Sumários

Os Painéis de S. Vicente de Nuno Gonçalves como testemunho do Proto-Renascimento em Portugal.

23 Setembro 2019, 10:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

OS PAINÉIS DE S. VICENTE DA SÉ DE LISBOA  (c. 1460-1470)breve 'status quaestionis' sobre a obra-prima da pintura portuguesa

 

       Há precisamente cem anos, era revelado ao grande público na Academia Nacional de Belas-Artes o processo de restauro dos chamados Painéis de São Vicente, conduzido por Luciano Freire, e dado à estampa o livro do Dr. José de Figueiredo O pintor Nuno Gonçalves, considerado ainda hoje uma das peças incontornáveis na magna questão suscitada pelas famosas tábuas quatrocentistas.

     Longe de estarem solucionados, os problemas da identidade da obra continuam a abrir campo às paixões e às polémicas, a teses contrafactuais e mesmo a especulações. Sendo tantos os mistérios que na obra permanecem insondáveis, à míngua de documentação de arquivo esclarecedora ou de dados sólidos de cotejo estilístico para a identificação de personagens, é natural que a altíssima qualidade da obra atraia proporcione esclarecimentos deste ou daquele aspecto da pintura e explica-se também que, à margem da ciência histórico-artística, continue a dar lugar a um elán irresistível que gera leituras sensacionalistas e pseudo-teses sem a mínima fundamentação.

     Mesmo assim, a História da Arte avançou, e não pouco, no decurso do último século a respeito do sentido e potencialidades desta formidável galeria de retratados da Dinastia de Avis reunidos em acto de adoração a um santo diácono duplicado ao centro.

     Sabemos, por exemplo, que se trata de um grandioso ex-voto gratulatório a São Vicente, diácono-patrono da Cidade, do Reino e das Conquistas do Norte de África, reunindo a corte, os fidalgos, o Cabido da Sé, as ordens religiosas, gente de ofícios e da administração, pescadores, mercadores, um trabalhador braçal. Também sabemos que estes seis painéis (e mais outros dois com martírios de São Vicente, hoje no MNAA) integravam a decoração da antiga capela de S. Vicente na Sé Catedral de Lisboa, junto ao venerado túmulo e relíquias do santo, e que esse altar era constituído por mais tábuas colocadas em fiadas sobrepostas, com cenas de milagres e martírios do santo (de que nos chegaram as duas referidas), podendo ser melhor esclarecida a vida desse famoso altar conforme à vasta documentação reunida (34 documentos), que mostra ser alvo de grande devoção de todos que visitavam Lisboa. Sabemos, ainda, que as tábuas foram executadas cerca de 1460-70, dadas as características do estilo, da técnica e dos elementos compositivos, que os exames laboratoriais confirmaram. Sabemos, enfim, o nome do pintor que dirigiu a empreitada, que se chamava Nuno Gonçalves, artista muito elogiado por fontes antigas como uma das Águias da Pintura, e que exerceu a actividade de pintor régio de D. Afonso V desde 1450, pintando em 1471 um retábulo para a Capela do Paço Real de Sintra, sendo agraciado por esses anos pelo Infante D. Pedro da Catalunha com um cavalo estante em Barcelona, e que faleceu em Lisboa pouco antes de 1492. Não são poucas, assim, as bases de conhecimento do artista a quem se devem as tábuas do Museu Nacional de Arte Antiga... aliás oito e não seis, pois  a  descoberta de Adriano de Gusmão, em 1955, das duas outras tábuas de Nuno Gonçalves, o excepcional S. Vicente atado à coluna e o fragmento de S. Vicente na cruz em aspa, como painéis restantes do antigo retábulo da Capela de S. Vicente da Sé de Lisboa, veio dar a verdadeira identidade estilística que faltava para se compreenderem as seis da Veneração. E não só identidade estilística, também iconográfica, sendo óbvio que a figura martirizada de S. Vicvente era (é) a mesma que, trajando dalmática, se encontra como diácono e com seu nimbo luminoso de santidade no centro dos Painéis chamados do Infante e do Arcebispo.

     Mas são muitas as questões que continuam sem resposta. Não sabemos quem são os sessenta representados. Nâo sabemos para quê a obra foi feita, ou seja, que evento político ou militar específico é tratado e com que objectivo veneratório ou gratulatório. Não sabemos quem a encomendou, se o Cabido, a Corte, o Senado da Câmara, a Confraria de São Vicente da Sé, se todas estas entidades em conjunto. Não sabemos como se dispunha exactamente a obra na sua primitiva capela da Sé, destruída com o terramoto (ainda que os painéis não estivessem lá à data do megassismo, estando provada a sua oportuna transferência em 1742 para o palácio do Patriarcado em Marvila). Enfim, não sabemos onde se formou Nuno Gonçalves -- embora a referência do atento tratadista renascentista Francisco de Holanda, em 1548, quando dele diz ser o único português que «merece memória» e que deve o saber aos «antiguos e italianos pintores» cuja «discrição» quis «imitar» --, levem a concluír que o pintor, como retratista exímio dotado de um naturalismo requintado e senhor de uma técnica aprimorada, com o seu cromatismo cálido, sensibilidade por camadas transparentes e personalizado desenho, conhecia o ambiente proto-renascentista mediterrânico de Gozzoli, Mantegna, Castagno, Gentile da Fabriano, e até de Huguet, que a documentada estadia em Barcelona vem comprovar -- sendo de todos os modos uma questão insolúvel o modo como se pode entender a altíssima qualidade e maturidade estética da peça no contexto internacional do seu tempo, sobretudo num país ainda tão arreigado à tradição goticista.       

)     Quando se admira o celebérrimo Políptico do Museu Nacional de Arte Antiga, o problema que verdadeiramente se nos coloca é o da altíssima qualidade plástica, unitária e personalizada, sem antecedentes na geração anterior e quase sem continuidade nivelada na pintura do tempo de D. João II. Além das oito tábuas do altar de S. Vicente, de Nuno Gonçalves só restam mais quatro tábuas (com figuras de santos, obra de oficina, destinada a outra empreitada), e duas ou três peças epigonais (Museu de Arte Sacra da Sé de Évora e Sé do Funchal). É estranho o hiato da pintura nacional que corresponde à sequência Nuno Gonçalves: dos fins do século XV, apenas avulta como obra acima da mediania o antigo Políptico de Santa Clara-a-Velha, pintado cerca de 1486 pela Oficina coimbrã de Vicente Gil, um pintor ao serviço da Rainha D. Leonor e devedor de certos modelos gonçalvinos, ainda que num estágio de formulação estética e criadora que se manifesta, claramente, retardatário.      A identidade do santo diácono repetido no centro do friso da veneração foi uma das questões mais discutidas (tendo a recusa em aceitar a tese vicentina sugerido imensas alternativas e probabilidades de destino da obra): ao santo chamaram, em diversas 'teses', Santo Eduardo, Infante Santo D. Fernando, Carlos da Catalunha, Infante D. Jaime, São Tiago, Santa Catarina, Santos Crispim e Crispiniano, São Tomás de Cantuária, S. Jorge, etc etc. Mas é sem dúvida, simplesmente, São Vicente, e essa é uma das constatações a afirmar com segurança; bastava o uso da dalmática (que à época só pode ser usada pelos três diáconos São Vicente, Santo Estêvão e São Lourenço), para restringir as hipóteses sugeridas por tantos autores que, depois do livro de José de Figueiredo, vieram questionar a tese S. Vicente. Destes autores, só José Saraiva (1925) merece ser referenciado dada a qualidade argumentativa na crítica à construção metodológica de José de Figueiredo (que não na parte 'construtiva') e dado que tem justificado cíclicas retomas na polémica dos Painéis, mas a verdade é que o duplo santo não pode ser o Infante Santo, bastando ver-se a iconografia distinta de representação desse infeliz príncipe no tríptico da capela do Infante D. Henrique na Capela do Fundador do Mosteiro da Batalha (c. 1460, hoje no MNAA), na iluminura da Biblioteca do Vaticano, na escultura do portal axial dos Jerónimos (de Nicolau Chanterene, 1517-18), na gravura da Anacephalaeoses do Pe António Vasconcelos (Antuérpia, 1621) ou em gravura da Clypeus Castitatis (1653) e do Acta Sanctorum de Daniel Papebroeck (fim do séc. XVII). A monarquia portuguesa queria preservar por razões propagandísticas a imagem do príncipe cativo e foi essa que serviu à falhada pretensão de canonização do Infante Santo.     Em suma: temos para os Painéis de São Vicente um status quaestionis com cento e trinta anos de historial, a partir da redescoberta em 1882, e não esquecendo as muitas e prementes matérias que permanecem sem resposta credível, permite apurar quatro questões (todas elas muito relevantes) que já podem ter hoje uma cabal resposta:

     Quem foi a oficina responsável ?

     -- Nuno Gonçalves, o pintor régio de D. Afonso V, bem documentado nas chancelarias, e devidamente elogiado na Pintura Antigua de Francisco de Holanda como o autor do famoso retábulo vicentino da Sé. Tal como a memória da obra foi curta (apeada e escondida durante séculos), também a memória do pintor foi desaparecendo, confundida com a dos inexistentes Mota (doc. Rio de Janeiro) e Brás Pereira (doc. Fr. Inácio da Boa Morte).

     Quando se fez ?

     -- Todas as caracterísricas de técnica de execução, de preparação, de estilo de produção, de madeiras, de iconografia de vestuário, acessórios, armas, etc, apontam para uma cronologia cerca 1460-70.

     Para onde se destinou a obra ?

     -- Cerca de trinta e cinco documentos desde meado do século XV permitem acompanhar as vicissitudes do altar vicentino da Sé, até às reformas barrocas sofridas, alterações e repintes quinto-joaninos, e transferência para o paço de Marvila, em boa hora, no ano de 1742, assim escapando do terramoto.

     Qual o santo duplamente venerado ao centro do políptico ?

     -- Apenas e só São Vicente, protodiácono e mártir, padroeiro da Cidade de Lisboa, do Reino de Portugal e das Conquistas no Norte de África. A identificação por Adriano de Gusmão de duas tábuas das fiadas superiores (com a mesma personagem, despida, em fases de martírio) veio atestar a identidade, e permitir reconstituir o programa iconográfico do conjunto catedralíceo que se montou junto ao túmulo das relíquias, retirando, assim, quaisquer dúvidas sobre a identificação do Santo duplamente representado na Veneração.

 

 


BIBL..: Seis livros essenciais, numa floresta de centenas de títulos saídos desde 1882 (a data do 'descobrimento' das tábuas num corredor de São Vicente de Fora), merecem, a nosso ver, ser destacados, pois neles se reunem as contribuições maiores para o conhecimento dos intrincados problemas colocados por esta insigne obra de arte do século XV.

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2002 – FERNANDO ANTÓNIO BAPTISTA PEREIRA, Imagens e Histórias de Devoção. Espaço, Tempo e Narratividade na Pintura Portuguesa do Renascimento (1450-1550), Doutoramento, Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa.

2006 – PEDRO FLOR, O Retrato na Arte Portuguesa (1450-1550), Doutoramento, Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. 


O Largo Tempo do Renascimento em revisão geral, com indicações bibliográficas.

19 Setembro 2019, 10:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

 BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA

 

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Apresentação do Programa

16 Setembro 2019, 10:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

PROGRAMA DA DISCIPLINA ARTE DO RENASCIMENTO E DO MANEIRISMO EM PORTUGAL

(Licenciatura, 3º ano, nº 77737, 2019-2020), 1º semestre, 2ªs e 5ªs, 10-12 h.

Docente: Prof. Vitor Serrão.

 

 

Objectivos:

 

     O objectivo científico do programa desta nova unidade curricular visa caracterizar, de modo o mais possível actualizado, a cultura artística produzida em Portugal em três tempos distintos e cronologicamente sucedâneos – de cerca de 1460 a cerca de 1620 --, com indiscutível força de inovação e qualidades plurais específicas: o Renascimento propriamente dito na sua expressão humanística e na sua devoção ao classicismo all’antico, captado sob influências mistas (italiana, flamenga, castelhana, e francesa); o Maneirismo, fase de eufórica busca libertária no plano da criação e da afirmação estatutária (a Bella Maniera); e o Maneirismo reformado (ou Contra-Maniera), arte das Contra-Reforma católica, fidelizada a parâmetros de propaganda e catecismo que, no seu alinhamento ao decorum tridentino, abrem caminho ao Barroco seiscentista.

     Longe de se poderem inscrever em balizas cronológicas precisas, estes três «ciclos estilísticos» (que por vezes se interpenetram entre si, ao sabor de involuções descontínuas e fidelidades retardatárias), precisam de ser estudados de per si, numa perspectiva alargada de integração que não esqueça, entre outros, os contextos políticos, literários, religiosos e laborais em que tais estilemas se desenvolveram, sem esquecer os desdobramentos imperiais inerentes, sabendo-se que a realidade portuguesa dos séculos XV e XVI (e XVII) integra um vasto espaço ultramarino (que se estende ao Maghreb, à costa africana, ao Brasil, ao Estado da Índia Portuguesa, à China, ao Japão) onde a sua influência se faz sentir (bem como, em terreno de miscigenações, se sentem influências-outras emanadas dos novos territórios de conquista ou penetração). Temas como a arte indo-portuguesa ou a arte sino-portuguesa, ou os Biomboas Nam-Ban, por exemplo, não podem, por isso, ser descartadas no presente programa de estudos.

     A forte influência da cultura do Quattrocento italiano, que se prolonga até à produção final de Rafael de Urbino († 1520), marca no caso português o episódio brilhante do Renascimento e a especificidade dos seus resultados, quer no campo da arquitectura (João de Castilho, Miguel de Arruda), da escultura (Chanterene, João de Ruão) ou da pintura (de Nuno Gonçalves a Gregório Lopes), quer no campo das artes de decoração (talha, azulejo, ourivesaria, mobiliário, têxteis…), quer na consciência emergente que conduz à reivindicação de um estatuto de liberalidade criativa, que se define melhor com as viagens a Roma de uma série de artistas nacionais em tempo de D. João III e D. Sebastião, já em decisiva viragem de gosto para o Maneirismo. Com este estilo, a Bella Maniera (em que se inscrevem a obra poética de Luís de Camões e a teoria da arte de Francisco de Holanda), a arte portuguesa envereda por um tempo de ousadias, uma frenética busca de novos caminhos, em incisiva ruptura com anteriores academismos e esgotamentos formais. Enfim, após cerca de 1580, é a arte mais disciplinada e pedagógica da Contra-Maniera que vai desenhar o seu curso produtivo, com resultados por vezes admiráveis na busca de consensos vernáculos, coincidentes com a nova realidade nacional decorrente da Monarquia Dual filipina.

     Aprender a ver, a ler e perceber as obras de arte inscritas neste arco temporal -- 1450 a 1620 – e saber conjugar as linhas de evolução temporal, descobrindo as suas valências específicas, são os objectivos desta unidade curricular que pretende reavaliar um dos mais brilhantes «tempos» da História da Arte portuguesa (e ultramarina).

 

Avaliação: os alunos serão avaliados mediante um teste presencial (28 de Novembro) e um trabalho prático (ficha analítico-descritiva de uma obra de arte portuguesa, ou existente em Portugal, que se integre nos ‘tempos’ em apreço, e que será apresentado e discutido em aula complementar).

 

 

Conteúdos Programáticos:

 

1.       Visão de conjunto sobre a arte portuguesa de circa 1460-1620: entre o Tardo-Gótico, o Renascimento, o Maneirismo e a Contra-Maniera. O século XVI português e o processo da Expansão: os chamados Descobrimentos como antecâmara de novas relações e partilhas artísticas com a Europa e o Mundo.

2.       A cultura do Humanismo em Itália e em Portugal e os sintomas de viragem proto-renascentista nos Painéis de S. Vicente, de Nuno Gonçalves.

3.       O Tardo-Gótico na arquitectura portuguesa e ultramarina: do fenómeno do gótico-manuelino ao ‘modo antigo’. Humanismo, Proto-Renascimento e Classicismo na construção portuguesa e ultramarina. Os poderes laicos e as Ordens religiosas: a importância da Ordem de São Jerónimo.

4.       A corte do Renascimento com D. Manuel I e D. João III: o papel dos literati, a antichità, o gosto artístico ao romano, o novo mecenato e o peso da cultura cristocêntrica, os movimentos da Devotio Moderna e da Ars moriendi. Cultura artística e antropocentrismo. Matematização do mundo. A ciência e o rigor da forma geométrica. A caligrafia e a iluminura. Importações de arte e mão-de-obra estrangeira.

5.       Arquitectura renascentista ‘ao italiano’: João de Castilho, Miguel de Arruda, Diogo de Torralva. Tomar, Évora, Coimbra, centros ‘ao romano’. O fascínio das ‘rovine’ e o culto da Antiguidade.

6.       A escultura: a vinda de Nicolau de Chanterene e a sua obra. João de Ruão e o ‘ciclo do calcáreo’ em Coimbra. Os barristas: Felipe Odarte. Francisco Loreto e os escultores franceses.

7.       A pintura e as demais artes da Flandres e da Itália: dois polos interpretativos de um ‘tempo’. O pintor Francisco Henriques, a «oficina do Espinheiro» e o chamado Mestre da Lourinhã.

8.       A pintura manuelino-joanina: Jorge Afonso e a ‘oficina régia de Lisboa’. Gregório Lopes e os ‘mestres de Ferreirim’. Vasco Fernandes, o Grão Vasco. As oficinas regionais (Viseu, Viana do Castilho, Évora). Pintar como exercício científico e intelectual: a apreensão da terceira dimensão e da perspectiva aérea.

9.       A nobre arte do retrato cortesão: a busca de rigor numa arte ‘pelo natural’ que se ajutonomiza.

10.   As artes decorativas: entalhe, azulejo, mobiliário, pratas. O indo-português.

11.   Artes da cal e novas linguagens decorativas: stucco, fresco, esgrafito, embrechado.

12.   As viagens a Roma: Francisco de Holanda e Campelo. A tratadística, o desenho e a gravura. O Neo-Platonismo e o Irenismo. Os novos mecenas. A internacionalização das artes e os conceitos de liberalità e de Maniera. A Arqueologia e a descoberta das antigualhas.

13.   A pintura maneirista em Portugal e os novos paradigmas do ‘despejo’. A primeira geração de artistas: Campelo, João Baptista, António Leitão, Gaspar Dias.

14.   A escultura e talha maneiristas: Diogo de Çarça e Felipe de Bries. Novas tipologias de retábulos e de cadeirais. Jerónimo de Ruão e o ‘flamenguismo’: sondagem de novas cenografias do espaço (a igreja da Luz de Carnide).

15.   A reivindicação de um estatuto social de liberalidade: da corporação gremial à inventio. A carta de Diogo Teixeira a D. Sebastião em 1577.

16.   Repercussão dos tratados de arte em Portugal: do Proto-Renascimento aos valores anti-clássicos. A arquitectura de Nicolau de Frias e o palácio ducal de Vila Viçosa.

17.   As artes no Império: pintura, escultura e talha em Goa, a chamada ‘Roma do Oriente’, e no Estado da Índia portuguesa.

18.   Ética e estética no Renascimento e o Maneirismo: a consagração dos valores humanistas. A influência das ideias de Benito Arias Montano.

19.   A busca do fantástico e o sentido da liberdade criadora: a consagração do Grotesco e do Brutesco. O fresco maneirista português. A pintura de Francisco de Campos.

20.   O Concílio de Trento (1545-1563) e a sua influência religiosa, cultural e artística. O papel mecenático dos Arcebispos D. Teotónio de Bragança em Évora e D. Frei Bartolomeu dos Mártires em Braga. As novas orientações conciliares. As obras de Nicolau de frias e Pero Vaz Pereira.

21.   O conceito de ‘decorum’, o ‘estilo chão’, o gosto desornamentado: a construção portuguesa e ultramarina pós-tridentina.

22.   Censura e iconoclasma no campo das artes: o escândalo de Soror Maria da Visitação e o pintor Fernão Gomes. Casos de artistas reprimidos e de obras de arte destruídas, enterradas ou modificadas por ordem dos censores do santo Ofício.

23.   A pintura contra-maneirista portuguesa à luz de novos desígnios catequéticos: os casos de Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão.

24.   A iluminura (Estêvão Gonçalves Neto), a escultura contra-maneirista (Gonçalo Rodrigues) e as outras artes: a viragem circa 1600.

25.   No limiar do Barroco: as últimas expressões maneiristas face a uma arte que se renova no sentido de um novo naturalismo com marca de pedagogia e rigor.