Sumários

A caminho de uma sociedade homeostática

15 Novembro 2019, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

NOVEMBRO                        6ª FEIRA                               17ª Aula

 

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Concluímos provisoriamente o diálogo lançado em torno do conceito de homeostasia proposto a discussão através do livro de António Damásio A Estranha Ordem das Coisas – A vida, os sentimentos e as culturas humanas.

O trabalho de amadurecimento sobre a ideia de homeostasia considerará o contributo aplicado do estudo de caso dedicado ao povo Bijagó.

Nesse sentido aconselho a leitura da investigação Os Sítios Sagrados no Arquipélago dos Bijagós realizada por Clara Saraiva, antropóloga de formação e professora da FCSH-UNL, que teve o privilégio de se relacionar de forma muito próxima com o povo Bijagó e durante vários meses.

O seu projecto contou com um enquadramento institucional favorável, o que lhe permitiu reunir todas as condições que optimizou na sua pesquisa.

 

Leituras recomendadas

DAMÁSIO, António 2017. A Estranha Ordem das Coisas – A vida, os sentimentos e as culturas humanas, Lisboa: Temas e Debates | Círculo de Leitores. Pesquisa orientada a partir de índice de conceitos no final da obra. O conceito em estudo é homeostasia. A referência no volume em papel é a p. 374.

SARAIVA, Clara 2015. Os Sítios Sagrados no Arquipélago dos Bijagós, Lisboa: Instituto Marquês de Valle Flor.

http://www.imvf.org/wp-content/uploads/2018/02/estudositiossagradosfinal.pdf

 

Pequeno vídeo

https://www.youtube.com/watch?v=P9EN8_jvOfI


Representatividade de projecto sobre Bijagós

13 Novembro 2019, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

NOVEMBRO                                   4ª FEIRA                                          16ª Aula

 

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Retomámos a matéria em discussão, iniciada na aula anterior, com uma informação que me pareceu necessária para que os alunos se inteirassem melhor do contexto que propiciara este estudo de caso. Elucidei-os de que oriento um projecto independente sobre a etnia Bijagó e que numa primeira fase realizada entre 9 e 24 de Janeiro deste ano visitei com três investigadores as ilhas de Bubaque e Orangozinho no Arquipélago de Bijagós. Falei da experiência comum muito enriquecedora e das realizações que alcançámos: um filme sobre pesca artesanal que se encontra em fase de montagem, conversas com vários interlocutores de diferentes idades, entrevistas e fotografias, observação e participação em danças tradicionais, visitas a três tabancas (aldeias) e contacto directo com as populações que se saldou, por exemplo, no apoio físico à construção de uma casa tradicional seguido de refeição comunitária. Houve notas esparsas sobre gastronomia Bijagó que resultaram do acompanhamento diário de confecção das nossas refeições.

Produzi um texto de reflexão, logo em Fevereiro, apresentado em colóquio do Centro de Investigação de Filosofia da FLUL sobre o futuro das artes. Este contributo não recolheu o interesse dos presentes na assistência ao colóquio que se manifestaram com estranheza sobre os pontos de vista que defendi. A sociedade sobre a qual falei e nos termos em que o fiz não era representativa dos padrões da arte ocidental. O meu principal argumento era exactamente esse e a defesa que fiz do povo Bijagó ajustava-se a que ele pudesse vir a ser factor de mudança por congregar ancestralidade com contemporaneidade de uma forma harmoniosa.

Referi ainda aos alunos que o projecto investigativo vai entrar numa segunda fase a partir de 2020 com regresso ao Arquipélago em Fevereiro de 2021. Agregaremos novos investigadores a esta etapa que irá considerar a geodança, a insularidade como tema de coreografia, a escrita de peça de teatro e eventual encenação, o estudo do sagrado e rituais, a observação do Carnaval Bijagó associado ao de outras etnias guineenses.

Mantemos assim um projecto artístico de avanço muito lento, o que nos irá permitir não só estudo mais concentrado sobre o que ainda não conhecemos, como também que procuremos as melhores condições possíveis para a nossa acção.

Esclarecido o enquadramento desta última parte do programa, conversámos sobre pequenos excertos do vídeo visionado antes. Houve esclarecimentos breves a propósito de máscaras de animais em madeira maciça usadas por bailarinos em dança tribal e como forma de articulação entre a arte e o quotidiano comunitário, comentámos o material e a altura das saias usadas por mulheres em idêntica dança salientando quem dança desnudada ou não da cintura para cima, referimos a presença artística de mulheres na prática de percussão de tamborins. Este último aspecto indicia um fenómeno comum naquelas paragens e que se reporta ao facto de a arte da percussão poder ser comum a homens e mulheres, ainda que tradicionalmente seja executada por homens em instrumentos de grande porte, fenómeno comum a outros países vizinhos como o Senegal, o Mali e a Mauritânia.

Discutimos ainda um traço milenar que salienta o amor e o respeito que as gerações mais novas têm pelos velhos. Nestes reconhece-se a valorização dos ensinamentos que transitam de geração em geração e a devida protecção que lhes é dedicada como forma de reconhecimento pela atenção e amor devotados à comunidade em que vivem.

O pequeno vídeo permitiu ainda apercebermo-nos dos conhecimentos sobre medicina tradicional e seu uso, bem como escutarmos da boca de homens velhos a importância atribuída às árvores como ligação entre um mundo divino superior e mundo divino inferior. Isto significa que a relação entre os seres vivos e a natureza perde a dimensão hierárquica para se plasmar num universo identificado como uno e provavelmente indivisível.

A questionação damasiana só alcança este nível como proposta e naturalmente como processo com vista à idealização de modelos que não se revêem nem no presente nem no passado da vida na Terra, embora identificados a partir de seres vivos que existiram há milhões de anos e que congregam na sua constituição todas as caracteristicas, por exemplo, de uma homeostasia individual e social.

 

Leitura recomendada

DAMÁSIO, António 2017. A Estranha Ordem das Coisas – A vida, os sentimentos e as culturas humanas, Lisboa: Temas e Debates | Círculo de Leitores. Pesquisa orientada a partir de índice de conceitos no final da obra. O conceito em estudo é homeostasia. A referência no volume em papel é a p. 374.

 

Pequeno vídeo

https://www.youtube.com/watch?v=P9EN8_jvOfI


Bijagós, Bemba di Vida!

8 Novembro 2019, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

NOVEMBRO                                 6ª FEIRA                      15ª Aula

 

 

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Organizámo-nos na sala de aula de modo a que fosse possível estabelecer curto diálogo entre os alunos que estivessem sentados frente a frente.

Esta alteração no espaço físico da sala permitiu a criação de proximidade e maior abertura entre os alunos, dois a dois, e ao mesmo tempo criou ampla participação de todos os circundantes.

O objecto de estudo era no caso presente o índice remissivo da obra A Estranha Ordem das Coisas de António Damásio, da qual tinhamos escolhido um único conceito: homeostasia.

Situados entre a p. 374 desse livro e no formato em papel e as entradas sucessivas nas respectivas páginas do volume, os alunos enquadravam a informação disponibilizada e faziam perguntas ao colega ou à colega que estava na sua frente exactamente sobre a aplicação do conceito. De volta, o inquirido devolvia uma pergunta ao primeiro questionador e assim sucessivamente.

Assim fomos procedendo e assim voltaremos a proceder nas próximas aulas, cientes de que haverá entradas que não irão merecer a nossa atenção específica. E porquê? Porque temos um objectivo prático determinado e que consiste em testemunhar através de material a visionar, ainda que esparso, e a acompanhar por leitura, sobre o modo como vive uma etnia africana - os Bijagós - que, sem sequer conhecer o conceito de homeostasia como nós o procuramos conhecer, o ajusta todos os dias e desde há milhares de anos à sua relação com a natureza, com a religiosidade que os preenche e anima, com a insularidade que, ao contrário do que poderíamos pensar, os fortalece e se traduz na singularidade da sua existência baseada em valores e princípios que o mundo ocidental vai teimando em esquecer. Cultural e artisticamente, a etnia Bijagó nestas e noutras vertentes justifica ainda hoje um comportamento e uma acção que procuram integrar o ser humano numa mundividência cosmogónica. O conhecimento destes aspectos requer o acesso à observação do quotidiano deste povo (não será o vosso caso), ou a documentação visual (filmes documentais) e escrita que vos será disponibilizada.

A vida para este povo não é fácil, tal como o não é para outros povos africanos, embora o entendimento da mesma seja favorecido pela criação e defesa de harmonia geracional, pela preservação do sagrado, pela defesa de uma ecologia avant la lettre sem que à conflitualidade não seja dada resposta.

Este é um estudo de caso, em final de programa, que nos levará por um caminho com alguma utopia, quem sabe esperança de que o mundo em que vivemos possa realmente vir a ser diferente, considerando que as pequenas coisas geram outras pequenas coisas e é na sua simplicidade que prevalece o essencial.

Interrompemos deliberadamente o exercício de aproximação ao conceito de «homeostasia» para que tivessem acesso a um pequeno vídeo, excerto mínimo de um filme intitulado Bijagós, As ilhas sagradas.

https://www.youtube.com/watch?v=P9EN8_jvOfI

Será então também este documento alvo das nossas perguntas na próxima aula.

Voltamos abnegadamente a Damásio com o intuito de ir descobrindo no novo material razão justificada da presença do conceito em estudo.

Iremos ajustando novos documentos de carácter teórico e videográfico, embora Damásio seja quem melhor nos elucida, sem ele próprio o saber, sobre uma etnia africana que tendo sido guerreira há muitos milhares de anos, se transformou num povo pacífico. A principal razão para esta mudança de comportamento e de atitude deve-se à referida insularidade que está, por exemplo, na base da não escravização do povo Bijagó. Em termos históricos poderemos recuar ao séc. XV. Há outros factores que contribuem para esta transformação genética mas também de aprendizagem milenar: religião, cultura, sociabilidade, ética geracional, respeito pela Natureza integrada, criação artística (música, canto, dança, artesanato aplicado) a partir da prática quotidiana. Eis alguns dos tópicos que iremos abordar.

 

Leitura recomendada

DAMÁSIO, António 2017. A Estranha Ordem das Coisas – A vida, os sentimentos e as culturas humanas, Lisboa: Temas e Debates | Círculo de Leitores. Pesquisa orientada a partir de índice de conceitos no final da obra. O conceito em estudo é homeostasia. A referência no volume em papel é a p. 374.

 

Pequeno vídeo

https://www.youtube.com/watch?v=P9EN8_jvOfI


Realização do primeiro teste de avaliação de conhecimentos com consulta.

6 Novembro 2019, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Realização do primeiro teste de avaliação de conhecimentos com consulta.

 


Savall, um mestre homeostásico

30 Outubro 2019, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

OUTUBRO                                     4ª FEIRA                                          13ª Aula

 

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A pedido dos alunos, e de forma muito apropriada, retomámos o nosso trabalho de aproximação à obra musical de Jordi Savall, As Rotas da Escravatura, com o intuito de apreciarmos melhor algumas das canções que eram interpretadas, dando particular atenção às suas letras. Disponibilizadas as mesmas em tempo útil,

seleccionámos La Negrina / Gugurumbé, Los Negritos e Canto de Guerreiro. A escolha beneficiou da leitura de alunos, entre eles o Afonso Brites, que nos deu uma lição de dicção em castelhano.

Verificámos como estas canções e outras propõem um comentário de esperança, por vezes de malícia, mas também de realismo sobre pequenos episódios da vida quotidiana dos negros em África, dos negros em território europeu, dos negros colonizados em terras do continente americano.

A graça destas canções está por vezes associada a uma visão afectiva do que é cantado. Os títulos das duas primeiras canções unidas referenciam com os seus diminutivos nos títulos um sentimento de cumplicidade entre quem canta, quem toca e quem escuta. Este traço de identificação do próprio fraseado vem associado a uma mundividência cristã presente no desejo de visitar Belém e o pequeno Jesus.

Entendemos assim que a dimensão animista de religiões e rituais fundadores da espiritualidade africana dá lugar a várias intersecções entre diversos tipos de fé e crença cujos cruzamentos determinam a permanente função do catolicismo a operar sobre a liberdade de culto de cada um. Catequisar escravos mas também indígenas diversifica-se como estratégia de acompanhamento à transformação de seres humanos em puros objectos a explorar como mercadoria.

Curiosamente encontramos em La Negrina / Gugurumbé e em Los Negritos composta como uma ‘ensalada’ por Mateo Flecha “El viejo” (1481 -1553) ou Mateu Fletxa el Vell (em catalão, sua língua de origem) uma composição que ajuda a alcançar um certo espírito de entendimento entre senhores e escravos. Esta e outras canções não tinham de expressar apenas a realidade do novo continente já que o processo de escravização tem um tempo de estágio na própria Península Ibérica e em outros países europeus. Em Portugal e em Espanha nesta época havia um elevado número de escravos ao serviço das classes mais abastadas, associados naturalmente ao trânsito Atlântico.
La Negrina / Gugurumbé e Los Negritos constituem em linguagem técnica uma ‘ensalada’ ou ‘salada’ em português, nome que se dá a uma composição escrita para várias vozes e línguas.

https://www.youtube.com/watch?v=TZYcY_TmwVs

Ver o poema completo em:

https://es.wikisource.org/wiki/La_negrina

Mas a presença de língua africana na dupla canção, língua que não identificamos porque não a estudamos é, por um lado, sinal de estranheza perante outras culturas, embora, por outro lado, a sua aceitação no espaço da Península Ibérica não passasse de uma trivialidade necessária e que não fazia sentido questionar em termos gerais. Acresce dizer que a dupla canção ensaia diálogo no interior dos versos, propondo assim uma dramaturgia simples que procurava alegrar aqueles a quem se destinava e que assim recebiam entretenimento.

Se transpusermos para o novo continente o mesmo texto e a mesma música, é na presença da distância que encontramos uma resposta para a interpretação a que chegámos. A música, o canto e a dança são as artes primordiais através das quais os escravos suavizavam sofrimento e dor indescritíveis, geração após geração, na esperança de preservarem uma identidade.

Canto de Guerreiro (Caboclinho paraíbano) · Jordi Savall · Tradicional · Maria Juliana Linhares · Erivan Araújo (Brasil) é uma canção para uma só voz que já faz jus à realidade brasileira ancestral, em particular, a dos indígenas que viviam em harmonia com a Natureza antes da chegada dos colonizadores, e a quem uma tempestade causa surpresa, porque põe em causa o que antes fôra inquestionável. A aplicação da relação metafórica do mundo natural como um factor que pode ser tão bondoso quanto desestabilizador permite ler-se na tonalidade e melodia do canto de Juliana Linhares um espanto questionador. O diálogo da cantora com Tupã, o deus da Criação, transforma uma pequena canção num hino de perguntas-afirmações. Todas elas continuam a fazer sentido no nosso tempo.

O DVD visionado oferece inúmeros percursos através de uma observação e escuta de pormenor. A riqueza das relações entre intérpretes, a espontaneidade do movimento adequado à ordenação instrumental, a contra-cena constante sem pôr em risco o lugar de cada um não criam qualquer conflito no conjunto artístico. Nunca está em causa o rigor do espectáculo nem a sua intencionalidade primeira: dar a sentir a cada um de nós como um tempo raivoso e medíocre de exploração do homem pelo homem surpreende no seu modo belo e elevado. Nem o esforço das ciências cognitivas, no nosso caso aplicadas às Humanidades, e este DVD também é isso, conseguem regular os nossos comportamentos e convivialidade.

Os obstáculos não estão no caminho. São o caminho. (Séneca)

 

Obra visionada através de DVD:

SAVALL, Jordi 2015, The Routes of Slavery (1444-1888), K. M. Diabaté, I. García, M. J. Linhares, B. Sangaré, B. Sissoko, LA CAPELLA REAL DE CATALUNYA, HESPÈRION XXI, 3MA, TAMBEMBE ENSAMBLE CONTINUO.

Espectáculo apresentado ao vivo, a 17 de Julho de 2015, na Abadia de Fontfroide, Narbonne, França, no âmbito do X Festival de «Música e História para um Diálogo Intercultural», Aliavox. Tempo de duração: 2h08’30’’