Sumários

Antal, Hadjinicolaou, Adorno: a Teoria da Arte e o Marxismo.

18 Março 2021, 15:30 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

A grande novidade que traz a Sociologia da Arte de pendor marxista para a análise das obras de arte remete inevitavelmente para a obra de Frederick Antal (Budapest, 1887-Londres, 1954) e o seu extraordinário livro  Florentine Painting and its Social Background (1948), primeiro ensaio verdadeiramente importante na perspectiva do estudo e caracterização do mercado das artes na Florença entre o Gótico final e o Renascimento, à luz do acto de encomenda e da ideologia de classe dos artistas, mecenas e agentes encomendantes. Em 1948, saíu em Londres o livro  Florentine Painting and its Social Background: The Bourgeois Republic before Cosimo de’ Medici’s Advent to Power: XIV and Early XV Centuries. É na análise do contexto socio-económico, cultural, político e filosófico que reside uma das razões de ser das cíclicas ondas de subversão em que os bons artistas se movem. Segundo esse célebre estudo de Antal é desse modo que se pode justificar a radical viragem de gosto operada na arte em Florença no início do século XV à luz das mudanças sociais e das subsequentes alterações económicas e mentais operadas na República burguesa que imperava. Aí traça, à luz de novas estruturas de pensamento, o percurso da cultura, da religião e das artes na Toscana, entre Giotto e o Tardo-gótico, e Masaccio, Brunelleschi e o irromper do Renascimento. Tendo estudado em Berlim com Heinrich Wolfflin, e com doutoramento em Viena (com Max Dvórak), Antal foi membro do grupo Sonntagskreis, formado em Budapeste em 1915 (que integrou Gvorgy Lukács), e teve de fugir do país quando o Terror Branco derrubou a frágil república Socialista Húngara. Passa a Itália, onde trabalha, e em 1923 muda-se para Berlim, de onde foge com a chegada ao poder dos nazis, por ser judeu comunista, refugiando-se em Londres até à morte.  Os seus estudos usam o materialismo dialéctico no campo artístico, defendendo que «o estilo é primariamente uma expressão de ideologia, crença política e testemunho de classe social». É por isso que as críticas à sua obra incidem na forte determinação muito forte do estilo artístico pelas construções sociais, negligenciando a subjetividade das obras em favor de uma identificação destas com a classe social do artista e/ou do seu patrocinador.Antal, como eminente historiador da arte, forneceu-nos neste livro um relato pleno da arte florentina no século XIV e início do XV, bem como a exploração estimulante de questões sobre o conteúdo social da arte, esboçando um retrato de Florença num tempo assaz produtivo -- condições sócio-económicas, princípios religiosos, vida académica, controvérsias intelectuais, advento de um mercado burguês e capitalista. Assim explica a essência das obras de Gentile da Fabriano (por exemplo) à luz das novas circunstâncias ideológicas de mercado.

NICOS HADJINICOLAOU nasce em  1938 em Salonica. Historiador de arte, seguidor da teoria e metodologia marxista, é professor no El Greco Centre -- Institute of Mediterranean Studies, Rethymnon, Creta. Estudou nas Universiidades de Berlin, Freiberg, Munich e Paris, foi aluno de Pierre Francastel  (École Pratique des Hautes Études), Lucien Goldmann (1913-1970) e Pierre Vilar (1906-2003). A tese La lutte des classes en France dans la production d'images de l'année 1830 inspirará em 1973 o famoso Histoire de l'art et lutte des classes. Reflecte-se sobre questões de teorização e metodologia da disciplina da História da Arte a partir do conceito de ideologia imagética proposto pelas teses marxistas do historiador de arte grego Nicos Hadjinicolaou (n. 1938), analisando-se a sua utilidade operativa no caso da História de Arte, portuguesa e não só, e as vantagens (e também os limites) do seu uso prático  Aí analisa a oportunidade crítica da Sociologia marxista e, também, os perigos e redutorismos do uso do «marxismo vulgar» num processo analítico que minore a ênfase no olhar para as obras de arte propriamente ditas e valorize de modo absurdo o contexto económico que as envolve. Já em Rembrandt, que pinta em 1635 o tema do Rapto de Ganimedes para um mecenas calvinista holandês, os matizes eróticos clássicos sofrem uma mudança radical (e mordaz): a águia-Júpiter rapta um menino (quase um querubim) que urina e treme de medo )Museu de Dresden)…A pintura critica a homossexualidade de modo explícito.  O historiador de arte marxista Nicos Hadjinicolaou analisou o quadro sob essa perspectiva da ‘ideologia imagética’, à luz da ideologia do encomendante.

ADORNO, Verdenor Wiesehngrund, nasceu em Frankfurt, filho de Oscar Alexander Wiesengrund (1870-1941), judeu, negociante alemão de vinhos, convertido ao protestantismo, e de Maria Barbara Calvelli-Adorno, cantora lírica italiana e católica. Theodor passou a abreviar o último nome, utilizando o nome de solteira da mãe como sobrenome (Theodor W. Adorno, ou Theodor Adorno). Estudou música com a meia-irmã por parte de mãe, Agathe. Frequentou o Kaiser-Wilhelm-Gymnasium, onde se destacou como estudante. Ainda durante a adolescência, teve aulas de composição com Bernhard Sekles, leu Immanuel Kant com seu amigo Siegfried Kracauer, especialista em Sociologgia do Conhecimento. Mais tarde, diria que deveu mais a estas leituras do que a qualquer de seus professores universitários. Na Universidade de Frankfurt (actual Universidade Johann Wolfgang Goethe) estudou Filosofia, Estética, Musicologia, Psicologia e Sociologia. Completou rapidamente os estudos, defendendo em 1924 a tese sobre Edmund Husserl (A transcendência do objecto e do noemático na fenomenologia de Husserl), orientado pelo professor Hans Cornelius. Diz Adorno que essa tese foi muito influenciada por seu orientador. No fim da graduação conhece já dois de seus principais parceiros intelectuais, Max Horkheimer e Walter Benjamin Entre 1921 e 1923 publicou cerca de cem artigos sobre crítica e estética musical e conhece Vilma, com quem se casaria. Sua carreira filosófica começa em 1933 com a publicação da tese sobre Lierkegaard. Em 1925 conhece um dos filósofos que mais o influenciaram, o jovem Lukács que, sendo crítico de Kierkegaard, decepcionará o jovem Adorno e o leva a renegar a sua obra de juventude (A Teoria do Romance, por completo, e a História e Consciência de Classe, em parte). Essas obras são pilares do pensamento de Adorno, que travará polémicas com Lukács por seus "desvios" de pensamento em prol do partido.

A admissão do irracional (segundo ele, pensar o irracional é pensar as categorias tradicionais que supõem uma reafirmação das estruturas sociais injustas e irracionais da sociedade) leva Adorno a valorizar a ARTE, sobretudo a de vanguarda, já por si problemática – a música atonal de Arnold Schonberg, por exemplo -, porque supõe independência total em relação ao que representa a razão instrumental. Na arte, Adorno vê um reflexo mediado do mundo real. Da crítica da Razão, Adorno chega também à crítica da linguagem. Para ele, toda linguagem conceptual promove uma forma de violência cognitiva, pois nunca é possível conformar totalmente às palavras as objetos e sentimentos tais como eles são (contradição do "não-idêntico"). Como alternativa e complemento à linguagem conceitual, valoriza a linguagem artística, que consegue expressar irracionalidades, contradições e espanto dos sujeitos, sem as violentar por meio de conceitos. Ao erigir os seus próprios significados, cada obra de arte cria o seu mundo interno (ser-para-si), sem necessidade de se espelhar em objetos externos e incorrer em violência cognitiva. Para Adorno, a postura optimista de Benjamin no que diz respeito à função revolucionária do Cinema desconsidera certos elementos fundamentais, que desviam a sua argumentação para conclusões ingénuas. Embora devendo a maior parte de suas reflexões a Benjamin, Adorno procura mostrar a falta de sustentação dessas teses, na medida em que não trazem à luz o antagonismo que reside no próprio interior do conceito de “técnica”. Segundo Adorno, passou despercebido a Benjamin que a técnica define-se em dois níveis: “enquanto qualquer coisa determinada intra-esteticamente” e “como desenvolvimento exterior às obras de arte”. O conceito de técnica não deve ser pensado de maneira absoluta: ele possui uma origem histórica e pode desaparecer. Ao visar à produção em série e à homogeneização, a técnica de reprodução sacrifica a distinção entre o carácter da própria obra de arte e do sistema social. Por conseguinte, se a técnica passa a exercer imenso poder sobre a sociedade, tal ocorre, segundo Adorno, graças, em grande parte, ao fato de que as circunstâncias que favorecem tal poder são arquitetadas pelo poder dos economicamente mais fortes sobre a própria sociedade. Assim, a racionalidade da técnica identifica-se com a racionalidade do próprio domínio. Essas considerações evidenciariam que, não só o cinema, como também a rádio, não devem ser tomados como arte... “O facto de não serem mais que negócios – escreve Adorno – basta-lhes como ideologia”. Enquanto negócios, os seus fins comerciais são realizados por meio de sistemática e programada exploração de bens considerados culturais. Tal exploração Adorno chama de “indústria cultural”.

O termo foi empregue pela primeira vez em 1947, quando da publicação da Dialéctica do Iluminismo, de Horkheimer e Adorno. Numa série de conferências de rádio, em 1962, explicou que a expressão “indústria cultural” visa substituir “cultura de massas”, pois esta induz ao engodo que satisfaz os interesses dos detentores dos veículos de comunicação de massa. Os defensores da expressão “cultura de massa” querem dar a entender que se trata de algo como uma cultura surgindo espontaneamente das próprias massas. Para Adorno, que diverge frontalmente dessa interpretação, a indústria cultural, ao aspirar à integração vertical de seus consumidores, não apenas adapta seus produtos ao consumo das massas, mas, em larga medida, determina o próprio consumo. Interessada nos homens apenas enquanto consumidores ou empregados, a indústria cultural reduz a humanidade, em seu conjunto, assim como cada um de seus elementos, às condições que representam os seus interesses. A indústria cultural transporta todos os elementos característicos do mundo industrial moderno e nele exerce um papel específico, o de portadora da ideologia dominante, que outorga sentido a todo o sistema. Adorno fala acerca da ideologia capitalista, e sua cúmplice, a indústria cultural contribui eficazmente para falsificar as relações entre os homens, bem como dos homens com a natureza, de tal forma que o resultado final constitui uma espécie de anti-iluminismo. Considera Adorno que o iluminismo tem como a finalidade libertar os homens do medo, tornando-os senhores e libertando o mundo da magia e do mito, e admitindo que essa finalidade pode ser atingida por meio da ciência e da tecnologia, tudo levaria a crer que o iluminismo instauraria o poder do homem sobre a ciência e a técnica. Ao invés disso, liberto do medo mágico, o homem tornou-se vítima de novo engodo: o progresso da dominação técnica. Esse progresso transformou-se em poderoso instrumento utilizado pela indústria cultural para conter o desenvolvimento da consciência das massas. A indústria cultural nas palavras do próprio Adorno “impede a formação de indivíduos autónomos, independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente”. O ócio do homem é utilizado pela indústria cultural com o fito de mecanizá-lo, de tal modo que, sob o capitalismo, na sua forma mais avançada, a diversão e o lazer tornam-se um prolongamento do trabalho. Para Adorno, a diversão é buscada pelos que desejam esquivar-se ao processo de trabalho mecanizado para colocar-se, novamente, em condições de se submeterem a ele. A mecanização conquistou tamanho poder sobre o homem, durante o tempo livre, e sobre a sua felicidade, determinando tão completamente a fabricação dos produtos para distração, que o homem não tem acesso senão a cópias e reproduções do seu próprio trabalho. O suposto conteúdo não é mais que pálida fachada: o que de facto lhe é dado é a sucessão automática de operações reguladas. Em suma, “só se pode escapar ao processo de trabalho na fábrica e na oficina, adequando a ele o ócio.

A Filosofia de Theodor Adorno, considerada uma das mais complexas do século XX, fundamenta-se na perspectiva da Dialéctica. Uma das suas importantes obras, a Dialética do Esclarecimento, em colaboração com Max Horkheimer durante a Segunda Grande Guerra, é uma crítica da razão instrumental, conceito fundamental deste último filósofo (ou uma crítica, fundada em uma interpretação negativa do Iluminismo, de uma civilização técnica e da lógica cultural do sistema capitalista, que Adorno chama de indústria cultural"). Também é uma crítica à sociedade de mercado que não persegue outro fim que não o do progresso técnico. A actual civilização técnica, surgida do espírito do Iluminismo e do seu conceito de razão, não representa mais que um domínio racional sobre a natureza, que implica, ao mesmo tempo, um domínio (irracional) sobre o homem; os diferentes fenómenos de barbárie moderna (fascismo e nazismo) não seriam outra coisa que as piores manifestações desta atitude autoritária de domínio sobre o outro, e neste caso Adorno recorrerá a outro filósofo alemão, Nietzche. Na Dialéctica Negativa, Adorno intenta mostrar o caminho de uma reforma da razão em si mesma, com o fim de libertá-la deste lastro de domínio autoritário sobre as coisas e os homens, lastro que ela carrega desde a razão iluminista. Opõe-se à filosofia dialéctica inspirada em Hegel, que reduz ao princípio da identidade ou a sistema todas as coisas através do pensamento, superando suas contradições (crítica também do Positivismo Lógico, que deseja assenhorar-se da natureza por intermédio do conhecimento científico), o método dialéctico da não-identidade", de respeitar a negação, as contradições, o diferente, o dissonante, o que chama também de inexpressável: o respeito ao objecto, enfim, e a recusa do pensamento sistemático. A razão só deixa de ser dominante se aceita a dualidade de sujeito e objecto, interrogando e interrogando-se sempre o sujeito diante do objecto, sem saber sequer se pode chegar a compreendê-lo por inteiro.


A Semiótica, de Omar Calabrese a Martine Joly.

16 Março 2021, 15:30 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

TEORIA DA HISTÓRIA DA ARTE: COMO SE LÊ UMA OBRA DE ARTE, À LUZ DA SEMIÓTICA DE OMAR CALABRESE.

OMAR CALABRESE, “Como se Lê uma Obra de Arte”, Edição em língua portuguesa de Edições 70, Lisboa, 1997, ISBN 972-44-0963-5, 144 pp. (125 de texto). Título original “Cómo se lee una obra de arte”, Ediciones Cátedra, S.A., 1993.

AUTOR: OMAR CALABRESE – Professor de Arte e Semiótica na Universidade de Siena, natural de Florença, onde nasceu em 1949.

O que é a Semiótica – teoria dos signos:

—Semiótica, Signo, Significação. O signo como elemento do processo de comunicação. Definição de semiótica como teoria dos signos (Charles Sanders Peirce). Semiótica (Peirce) e Semiologia (Saussure). Tipos e classificação dos signos. A arbitrariedade do signo: código e contexto.—A função-signo (Roland Barthes).  Níveis de significação: denotação e conotação.  A retórica da imagem: a publicidade e a moda. —A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica (Walter Benjamin). Os efeitos da técnica. Fotografia e cinema.

—Percepção e cognição visual. Espaço e tempo. Sentido e representação. Perspectiva e movimento. Cores e formas. Imagem e grafismo. Desafios dos novos meios. Imagens manipuladas e sentidos construídos.  

A Intertextualidade: - É nesta linha teórico-interpretativa que Calabrese escolhe como análise-modelo “Os Embaixadores” de Hans Holbein, o Jovem.- Importância da aplicação do modelo característico da semiologia pictural à Pintura, entendida como linguagem estruturada e autónoma.

- Em resumo, Omar Calabrese pertence a uma nova geração de críticos de arte cujos pressupostos teóricos se afirmam na década de 90 e onde se incluem nomes como Victor I. Stoichita, Marc Bayard, David Freedberg, Georges Didi-Hubermen, Hans Belting, etc.

- No discurso teórico de Calabrese transparece toda uma utensilagem metodológica alimentada por conceitos operativos fundamentais para a descodificação do processo comunicativo, no qual ocupa lugar privilegiado a linguagem artística e, naturalmente, o discurso pictórico. Assim se compreende a alusão, nas suas análises, a termos como estratégia discursiva, narratividade, metáfora, signo, unicidade, memória, autenticidade, totalidade, alegoria, trans-semioticidade, contextualidade, cruzamento… propondo uma verdadeira taxonomia.

Do ponto de vista crítico, a grande abertura expressa por Calabrese relativamente ao processo de análise da obra de arte, é bem o espelho da sua atitude de humildade, patente no seu reconhecimento de que a mensagem da obra não se esgota no signo, enquanto substituto significante de qualquer coisa. Daí o apelo do autor a elementos exteriores ao conteúdo, sejam eles dados biográficos, informação histórica, relações do artista com a sociedade, domínio da iconologia, etc., os quais embora excluídos do processo comunicacional, completam o entendimento da globalidade da obra de arte.

Muitas das questões colocadas por Calabrese relativamente ao universo comunicativo da produção artística continuam em aberto, pois no actual estado do debate teórico nada está definitivamente encerrado. A obra de arte oferece-se à interrogação, e a abordagem semiótica não a esgota; as áreas cruzadas com a semiologia, designadamente no domínio das ciências humanas, a interdisciplinaridade, a aproximação metodológica a outras linguagens da crítica, constituem recursos que tornam inesgotável o processo de inteligibilidade da obra.

Como se lê uma Obra de Arte” é uma obra de qualidade inquestionável para estudiosos, críticos e historiadores da arte, com destaque para o seu contributo semântico, o qual justificaria o melhoramento da qualidade de reprodução das imagens reproduzidas e, bem assim, do teor de informação veiculada pelas respectivas legendas.

BIBL.:

—JOLY, Martine (1999), Introdução à análise da imagem, Lisboa: Edições 70.
FIDALGO, António, GRADIM, Anabela (2005), Semiótica Geral, disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/fidalgo-antonio-manual-semiotica-2005.pdf
BARTHES, Roland (1984), O óbvio e o obtuso, Lisboa: Edições 70.
BENJAMIN, Walter (1999), Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política, Lisboa: Relógio d''Água.
JOLY, Martine (2000), A imagem e os signos, Lisboa: Edições 70.
MANOVICH, Lev (2005), El lenguaje de los nuevos medios de comunicación. La imagen en el era digital, Barcelona: Paidós.
MONTEIRO, Gilson (1997), A metalinguagem das roupas, disponível em:
http://www.bocc.ubi.pt/pag/monteiro-gilson-roupas.pdf
PEIRCE, Charles Sanders (1977), Semiótica, São Paulo: Perspectiva.
SONTAG, Susan (1986), Ensaios Sobre Fotografia, Lisboa: Dom Quixote.


A Semiótica: de Omar Calabrese a Martine Joly.

16 Março 2021, 14:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

TEORIA DA HISTÓRIA DA ARTE: COMO SE LÊ UMA OBRA DE ARTE, À LUZ DA SEMIÓTICA DE OMAR CALABRESE.

OMAR CALABRESE, “Como se Lê uma Obra de Arte”, Edição em língua portuguesa de Edições 70, Lisboa, 1997, ISBN 972-44-0963-5, 144 pp. (125 de texto). Título original “Cómo se lee una obra de arte”, Ediciones Cátedra, S.A., 1993.

AUTOR: OMAR CALABRESE – Professor de Arte e Semiótica na Universidade de Siena, natural de Florença, onde nasceu em 1949.

O que é a Semiótica – teoria dos signos:

—Semiótica, Signo, Significação. O signo como elemento do processo de comunicação. Definição de semiótica como teoria dos signos (Charles Sanders Peirce). Semiótica (Peirce) e Semiologia (Saussure). Tipos e classificação dos signos. A arbitrariedade do signo: código e contexto.—A função-signo (Roland Barthes).  Níveis de significação: denotação e conotação.  A retórica da imagem: a publicidade e a moda. —A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica (Walter Benjamin). Os efeitos da técnica. Fotografia e cinema.

—Percepção e cognição visual. Espaço e tempo. Sentido e representação. Perspectiva e movimento. Cores e formas. Imagem e grafismo. Desafios dos novos meios. Imagens manipuladas e sentidos construídos.  

A Intertextualidade: - É nesta linha teórico-interpretativa que Calabrese escolhe como análise-modelo “Os Embaixadores” de Hans Holbein, o Jovem.- Importância da aplicação do modelo característico da semiologia pictural à Pintura, entendida como linguagem estruturada e autónoma.

- Em resumo, Omar Calabrese pertence a uma nova geração de críticos de arte cujos pressupostos teóricos se afirmam na década de 90 e onde se incluem nomes como Victor I. Stoichita, Marc Bayard, David Freedberg, Georges Didi-Hubermen, Hans Belting, etc.

- No discurso teórico de Calabrese transparece toda uma utensilagem metodológica alimentada por conceitos operativos fundamentais para a descodificação do processo comunicativo, no qual ocupa lugar privilegiado a linguagem artística e, naturalmente, o discurso pictórico. Assim se compreende a alusão, nas suas análises, a termos como estratégia discursiva, narratividade, metáfora, signo, unicidade, memória, autenticidade, totalidade, alegoria, trans-semioticidade, contextualidade, cruzamento… propondo uma verdadeira taxonomia.

Do ponto de vista crítico, a grande abertura expressa por Calabrese relativamente ao processo de análise da obra de arte, é bem o espelho da sua atitude de humildade, patente no seu reconhecimento de que a mensagem da obra não se esgota no signo, enquanto substituto significante de qualquer coisa. Daí o apelo do autor a elementos exteriores ao conteúdo, sejam eles dados biográficos, informação histórica, relações do artista com a sociedade, domínio da iconologia, etc., os quais embora excluídos do processo comunicacional, completam o entendimento da globalidade da obra de arte.

Muitas das questões colocadas por Calabrese relativamente ao universo comunicativo da produção artística continuam em aberto, pois no actual estado do debate teórico nada está definitivamente encerrado. A obra de arte oferece-se à interrogação, e a abordagem semiótica não a esgota; as áreas cruzadas com a semiologia, designadamente no domínio das ciências humanas, a interdisciplinaridade, a aproximação metodológica a outras linguagens da crítica, constituem recursos que tornam inesgotável o processo de inteligibilidade da obra.

Como se lê uma Obra de Arte” é uma obra de qualidade inquestionável para estudiosos, críticos e historiadores da arte, com destaque para o seu contributo semântico, o qual justificaria o melhoramento da qualidade de reprodução das imagens reproduzidas e, bem assim, do teor de informação veiculada pelas respectivas legendas.

BIBL.:

—JOLY, Martine (1999), Introdução à análise da imagem, Lisboa: Edições 70.
FIDALGO, António, GRADIM, Anabela (2005), Semiótica Geral, disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/fidalgo-antonio-manual-semiotica-2005.pdf
BARTHES, Roland (1984), O óbvio e o obtuso, Lisboa: Edições 70.
BENJAMIN, Walter (1999), Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política, Lisboa: Relógio d''Água.
JOLY, Martine (2000), A imagem e os signos, Lisboa: Edições 70.
MANOVICH, Lev (2005), El lenguaje de los nuevos medios de comunicación. La imagen en el era digital, Barcelona: Paidós.
MONTEIRO, Gilson (1997), A metalinguagem das roupas, disponível em:
http://www.bocc.ubi.pt/pag/monteiro-gilson-roupas.pdf
PEIRCE, Charles Sanders (1977), Semiótica, São Paulo: Perspectiva.
SONTAG, Susan (1986), Ensaios Sobre Fotografia, Lisboa: Dom Quixote.


Balanço crítico sobre a iconologia.

11 Março 2021, 15:30 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Balanço crítico sobre a iconologia. Debate.


Georges Didi-Huberman e o pensamento iconológico actual.

9 Março 2021, 15:30 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Georges Didi-Huberman, historiador de arte e filósofo, professor na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, é o herdeiro intelectual de Aby Warburg, de Walter Benjamin e de Georges Bataille, e tem consagrado a sua reflexão iconológica a uma leitura crítica da tradição da História da Arte e do pensamento das imagens. Abrangendo tanto as artes visuais como a História da Arte, a Psicanálise, a Antropologia e as Ciências Humanas, Didi-Huberman publicou mais de 40 títulos, traduzidos em várias línguas. a sua obra recobre uma multiplicidade assombrosa de temas e artistas, da histeria ao Holocausto, de Fra Angelico a Pasolini, entre outros.

Georges Didi-Huberman nasceu em Saint-Étienne em 1953 e é filósofo, historiador, crítico de arte, professor da École de Hautes Études em Sciences Sociales, em Paris e autor de títulos como La Peinture incarnée, suivi de Le chef-d’oeuvre inconnu par Honoré de Balzac (Paris: Minuit, 1985), Devant l’image. Question posée aux fins d’une histoire de l’art (Paris: Minuit, 1990), Ce que nous voyons, ce qui nous regarde (Paris: Minuit, 1992; trad. O que vemos, o que nos olha, São Paulo, Editora 34, 1998; Porto, Dafne, 2011), La Ressemblance de l’informe, ou le gai savoir visuel selon Georges Bataille (Paris: Macula, 1995), Devant le temps. Histoire de l’art et anachronisme des images (Paris: Minuit, 2000) e L’image survivante. Histoire de l’art et temps des fantômes selon Aby Warburg (Paris: Minuit, 2002).

As fronteiras entre Historia da Arte, imagens e Antropologia foram felizmente abaladas no decorrer das duas últimas décadas. Na virada cognitiva visual do nosso tempo, essas ciências – Antropologia e História da Arte – outrora distintas, vão redescobrindo a natureza e os horizontes de seus próprios começos. Num ensaio de Etienne Samain, retraçam-se algumas das etapas de relações entre antropologia, imagens e arte, remetendo às contribuições de Gregory Bateson, Claude Lévi-Strauss, Alfred Gell, Hans Belting, William J.T.Mitchell e, em novo espaço crítico, a obra humanistica de Georges Didi-Huberman, na linhagem de Aby Warburg e Walter Benjamin. Situam-se  as imagens e o saber visual num campo privilegiado de questionamentos sobre a nossa História e sobre o porvir de nosso planeta. Para Aby Warburg, mentor de Didi-Hubermann, a História da Arte não se define no sentido cronológico ou evolutivo da análise estilístico-formal, mas sim através do estudo do sentido da involução morfológica que afecta de anacronismo todos os modos históricos e estilos. Urge estabelecer, portanto, um espaço de reflexão e de investigação – a que chamou Denkraun – que permita o projecto de uma psicologia histórica da expressão humana a partir do estudo das imagens. Esse teatro será a Biblioteca por si imaginizada, construída a partir de 1926 em Hamburgo para albergar a célebre Kultgurwissenschstliche Bibliothek Warburg.  Defende o conceito de imagem em contínuo movimento, apto a criar espaços de trans-contextulidade, de acúmulo de memórias e afectos e, por conseguinte, de demanda de um olhar antropológico.

As quatro fotografias tomadas clandestinamente em Auschwitz-Birkenau acompanharam o trabalho de Dici-Huberman de modo quase obsessivo. Mostram um extermínio em massa. Toda a revolta que causa, para um historiador das imagens, está destinada ao fracasso, ainda que a força testemunhal que delas se exala sej enorme. As fotografias testemunham um levantamento, ainda que desesperado, por ser conduzido prisioneiros judeus que arriscaram fazer essas fotografias para testemunhar para além de sua própria morte – mas o que sucede é que são precisamente as imagens que se insurgem e que sobrevivem…Images malgré tout, obra seminal de Didi-Huberman (2003) é uma elaboração do problema da visualidade da Shoah (Holocausto) a partir de quatro fotografias capturadas em agosto de 1944 no crematório V do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, por membros do Sonderkommando nazi: grupo de judeus e comunistas obrigados, em troca de parca sobrevida, a conduzir os recém-chegados às câmaras de gás e recolher os cadáveres, arrastá-los aos fornos crematórios, limpar os dejectos e dispersar as cinzas !

No verão de 1944, alguns imembros do Sonderkommando conseguiram, articulados com a resistência polaca, transmitir ao mundo os únicos testemunhos visuais do genocídio. Escondidos num tubo de pasta de dentes, os negativos, junto com manuscritos (depois publicados França sob o título “Vozes sob as cinzas”), foram enviados pelos prisioneiros , assim furando a lógica implacável do universo concentracionário. A máquina, escondida num balde, documenta o momento em que 24 .000 judeus e comunistas húngaros eram executados por dia, com aniquilação de 435.00 em apenas quatro meses. As câmaras de gás funcionavam 24 horas por dia, até que os fornos crematórios e o Zyklon B (substância que produzia o gás letal) se esgotavam…  É nesse contexto que, sob a moldura negra do interior da câmara de gás do Crematório V e sob pena de execução imediata, o grego conhecido como Alex pôde tirar a câmara, apertar o obturador e registar as trémulas imagens. Dois anos antes da publicação de Images malgré tout, as imagens deste inferno (precárias mas tão falantes), tornaram-se alvo de polémica aquando da exposição Mémoire des camps - Photographies des camps de concentration et d’extermination nazis 1933-1999 (Paris., 2001)

“O imaginável como experiência não pode ser o inimaginável como dogma”, diz Didi-Huberman, sobre a imagem que nada ou pouco revela para além do gesto último de alguém que, sob vigilância dos SS faz aparecer ao mundo o bosque de bétulas de Birkenau. Ora as imagens interrogam essas testemunhas indiferentes e mudas. Didi-Huberman não nega o “inimaginável” e o “irrepresentável” da ordem da experiência traumática, como aporia do testemunho e fundamento negativo da linguagem, encarnado pelo sobrevivente. Nega, sim, o “inimaginável”, o “irrepresentável” como norma, dogma e imperativo, tão evocados por certas “estéticas da negatividade” (os quadros suprematistas de Malevitch, os monocromos negros de Ad Reinhardt) e, mais perigosamente, manipulados pelo negacionismo histórico. Damos-lhe a palavra: «Costumamos pensar que as imagens devem mostrar algo reconhecível, mas elas são mais do que isso. São gestos, actos de fala. As sombras e a falta de foco dessas fotos mostram a urgência e o perigo com que foram feitas. Eliminar isso com o pretexto de que prejudicam a visibilidade é errado. Essas fotos são testemunhos, e é desonesto cortar a fala de uma testemunha. Temos que escutar também seus silêncios».•Estas fotografias feitas por prisioneiros de antemão condenados , captadas do interior de um crematório, coloca uma radical problemática ética, política e estética entre a tomada de posição e a posterior manipulação dessas imagens. Por isso, não sendo a imagem uma coisa, um troféu privado, mas um gesto, um “acto coletivo” historicamente situado, como é o caso, Didi-Huberman afirma: ela responde a esse ato com outro acto, nosso próprio olhar. •O gesto do fotógrafo clandestino foi, no final das contas, tão simples quanto heróico, ao usar a máquina no interior da câmera de gás, justamente onde os SS o abrigava, dia após dia, a descarregar os cadáveres das vítimas assassinadas. Alex transformou, por raros segundos roubados, o trabalho servil, o seu trabalho de escravo de inferno, num verdadeiro trabalho de resistência”. Sendo assim, pergunta, o seu acto de testemunho não devia ser entendido como um minúsculo deslocamento do trabalho de morte em trabalho de olhar ?  Reenquadradas pelo Museu de Auschwitz-Birkenau, decupadas em Noite e neblina, negadas em Shoah, problematizadas em "Cascas" e reencenadas em O filho de Saul, essas imagens, clandestinas e sobreviventes, sublevam-se, rasgam o arquivo e o fazem-nos murmurar…

Numa entrevista dada à Marianne Alphant no Centro Pompidou em junho de 2010, Georges Didi-Hubermann dizia: «O meu sonho era o de fazer o que Michel Foucault conseguiu nos seus textos [As palavras e as coisas], isto é, esboçar uma arqueologia do saber visual». Que caminhos heurísticos e metodológicos sugere, que indagações propõe ?  Parte da ideia de que as imagens são fenómenos, acontecimentos, aparições, revelações, epifanias, luzes que queimam o tecido humano (social) e interpelam (ou não) nosso quotidiano. Olhamos Gostaria para elas e deixamos que nos provoquem, inquietem (ou deixem indiferentes), já que elas não são apenas actos e factos, mas lugares de memórias (lembranças, retomas, sobrevivências, ressurgências… nachleben !), revelações de tempos passados e presentes, senão lugares de expectativas, esperança, prefigurações, presságios, promessas, desejos...Ver arte não é só estudar campos de memória, arquivos vivos e lugares de desejos, mas sobretudo terrenos de questões sobre nossa história e o nosso ser, os nossos anseios e apelos que nos convocam a tomar posição em nome da história humana, em nome do porvir de nosso planeta. 

Assim, importa não só pensar a imagem  mas pensar por imagens, isto é, aprender a abrir, a desdobrar as imagens, para nelas se redescobrir, na perspectiva aberta por Walter Benjamin, os seus profundos valores de uso (de utilização, de projecto) para o nosso tempo. O antropólogo, o cientista social, o historiador de arte, tem de ir além da descrição, do registo, da documentação da história presente dos homens e das culturas, etc, pois deve «atentar  nas pulsões e sofrimentos do mundo, e transformá-los e remontá-los numa forma explicativa implicativa e alternativa» (Didi-Huberman 2010:191) .Pergunta Didi-Hubermann: «Somos artistas, antropólogos, sociólogos, historiadores de arte, fotógrafos, videógrafos, amantes das imagens, seres humanos. Levanto esta questão: o que faremos das imagens (das imagens dos outros e de nossas imagens) para servir ao nosso século, para pensar nossa História, para fazer viver os homens? E, mais ainda: como faremos delas e com elas, lugares de conhecimentos e de questionamentos, actos de memória, campos de desejos e de futuros ?»

A HISTÓRIA DA ARTE É TAMBÉM UM EXERCÍCIO DE COMPAIXÃO. O trabalho do antropólogo das imagens Georges Didi-Huberman (1953-) é,  pois, um desafio analítico-comparatista do saber ver. Como diz, as imagens tomam posição e, mais, coincidem num ponto: exprimem a infinda compaixão pelos outros, os oprimidos da História, as vítimas do mundo transfigurado em arena de cobiças, o mistério vivencial dos deserdados. Sim, as artes não se fazem ignorando a desordem do mundo mas podem consolar os que nela (e com ela) vivem. 


• Livros em português de Georges Didi-Huberman: 

--1992, O que vemos, O que nos olha, São Paulo, Editora 34, 1998.

--1992, O que nós vemos, O que nos olha, trad. G. Anghel e J. P. Cachopo, Porto, Dafne, 2011.

--2002, A Imagem Sobrevivente. História da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg, trad. V. Ribeiro, Rio de Janeiro, Contraponto, 2013.

--2004, Imagens apesar de tudo, trad. V. Brito e J. P. Cachopo, Lisboa, KKYM, 2012.

--2009, Ser crânio. Lugar, contato, pensamento, escultura, trad. V. C. Nova, A. Tugny, Belo Horizonte, Ed. C/Arte,  2009.

--2011, Atlas ou a Gaia Ciência Inquieta, trad. R. C. Botelho e R. P. Cabral, Lisboa, KKYM+EAUM, 2013.

--2011, Sobrevivência dos vaga-lumes, trad. V. C. Nova e M. Arbex, Belo Horizonte, Editora UFMG, 2011.

--2013, Falenas. Ensaios sobre a aparição, trad. A. Preto, V. Brito, et. al., KKYM, Lisboa, 2015.

--2013, Que emoção! Que emoção?, trad. M. P. Santos, KKYM, Lisboa, 2015.