Sumários

Teoria e Artes da Contra-Reforma: o Maneirismo reformado em Portugal.

2 Dezembro 2019, 10:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

A tratadística sobre a arte da Pintura em Portugal nos séculos XVI e XVII não abunda de protagonistas e de textos verdadeiramente significativos. Salvo os escritos de Francisco de Holanda e Félix da Costa Meesen, não dispomos de uma produção original de testemunhos estéticos sobre a essência dessa arte, para além do que marginalmente integra os receituários e os manuais práticos de trabalho de pintores, iluminadores e desenhadores [1].  Se é verdade que circulavam e eram lidos os exemplares da mais relevante tratadística italiana, castelhana, flamenga e francesa sobre Arquitectura e sobre Pintura, o que se verifica é que, à dimensão interna do país, pouco de original se escreveu que não fossem traduções ou reapropriações de ideias prevalecentes. Entre 1548, data em que o pintor e arquitecto Francisco de Holanda, regressado de Roma, escreve o seu famoso tratado Da Pintura Antigua (onde põe a tónica do discurso na scintilla divina e no primado do disegno) [2] e 1696, ano em que o pintor, escritor e poeta sebastianista Félix da Costa Meesen redige a Antiguidade da Arte da Pintura (espécie de elogio da liberalidade das artes e de memória sobre a nossa produção pictórica considerada digna de registo) [3], mal se pressente na produção literária nacional um ardor de teorização que permita falar-se de um corpo autonomizado de textos e compará-lo a outras situações da Europa coeva.

     Não sobressai no nosso panorama livresco desse arco cronológico, de facto, mais que o sopro de um adiado debate de ideias estéticas e parangonais que certamente animava a vida das tertúlias de literati que a conjuntura cultura destes tempos de mudança e crise, com a Europa cristã dramaticamente estremada em campos opostos e hostis, incrementava em determinados círculos humanísticos. Nas ‘cortes de aldeia’ de André de Resende em Évora, de D. João de Castro no locus amoenus da Penha Verde (Sintra), de D. Miguel da Silva na quinta do Fontelo (Viseu), ou dos Duques de Bragança à sombra do Paço de Vila Viçosa, decorriam debates das humanae litterae onde, além dos saraus de poesia, da leitura dos textos clássicos, do debate sobre as questões metafísicas, o estudo do all’antico, das ciências do primado das antigualhas, se discutiam também, marginalmente embora, o legado de Vitrúvio e de Alberti, o classicismo, o ideal de beleza, a essência das artes e a liberalidade da sua prática [4].  Apesar de neste tempo artístico crescentemente pautado pela influência do Maneirismo italiano se encontrar em Portugal uma literatura que estava disponível para enfrentar essas questões, tais debates não impulsionaram uma intervenção teórica digna desse nome e são efectivamente residuais (como sucede com João de Barros em 1532 ao definir as «categorias» da Pintura na sua Ropica Pnefma (Mercadoria Espiritual), sintetizando um panorama onde «cada hum segue e obra o natural da sua condição e ingenho, uns imitando a natureza e outros a fantesia sem ordem», ou com Francisco de Monzón ao reflectir sobre a «ideia» das artes no Espejo del Perfecto Príncipe Christiano, autores a este propósito lembrados por Joaquim de Oliveira Caetano [5]) as referências à concepção das artes, ao valor pedagógico das imagens (antes de Trento, ou já em contexto tridentino), ao poder da ars memoriae, à carga emotiva do discurso plástico ou ao seu grau de intervenção social e espiritual. 


     Defesa da liberalidade e assunção da ideia como verdadeira inteligência.

     Dir-se-á que o debate em torno da dignitas, da liberatità, da virtù artística, que sabemos ter sido intenso e vivido de modo empolgado pelos protagonistas desse tempo, com olhos postos nos exemplos da Itália do Renascimento, se restringiu aos argumentos em defesa de um novo estatuto artístico, que ocupou os interesses maiores de pintores e dos seus mecenas durante a segunda metade do século XVI e ao longo do século seguinte. O reconhecimento da liberalità, reivindicado com sucesso na célebre carta que em 1577 foi dirigida a D. Sebastião pelo pintor Diogo Teixeira, a que se seguiram outras petições mais ou menos moldadas nos argumentos daquela e igualmente vitoriosas, constituiu a essência dessa espécie de ‘literatura de protesto’, digamos assim, em que os artistas de maior consideração buscaram no tratadismo italiano e castelhano bons argumentos para sedimentar a sua luta junto das autoridades [6]… A busca de um estatuto de dignificação laboral consumiu os interesses da nova geração de artistas portugueses da segunda metade do século XVI, fascinados pelo exemplo romano, e abundam, por isso, os argumentos em prol da liberalidade em cartas, petições, contratos de trabalho e intervenções académicas, onde se destaca a antichità da Pintura, a sua origem divina, a sua utilização por príncipes e reis da Antiguidade (seguindo o anedotário de Plínio o Velho), e a sua qualidade de mimésis (ut pictura poesis) como imitação da natureza (seguindo, embora com conhecimento menos profundo, a doutrina dos tratados de Giorgio Vasari, as célebres Vite de 1550, reeditadas em 1568, de Federico Zuccaro, L'idea de' Pittori, Scultori, ed Architetti, de 1607, e de Giovan Paolo Lomazzo, Idea del tempio della pittura de 1590, por exemplo) [7].

     Rareiam entre nós, entretanto, reflexões mais profundas sobre a essência da criação artística (salvo na produção de filósofos como Frei Heitor Pinto no famoso livro Imagem da Vida Cristã, seguindo bases aristotélicas), que em palcos coetâneos como Itália e Castela conduzia, nos mesmos anos, à elaboração de teorias globalizantes sobre a ideia motriz das artes e sobre uma ordem estética e ordenadora do mundo [8]. Como sintetizava em 1577 o grande humanista Benito Arias Montano (1527-1598) num poema em louvor da Pintura que compôs em Roma (onde preparava a edição da Bíblia Poliglota buscando autorizações junto do Papado) para acompanhar um desenho de Federico Zuccaro passado à estampa por Cornelis Cort, a arte deveria ser avalizada como o «verdadeiro remédio para os males da humanidade» [9].  Nesse contributo de ideias e escolhas para a sedimentação de uma Teoria da Arte (onde não é nunca de negligenciar a influência de Frei Luís de Léon), é a defesa da harmonia, do rigor doutrinário e, também, a carga pedagógica e a força da emotividade nas representações artísticas, em nome de uma concepção neoplatónica da criação, que se impõem como valência estética. Quando se admira essa estampa A verdadeira Inteligência inspira o Pintor (Staatlische Museum, Berlim), gravada por Cornelis Cort segundo desenho de Frederico Zuccarro, e o poema latino de Arias Montano que a acompanha, vemos um discurso sobre o papel da pedagogia, da emoção e da beleza ideal aliada à alegoria clássica e aos conceitos neoplatónicos: Apolo como Ideia motriz das Artes, a Fraga de Vulcano no ‘quadro dentro do quadro’, as Fúrias, a Inveja, e o Concílio dos Deuses num Olimpo onde a Caritas, Prudentia, Benignitas e Fortituto têm valência qualificante. É toda uma síntese da estética do Humanismo cristão aplicada ao sentido profundo das artes.

     É de supor que Francisco de Holanda, no perdido poema Louvores eternos, de 1569, fizesse, também ele, o elogio das artes a partir de uma espécie de Anjo da Inspiração Divina, que alimenta o talento inato dos artistas numa dimensão de cosa mentale onde ele se mostra, aliás, precursor das posições teóricas de Arias Montano e do próprio Federico Zuccaro (que no mosteiro do Escurial pintaria, um pouco mais tarde, o quadro São Jerónimo no seu gabinete de trabalho, onde o santo é inspirado por um anjo da guarda etéreo e quase incorpóreo, em cuja representação sequencia a leitura dos conceito holandiano de ideia, defendido no tratado Da Pintura Antigua) [10]. Todavia, faltam-nos o conhecimento directo desse e de outros textos de Holanda (por alguma razão não publicados à época, fosse desinteresse de editor, falta de mecenas ou desinvestimento dos poderes), como é o caso do tratado Do Tirar Polo Natural, dedicado à arte do Retrato [11], e o mesmo sucede com o manuscrito de Francisco de Sólis com as biografias de vários artistas portugueses, bem como outros de que existe fugaz menção mas se encontram perdidos (ou inlocalizados em fundos de arquivo), facto que depaupera em extremo um trabalho de reconstituição da tratadística das artes em Portugal durante a Idade Moderna. Sob esse ponto de vista, a influência, quer do tratado de Francisco de Holanda nos círculos cortesãos de meados do século XVI, quer do de Félix da Costa Meesen ao empreender em tempo de D. Pedro II o sonho de criar em Lisboa uma Academia artística segundo o modelo da de Charles Le Brun em Paris, foi muito restrita. As iniciativas culturais destes dois artistas-escritores foram votadas ao fracasso, o que tem, aliás, expressão na nostalgia das suas próprias palavras: o primeiro, ao dizer ao dizer que teve a primazia no louvor da Antiguidade («fui… o primeiro que n’este Reyno louvei e apregoei ser prefeita a antiguidade, e não haver outro primor nas obras, e isto em tempo que todos quasi querião zombar d’isso», mas ao regressar de Itália «não conhecia esta terra, como quer que não achei pedreiro nem pintor que não dixesse que o antigo (a que eles chamão modo de Itália) que esse levava a tudo; e achei-os todos tão senhores d’isso, que não ficou nenhuma lembrança de mi»), o segundo, espécie de Van Mander português e «estrangeirado» roído pela amargura por viver numa Lisboa em «tempo de mingoante da Pintura» e pelo desinteresse da corte em aceitar as suas ideias temperadas pelo conhecimento directo que trazia de Londres, Paris, Madrid e Roma. A Antiguidade da Arte da Pintura (manuscrito de 1696, na Universidade de Yale) não esconde a influência directa dos escritos de Vicente Carducho e de Gaspar Gutiérrez de los Ríos [12], senão também a de Giovanpietro Bellori, o tratadista do bel composto, mas regista menos um alinhamento com a cultura do Barroco internacional e mais uma admiração sincera pelos pintores do Maneirismo, de que destaca os portugueses Campelo, Gaspar Dias, Francisco Venegas e Diogo Teixeira. Escrito de seguida à longa crise em que as guerras da Restauração portuguesa contra Castela tinham mergulhado o país, o tratado de Meesen mostra uma admiração pela Bella Maniera oposta ao desprezo que nutria pelos pintores do seu tempo, o que certamente seria matéria polémica e de acesas inimizades nos círculos em que se movia…

     De facto, nem os dois referidos tratados tiveram recepção suficientemente calorosa por parte dos públicos nacionais para serem lidos fora de uma restritíssima teia de pessoas, nem merecerem ser publicados no seu tempo – e o facto é que o não foram, pese a tentativa, igualmente votada ao malogro, em que se envolveu Manuel Denis, pintor português ao serviço da Princesa D. Juana, mãe de D. Sebastião, ao traduzir para castelhano o manuscrito da obra Da Pintura Antigua, esforço vão para o lançar à estampa no mercado espanhol [13]. O panorama da tratadística portuguesa dos séculos XVI e XVII sobre a Pintura e outros ramos artísticos foi, assim, muito minguado: salvo os casos excepcionais de Holanda e de Meesen, constata-se a falta de «uma inteira visão do mundo baseada nas novas artes, uma cosmovisão mental e imagética na qual as técnicas e preceitos passam a ser uma componente meramente secundária»


[1] Cf. Vítor SERRÃO, «’Acordar as cores…’ : os pigmentos nos contratos de pintura portuguesa dos séculos XVI e XVII», in actas do Congresso Internacional The Materials of the Image / As Matérias da Imagem, coord. de Luís Urbano Afonso (ed.), Série Monográfica «Alberto Benveniste», nº 3, ed. Cátedra de Estudos Sefardsitas Alberto Benveniste, Lisboa, 2011, pp. 97-132. Este estudo integra-se no projecto da F.C.T. As Matérias da Imagem. Os Pigmentos na Tratadística Portuguesa entre a Idade Média e 1800, POCI/EAT/58065/2004, e analisa os materiais utilizados no final da Idade Média e ao longo da Idade Moderna, a partir de referências contratuais, receitas, pagamentos, compras de tinta, cartas de mercadores envolvidos, etc, numa leitura de conjunto.

[2] Cf. os ensaios de Sylvie DESWARTE-ROSA, «Idea et le Temple de la Peinture. I. Michelangelo Buonarroti et Francisco de Holanda» Revue de l’Art, nº 92, 1991, pp. 20-41; idem, «Idea et le Temple de la Peinture.II. De Francisco de Holanda à Federico Zuccaro», Revue de l’Art, nº 94, 1992, pp. 45-65; idem, Ideias e Imagens em Portugal na época dos Descobrimentos, Difel, Lisboa, 1992; e idem, «Si dipinge col cervello et non con le mani. Italie et Flandres», Bolletino d’Arte – Supplemento, nº 100, 1997, pp. 277-294.

[3] Ed. fac-similada do manuscrito seiscentista da Yale University, com anotação crítica por George KUBLER, The Antiquity of the Art of Painting by Felix da Costa, New Haven, Yale University Press, 1967.

[4] Cf., sobre esse ambiente, Luís de MATOS, A corte literária dos Duques de Bragança no Renascimento (conferência proferida no Paço de Vila Viçosa em 15 de Outubro de 1955), Lisboa, Fundação da Casa de Bragança, 1956; e Sylvie DESWARTE, op. cit., Difel, 1992.

[5] Cf., sobre as referências artísticas nas obras desses autores, Joaquim de Oliveira CAETANO, O que Janus Via. Rumos e Cenários da Pintura Portuguesa (1535-1570), tese de Mestrado, Universidade Nova de Lisboa, 1996 (não publicado); cf. também a edição da Ropica Pnefma, INIC, Lisboa, 1983, p. 77; I.S. RÉVAH, «Le colloque Ropica Pnefma de João de Barros, Bulletin Hispanique, LXIV, 1962; Maria Leonor Carvalhão BUESCU, Babel e a Ruptura do Signo, a gramática e os gramáticos portugueses do século XVI, Lisboa, 1984; António Alberto Banha de ANDRADE, João de Barros, historiador do pensamento humanista português de Quinhentos, Lisboa, 1980; Maria de Lurdes Correia FERNANDES, «Francisco de Monzón e a ‘princesa cristã’», Revista da Faculdade de Letras, Porto, 1993, pp. 109-121; e Carlota Fernández TRAVIESO, «La Erudición de Francisco de Monzón en ‘Libro Segundo del Espejo del Perfecto Príncipe Cristiano’», The Bulletin of Hispanic Studies, Vol. 87, nº 7, 2010, pp. 743-753.

[6] Vitor SERRÃO, O Maneirismo e o Estatuto Social dos Pintores Portugueses, Imprensa Nacional / Casa da Moeda, Lisboa, 1983.

[7] Cf. sobre estas fontes básicas da teoria da arte do Maneirismo o clássico ensaio de Anthony BLUNT, Artistic Theory in Italy, 1450 to 1600, Oxford, 1940 (2ª ed., 1956).

[8] Adriana VERÍSSIMO SERRÃO, «Ideias Estéticas e Doutrinas da Arte nos Séculos XVI e XVII», História do Pensamento Filosófico Português dirigido por Pedro CALAFATE, vol. II (Renascimento e Contra-Reforma), ed. Caminho, Lisboa, 2001, pp. 337-384.

[9] Cf. Silvaine HANDEL, Benito Arias Montano. Humanismo y arte en España, trad., Univ. de Huelva, 1999; Juan Antonio RAMIREZ, Dios Arquitecto, Ediciones Siruela, Madrid, 1995; Juan GIL, Arias Montano En Su Entorno (Bienes Y Herederos), ed. Regional Extremadura, Sevilla, 1998, e Vitor SERRÃO, «As ideias estéticas de Benito Arias Montano e a arte portuguesa do tempo dos Filipes», Actas do Congresso Portugal na Monarquia Espanhola – Dinâmicas de integração e de conflito (FCSH e Instituto Cervantes, Lisboa, 26-28 de Novembro de 2009) (no prelo).

[10] Sylvie DESWARTE-ROSA, «Aprender a desenhar em Roma no século XVI», cat. da exp. Facciate Dipinte. Desenhos do Palácio Milesi, M.N.A.A., 2011, pp. 26- 47.

[11] Cf. sobre esse perdido tratado de Francisco de Holanda o livro de Pedro FLOR, Arte do Retrato em Portugal nos Séculos XV e XVI, Assírio & Alvim, Lisboa, 2011, pp. 313 e segs., com referência ao elogio de «uma proporção e igualdade que muito satisfaz e contenta» (…) pois que «o tratar da Pintura é a cousa mais digníssima deste mundo, e o tirar ao natural aquilo que só Deus fez por tão investigabil sabedoria como Ele sabe»...

[12] Cf. Julián GÁLLEGO, El pintor de artesano a artista, Universidade de Granada, 1976, e Nuno SALDANHA, Artistas, imagens e ideias na pintura do século XVIII. Estudos de iconografia, prática e teoria artística, Lvros Horizonte, 1995.

[13] Sobre Manuel Denis, cf. Maria José REDONDO CANTERA e Vitor SERRÃO, «El pintor portugués Manuel Dionis o Dinis», Actas das XII Jornadas do CSIC El Arte Foráneo en España. Presencia y influencia, Consejo Superior de Investigaciones Cientificas, Madrid, 2005, pp. 61-78.


TESTE Presencial

28 Novembro 2019, 10:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

TESTE DE ARTE DO RENASCIMENTO E DO MANEIRISMO

Licenciatura de História da Arte – 28 de Novembro de 2019 (1ª chamada), 10-12 h. Prof. Vitor Serrão

 

I

Leia atentamente as seguintes questões e responda em moldes suficientes, claros e bem estruturados, recorrendo a exemplos se e quando necessário, a apenas TRÊS delas:

 

1.      Em que medida os Painéis de São Vicente, de Nuno Gonçalves (cª 1470), se podem considerar uma obra não só marcante no contexto da pintura europeia no dealbar da Idade Moderna mas, também, já integrada num contexto proto-renascentista ?

2.      Que entendia o tratadista Léon Battista Alberti, no século XV, pelo conceito de concinnitas ? Em que medida foi esse conceito percebido e explorado pelos arquitectos, escultores e pintores portugueses do século XVI ? Existiu em Portugal, a essa luz, uma verdadeira ‘utopia edificatoria’ ?

3.      Qual a importância assumida pelos grottesche da Domus Aurea e de outros palazzi de Roma (e Itália) na arte europeia do Renascimento, por que vias se difundiu, e em que modalidades surgiu em Portugal na época de D. Manuel I ?

4.      O testemunho do poeta Garcia de Resende, na famosa Miscellanea, de que «Pintores, luminadores, agora no cume estam», mostra que no tempo de D. João III era uma realidade o ascenso social dos artistas e o estatuto de privilégio que muitos auferiam (Gregório Lopes, Vasco Fernandes, Chanterene, António de Holanda), fruto de uma consciencialização que paulatinamente se impusera. Comente.

5.      O conceito de Micro-História da Arte aplica-se bem a uma situação artística como a portuguesa do «largo tempo do Renascimento», justamente por nela coabitarem, em registos distintos, peças de vanguarda all’antico e outras de resistência, perduração ou mesmo de epigonismo. Qual a importância deste ‘olhar’ crítico-comparativo aplicado à arte portuguesa do século XVI ?

6.      Qual a grande inovação trazida para a Teoria das Artes por Francisco de Holanda (1518-1584), a nível internacional, ao defender o primado da ideia criadora (fruto da scintilla divina, como afirmara Alberti, mas agora com uma raíz neoplatónica) como a essência da obra artística, e ao definir «o disegno ou debuxo, raiz de todas as sciencias» ?

 

II

Desenvolva, com a maior clareza, rigor metodológico, ordem e objectividade, recorrendo a factos e a exemplos adequados, UM dos três seguintes temas:

 

1.      Como situa o papel do grande arquitecto JOÃO DE CASTILHO (c. 1470-1552) na evolução da arquitectura portuguesa entre o chamado estilo tardo-gótico («gótico-manuelino») e as experiências de Renascimento de inspiração italiana, à luz da utopia edificatória ? Como avalia o seu percurso, longo e aparentemente contraditório, entre a magna obra do Mosteiro dos Jerónimos e as últimas campanhas no Convento de Cristo de Tomar ?  Caracterize, com exemplos adequados, esse seu singular percurso.

Igreja de Santa Maria de Belém, por João de Castilho, 15127-1521, e igreja da Conceição de Tomar (concebido como panteão de D. João III), por João de Castilho (?) ou Miguel de Arruda (?), 1547-1551.

 

2.      De que modo a viagem a Roma de artistas portugueses foi relevante para a implantação do Maneirismo em Portugal ? Tenha em consideração o desenho de Daniele de Volterra (1509-1566), um dos melhores discípulos de Michelangelo, e analise a pintura de Campelo (cª 1567) na capela do seu protector Cardeal Giovanni Ricci de Montepulciano em San Pietro in Montorio, quando esteve em Roma (c. 1550-1560).

 

3.      O estatuto actual de artista nasceu em circunstâncias especiais – históricas, socio-culturais, tratadísticas, económicas, estéticas – no século XV com o Renascimento e o Humanismo. Comente este trecho da carta que Diogo Teixeira envia a D. Sebastião em 1577 e explique o modo como o estatuto laboral que defende se reflectiu na prática e na liberalidade criadora. A carta, entre outras coisas, afirma o seguinte: «Diz dioguo Teixeira, caualeiro da casa do Sor D. Antonio, que elRei vosso avô, não sendo a arte da Pintura então da calidade em que ora está (…) anexou individamente os pintores à Bamdeyra de Sam Jorge (…) como se fossem mecaniquos, quando he uma arte iminente asi dos antíguos, e com numeada antre as liberais em todos os tempos, e celebrada por reis (…), e assim, havendo respeito ao sobredito, e por ser hum dos milhores oficiais de imaginarya de olio que há nestes Reynos, pede a S. M. o isente dos serviços a prestar à dita Bamdeira (…)».


Francisco de Holanda, o tratado 'Da Pintura Antigua' (1548), a teoria maneirista da IDEA e a arte do seu tempo.

25 Novembro 2019, 10:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão



A tratadística sobre a arte da Pintura em Portugal nos séculos XVI e XVII não abunda de protagonistas e de textos verdadeiramente significativos. Salvo os escritos de Francisco de Holanda e Félix da Costa Meesen, não dispomos de uma produção original de testemunhos estéticos sobre a essência dessa arte, para além do que marginalmente integra os receituários e os manuais práticos de trabalho de pintores, iluminadores e desenhadores. Se é verdade que circulavam e eram lidos os exemplares da mais relevante tratadística italiana, castelhana, flamenga e francesa sobre Arquitectura e sobre Pintura, o que se verifica é que, à dimensão interna do país, pouco de original se escreveu que não fossem traduções ou reapropriações de ideias prevalecentes. Entre 1548, data em que o pintor e arquitecto Francisco de Holanda, regressado de Roma, escreve o seu famoso tratado Da Pintura Antigua (onde põe a tónica do discurso na scintilla divina e no primado do disegno)[2] e 1696, ano em que o pintor, escritor e poeta sebastianista Félix da Costa Meesen redige a Antiguidade da Arte da Pintura (espécie de elogio da liberalidade das artes e de memória sobre a nossa produção pictórica considerada digna de registo), mal se pressente na produção literária nacional um ardor de teorização que permita falar-se de um corpo autonomizado de textos e compará-lo a outras situações da Europa coeva.

Não sobressai no nosso panorama livresco desse arco cronológico, de facto, mais que o sopro de um adiado debate de ideias estéticas e parangonais que certamente animava a vida das tertúlias de literati que a conjuntura cultura destes tempos de mudança e crise, com a Europa cristã dramaticamente estremada em campos opostos e hostis, incrementava em determinados círculos humanísticos. Nas ‘cortes de aldeia’ de André de Resende em Évora, de D. João de Castro no locus amoenus da Penha Verde (Sintra), de D. Miguel da Silva na quinta do Fontelo (Viseu), ou dos Duques de Bragança à sombra do Paço de Vila Viçosa, decorriam debates das humanae litterae onde, além dos saraus de poesia, da leitura dos textos clássicos, do debate sobre as questões metafísicas, o estudo do all’antico, das ciências do primado das antigualhas, se discutiam também, marginalmente embora, o legado de Vitrúvio e de Alberti, o classicismo, o ideal de beleza, a essência das artes e a liberalidade da sua prática. Apesar de neste tempo artístico crescentemente pautado pela influência do Maneirismo italiano se encontrar em Portugal uma literatura que estava disponível para enfrentar essas questões, tais debates não impulsionaram uma intervenção teórica digna desse nome e são efectivamente residuais (como sucede com João de Barros em 1532 ao definir as «categorias» da Pintura na sua Ropica Pnefma (Mercadoria Espiritual), sintetizando um panorama onde «cada hum segue e obra o natural da sua condição e ingenho, uns imitando a natureza e outros a fantesia sem ordem», ou com Francisco de Monzón ao reflectir sobre a «ideia» das artes no Espejo del Perfecto Príncipe Christiano, autores a este propósito lembrados por Joaquim de Oliveira Caetano) as referências à concepção das artes, ao valor pedagógico das imagens (antes de Trento, ou já em contexto tridentino), ao poder da ars memoriae, à carga emotiva do discurso plástico ou ao seu grau de intervenção social e espiritual.

 

Defesa da liberalidade e assunção da ideia como verdadeira inteligência.

Dir-se-á que o debate em torno da dignitas, da liberatità, da virtù artística, que sabemos ter sido intenso e vivido de modo empolgado pelos protagonistas desse tempo, com olhos postos nos exemplos da Itália do Renascimento, se restringiu aos argumentos em defesa de um novo estatuto artístico, que ocupou os interesses maiores de pintores e dos seus mecenas durante a segunda metade do século XVI e ao longo do século seguinte. O reconhecimento da liberalità, reivindicado com sucesso na célebre carta que em 1577 foi dirigida a D. Sebastião pelo pintor Diogo Teixeira, a que se seguiram outras petições mais ou menos moldadas nos argumentos daquela e igualmente vitoriosas, constituiu a essência dessa espécie de ‘literatura de protesto’, digamos assim, em que os artistas de maior consideração buscaram no tratadismo italiano e castelhano bons argumentos para sedimentar a sua luta junto das autoridades… A busca de um estatuto de dignificação laboral consumiu os interesses da nova geração de artistas portugueses da segunda metade do século XVI, fascinados pelo exemplo romano, e abundam, por isso, os argumentos em prol da liberalidade em cartas, petições, contratos de trabalho e intervenções académicas, onde se destaca a antichità da Pintura, a sua origem divina, a sua utilização por príncipes e reis da Antiguidade (seguindo o anedotário de Plínio o Velho), e a sua qualidade de mimésis (ut pictura poesis) como imitação da natureza (seguindo, embora com conhecimento menos profundo, a doutrina dos tratados de Giorgio Vasari, as célebres Vite de 1550, reeditadas em 1568, de Federico Zuccaro, L'idea de' Pittori, Scultori, ed Architetti, de 1607, e de Giovan Paolo Lomazzo, Idea del tempio della pittura de 1590, por exemplo).

Rareiam entre nós, entretanto, reflexões mais profundas sobre a essência da criação artística (salvo na produção de filósofos como Frei Heitor Pinto no famoso livro Imagem da Vida Cristã, seguindo bases aristotélicas), que em palcos coetâneos como Itália e Castela conduzia, nos mesmos anos, à elaboração de teorias globalizantes sobre a ideia motriz das artes e sobre uma ordem estética e ordenadora do mundo. Como sintetizava em 1577 o grande humanista Benito Arias Montano (1527-1598) num poema em louvor da Pintura que compôs em Roma (onde preparava a edição da Bíblia Poliglota buscando autorizações junto do Papado) para acompanhar um desenho de Federico Zuccaro passado à estampa por Cornelis Cort, a arte deveria ser avalizada como o «verdadeiro remédio para os males da humanidade». Nesse contributo de ideias e escolhas para a sedimentação de uma Teoria da Arte (onde não é nunca de negligenciar a influência de Frei Luís de Léon), é a defesa da harmonia, do rigor doutrinário e, também, a carga pedagógica e a força da emotividade nas representações artísticas, em nome de uma concepção neoplatónica da criação, que se impõem como valência estética. Quando se admira essa estampa A verdadeira Inteligência inspira o Pintor (Staatlische Museum, Berlim), gravada por Cornelis Cort segundo desenho de Frederico Zuccarro, e o poema latino de Arias Montano que a acompanha, vemos um discurso sobre o papel da pedagogia, da emoção e da beleza ideal aliada à alegoria clássica e aos conceitos neoplatónicos: Apolo como Ideia motriz das Artes, a Fraga de Vulcano no ‘quadro dentro do quadro’, as Fúrias, a Inveja, e o Concílio dos Deuses num Olimpo onde a Caritas, Prudentia, Benignitas e Fortituto têm valência qualificante. É toda uma síntese da estética do Humanismo cristão aplicada ao sentido profundo das artes.

É de supor que Francisco de Holanda, no perdido poema Louvores eternos, de 1569, fizesse, também ele, o elogio das artes a partir de uma espécie de Anjo da Inspiração Divina, que alimenta o talento inato dos artistas numa dimensão de cosa mentale onde ele se mostra, aliás, precursor das posições teóricas de Arias Montano e do próprio Federico Zuccaro (que no mosteiro do Escurial pintaria, um pouco mais tarde, o quadro São Jerónimo no seu gabinete de trabalho, onde o santo é inspirado por um anjo da guarda etéreo e quase incorpóreo, em cuja representação sequencia a leitura dos conceito holandiano de ideia, defendido no tratado Da Pintura Antigua). Todavia, faltam-nos o conhecimento directo desse e de outros textos de Holanda (por alguma razão não publicados à época, fosse desinteresse de editor, falta de mecenas ou desinvestimento dos poderes), como é o caso do tratado Do Tirar Polo Natural, dedicado à arte do Retrato, e o mesmo sucede com o manuscrito de Francisco de Sólis com as biografias de vários artistas portugueses, bem como outros de que existe fugaz menção mas se encontram perdidos (ou inlocalizados em fundos de arquivo), facto que depaupera em extremo um trabalho de reconstituição da tratadística das artes em Portugal durante a Idade Moderna. Sob esse ponto de vista, a influência, quer do tratado de Francisco de Holanda nos círculos cortesãos de meados do século XVI, quer do de Félix da Costa Meesen ao empreender em tempo de D. Pedro II o sonho de criar em Lisboa uma Academia artística segundo o modelo da de Charles Le Brun em Paris, foi muito restrita. As iniciativas culturais destes dois artistas-escritores foram votadas ao fracasso, o que tem, aliás, expressão na nostalgia das suas próprias palavras: o primeiro, ao dizer ao dizer que teve a primazia no louvor da Antiguidade («fui… o primeiro que n’este Reyno louvei e apregoei ser prefeita a antiguidade, e não haver outro primor nas obras, e isto em tempo que todos quasi querião zombar d’isso», mas ao regressar de Itália «não conhecia esta terra, como quer que não achei pedreiro nem pintor que não dixesse que o antigo (a que eles chamão modo de Itália) que esse levava a tudo; e achei-os todos tão senhores d’isso, que não ficou nenhuma lembrança de mi»), o segundo, espécie de Van Mander português e «estrangeirado» roído pela amargura por viver numa Lisboa em «tempo de mingoante da Pintura» e pelo desinteresse da corte em aceitar as suas ideias temperadas pelo conhecimento directo que trazia de Londres, Paris, Madrid e Roma. A Antiguidade da Arte da Pintura (manuscrito de 1696, na Universidade de Yale) não esconde a influência directa dos escritos de Vicente Carducho e de Gaspar Gutiérrez de los Ríos, senão também a de Giovanpietro Bellori, o tratadista do bel composto, mas regista menos um alinhamento com a cultura do Barroco internacional e mais uma admiração sincera pelos pintores do Maneirismo, de que destaca os portugueses Campelo, Gaspar Dias, Francisco Venegas e Diogo Teixeira. Escrito de seguida à longa crise em que as guerras da Restauração portuguesa contra Castela tinham mergulhado o país, o tratado de Meesen mostra uma admiração pela Bella Maniera oposta ao desprezo que nutria pelos pintores do seu tempo, o que certamente seria matéria polémica e de acesas inimizades nos círculos em que se movia…

De facto, nem os dois referidos tratados tiveram recepção suficientemente calorosa por parte dos públicos nacionais para serem lidos fora de uma restritíssima teia de pessoas, nem merecerem ser publicados no seu tempo – e o facto é que o não foram, pese a tentativa, igualmente votada ao malogro, em que se envolveu Manuel Denis, pintor português ao serviço da Princesa D. Juana, mãe de D. Sebastião, ao traduzir para castelhano o manuscrito da obra Da Pintura Antigua, esforço vão para o lançar à estampa no mercado espanhol. O panorama da tratadística portuguesa dos séculos XVI e XVII sobre a Pintura e outros ramos artísticos foi, assim, muito minguado: salvo os casos excepcionais de Holanda e de Meesen, constata-se a falta de «uma inteira visão do mundo baseada nas novas artes, uma cosmovisão mental e imagética na qual as técnicas e preceitos passam a ser uma componente meramente secundária»

 

Pistas de trabalho e referenciais de investigação.

Mas sabemos algumas coisas mais sobre a produção literária portuguesa no campo da estética e da teoria das artes no pós-Renascimento. Trata-se de um campo de estudos que impõe uma atenção maior face ao aparente deserto de referências subsistentes. Por um lado, dispomos de textos como os do filósofo Léon Hebreu sobre a metafísica do amor inserida numa cosmologia neoplatónica[ e os do ieronimita Frei Heitor Pinto, já referidos, e de poetas como Jerónimo Corte-Real e Luís de Camões[16], em cujas obras os referenciais pictóricos abundam, com alusões plásticas subtis; por outro, é certo que dos livros produzidos com um declarado empenho nos receituários perpassa também um esforço de conceptualização das artes. Uma obra como o tratado Arte Poética & da Pintura de Filipe Nunes (um pintor de Vila Real que integrou depois a ordem dominicana com o nome de Frei Filipe das Chagas), dada à estampa em 1615 e que recebeu algum sucesso de mercado, ou o quase coevo Breve Tractado de Iluminaçam, manuscrito de um anónimo frade da Ordem de Cristo, cerca de 1635, devem ser considerados mais como receituários, ou manuais práticos do exercício das várias modalidades da pintura, do que propriamente tratados de arte no seu sentido mais lato.

Entretanto, importa atentar em escritos de outros autores dos séculos XVI e XVII, como o cronista e gramático João de Barros, o humanista Francisco de Monzón, o mal conhecido Giraldo Fernandes de Prado, pintor-fidalgo da Casa de Bragança[, a figura obscura do escritor Francisco de Sólis, autor no princípio do século XVII de uma Vida de alguns pintores, esculptores, e architectos, ou a obra do arquitecto e iluminador Luís Nunes Tinoco Elogio da Arte da Pintura, para se concluir que afinal existiu mesmo interesse, em círculos intelectuais não forçosamente restritos, pela literatura sobre as artes em que em todos eles se moveram, e que se produziam opiniões sobre o papel que lhes cabia e sobre o estatuto social a tributar aos seus melhores praticantes. Em 1550, a realidade artística nacional alterara-se em substância e é nesse contexto que o debate sobre o sentido das artes inevitavelmente se centrava. Nesse ano morreu Gregório Lopes, o célebre pintor régio de D. João III e cavaleiro da Ordem de Santiago, cuja influência na geração maneirista experimental foi duradoira, inspirando a arte de Diogo de Contreiras e de outros artistas. Com o fecho da feitoria de Antuérpia em 1548, o olhar dos nossos clientes mais cultos deixava de privilegiar as obras e modelos oriundos da Flandres e passava a sentir o frémito das novidades italianas pós-renascentistas. O conceito de «despejo», alvo das reflexões de Francisco de Holanda a partir dos seus intensíssimos diálogos em Roma com o grande Miguel Ângelo Buonarroti, que lhe recomendava o uso dos «spaços vazios e dilatados para darem despejo e clareza a sua obra, e para terem os olhos dos que a veem caminho e campos por onde caminharem», é já um testemunho directo dessa nova realidade: «aprenda a fazer muito pouco e muito bem, e quando comprir fazer muito e muito compartimentadamente, o fogir do feo e sem graça, o buscar nos mores descuidos por que os outros passam levemente, escolhendo sempre o mais pouco, e melhor, entre o melhor, e o despejado e os espaços, fora dos entricamentos da confusão e do máo eleger». Os desenhos e pinturas maneiristas portuguesas, de Campelo a Salzedo e Venegas, seguiram esse procedimento miguelangesco, generalizado pela tratadística e pela prática da Bella Maniera italiana, sendo de crer que também os «debuxos» feitos pelo Holanda para as câmaras afrescadas no Paço Real de Xabregas (pintadas por Gaspar Dias)[ seguissem esse ostensivo gosto maneirista, com figuras ciclópicas e escalas «despejadas».

De facto, é importante não se perder esse ponto de vista, nesses anos fervilhantes de viragem chegavam obras, ideias, tratados, gravuras e, sobretudo, testemunhos directos de experiências, acentuadas pela passagem por Roma de artistas portugueses que lá iam aprender o disegno; mesmo os flamengos que vinham a Portugal, como o retratista Anthonis Moro em 1552, Joozis van der Streten e Simón Pereyns em 1556, e Francisco de Campos, se mostram senhores de uma cultura artística crescentemente romanizada. Antes mesmo do casamento de D. Maria de Portugal, filha do Infante D. Duarte, com o célebre Alessandro Farnèse, já as relações culturais entre Lisboa e a corte de Parma eram uma realidade (mal pressentida embora pelos estudiosos), em contactos que não deixaram de se acentuar após 1567 e até à morte da Infanta em 1577, o que explicará o peso dos modelos de, por exemplo, um Parmigianino na obra de Gaspar Dias... e não só modelos, mas também as estampas, e o conhecimento dos tratados, se impunham neste percurso de conhecimentos. Por Florença e Roma passa Lourenço de Salzedo, que se inspira em Girolamo Siciolante da Sermoneta, pela Cidade Papal estadeiam também Campelo, que colhe lição nos círculos de Daniele da Volterra, Francisco Venegas, cuja derivação de modelos de Perino del Vaga e também de Vasari é notória, e ainda João Baptista, António Leitão, e Simão Rodrigues, este último educado nas «receitas» do tempo de Sisto V, e até o secundário pintor de Penacova Álvaro Nogueira e, enfim, o lisboeta Amaro do Vale e o eborense Pedro Nunes, estes já no início do século XVII. Sabemos, assim, que a pintura portuguesa do tempo de Camões, ao longo da segunda metade do século XVI (antes e mesmo depois da instauração da Monarquia Dual), acompanhou de modo sui generis, com consciência das novidades e naturalmente também das ideias teorizadas prevalecentes, o Maneirismo dimanado dos centros italianos. O que antes era visto como deformação mal assimilada passou justamente a ser entendido, fruto do conhecimento de princípios que a tratadística difundia, como sinal de uma actualização artística raras vezes verificada na história da arte nacional com o mesmo sentido de mudança e consciência da novidade…


BIBLIOGRAFIA:

 Vitor Serrão, O Maneirismo e o Estatuto Social dos Pintores Portugueses, Imprensa Nacional / Casa da Moeda, Lisboa, 1983.

Idem, «’Acordar as cores…’: os pigmentos nos contratos de pintura portuguesa dos séculos XVI e XVII», in Luís Urbano Afonso (ed.), Atas do Congresso Internacional The Materials of the Image / As Matérias da Imagem, Série monográfica “Alberto Benveniste”, n.º 3, Cátedra de Estudos Sefarditas Alberto Benveniste, FLUL, 2010, pp. 97-132. 

Sylvie Deswarte-Rosa, «Idea et le Temple de la Peinture. I. Michelangelo Buonarroti et Francisco de Holanda» in Revue de l’Art, n.º 92, 1991, pp. 20-41; 

idem, «Idea et le Temple de la Peinture. II. De Francisco de Holanda à Federico Zuccaro» in Revue de l’Art, n.º 94, 1992, pp. 45-65.

idem, Ideias e Imagens em Portugal na época dos Descobrimentos, Lisboa, Difel, 1992.

idem, «Si dipinge col cervello et non con le mani. Italie et Flandres» in Bolletino d’Arte – Supplemento, n.º 100, 1997, pp. 277-294.

idem,, «Aprender a desenhar em Roma no século XVI», in Catálogo da Exposição Facciate Dipinte. Desenhos do Palácio Milesi, M.N.A.A., 2011, pp. 26- 47.

George Kubler, The Antiquity of the Art of Painting by Felix da Costa, New Haven, Yale University Press, 1967.

Luís de Matos, A corte literária dos Duques de Bragança no Renascimento (conferência proferida no Paço de Vila Viçosa em 15 de Outubro de 1955), Lisboa, Fundação da Casa de Bragança, 1956.

Joaquim de Oliveira Caetano, O que Janus Via. Rumos e Cenários da Pintura Portuguesa (1535-1570), Tese de Mestrado, Universidade Nova de Lisboa, 1996 (não publicado).

Anthony Blunt, Artistic Theory in Italy, 1450 to 1600, Oxford, 1940 (2ª ed., 1956).

Adriana Veríssimo Serrão, «Ideias Estéticas e Doutrinas da Arte nos Séculos XVI e XVII», História do Pensamento Filosófico Português dirigido por Pedro Calafate, vol. II (Renascimento e Contra-Reforma), ed. Caminho, Lisboa, 2001, pp. 337-384.

Silvaine Handel, Benito Arias Montano. Humanismo y arte en España, trad., Univ. de Huelva, 1999.

Juan Antonio Ramirez, Dios Arquitecto, Ediciones Siruela, Madrid, 1995; Juan Gil, Arias Montano En Su Entorno (Bienes Y Herederos), ed. Regional Extremadura, Sevilla, 1998.

 Pedro Flor, Arte do Retrato em Portugal nos Séculos XV e XVI, Lisboa, Assírio & Alvim, 2011.



Francisco de Holanda e a Viagem a Roma.

21 Novembro 2019, 10:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Francisco de Holanda (1518-1584), grande teórico da IDEA neoplatónica das artes, foi o primeiro artista português a estadear em Itália, concretamente em Roma, em 1538-1540, convivendo com o próprio Miguel Âmgelo Buonarroti e estudando as 'rovine', os 'grottesche', a pintura de Rafael Sanzio, os 'antichi', e frequentando os círculos humanistas. Seguindo o trilho de Francisco de Holanda, alguns pintores portugueses foram a Roma nos anos centrais do século XVI aprender ou aperfeiçoar a sua arte. São conhecidos alguns casos, o mais relevante dos quais foi António Campelo, pintor andarilho que goza de celebridade no seu tempo e que trabalha a óleo e fresco na Cidade Eterna, sob mecenato do Cardeal Giovanni Ricci da Montepulciano, ligado aos círculos de Daniele da Volterra, tendo merecido estudos a Nicole Dacos Crifó. Também algo se sabe de Gaspar Dias, que, além de Roma, terá passado ainda por Parma e Génova num sedutor caminho criativo onde a influência de Parmigianino se fez sentir. Dos sevilhanos Lourenço de Salzedo e Francisco Venegas, que de seguida se estabelecem em Portugal ao serviço da corte, existe documentação e rasto de obras, de grande importância no contexto do último terço do século. Menos conhecidas são as viagens que, em 1560, empreenderam os pintores João Baptista e António Leitão, ambos enviados a Roma por via do mecenato da Infanta D. Maria e cujas obras, hoje identificadas, atestam igual conhecimento dos modelos da Bella Maniera romana. A respeito de João Baptista, conhecem-se algumas tábuas do retábulo da igreja catalã de Sant Iscle i Sancta Victòria em Dosrius (1565-67), identificadas por Joaquín Garriga, mais se sabendo que pintou obras para a Princesa de Ebolí. De António Leitão restam traços de vida e de obra na raia portuguesa, como a bela tábua de Cepões (Lamego), de 1564-65, e as de Foz Coa (c. 1570), Melo, Escarigo e Miranda do Douro, que justificam maior atenção. O estudo destes pintores contemporâneos de Francisco de Holanda mostra o quanto a pintura portuguesa do terceiro quartel do século XVI se deixou seduzir pelas novidades da Bella Maniera de Itália, não só nos modelos compositivos mas também por força da nova argumentação a favor de uma liberalidade estatutária por que todos aspiravam.

 


Francisco de Holanda, Luís de Camões e a Bella MANIERA.

18 Novembro 2019, 10:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

CAMÕES E A ARTE NO PORTUGAL DO SEU TEMPO

 

 

     A vida, obra literária, pensamento filosófico e dimensão metafísica do poeta Luís de Camões cruzam-se indissoluvelmente com os cumes mais evoluídos da estrada das artes do seu tempo. O sentido cromático e pictural que perpassa nos seus versos, definidos por uma estrutura que não é já a do classicismo renascentista mas que, como demonstraram Jorge de Sena e Vítor Aguiar e Silva, se mostra iluminada por formas de grande ousadia formal que o aproximam do Maneirismo italiano, atesta uma pesquisa criadora que converge com os mesmos gostos que gravitavam nos seus círculos de influência. O poeta interessava-se muito pela arte da Pintura, como se vai sabendo: teve relações conhecidas com Francisco de Holanda (1517-1584), teorizador das artes e «verdadeiro cavaleiro e defensor da alta Princesa Pintura», com quem conviveu na corte nos onze anos que decorreram entre 1542 e 1553 e, de novo, após o regresso do poeta ao Reino em 1570 (embora, então, já com o peso das desilusões e desencantos, e sob um pano de fundo contra-reformista que não era já o do Humanismo cristão em que se haviam formado). Mas o poeta também manteve relações, ainda mais ou menos nebulosas, com os italianizados António Campelo e Gaspar Dias, com Fernão Gomes, que lhe pintou um retrato «ao natural», com o poeta-pintor Jerónimo Corte-Real, com o iluminador António Fernandes, autor de alguns dos mais caprichosos frontispícios da Leitura Nova, e provavelmente também com Diogo de Contreiras, com o retratista Manuel Denis, tradutor do tratado Da Pintura Antigua para castelhano, e com o pintor-calígrafo Giraldo Fernandes de Prado, cavaleiro da casa de Bragança.

     Nesse ambiente cortesão que, em meados do século XVI, ainda vibrava de estímulos ao debate e à criação, sob signo do neoplatonismo e de uma mais generalizada influência do Humanismo italiano (quadro cultural que seria alterado a breve trecho pelo triunfo dos ditames da Contra-Reforma), Luís de Camões sentiu esse gosto por um discurso das artes que, como disse Sylvie Deswarte, o situa num «campo de criação dotado de uma mesma forma mentis, com uma imagística e uma inspiração filosófica idênticas». O Reino vivia uma fase de mudanças de paradigma estético e de efervescência criadora em que a produção das artes exprimia discursos de inusual actualização face às novidades italianas, segundo o gosto da Bella Maniera entretanto introduzida pelos melhores círculos picturais romanos e florentinos, e através de viagens de pintores à Cidade Papal (Francisco de Holanda, Campelo, Gaspar Dias, e ainda João Baptista, António Leitão e Francisco Venegas, suspeitando-se também de um estágio de Fernão Gomes após o seu aprendizado em Delft). O ambiente de animadas cortes literárias de recorte áulico, como a da Quinta da Penha Verde, onde conviviam personalidades como D. João de Castro, político, soldado, cosmógrafo e humanista, seu filho D. Álvaro de Castro, o arquitecto e pintor Francisco de Holanda, e o Infante D. Luís (1506-1555), príncipe das humaniores litterae portuguesas, a quem o primeiro dedicou os seus famosos Roteiro do Mar Roxo e de Goa, dá sonoridade a este pano de fundo em que os estudos humanísticos e as paragonas clássicas se abriam ao debate arqueológico, ao bucolismo do locus amoenus e à ressonância trans-contextual das antigualhas, sem esquecerem as reflexões em torno de Vitrúvio e das ruínas arqueológicas, os templos e aquedutos do Mundo Antigo, as novidades cosmológicas abertas pelos estudos do matemático Pedro Nunes, os temas agrícolas e botânicos e, mesmo, as citações herméticas de Hermes Trimegistro e demais autores clássicos. Outros círculos intelectuais, como a Évora de André de Resende, ofereceram certamente a Camões a possibilidade de conviver amiúde com o problema da natureza das artes, a sua ideia motriz, e a consciência liberalizante dos seus praticantes. O poeta explorou na sua vasta obra lírica e épica o sentido da «prisca beleza» da Ideia platónica, com referências multiplicadas à «alma pintada» (numa das suas redondilhas, por exemplo), sem esquecer palavras por vezes entendidas como de crítica a um panorama de menoridade das artes mas que, no fim de contas, são estímulo a uma actividade nobilitante e merecedora de um mais esclarecido apoio mecenático: «os pintores também aqui por certo pintariam (…) mas falta-lhe pincel, faltam-lhe cores, honra, prémio, favor que as artes criam» (Lus., VIII. 39). Se é certo que um homem de corte como Francisco de Holanda se confrontou quase sempre com a falta de mecenas à altura para dar à estampa os seus tratados e lhe apoiar muitas das iniciativas sugeridas a D. Sebastião no livro Da Fabrica que Falece à Cidade de Lixboa, é também um facto que o mercado artístico do segundo terço do século XVI não era uma realidade isolada: de facto, abriu-se às novidades estéticas do Maneirismo italiano e multiplicou encomendas públicas e privadas com programas de caprichoso sentido iconológico e com uma ousadia de formas que dava espaço às ideias platónicas e ao legado filosófico dos antichi. Assim o atestavam, entre as obras desaparecidas, as decorações fresquistas pintadas por Gaspar Dias para os Paços reais de Enxobregas (segundo provável «risco» do próprio Francisco de Holanda) e o programa de Fernão Gomes e Lourenço de Salzedo para o Hospital de Todos-os-Santos e assim o atestam, entre as remanescentes, as campanhas murais de Francisco de Campos, Giraldo de Prado e Tomás Luís para os palácios dos Condes de Basto em Évora e para o Palácio de Vila Viçosa a mando dos 5º, 6º e 7º Duques de Bragança, ou alguns retábulos de igreja que não escondem inquietações de discurso e referenciais neoplatónicos, como o de Nossa Senhora da Luz de Carnide, panteão da Infanta D. Maria, pintado por Francisco Venegas e Diogo Teixeira. Se parte destas obras desapareceu, restam contudo muitos desenhos e esquiços preparatórios (a mais importante colecção é a do Gabinete de Desenhos do Museu Nacional de Arte Antiga), descrições, textos, contratos de arquivo e outros testemunhos memoriais que atestam o significado de tais ciclos pictóricos, marcados por uma mesma ideia italianizante e, não poucas vezes, por referenciais literários e simbólicos precisos. ´

     O ambiente artístico nacional abria-se então ao gosto requintado da Bella Maniera, buscava inspiração nos espaços afrescados por Rafael de Urbino, Giovanni de Udine, Polidoro de Caravaggio, Perino del Vaga e outros mestres em salões e capelas privadas, mais atreitos à temática alegórica e mitológica e a uma linguagem de símbolos com ressaibos neoplatónicos, aptos a estimular os debates de círculos de literati, dentro de um espírito all'antico em que a poesia era presença viva. Sabemos que D. Catarina de Áustria teve em mente escolher Francesco da Urbino, pintor genovês malogradamente falecido e com actividade relevante no Escorial, para vir a Lisboa pintar o retábulo do Mosteiro dos Jerónimos, antes de a Raínha se decidir pela entrega dos painéis a Lourenço de Salzedo (não por acaso um artista já em 1559 associado a Gaspar Becerra em Roma). Os fios de identidade da melhor cultura portuguesa dos anos centrais de Quinhentos centram-se no postulado da Idea maneirista e na sua adaptação a uma realidade nacional que emula o debate intelectual e a busca de uma nova estética com fortes pressupostos ontológicos e um sentido de ars naturans como arte da natureza criadora, que perpassam para a própria consciência da liberalità do acto artístico e do consequente estatuto de nobilitação social dos praticantes. É esta idea, comum a Luís de Camões ao consagrar a arte como a mais divina de todas as actividades humanas (como faria o famoso humanista Benito Arias Montano, em 1577, no famoso poema em honra da Pintura como remédio para os males do Mundo que acompanha a gravura de Cornelis Cort «A verdadeira Inteligência inspira o Pintor» segundo desenho de Federico Zuccaro) e a Francisco de Holanda quando compara a «boa pintura» com o «terlado das perfeições de Deus e uma lembrança do seu pintar», que justifica o tronco estético comum à melhor criação dos círculos intelectuais portugueses desses anos de mudança e novidade.

     O signo da poesia camoneana encontraria eco artístico imediato, por exemplo, na decoração dos paços de Enxobregas, obra de grande sumptuosidade construtiva («os milhores de Portugal», com sua tapada que se estendia até ao vale de Chelas), apesar da interrupção motivada pela morte de D. João III e das prioridades dos anos de regência, para os quais Francisco de Holanda fez um risco de arquitectura e se propôs conceber as decorações internas («os desegnos para as Heroicas Pinturas»), recomendando «huma Capella pintada e com salas e camaras de Estuque ou Pintadas sobre bordo, ou a fresco, como he custume dos Reys antigos e modernos», obras essas que um pintor com sólida educação romana, Gaspar Dias, veio efectivamente a realizar (tal como, pelos mesmos anos sebásticos, realizaria as do Paço de Sintra), restando ainda alguns testemunhos plásticos dessa decoração fresquista a nível de desenho e de estudos preparatórios.

     Figura pioneira no processo de viragem para o Maneirismo e, consequentemente, com um percurso de bolseiro em Roma e de artista cortesão que o coloca nos mesmos trilhos de Francisco de Holanda e de Luís de Camões, foi António Campelo, desenhador exímio afeiçoado aos modelos do ciclopismo miguelangelesco e que trabalhou junto a Daniele de Volterra e para o Cardeal Giovanni Ricci da Montepulciano (a quem pintou o retábulo da sua capela em San Pietro in Montorio). Este ideário, que se paraleliza com o mundo criativo camoneano (não sendo exagerado imaginarem-se contactos entre as duas personagens), é bem atestado pelos desenhos e pinturas do artista, uma delas a Adoração dos Pastores do paço dos Melos Carrilho Sigeu, em Torres Novas, mais uma coincidência a ligar Campelo aos passos de Camões, aos círculos da Infanta D. Maria e à família da música Ângela Sigeia. Dos desenhos (MNAA), refiram-se pelo seu veemente traço neoplatónico a Alegoria ao Amor Divino castigando o Amor Profano (onde o cariz para-erótico remete para a sensualidade da poesia camoneana), a exaltante Alegoria à Força (com modelo inspirado num fresco da escola de Giulio Romano que existe na loggia Psychè na Villa Farnesina, relacionado com o tema neo-platónico do Amor omnia vincit, dentro de uma dinâmica exploração do fantástico) ou o projecto para o túmulo da Infanta D. Maria para o Mosteiro dos Jerónimos (com figuras alegóricas alteadas, de cunho miguelangelesco, enquadrando o medalhão central com o busto da Infanta, ao gosto de obras romanas como o mausoléu de Ceccino Bracci em Santa Maria in Aracoeli), empresa que se malogrou por culpa de um meio que na época de D. Sebastião estava envolvido nos preparativos da cruzada marroquina e já impreparado para entender a proposta estética de Campelo. É de lembrar que Félix da Costa Meesen, espécie de Van Mander português, no seu tratado Antiguidade da Arte da Pintura (mss. da Universidade de Yale), regista uma admiração pelos pintores maneiristas bem maior que a que nutrida pelos do seu tempo, e fala de Campelo «entre os Pintores Portuguezes que foram mais celebrados pella excellencia da sua arte» e, depois de elogiar como «obra prodigiosa» o Cristo com a cruz às costas do Mosteiro dos Jerónimos (MNAA), diz-nos que «floresceo no tempo de D. João 3º» e que «seguio em muita parte a Escola de Michael Angelo Buonarroti asim na força do Debucho, como parte do colorido, se bem que já com outra inteligencia no mexido das cores». Também D. Francisco Manuel de Melo, no seu Hospital das Letras, ao exaltar os feitos dos «grandes portugueses», destaca significativamente os nomes de Camões na poesia e Campelo na pintura.

     Os passos de Camões podem ter-se cruzado, também, com os de Gaspar Dias, cujos excessos caprichosos da maniera se expressam com acuidade no serpentinado desenho do painel Aparição do Anjo a São Roque (igreja de São Roque), e nos seus desenhos de aguada com alusões ao non finito buonarrotesco, e certamente se cruzaram com os de Fernão Gomes (1548-1612), um pintor de origem estremenha (nascera em Albuquerque), que se veio estabelecer em Lisboa em 1573 depois de um aprendizado em Delft com Anthonis Blocklandt (um discípulo do famoso romanista Franz Floris). Gomes, que pintou o retrato de Camões, esteve relacionado também com o poeta Jerónimo Corte-Real e teve o apoio mecenático de gente grada como D. Álvaro da Costa, senhor da Penha Verde, o que justifica, a par do seu «bravo talento e mui facil no pintar» de que fala Félix da Costa, que fosse, nomeado, sucessivamente, para os cargos de pintor régio de Filipe II (1594) e Filipe III (1595) e pintor dos Mestrados das Ordens Militares (1601), além de, como artista de consciência liberal, ter sido um dos promotores-fundadores da nova Irmandade de São Lucas, instalada no mosteiro de domínicas da Anunciada e embrião de uma primeira academia de desenho na cidade de Lisboa. Apesar de Gomes se converter a breve trecho num artista que, seguindo referenciais maneiristas ítalo-flamengos, será uma espécie de campeão da doutrina contra-reformista (ainda que pelo menos uma das suas obras, o fresco apologético da famosa «freira que pintava chagas» no mosteiro da Anunciada, tenha sido censurada pela Inquisição), é certo que em algumas obras suas onde se sente essa apregoada «bravura» é notório o gosto refinado pelo capricho dos serpentinatos e pela teatralização da idea, como sucede no Pentecostes do retábulo da Sé de Portalegre e nos desenhos da Ascensão de Cristo (MNAA) e da Scala Coeli (B. P. Évora), ambos traduzindo aspectos coincidentes com os valores da transcendência cristã e da reminiscência anamnésica, temas favoritos da obra camoneana (p. ex. em Sôbolos rios). Os tempos eram já de repressão das ideias, excessos inquisitoriais, suspeitas de errasmismo, senão de luteranismo (recorde-se como mero exemplo o processo do humanista Damião de Góis), e esses anos de «vil tristeza» serão também os últimos da vida de Camões, precisamente na altura em que os seus passos com Fernão Gomes se cruzam.

     A respeito do retrato, o chamado «retrato pintado a vermelho» que Vasco Graça Moura apurou ter sido realizado entre 1573 e 1575, trata-se do mais precioso e fidedigno documento remanescente que nos imortaliza o rosto de Luís de Camões; infelizmente, apenas subsistiu a cópia feita por Luís José Pereira de Resende (1760-1847), um pintor da Real Academia de Belas Artes e retratista de talento, que em data indefinida entre 1819 e 1844 cumpriu uma encomenda do 3º duque de Lafões para copiar um original camoneano que fora encontrado num saco de seda verde nos escombros do incêndio do palácio dos Condes da Ericeira e Marqueses de Louriçal, junto da Anunciada, onde se inseria o retrato de Fernão Gomes. Esta «fidelíssima cópia» mostra, pelas dimensões restritas do desenho, textura da sanguínea, manchas de distribuição dos valores, rigor dos contornos, definição dos planos contrastrados, neutro reticulado a harmonizar o fundo e o busto, tipo da barra e aparato simbólico da imagem captada em pose de ilustração gráfica, que o original se devia destinar à abertura de uma gravura a buril para ilustração de uma das primeiras edições de Os Lusíadas. A escolha de Gomes, recém-chegado a Lisboa mas já com notoriedade artística, para desenhar a efígie do épico, parece revelar um mundo de relações pessoais e acaso de amizade sobre o qual, infelizmente, pouco ainda se apurou. Mas o facto de Gomes, homem da corte, também ser amigo do poeta Jerónimo Corte-Real (que lhe apadrinhou uma filha) e ter recebido apoio mecenático dos senhores da Penha Verde, vem dar-nos alguns contornos dessas relações inter-artes em que poetas e pintores, escritores e arquitectos, antiquários e iluminadores, homens das ciências e das letras, apreciavam um convívio que era sobretudo pretexto para a paragona estética e para o culto das artes.

    É possível que os passos de Camões se cruzassem também com os de um aventuroso e quase romanesco personagem do tempo, o pintor-fidalgo António Leitão, natural de Castelo Novo, sobrinho do embaixador Domingos Leitão, educado na corte de Lisboa e moço de câmara da Infanta D. Maria, mandado aprender pintura em Roma, soldado na Flandres, onde se casou com a pintora Luísa dos Reis, instalado em Lamego, apoiante da causa de D. António, Prior do Crato, e discretamente activo em terras raianas no final da vida. Da autoria deste aristocrata formado simultaneamente (caso raro !) nos modelos de Roma e Antuérpia, que prezava a música e as montarias e se passeava a cavalo de chapéu emplumado e anel de ouro com as armas da Infanta sua protectora, é um interessante painel do Pentecostes existente numa capela de Freixo de Espada-à-Cinta, onde a composição se desdobra em sentidos plurais de ecumenismo cristão, integrando junto às figuras da Virgem e dos apóstolos Pedro e João uma plêiade de figuras profanas e contemporâneas, algumas delas possíveis retratados, desde mercadores a nobres, frades, soldados, um magrebino e três raras representações de japoneses, todos a receber as línguas de fogo numa espécie de convencimento do testemunho da fé apregoado numa escala imperial nos velhos e novos mundos.

     Merece referência especial neste quadro truncado de relações entre Camões e a pintura do seu tempo o papel assumido no século XVI pela corte de Vila Viçosa, a fase mais fulgurante da sua história. Essa espécie de «corte na aldeia», como a qualificou o poeta Rodrigues Lobo (ele mesmo um protegido do Duque D. Teodósio II), suportou um ambiente esclarecido, por onde passaram, ao serviço dos Duques ou por seu chamamento ocasional, eruditos como Diogo Sigeu e sua filha Ângela Sigea, o cosmógrafo e pedagogo António Maldonado de Hontiveros, o humanista Juan Fernández de Sevilha, os gramáticos Fernão Soares e Manuel Barata, o geógrafo António de Castro, o matemático Domingos Peres, os escritores Fernão Cardoso, Francisco de Morais e Públia Hortênsia de Castro, o poeta, Jerónimo Corte Real (irmão de Públia), acaso também Luís de Camões, além de muitos artistas de diversas modalidades. Numa corte como esta, onde a literatura, as artes plásticas, a música e o amor pelo bucolismo da natureza andaram de mãos dadas, são ainda numerosos os programas afrescados de salões e câmaras ducais (como as galleriettas de D. Teodósio I e a de D. Ana de Velasco, recém-restauradas e identificadas, e o oratório privativo de D. Catarina de Bragança), exemplos importantes de decorações ao italiano, com referenciais mitológicos e neoplatónicos, alusões à música e à poesia, e às virtudes da casa ducal. Pintores de fora como Francisco de Campos (falecido em Évora em 1580 devido a um surto de peste) e Tomás Luís ou da casa ducal como Giraldo Fernandes de Prado e André Peres, foram os responsáveis por essas decorações de caprichoso gosto maneirista, com extensos complementos de grottesche a envolver os quadri riportati, alegorias à música de Orfeu, aos trabalhos de Hércules ou aos feitos de Perseu, e outros testemunhos esclarecedores do modo como as ideias e as artes se fundiam na produção senhorial portuguesa da Casa de Bragança.

     Também nesse seio se desenvolveu o estudo pedagógico e a arte da Caligrafia. Numa época em que autores humanistas, de Erasmo a Juan Luís Vives e a João de Barros, se preocupam pela formação moral e cultural dos jovens da nobreza, de quem se esperam responsabilidades no aparelho de Estado, esteve na ordem do dia o ensino das primeiras letras e tipos caligráficos, como a letra «cancelleresca», e é nesse contexto que Giraldo Fernandes de Prado e Manuel Barata, calígrafos de primeiríssima linha, ambos cavaleiros e funcionários da casa brigantina, vão ter actividade relevante. O ensino dos filhos-família era prioritário na escala de investimento dos nobres e já o humanista Clenardo, ao chegar a Évora em 1535, com a estada da corte, se entusiasmava com o facto de que em Portugal floresciam os estudos dos príncipes e isso constituía sinal de bom augúrio para a projecção do Reino. Eram sentimentos partilhados pelos círculos de literati em que Camões se movia. Por isso, o incremento ao ensino das letras à sombra do Paço, aposta nobilitante dos Duques de Bragança, permitiu à caligrafia afirmar o seu espaço no seio das artes. Giraldo Fernandes de Prado (c. 1530-1592), elogiado numa crónica do lóio Frei Jorge de São Paulo como «homem de admiravel pincel na arte da pintura», foi pintor de óleo, iluminura e fresco, foi cavaleiro e funcionário da Casa de Bragança, estadeou na corte nos anos centrais do século, e aí escreveu em 1560-61 o Tratado de Caligrafia (mss. profusamente ilustrado, hoje na Rare Book and Manuscript Library, Columbia University, New York, Cód. Plimpton MS 297) e um Manual para Copistas (cód. Plimptom, MS 296, ainda inédito), que devem ser considerados os primeiros manuais práticos de ensino e da arte da Caligrafia escritos em Portugal, sob inspiração nas fontes disponíveis, de Geoffrey Tory a Juan de Içiar, Juan Bautista Palatino, Ludovico Vicentino e António Tagliente, obras que certamente estariam disponíveis nos círculos humanísticos nacionais (quanto a Tory, sabemos que Francisco de Holanda possuía o Champ Fleury, como atestou Sylvie Deswarte). Estes tratados de didáctica das primeiras letras escritos e desenhados por Giraldo de Prado conferem-lhe a honra de primeiro autor nacional a assumir esta arte pedagógica e formativa. O Tratado de Caligrafia de New York antecede em dez anos a escrita e suposta primeira edição da Arte de Escrever de Barata, por sinal realizada sob mecenato do mesmo Duque de Bragança. A especialização de Giraldo como pintor pode explicar que a caligrafia não tivesse sido para ele um campo de produção contínua, o que justificaria a ulterior mas injusta consagração de primazia de Barata.

     Nestes círculos aristocráticos de poetas, pintores e calígrafos em que gravitou Camões, também merece referência o manuscrito iluminado do Livro das Sentenças para a Ensinança e Doutrina do Principe D. Sebastião (Biblioteca D. Manuel II, Palácio de Vila Viçosa), de cerca de 1554, que reúne sentenças latinas traduzidas e compiladas pelo comerciante André Rodrigues de Évora, como demonstrou Luís de Matos, ornado com iluminuras maneiristas da autoria de António Fernandes (como provou Sylvie Deswarte), que se destinava a educar o príncipe e futuro rei. Não se tratando de um manual de caligrafia, este livro reúne em si os principais valores da pedagogia, da moral e da cultura cortesã do Humanismo cristão de meados de Quinhentos, precisamente os mesmos valores da cultura de Camões (e de Francisco de Holanda, e dos outros artistas aqui citados), onde não faltam as citações all’antico, as inscrições epigráficas clássicas, a representação do guerreiro porta-estandarte, e outras alusões a uma gramática italianizante. Voltando a Vila Viçosa e a 1572, nesse ano se terá editado, por estímulo do Duque D. Teotónio II e através do livreiro da casa ducal João de Ocanha, a Arte de Escrever, tratado de Caligrafia da autoria do gramático Manuel Barata (de quem Diogo Barbosa Machado disse ser «um dos mais célebres mestres de escrever, que florecerão no seu tempo de cuja arte abrio escola publica na sua pátria». Esse livro, de que não se conhece hoje nenhum exemplar, foi reeditado em 1590 (já sendo falecido Barata) utilizando algumas pranchas gravadas com desenhos de caligrafia datados de 1572, sacadas certamente da edição precedente, e de novo foi reeditado em 1592 (titulado Exemplares de Diversas Sortes de Letras, Tirados da Polygrafia de Manuel Barata), financiado pelo mesmo João de Ocanha e acompanhado por um belo soneto, Ditosa Pena…, atribuído (não sem controvérsia) a Luís de Camões, que foi com toda a certeza composto ainda em vida de Barata e é de sentido elogio aos méritos do calígrafo. Como já se afirmou, caso tal soneto tenha integrado a suposta edição de 1572, como deve ter sucedido, seria um dos raros poemas de Camões editados em vida, o que alarga a possibilidade de relações do genial poeta com os círculos brigantinos e a sua corte literária e artística. De Giraldo Fernandes de Prado conhece-se outro trabalho em que os passos do pintor-fidalgo mais uma vez mostram cruzamentos com os círculos neoplatónicos de Holanda, de António Fernandes, de Barata, e de Camões: as iluminuras do Compromisso da Irmandade das Almas da igreja de São Julião de Setúbal (1569-1571, hoje na Biblioteca Municipal de Setúbal), com caprichosas capitais, um fólio historiado miguelangesco do Julgamento das Almas (que sugeriu, antes, uma errada atribuição ao Holanda), e um sentido de desenho caligráfico a remeter para o que dele conhecemos nos tratados de New York. Estas personalidades gravitavam nos mesmos círculos ou, pelo menos, comungavam dos mesmos ideários, gostos e fontes referenciais.

     Está bem estudada a iconografia camoniana a partir do século XVII, no campo da representação gravada, esculpida e pintada, e conhecem-se bem tanto as versões multiplicadas da fisionomia do épico (com numerosas efígies seguindo, muitas vezes, o primevo modelo de Fernão Gomes) como os ciclos historiados inspirados em Os Lusíadas (caso da notável série de quadros de Francisco Vieira Portuense, dos programas de azulejo de Jorge Colaço, ou das representações muito estimadas de Metrass, Columbano e, mais perto de nós, António Soares, Costa Pinheiro e José de Guimarães, entre tantos outros a quem a personalidade do épico seduziu). É muito menos conhecida, estranhamente, a intrincada relação no campo da teoria e debate das ideias e das categorias estéticas que une o poeta com os artistas do seu tempo – como os que atrás se citaram, sabendo-se que todos conheceram o poeta, puderam com ele privar e, com toda a certeza, partilharam valências filosóficas e concepções do mundo e cultivaram linhas de pensamento e de concepção artística afins. É esse o caminho de inquérito que aqui se propôs e propõe ser seguido através de um estudo integrado ao sentido das imagens do tempo de Camões: um caminho analítico-comparatista que nos conduz, dos desenhos de Francisco de Holanda, às iluminuras de António Fernandes, à pintura de Gaspar Dias na igreja de São Roque, aos debuxos e tábuas de Fernão Gomes, às pinturas murais de Vila Viçosa e Évora, aos caprichos sensuais de Francisco Venegas na igreja da Luz de Carnide, no quadro da igreja da Graça, e nos seus caprichosos desenhos para-eróticos, e a tantas mais obras da pintura maneirista portuguesa da segunda metade do século XVI.

 

BIBLIOGRAFIA:

Vítor AGUIAR E SILVA, Maneirismo e Barroco na Poesia Lírica Portuguesa, Coimbra, 1971; Dagoberto L. MARKL, Fernão Gomes, um pintor do tempo de Camões, Lisboa, 1972; Jorge Borges de MACEDO, Os Lusíadas e a História, ed. Verbo, Lisboa, 1979; Luís de MATOS, Sentenças para a Ensinança e Doutrina do Principe D. Sebastião, Banco Pinto & Sotto Mayor, Lisboa, 1983; Sylvie DESWARTE-ROSA, As Imagens das Idades do Mundo de Francisco de Holanda, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, Lisboa, 1987; idem, Il Perfetto Cortegiano D. Miguel da Silva, Bulzoni, Roma, 1989; Vasco Graça MOURA e Vitor Serrão, Fernão Gomes e o Retrato de Camões, IN/CM, Lisboa, 1989; Rafael MOREIRA, «Com Antigua e Moderna Arquitectura. Ordem Clássica e Ornato Flamengo no Mosteiro de Belém», cat. da exp. Jerónimos – 4 séculos de pintura, coord. Anísio Franco e Sabina Hamm, vol. I, Lisboa, 1992, pp. 24-49; António PINELLI, Antonio, La Bella Maniera. Artisti del Cinquecento tra regola e licenza, ed. Einaudi, Turim, 1993; Vítor SERRÃO (coord.), cat. da exp. A Pintura Maneirista em Portugal – arte no tempo de Camões, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 1995; Sylvie DESWARTE, «Si dipinge col cervello et non con le mani. Italie et Flandres», Bolletino d’Arte – Supplemento, nº 100, 1997, pp. 277-294; Adriano de GUSMÃO, Ensaios de Arte e Crítica (colectânea póstuma, organizada por Vitor Serrão e Dagoberto L. Markl), ed. Vega, Lisboa, 2003; Maria José REDONDO CANTERA (coord.), El modelo italiano en las artes plásticas de la Península Ibérica durante el Renacimiento, actas, Universidade de Valladolid, 2004; Sylvie DESWARTE-ROSA, «Le Rameau d’Or et de Science. ‘F. Ollandivs Apolini Dicavit’», revista Pegasus, nº 7, 2005, pp. 9-47; Helena LANGROUVA, A Viagem na Poesia de Camões, Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação para a Ciência e Tecnologia, Lisboa, 2006; Maria José REDONDO CANTERA e Vitor Serrão, «El pintor portugués Manuel Denis al servicio de la Casa Real», Actas das XII Jornadas El Arte Foráneo en España. Presencia e Influencia, Instituto de Historia do Consejo Superior de Investigaciones Cientificas, Madrid, 2006, pp. 61-78; João RUAS, Manuscritos da Biblioteca de D. Manuel II. Paço Ducal de Vila Viçosa, Fundação da Casa de Bragança, Caxias, 2006; Vitor SERRÃO, Os frescos maneiristas do Paço de Vila Viçosa, Parnaso dos Duques de Bragança, Fundação da Casa de Bragança, 2009.