusa do Amor, comanda a acção que seu filho, Cupido, energia do Amor, desencadeia, ao disparar, cego, as flechas com o fogo da Paixão, na direcção da Castidade. Se, na primeira tríade, vemos um princípio produtor, em que a Paixão fecunda a terra e a transforma «em sons e cores» (como diria Fernando Pessoa), na segunda emerge um princípio conversor, em que a energia do Amor Divino desencadeia na Alma a procura da Verdade. E, de facto, o olhar da Castidade vira-se para Mercúrio, última figura desta istoria, mensageiro dos Deuses, líder das Graças e intérprete dos segredos, que, afastando com o seu caduceu as nuvens da obscuridade, conduz o intelecto na contemplação da luz escondida da Beleza intelectual. Uma tão sublime interpretação plástica do ideal do Amor e da Beleza, tal como o concebia o Humanismo florentino, dificilmente voltaria a ser alcançada, pelo que este quadro se transformou no ícone do próprio Quattrocento, coração artístico e filosófico de um Renascimento que será sempre, na história dos homens, uma eterna Primavera.

     O título da obra, Primavera, decorre de uma referência do pintor e escritor florentino Giorgio Vasari (nas suas Vite, 1550), segundo o qual a pintura “significa a Primavera”. De acordo com E. Wind, as fontes clássicas utilizadas por Botticelli foram principalmente os textos de Poliziano e, deste, as referências às Odes de Horácio e aos Fastos de Ovídio, sempre em episódios não forçosamente interrelacionados. Na cena da direita vê-se Zéfiro, o vento da Primavera, de bochechas inchadas a tentar tocar a ninfa Cloris, que procura escapar-lhe sem, no entanto, o conseguir. Do vento que sai da boca de Zéfiro escapam algumas flores que, ao tocarem Cloris, a transformam em Flora, a terceira figura do grupo e a mensageira da Primavera. Iremos encontrar nos Fastos de Ovídio o jogo etimológico que transforma a ninfa Cloris a deusa romana Flora: (Chloris eram quae Flora vocor). Há neste primeiro grupo uma clara alusão a um ciclo de tempo, mas não de um tempo cronológico, stricto sensu, mas do tempus que a idea platónica compõe ciclicamente. Como Wind refere, a criatura primitiva e tímida de Cloris (tal como Ovídio a descreve) dá lugar à beleza vitoriosa da Flora. Mas foi essa timidez e singeleza de vestuário, - uma túnica quase transparente e denunciar nudez -, que atraiu Zéfiro e fez dele “um fiel marido que a fez germinar e exibir mil cores de flores novas( Cf. Fastos)”. Este grupo da direita está, evidentemente, relacionado com as três figuras da esquerda, as Três Graças, baseando-se numa relação dialéctica ovidiana da trilogia pulchritudo, castitas, voluptas.  

     Enquanto no grupo da direita se denota uma criação da beleza, que está na figura central da pintura – a deusa Vénus, como sugeria Vasari – é desta divindade que decorre a presença das Três Graças, as ninfas que sempre estiveram ao seu serviço. Ao alto, sobre a cabeça da deusa, um Cupido de olhos vendados, dirige a sua seta para a Graça que se encontra no centro do grupo de três. Observando das Três Graças verificamos que se relacionam como numa dança, denunciada pelo modo como colocam os pés em sequência de movimento. A Graça que se encontra ao centro é, pelo seu vestuário e ausência de adornos, a Castitas. Veja-se, nomeadamente, a simplicidade do vestuário e a simplicidade das pregas da túnica, em evidente contraste com as suas companheiras. Por outro lado o rosto apresenta uma expressão triste e melancólica enquanto a Voluptas exibe um vistoso penteado, com tranças serpenteantes e uma jóia sumptuosa no peito, e túnica a acentuar as curvaturas do corpo. É a energia voluptuosa. A terceira graça, a Pulchritudo, é a mais atractiva e a que exibe orgulhosamente a sua beleza. A sua jóia é mais modesta e os cabelos não esvoaçam, serpenteantes, mas exibem um penteado cuidado menos espectacular que o da Voluptas.  facto de as Três Graças se apresentarem vestidas com túnicas e não exibindo nudez, como viria a acontecer em pinturas de outros mestres e, sobretudo, em épocas mais tardias, decorre, uma vez mais de autores clássicos, como Horácio e Séneca, como é de Horácio que resulta a sua gestualidade e também  o facto de não olharem, exibicionisticamente para o exterior. Aquilo a que Wind chama a coreografia da dança tem, mais uma vez, correspondência nas alusões da literatura clássica: “Ille consertis manibus in se redeuntium chorus” (Séneca). Estes atributos e gestualidade, obviamente decorrentes de fontes literárias, não se limitam a eles porque se limitam  a «reforçar o sentido da acção» (Wind). «Enquanto a “verde” Castitas e a “abundante” Voluptas avançam uma para a outra, a Pulchritudo, mantém-se pura e serena no seu esplendor, aliando-se à Castitas, agarrando-a pela mão e ao mesmo tempo unindo-se à Voluptas num gesto florido» (Wind).

     Há, naturalmente, um sentido dialéctico neste relacionamento entre as três graças  (e sob este ponto de vista encontramos aproximações entre as perspectivas de E. Wind e de E. Panofsky), sentido esse  que se definirá pela «oposição», «acordo» e «acordo na oposição», todas estas atitudes reflectidas pelos movimentos corporais, pela elegante colocação das mãos que se entrelaçam e, no caso da Voluptas e da Pulchritudo, se unem como que formando uma coroa sobre a Castitas, que elas próprias vão iniciar no Amor e, consequentemente, na tríade que acompanha Vénus. A ideia de Vénus, tradicionalmente identificada com a deusa do amor, sofreu algumas alterações desde as palavras do humanista Pico della Mirandola (que seguiu Plutarco) até Marsílio Ficino que, ao retomar, em versão sua, o mesmo Plutarco,  permite a Boticelli a introdução na dança das Três Graças de um sentido de decoro, sentido ausente da «enérgica vitalidade» (Wind) da relação do grupo da direita, quando Zéfiro se aproxima de Cloris, produzindo uma Flora com o «aspecto de jovem camponesa louçã» (Wind). Seguindo à letra a interpretação de Edgar Wind, “quando a Paixão (na figura de Zéfiro) transforma a fugidia Castidade (Clóris) na Beleza (Flora), a progressão representa o que Ficino denominou como «tríade produtiva»”. Daí que, quando estas três figuras se “transformam” nas Três Graças, passam a uma «tríade convertida» em que a Castitas, ao centro, se mantém virada de costas para o observador dirigindo o olhar para o “mais além”. E esse mais além é, nada mais nada menos, que a figura de Mercúrio que ergue o caduceu não para os frutos que pendem da árvore, mas sim para o pequeno grupo de nuvens que se acumula junto dos ramos.

     Qual a razão da presença de Mercúrio neste conjunto ? Resumindo os textos de Wind e as fontes clássicas, designadamente Vergílio (Eneida) e Boccaccio (Genealogia dos Deuses) teremos que Mercúrio, por tradição o guia das Três Graças, é simultaneamente aquele que conduz ao mais além, simbolizado na pintura pelas nuvens. E, curiosamente, esse mais além pode ser «lido» como a morte, identificável no seu manto pelo símbolo neoplatónico das múltiplas chamas invertidas (divinus amator). Mercúrio assume, aqui, uma multiplicidade de funções e significados que estabelecem o relacionamento não apenas com os grupos já mencionados, mas também com a deusa Vénus. O deus que domina as nuvens e os ventos “não era apenas o mais astuto e veloz de todos os deuses, o deus da eloquência [...], o guia das almas dos mortos, o acompanhante das Graças, o mediador entre mortais e deuses, o que salva a distância entre a terra e os céus; para os humanistas, Mercúrio era, sobretudo, o deus engenhoso, o do intelecto indagador, sagrado aos olhos dos gramáticos e metafísicos, o patrono dos eruditos e da interpretação, o revelador do conhecimento hermético, do qual o seu bastão mágico (o caduceu) chegou a ser símbolo” (Wind).

     Todavia, de todas estas funções, aquela que mais se aproxima do significado do grupo das Três Graças será a da divindade que atinge o «mais além». E não é por acaso que Botticelli representou a Castitas, voltando as costas para o observador e dirigindo o olhar para o mais além representado nos poderes de Mercúrio, seu guia e companheiro. Será ele que romperá as nuvens permitindo o acesso à luz divina. Tendo em conta a filiação da pintura nos textos dos clássicos e dos humanistas que retomaram os seus textos e referências, é possível concluir, com Edgar Wind (e também com Panofsky e, menos directamente, com Chastel), que “não é possível compreender totalmente a composição da pintura, nem entender completamente o papel de Mercúrio, até que se observa a simetria de composição entre esta divindade e Zéfiro”. Virar as costas ao mundo com o distanciamento de Mercúrio e regressar a ele com a impetuosidade de Zéfiro, são essas as duas forças complementares do amos, de que Vénus é a guardiã e Cupido o agente: «A Razão é a rosa dos ventos, mas a paixão é a tempestade»(Alexander Pope, apud Wind)”.  Mais ainda, se Zéfiro simboliza mitologicamente o vento, Mercúrio é o condutor das nuvens e, consequentemente, uma espécie de deus do vento (Ventus agere Merurii est, Boccacccio, in Genealogia dos Deuses). Assim, “Zéfiro e Mercúrio representam duas fases de um processo  periodicamente recorrente: o que desce à terra como sopro da paixão, regressa ao céu no espírito da contemplação”.

 

 

Biliografia (notas e reflexões a partir das leituras seguintes): 

Aby Warburg. The Renewal of Pagan Antiquity, intr. Kurt W. Forster, The Getty Inst., 1999.

Eveline Pinto, prefácio a Essais florentins de A. Warburg, Klincksieck, 1990;

Jean-Luc Chalumeau, Les théories de l’art, ed. Vuibert, Paris, 1994;

Michael P. Steinberg, Images from the Region of the Pueblo Indians of North America – Aby M. Warburg, Cornell University Press, 1995;

Claudia Cieri Via, Nei Dettagli Nascosto. Per una storia del pensiero iconologico, ed. Carocci, 1994 (reed. Roma, 2001).

André Chastel, Marsile Ficin et l’Art, Genève, Droz, 1996

Giorgio Vasari, Les Vies des Meilleurs Peintres ...., Vol 4, Paris, Berger-Levrault, 1983, pp. 253-266.

Erwin Panofsky, Renascimento e Renascimentos na Arte Ocidental, Lisboa, Presença, 1981

Erwin Panofsky, Estudos de Iconolgia, Lisboa, Estampa, 1986

Edgar Wind, Pagan Mysteries in the Renaissance, Oxford University Press, 1980 (ed. espanhola Los Misterios Paganos del Renacimiento, Madrid, Alianza, 1998). Um Mirella Levi d’Ancona, Due quadri del Botticelli eseguiti per nascite in Casa Medici, Firenze, Leo S. Olschki Editore, 1997.