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Benito Arias Montano e o conceito de bondade inata das artes.

5 Novembro 2020, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

     O humanista, teólogo e latinista Benito Arias Montano (n. Fregenal de la Sierra, 1527 -- fal. Badajoz, 1598) é uma das mais notáveis personalidades da cultura europeia de Quinhentos. Contribuíu com as suas ideias e as suas escolhas para a sedimentação de uma Teoria da Arte, defendendo as harmonia, o rigor doutrinário mas também a carga pedagógica e a força da emotividade nas representações artísticas, em nome de uma concepção neoplatónica dotada de um largo sentido de trans-contextualidade. Explorou as relações meta-textuais e imagéticas através da emblemática e um sentido profundo da Ut pictura poesis. Publicou estudos de antiguidade latina, grega e hebraica, e temas eruditos como Rhetoricorum libri IV (1569), Discurso del valor y correspondencia de las monedas e Monumenta humanae salutis (1571). Deixou poesia em latim, Hymni et saecula (1593), em castelhano, inspirada em Fr. Luís de León (escrevendo, como este, uma versão do  Cântico dos Cânticos).

O prestigiado erudito, formado nas Universidades de Sevilha e de Alcalá de Henares, membro da Ordem de São Tiago, estante em 1562 no Concílio de Trento, responsável pela Biblioteca do Real Mosteiro de San Lorenzo (Escorial), adepto da Família da Caridade, amigo pessoal de Filipe II e falecido em Sevilha em 1598, é conhecido dos estudiosos pela famosa Bíblia Poliglota, a sua opus magnum, trabalho enciclopédico de Filosofia e de Teologia. Como conselheiro de Filipe II, teve relações com Christophe Plantin, com quem supervisionou o projecto da Bíblia Políglota, discutindo-o na cúria papal e dando-a à estampa em oito volumes em 1572. Fruto deste convívio em Antuérpia, revendo provas, escolhendo estampas e redigindo prólogos, é a amizade com Gerhard Kremer Mercator, Abraham Ortelius, Gemma Frisius, Charles l'Escluse, Rembert Dodoens e Philippe Galle, entre outros.

     Ainda não foram alvo da análise conjunta os contributos de Arias Montano como humanista do ‘largo tempo do Renascimento’ para a teoria das artes do seu tempo e para o curso da arte portuguesa, que foi significativo, mas se mantém subestimado. Descendia de uma família de conversos; seu pai era notário da lnquisição. Cursou Filologia e Teologia nas Universidades de Sevilha e Alcalá de Henares. Destacou-se pelo talento em interpretar a Bíblia e dominar línguas orientais. Por volta de 1569, ingressa na Ordem de Santiago e segue para Trento com Pérez de Ayala. Ao regressar, escreve o Comentario a Doce Profetas. Filipe II, que o estimava, propôs-lhe realizar, com Christophe Plantin, a edição monumental da referida Bíblia Políglota. Seu supervisor, seguiu o projecto e passa meses em Antuérpia a ver provas, escolhe estampas, redige prólogos. Vai a Roma reunir com o Papa Gregório XIII (depois de Pio V impedir a sua saída), expôe os objectivos da obra, impressa em oito volumes em 1572. Manteve estreita amizade com Plantin e ainda com Gerhard Kremer Mercator, Abraham Ortelius, Gemma Frisius, Charles l'Escluse e Rembert Dodoens. Adquiriu livros, instrumentos astronómicos, mapas, pinturas e antiguidades para nobres como Juan de Ovando. Escreveu Hymni et saecula, Rhetoricorum libri IV, Monument humanae salutis, e uma Naturae Historia. Nomeado bibliotecário do Mosteiro do Escurial, aí organiza  o acervo por línguas e temas em 74 matérias distintas. Dois anos depois de saír a Políglota, o professor de Salamanca León de Castro denunciava Arias na Inquisição, mas o apoio do rei e o respeito que grangeava permitiram a circulação da obra. Oito anos após a morte, porém, o Index proibiu a circulação de algumas das suas obras, que só voltariam a ter voga no final do século XVII.

Entre as estâncias em Sevilha, em Roma, Antuérpia ou em El Escorial, e os tempos que passa no seu retiro da Peña de Aracena (um verdadeiro locus amoenus renascentista), Arias dividiu a sua existência. A casa que fez erigir na Peña, sítio de meditação piedosa, tertúlias de humanae litterae, debates teológicos e all’antico, com a sua biblioteca e obras de arte, o seu bosque com rovine, a álea de plátanos, as suas fontes, tornou-se nos últimos anos de vida o refúgio privilegiado do humanista. As suas ideias sobre a concepção das artes, o valor pedagógico das imagens, o poder da ars memoriae e a carga emotiva do discurso plástico, mostram  que não esteve alheado do debate sobre as imagens sacras aberto no Concílio de Trento (onde participou) e sobre a acentuação de uma cultura de raíz neoplatónica.

Amigo do editor Plantin, dos pintores-gravadores Cornelis Cort, Crispín van den Broeck e Philippe Galle, dos escultores dos Países Baixos Willem van der Broecke, chamado Palludanos, e Jacques Jonghelinck, Arias Montano nunca deixou de ser um instrumento inspirador nas criações desses artistas, sendo da sua responsabilidade o modelo composicional usado por estes estampistas flamengos. Conhece-se a influência dos livros de Arias em pinturas maneiristas portuguesas, o que atesta que a sua obra circulava e era estimada. O seu interesse pela estampa de livro, cuja criação acompanhou de perto, e o seu pendor por uma política e um pensamento de tolerância, mostram-no sempre muito atento ao poder das gravuras de ilustração nas suas relações com a palavra, a narração, o exemplo, a sensibilização dos olhares e o apego aos sentidos morais.

Quando retornou de Itália, retirou-se para a quinta em Aracena, mas Filipe II convoca-o em 1568 para supervisionar a nova versão poliglota da Bíblia, contando no projecto com a colaboração de intelectuais e gravadores de valia. A obra foi lançada pela editora de Cristophe Plantin (1572) sob o título Biblia sacra hebraice chaldaice, graece et latine, Philippi II regis catholici pietate et studio ad sacrosanctae Ecclesiae usum. A erudição e sensibilidade de Benito Arias Montano para a linguagem das artes foi estimulada pelo contacto com seu mestre Jacobus Vasquus e pelo seu amigo pintor sevilhano Pedro Villegas Marmolejo.

Em nome de uma visão de paz no campo religioso, usa as imagens bíblicas como exemplo e advertência, mas sempre à luz da tolerância. O conhecimento que adquiriu como crítico de arte foi por si usado na cuidada definição de programas de estampas (na Bíblia poliglota e outros livros), e em empreendimentos como o polémico monumento ao Duque de Alba ou o projecto do Patio de los Reyes de El Escurial. Como inspirador de gravuras junto aos melhores artistas do tempo, viu-as sempre com uma estrutura tripartida de lema, ícone e epigrama, em que palavra / narração / imagem se articulam num mesmo corpo de coerências. Arias contava entre os seus amigos íntimos com Pedro Villegas Marmolejo, cuja obra acusa influências maneiristas de Luís de Vargas, e que mereceu receber, à hora da morte, uma lápide com homenagem imortalizada por uma poesia latina do próprio Arias. Villegas foi um dos maneiristas hispalenses representativos do seu tempo, com influências romanistas de Luis de Vargas. Foi autor do retábulo da Visitación da Catedral de Sevilha e da Virgen de Belem  da igreja de San Lorenzo. O pintor realizou obras para o humanista, algumas para a quinta de Aracena, o seu locus amoenus, onde era famosa a biblioteca e a colecção de antigualhas, estudadas por Sylvaine Hansel e Juan Gil.

Perante o fim do antropocentismo renascentista, a barbárie e o caos,  um mundo e uma  ordem que se desfazem, a melancolia e a skize que se impõem como estados de espírito Arias propõe uma renovação ecumenista do cristianismo. A época debate-se face ao humor melancholicus (atestado em pinturas de Lucas de Heere, Albrecht Durer, Vasco Fernandes, Hans Holbein...), e os sintomas saturnianos da crise generalizada vivida na Europa do pleno século XVI, à luz dos conflitos religiosos e da desagregação do edifício de valores do Renascimento. A ordem, estabilidade, harmonia, tolerância, dignidade, utopia do antigo, valor do antropocentismo, da perspectiva, o sentido regulador de uma ‘geometria do mundo’, etc, dão lugar a um estado generalizado de descrença...

Tem-se atribuído a Arias Montano a concepção humanística do grande e malfadado monumento a Fernando Álvarez de Toledo y Pimentel, 3º duque de Alba (1507-1582), em Antuérpia, erguido após a  vitória de Jengum, em 1568, com esculturas de Jacques Jonghelinck (figura de bronze) e de Willem van den Broek ou Paludanus (o pedestal). Ambos eram amigos de Arias. A violência demonstrada pelo Duque de Alba nas campanhas da Flandres grangeou inimigos, tanto nos Países-Baixos, incluindo ods círculos católicos, como na corte de Espanha. É certo que, após a chegada do novo governador Luis de Requesens, em 1573 (sendo Arias designado seu conselheiro), e obtida a paz pelo perdão geral de 6 de Junho do ano seguinte (tardia, mas bem acolhida), a estátua foi apeada e fundida. Mas eram medidas que chegavam tarde para restituir o prestígio de Espanha, abalado pelas repressões contra as populações protestantes submetidas. O Duque foi ilustre militar castelhano que se notabilizou  nas campanhas de Navarra, Flandres, Itália e Portugal, primeiro ao serviço do Imperador Carlos V e depois de Filipe II. Após a conquista de Lisboa em 1581 foinomeado Condestável de Portugal. Desde 1547 lutou contra os protestantes da liga de Esmalcada (Schmalkaldischer Bund) e comandou os terços espanhóis, com os famosos arcabuzeiros, na batalha de Muhlberg e na repressão dos vencidos. Venceu as forças do príncipe-eleitor Johann Friederich de Saxónia, campeão da Reforma e protector do luteranismo, e tomou parte no cerco de Wittenberg, que a princesa Sybilla de Cleves defendia. Forçou os vencidos a assinar a capitulação de Wittenberg, em 1547, em que parte do território da Saxónia passou a seu primo Maurício von Sachsen. Até 1573, quando foi substituído no governo da Flandres por Luís de Requesens com uma gestão mais tolerante (perdão geral de 6 de Junho de 1574, bem aceite, conquanto tardio), a opinião sobre o Duque dividia-se entre o ódio dos povos flagelados e o prestígio que as suas vitórias militares proporcionaram (vitória contra os protestantes de Nassau em Jemgum).

Numa das estadias em Roma (em 1572 e em 1575-76) para explicar e discutir os princípios da Bíblia Poliglota nos círculos papais, Arias relacionou-se com Johannes Battista Raimundos, matemático, autor de globos terrestres e de um mapa da China, e do nobre Tommaso de Cavallieri, que fora discípulo de Miguel Ângelo, que lhe fizera sonetos e lhe dedicara, em 1532, o famoso desenho Rapto de Ganímedes. Testemunho ambíguo do amor erótico e homossexual e do triunfo do Amor Divino, o desenho seria ofertado ao Dr. Arias Montano, talvez porque a sua defesa dos valores da Família da Caridade e os conceitos do Amor Divino de Arias tenham sugerido a Cavallieri um presente condigno com a fama do grande humanista andaluz... Na mitologia greco-romana, Ganimedes era o mais belo dos homens e despertou, por isso, o desejo de Júpiter, que o raptou, assumindo a forma de águia, e o levou para seu pagem. O tema é descrito por Ovídio nas Metamorfoses. A relação entre Júpiter e Ganimedes reflecte também a sexualidade grega: Júpiter, o parceiro mais velho, e o pastor Ganimedes o parceiro passivo; Miguel Ângelo desenhou o Rapto de Ganimedes em 1532 quando conheceu o jovem nobre romano Tommaso De Cavalieri, para quem também escreveu sonetos e com quem se correspondia. No desenho, Júpiter, em forma de águia, agarra Ganimedes e domina-o. Trata-se, para além da sua carga erótica, de uma evocação da beleza ideal, segundo os parâmetros da arte grega. O tema do Rapto de Ganímedes, raro na iconografia do tempo, dada a sua ambiguidade, mereceu algumas variações sobre o modelo miguel-angesco. No início do século XVII, o pintor-escritor Francisco Pacheco recebeu na sua colecção o «debuxo de Ganimedes de mano de Micael Angel cuyo original yo tengo, que fué del Dr. Benito Arias Montano», que aliás lhe serviria de mote inspirador para uma das cenas pintadas no Palácio de Hércules em Sevilha, aí com muito maior comedimento no desnudo. Em 1758, insatisfeito pela falta de representações do mito, Winckelmann promoveu um falso achado arqueológico, o mural Ganimedes e Júpiter (1758-59) de Antón Raphael Mengs, como autêntico... Era outro o sentido do desenho nas mãos de Arias, obviamente.

    

Como todos os intelectuais do seu tempo, Arias Montano desaconselhou o uso do  nu senão em composições onde o sentido da alegoria cristã ou ecumenista justificassem o recurso a figuras e temas de sensualidade. Em nome do decorum tridentino e dos seus valores de rigorismo e de clareza didascálica, também ele não entendia bem a licenciosidade, o falso dogma, a luxúria, a venalidade e a imoralidade, senão pornografia, de muitas estampas e imagens produzidas no contexto do Maneirismo italiano e nórdico. Arias Montano entrou nestas polémicas. Em nome do seu racionalismo exegético, foi pionero em conciliar a arquitectura revelada com a arquitectura do paganismo clássico. Arias, ao contrário de Villalpando, defendeu a ideia de que o Templo de Salomão e o que sonhou Ezequiel eram distintos, sendo o primeiro similar ao que mais tarde reconstruíram Zorobabel e Herodes. A planta do seu Templo está claramente inspirada na de Maimónides, ainda que, diz Juan Antonio Ramírez, possa ter havido outra fonte gráfica intermédia. O desenho é frágil, inferior à vista de conjunto e sem qualquer comparação com a altíssima qualidade dos gravados de Villalpando. Como Maimónides, parece diluir ainda mais nos patios cruciformes das cozinhas dentro dos seus pátios concêntricos. Durante a segunda metade de Quinhentos do século XVI produziram-se tratados sobre o Templo de Jerusalém, alguns deles à revelia do estudo da Bíblia e, por isso, muito discutidos nos círculos intelectuais. Espanhóis, milaneses, flamengos e portugueses intervieram nesse debate, em tempo de Filipe II. As ilustrações do Templo de Ezequiel do teólogo-helenista protestante Sèbastien Castellion ou Châteillon (1515-63), defensor da tolerância religiosa e opositor de Calvino, defendem a centralidade radial com o Santuário no centro do átrio interior. A porta ocidental substitui o edifício que a Bíblia situa atrás do Sancta Sanctorum, favorecendo a simetria do conjunto. O átrio exterior divide-se em quatro espaços quadrados com os pátios das cozinhas em cada esquina, fazendo uma cruz perfeita, o que se favorece a idea renascentista de que o Templo de Jerusalém prefigurava a Igreja fundada por Cristo. Também fez uma ilustração do Templo de Salomão com o Santuário, considerando que o exterior era igual ao de Ezequiel.

A discussão sobre a traça do Templo de Salomão ou sobre a origem das ordens clássicas preocupou o Dr. Montano e levou-o a acesas discussões contra Villalpando e os seus sequazes. Arias conheceu em Roma o pintor-escritor Pablo de Céspedes (Córdoba, 1538-1608), cuja discussão sobre o Templo, entre as correntes montanista e villalpandista, gerou um Discurso sobre el Templo de Salomón, primeiro capítulo do seu Tratado de Pintura de 1599, em que segue Arias nas ideias sobre a origem das colunas coríntias, e contra as ideias de Villalpando. O jerónimo português Fr. Heitor Pinto (1525-1584) escreveu os In Ezechielem Prophetam Commentaria sobre a profecía em visão simbólica, à luz das ideias de Arias Montano, com desenho esquemático do Templo segundo Ricardo de S. Victor (F. Hectoris Pinti lusitani hyeronimi In Ezechielem prophetam commentaria / omnia iudicio et correctioni Sanctae Romanae & universalis Ecclesiae subiecta sunto. Antuerpiae: in aedibus Viduae & haeredum Ioannis Stelsii, 1570 (1ª ed, Salmanticae, 1568, fol.; Antverp, 1570, 1582; Lugduni, 1581, 4to; Ibid. 1584, fol.; Colon., 1615, 4to). O protestante Matthias Hafenreffer publica em 1613 em Tübingen o livro Templum Ezechielis, onde defende a interpretação luterana da Bíblia, mas a respeito do quadrado de Ezequiel e do Templo volta a seguir as teses de Arias, com a fachada do Santuário em influência provável de El Escorial; na geometria seguiu os matemáticos e astrónomos protestantes Michael Maestlin e Johannes Kepler (Helen Rosenau, Vision of the Temple: the Image of the Temple of Jerusalem in Judaism and Christianity, pp. 93 y 106, London, 1979).

     Quando se admira A verdadeira Inteligência (Idea) inspira o Pintor, gravado por Cornelis Cort (1533-1578) segundo desenho de Frederico Zuccaro, estampa aberta em 1577-78 em Roma, vemo-la acompanhada pelo poema latino onde Arias discursa sobre o papel emotivo e pedagógico e do discurso artístico. A gravura (Staatlische Museum, Berlim) recorre à alegoria clássica e a conceitos neoplatónicos: Apolo como Ideia das Artes a admirar a Fraga de Vulcano com as Fúrias, a Inveja, o Concílio dos Deuses, Ceres, Vénus, Baco, Hércules, as divindades fluviais, Pan, Diana, Marte, Pomona, Saturno, Tétis, Neptuno, num Olimpo onde a Caritas, Prudentia, Benignitas e Fortituto têm valência qualificante do sentido das artes. O quadro em que trabalha o pintor é a FRAGA DE VULCANO. À direita, vêem-se as FÚRIAS. Sob Apolo, a INVEJA numa gruta. Eis toda uma síntese da teoria estética de Arias Montano e dos princípios do Humanismo cristão que defendia.

     Não são muitos os contactos directos do Dr. Arias Montano com Portugal: em 1578, é enviado por Filipe II a Lisboa para convencer D. Sebastião de desistir da malograda empresa de Marrocos que iria conduzir, meses depois, à tragédia de Alcácer Quibir; em 1580, tem um papel decisivo, junto ao rei, para a elaboração das teses de Tomar que confirmariam a Monarquia Dual; e poderá ter tido um papel relevante de consultor na programação da Joyeuse Entrée em Lisboa em 1581 (a que todavia não assistiu), a crer no relato do simbolismo das decorações escrito pelo Dr. Afonso Guerreiro. A obra de Arias Montano (of. Cristopher Plantin, ed. Antuérpia, 1575), com quarenta e oito emblemas desenhados por Crispin van den Broeck e gravados por Philippe Galle, sob o título David . Hoc Est Virtutis Exercitatissimum Probatum Deo Spectaculum, ex David Pastoris Militis Ducis Exulis ac Prophetae Exemplis, explorou o carácter polissémico atribuído ao rei-pastor do Antigo Testamento, no contexto das guerras fratricidas na Flandres ao  tempo do Governador D. Luis de Requesens. É de destacar este ideal do príncipe cristão benigno e tolerante, defendido por Arias Montano, tão ligado ao historial vetero-testamentário de David, rei-pastor cujas virtudes são a FIDES, PIETAS, PRUTENTIA e TEMPERANTIA, e compará-lo com o ambiente terrível nas guerras de religião da Flandres. A proposta de políticas mais indulgentes e a defesa da impunidade dos derrotados (a exemplo da piedade que a cidade bíblica de Abel-Bet-Maaká demonstrara após a entrega do traidor) eram, para os leitores do livro, aspectos que mostravam à época mostrava um evidente contraste face às barbaridades cometidas pelo Duque de Alba contra os protestantes de Malines e Haarlem...

     Uma obra artística portuguesa poucos anos posterior à edição antuerpiana do David de Arias-Galle (1575) foi a decoração do tecto da Câmara de David e Golias (vulgarmente chamada Sala de David e do Gigante Golias) no Paço Ducal de Vila Viçosa, uma encomenda do 7º Duque de Bragança D. Teodósio II, em que os mesmos valores da tolerância e do bom governo se destacam, à luz do texto vetero-testamentário, através de um programa de frescos inspirado directamente nas gravuras do livro.

A obra, pintada cerca de 1603 aquando do casamento deste Duque com D. Ana de Velasco e Girón, foi pintada por Tomás Luís, um artista de origem inglesa que se radicara em Lisboa após a Monarquia Dual, e ganhara prestígio como pintor de frescos. O Paço Ducal de Vila Viçosa,  sede da Casa dos Duques de Bragança, o mais poderoso ramo da nobreza portuguesa, viveu no século XVI uma fase de esplendor com os Ducados de D. Teodósio I (1532-63), D. João I (1563-83) e D. Teodósio II (1583-1630). A influência do David. Virtutis Exercitatissimae Probatum Deo Spectaculum, (ed. Antuérpia, 1575) e as gravuras de Philippe Galle, expressa-se na arte portuguesa do tempo da Monarquia Dual: o programa iconográfico de uma das salas do Palácio Ducal de Vila Viçosa, encomendado no início do século XVII ao pintor de fresco Tomás Luís pelo sétimo Duque de Bragança, D. Teodósio II.

A Sala de David e do Gigante Golias, uma das «casas novas» mandadas decorar no Paço aquando dos preparativos do casamento do Duque D. Teodósio II com D. Ana de Velasco y Girón, da Casa de Medina Sidónia (de onde nasceria o oitavo duque, D. João II, mais tarde D. João IV, rei Restaurador), apesar de carecido de restauro, mostra um programa que segue com fidelidade os gravados de Galle, segundo a edição de Antuérpia de 1575.

A utilização por Tomás Luís dessas gravuras é bom exemplo da via de influência das ideias e gostos do Dr. Montano. A sanca representa cenas mitológicas de temário ovidiano em quadri riportati (Triunfo de Apolo, Perseu matando Medusa e a libertar Andrómeda, Belorofonte domando Pégaso, Apolo, Metamorfose de Daphne em loureiro, «países», trechos agrícolas e campestres) junto a retratos em busto (podem representar o ilustre visitante Duque de Parma D. Rainúcio, e seu pai, o falecido Alessandro Farnese), a envolver o brasão teodosino. É de crer que a pintura da sanca possa ser coeva da visita da embaixada parmense de 1601, em que o Paço se engalanou para receber D. Rainúcio.

 

                                                            BIBLIOGRAFIA:

Silvaine HANDEL, Benito Arias Montano. Humanismo y arte en España, trad., Univ. de Huelva, 1999.

Juan Antonio RAMIREZ, Dios Arquitecto, Ediciones Siruela, Madrid, 1995.

Juan GIL, Arias Montano En Su Entorno (Bienes Y Herederos), ed. Regional Extremadura, Sevilla, 1998.

Aires Augusto NASCIMENTO, «Erudição e livros em Portugal ao tempo de Arias Montano: a biblioteca do Duque de Bragança», Actas do Congresso Benito Arias Montano y los humanistas de su tiempo, coord. José María Maestre Maestre, Eustaquio Sánchez Salor, Manuel Antonio Diaz Gito, Luis Charlo Brea, Pedro Juan Galan Sánchez, vol. II, 2006, pp. 723-750.

Vitor SERRÃO, «As ideias estéticas de Benito Arias Montano e a arte portuguesa do tempo dos Filipes», Actas do Congresso Portugal na Monarquia Espanhola – Dinâmicas de integração e de conflito (FCSH e Instituto Cervantes, Lisboa, 26-28 de Novembro de 2009) (no prelo).

 

 

 

 

 

 

 


Gregório Lopes, expoente da pintura do do Renascimento português.

3 Novembro 2020, 11:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Pintor régio de D. Manuel, confirmado por D. João III, e cavaleiro da Ordem de São Tiago, GREGÓRIO LOPES (Lisboa, c. 1480-1550) foi o mais notável pintor da «escola de Lisboa». Educado na tradição renascentista nórdica, com influxos de Antuérpia, pintou documentalmente no Tribunal da Relação (1518-19), no mosteiro de São Francisco da Cidade (1524-25), para o mosteiro de Ferreirim (1533-34), na Charola do Convento de Cristo e na igreja de São João Baptista de Tomar (1536-39), na Sé de Évora (c. 1540), e para o Bom Jesus de Valverde (1544). A primeira obra documentada do pintor régio de D. João III foram as pinturas que realizou em 1536-1538 para os altares da Charola do Convento de Cristo em Tomar, que são peças exímias de desenho, composição e cor. Destas, o MARTÍRIO DE SÃO SEBASTIÃO e A VIRGEM, O MENINO E ANJOS NUM JARDIM encontram-se no Museu Nacional de Arte Antiga.

O fundo do Martírio de São Sebastião de Gregório Lopes em 1536-38 por encomenda de Frei António de Lisboa para um dos altares pequenos da Charola do Convento de Cristo em Tomar, hoje no MNAA, oferece-nos uma das mais detalhadas vistas da baixa de Lisboa no tempo de D. João III. Atestam-se as notórias dinâmicas de crescimento e modernização da cidade. Como observa António Borges Coelho (O Tempo e os Homens. Questionar a História. III, ed. Caminho, 1996), Lisboa desenvolve-se como cidade globalizada, a acompanhar o percurso das naus que demandam o porto, vindas de todas as partes do mundo.  No fundo do Martírio de São Sebastião de Gregório Lopes, c. 1536-38, o trecho de Lisboa inclui também um torreão clássico centralizado, imagem de arquitectura de fantasia, que assimila este gosto requintado entre o realismo do ‘ar livre’ e a expressão da cultura  humanística all’antico.

A produção normativa da Oficina Régia de Lisboa dos anos 30 e 40, dominava então um regime de trabalho com características de tradição medieval (um trabalho anónimo, colectivista, gremial), tem bom testemunho na «sociedade» de empreitada que Cristóvão de Figueiredo, pintor do Cardeal-Infante D. Afonso,  forma com seus ‘companheiros’ Garcia Fernandes e Gregório Lopes para pintarem  os três retábulos da igreja do Mosteiro franciscano de Ferreirim, na Diocese de Lamego, em 1533-1534.

Entre os grandes empreendimentos dos espatários avulta o políptico renascentista, devido ao famoso pintor régio Gregório Lopes, cerca de 1540, na antiga igreja do mosteiro dos comendadeiras de Santos o Novo, cujas tábuas estão no Museu Nacional de Arte Antiga, seis delas, e em dependência do mosteiro, duas outras. É uma das mais significativas produções de Lopes, pintor régio de D. João III e cavaleiro da Ordem de Santiago (nomeado em 1520). As tábuas foram apeadas aquando das grandes reformas que sofreu nos séculos XVII-XVIII, sob estímulo da nova estética barroca. Provavelmente, trata-se de uma encomenda de D. Jorge de Lencastre (1481-1550), filho bastardo de D. João III e administrador da Ordem de Santiago de 1482 até à morte. A este nobre se deveu a nomeação do pintor Gregório Lopes, em 1520, como cavaleiro espatário e pintor adstrito às encomendas da Ordem militar de Santiago. O retábulo devia destinar-se ao altar-mor da nova igreja do mosteiro de Santos.A  abertura  estética sente-se na dinâmica do espaço renascentista,  no capricho das formas, no sentido da estabilidade e na harmonia compositiva, evidente nas tábuas do retábulo das Comendadeiras espatárias de Santos-o-Novo (MNAA). Mostra novas possibilidades do artista face às exigências dos seus melhores clientes, com atracção pelo exotismo  (o magnífico tapete turco).

A arte requintada do pintor régio tem expressão nos fundos de arquitectura clássica, onde se deleita a tratar (ao gosto da   construção renascentista de João de Castilho) as logge, balcões, varandas, arcadas e galerias de colunas, de ordem jónica ou coríntia, que entretanto se iam imiscuindo no gosto da obra pública e privada da Lisboa joanina, centro cosmopolita por excelência. 


Os Grotescos da Antiguidade clássica e a sua influência na arte do Renascimento em Portugal

29 Outubro 2020, 09:30 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Os Grotescos da Antiguidade clássica e a sua influência na arte do Renascimento em Portugal.

Grotesco. Género muito popular no início do século XVI depois ds descobertas das pinturas dos palazzi romanos de Tibério e Nero, que tanto encantaram os artistas e arqueólogos o final do Quattrocento. Segundo Benvenuto Cellini o nome vem da gruta do Monte Esquilino, em Roma, restos subterrâneos da Casa de Ouro de Nero postos a descoberto em 1480 e muito visitados pelos artistas do Renascimento como Pinturicchio, Rafael, Giovanni da Udine, Filippino Lippi, Pinturicchio, Sodoma, Aspertini, Ferrari Gaudenzio e o portuguêrs Francisco de Holanda. Alguns gravadores, como Nicoletto da Modena, Zoan Andrea de Mântua, Agostino Veneziano e Eneas Vico, difundiram o grotesco romano na Europa, tal como mostrou Nicole Dacos no seu célebre livro La Découverte e la Domus Aurea et la diffusion des grottesque à la Renaissance, de 1969. Com o avançar do século XVI, o uso desta decoração já era fonte de desprezo para teóricos como Vasari, que os descreveu "ridículas pinturas licenciosas“, e a Igreja da Contra-Reforma irá criticar o seu uso em igrejas. Na verdade, o grotesco, que se caracteriza pela negação do espaço, seres híbridos e monstruosos, temas libertinos, de figuras fantásticas, assumem a imagem do all’antico. Depois da descoberta das decorações da casa de Nero (1480), sob o pretexto de imitatio antiquitatis, foram muito seguidos. Pintores famosos usam-nos, gravadores abrem estampas. Giovanni da Udine, ao contrário do Morto da Feltre (que ganhou o título, de acordo com Vasari, por ter passado mais tempo abaixo da terra copiar grotesco), deu vitalidade a este género de monstruosidades e do fantástico pagão. Com a Contra-Reforma e o fim do Maneirismo, o grotesco tende a desaparecer, limitado ao arabesco e à chinoiserie – menos em Portugal. O grotesco passa então a significar algo estranho, assumindo a conotação de ridículo e caricatural…Dos novos géneros da pintura de óleo, têmpera e azulejo usados nos séculos XVII-XVIII, o Brutesco Compacto deve ser entendido como solução plástica sujeita a uma dimensão nacionalizada, imposta pelo contexto do isolamento vivido após a Restauração mas mantida, depois, com a força cenográfica da sua originalidade. O que pareceu atavismo é, afinal, afirmação de modernidade possível – existem conjuntos com decorações brutescas em arcos, paredes, tectos de espaços religiosos e civis que, independentemente da modalidade em que são executados (azulejo ou óleo), surpreendem pela sua largueza ornamental: falámos antes, entre muitos testemunhos possíveis, dos casos de Santa Maria de Óbidos, da Capela Real de Salvaterra de Magos, de São Mamede de Évora, das matrizes de Bucelas e da Ameixoeira, da Misericórdia de Viana do Castelo, de São Miguel de Alfama, sem esquecer exemplos nas ilhas atlânticas, em Angola (igreja do Carmo de Luanda) e no Brasil (matriz de Tiradentes, Minas Gerais).

Como disse José Meco, se houve um mundo em que os portugueses souberam nacionalizar referenciais externos, vernacularizar as linguagens dos repertórios e transfornar a pintura, tanto a de azulejos como a de tectos em madeira e estuque, em harmoniosas valências unívocas, esse foi sem dúvida o mundo do Brutesco nacional da fase pedrino-joanina .


Os Grotescos da Antiguidade clássica e a sua influência na arte do Renascimento em Portugal

29 Outubro 2020, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Grotesco. Género muito popular no início do século XVI depois ds descobertas das pinturas dos palazzi romanos de Tibério e Nero, que tanto encantaram os artistas e arqueólogos o final do Quattrocento. Segundo Benvenuto Cellini o nome vem da gruta do Monte Esquilino, em Roma, restos subterrâneos da Casa de Ouro de Nero postos a descoberto em 1480 e muito visitados pelos artistas do Renascimento como Pinturicchio, Rafael, Giovanni da Udine, Filippino Lippi, Pinturicchio, Sodoma, Aspertini, Ferrari Gaudenzio e o portuguêrs Francisco de Holanda. Alguns gravadores, como Nicoletto da Modena, Zoan Andrea de Mântua, Agostino Veneziano e Eneas Vico, difundiram o grotesco romano na Europa, tal como mostrou Nicole Dacos no seu célebre livro La Découverte e la Domus Aurea et la diffusion des grottesque à la Renaissance, de 1969. Com o avançar do século XVI, o uso desta decoração já era fonte de desprezo para teóricos como Vasari, que os descreveu "ridículas pinturas licenciosas“, e a Igreja da Contra-Reforma irá criticar o seu uso em igrejas. Na verdade, o grotesco, que se caracteriza pela negação do espaço, seres híbridos e monstruosos, temas libertinos, de figuras fantásticas, assumem a imagem do all’antico. Depois da descoberta das decorações da casa de Nero (1480), sob o pretexto de imitatio antiquitatis, foram muito seguidos. Pintores famosos usam-nos, gravadores abrem estampas. Giovanni da Udine, ao contrário do Morto da Feltre (que ganhou o título, de acordo com Vasari, por ter passado mais tempo abaixo da terra copiar grotesco), deu vitalidade a este género de monstruosidades e do fantástico pagão. Com a Contra-Reforma e o fim do Maneirismo, o grotesco tende a desaparecer, limitado ao arabesco e à chinoiserie – menos em Portugal. O grotesco passa então a significar algo estranho, assumindo a conotação de ridículo e caricatural…Dos novos géneros da pintura de óleo, têmpera e azulejo usados nos séculos XVII-XVIII, o Brutesco Compacto deve ser entendido como solução plástica sujeita a uma dimensão nacionalizada, imposta pelo contexto do isolamento vivido após a Restauração mas mantida, depois, com a força cenográfica da sua originalidade. O que pareceu atavismo é, afinal, afirmação de modernidade possível – existem conjuntos com decorações brutescas em arcos, paredes, tectos de espaços religiosos e civis que, independentemente da modalidade em que são executados (azulejo ou óleo), surpreendem pela sua largueza ornamental: falámos antes, entre muitos testemunhos possíveis, dos casos de Santa Maria de Óbidos, da Capela Real de Salvaterra de Magos, de São Mamede de Évora, das matrizes de Bucelas e da Ameixoeira, da Misericórdia de Viana do Castelo, de São Miguel de Alfama, sem esquecer exemplos nas ilhas atlânticas, em Angola (igreja do Carmo de Luanda) e no Brasil (matriz de Tiradentes, Minas Gerais).

Como disse José Meco, se houve um mundo em que os portugueses souberam nacionalizar referenciais externos, vernacularizar as linguagens dos repertórios e transfornar a pintura, tanto a de azulejos como a de tectos em madeira e estuque, em harmoniosas valências unívocas, esse foi sem dúvida o mundo do Brutesco nacional da fase pedrino-joanina .


A escultura do Renascimento em Portugal: Nicolau de Chanterene (c. 1480-1551) e João de Ruão (c. 1500-1580).

27 Outubro 2020, 11:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão


A chegada da estética renascentista a Portugal no campo da escultura deriva da chegada ao nosso reino de dois insignes artistas franceses. Em geral, atribui-se a data de 15127 (portal principal do mosteiro dos Jerónimos, com a estátua dos reis por Chanterene) como a balisa identificadora deste estilo.

Nicolau Chanterene chega a Portugal cerca de 1517, depois de ter trabalhado para os Reis Católicos em Santiago de Compostela, aí detendo o cargo de imaginário e aí tendo esculpido mais de uma dezena de esculturas de vulto que constituem parte fundamental do programa iconográfico do Hospital Real. Pago em 1513, propus já que o mestre tivesse seguido para outra empreitada da responsabilidade de Enrique e Anton Ega, provavelmente para Toledo ou mesmo para terras aragonesas onde as possibilidades de ter conhecido e trabalhado com os mais vanguardistas escultores daquela região, nomeadamente Damien Forment e os mestres flamengos e italianos que incluíam a sua operosa oficina como Giovanni Moreto ou Gil de Morlanes é uma possibilidade real. Logo  em 1517 lhe é cometida a mais importante empreitada de escultura, compreendendo os retratos escultóricos do casal régio D. Manuel I e D. Maria de Castela, no mosteiro de Santa Maria de Belém. A partir de 1519 é nomeado  Imaginário régio, e mais tarde, Arauto Goa. Deve ter falecido próximo de 1551. João de Ruão já está em Portugal em 1528, sendo que pode ser rastreado logo em 1523 já na Península Ibérica. Surge no nosso país trabalhando no âmbito mecenático de D. Pedro de Menezes, primeiro na igreja da Atalaia (1528) e depois na capela da Varziela (1529-1531), mas terá chegado algum tempo antes. Na documentação, de 1530, já aparece como sendo casado com Isabel Pires, filha do mestre régio de carpintaria  Pedro Anes sendo, portanto, cunhado de Marcos Pires (o arquitecto que sucede a Boytac em Stª Cruz de Coimbra) e de Cristovão de Figueiredo (pintor). Inicia-se aqui a sua relação com a cidade do Mondego, aqui vivendo e trabalhando até 1580, quer para os crúzios quer para outros encomendadores de monta.