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O mito Grão Vasco e o início da historiografia da arte científica em Portugal.

13 Outubro 2020, 11:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Início da concepção de Museu, de connoisseur (perito de arte), de intermediário (agente de compra-venda) e de parangona das artes. Critérios de aferição de méritos no século XIX e novas nomenclaturas para obras de arte (obra venusta, obra mestra, obra prima, obra peregrina) e para artistas (águia das artes, génio, grão, egrégio…). O início de uma História da Arte com metodologia científica: Joaquim de Vasconcelos, Vergílio Correia.

mito Grão Vasco constituiu o maior fenómeno de auto-legitimação patriótica da antiga arte portuguesa, gerando larga fortuna crítica e envolvendo imensas obras atribuídas ao seu estilo e presentes nas colecções nacionais e estrangeiras dos séculos XVIII e XIX. Se o Vasco Fernandes histórico não se pode confundir mais com essa nebulosa lenda, tendo readquirido, com a História da Arte, contornos de justa reabilitação, a lenda grão-vasquista continua a reflectir o que esteve na sua génese: o surdo desejo de internacionalização do património artístico nacional, que desde o século das Luzes ganhava expressão.

Partimos da definição de que, a partir do pós-Renascimento, existiu no mercado de arte um gosto em português, segundo o qual o recheio artístico das casas portuguesas se organiza. Entre os séculos XVI e XIX, domina um equilíbrio entre a presença de peças ítalo-flamengas e de origem nacional (colonial): o hibridismo, o exótico e o nacional português estão patentes de forma coerente, sem par no contexto europeu. Figuras como D. João de Castro, vice-rei da Índia, que reúne na quinta da Penha Verde(Sintra) tanto pintura renascentista com estelas hindus, ou D. Fernando de Castro, 1º conde de Basto, que reúne em Évora um acervo polivalente, disperso com a Restauração, assumem essa vertente ímpar do colecionismo luso. O accrochage de arte (colecção artística) impõe uma estratégia estruturada de gosto por parte do mentor e uma sequência de posse que explique o sentido da exibição de peças. Julius von Schlosser (1908) estudou a colecção do arquiduque Ferdinando II, príncipe do Tirol, em Ambras, Innsbruck, abrindo campo fecundo para a H. Arte: o estudo do coleccionismo. O livro, reeditado por Patricia Falguières, destaca as peculiaridades das câmaras de maravilhas da Idade Moderna, embrião do Museu contemporâneo. Em nome dessa singularidade, podem ser estudados os gabinetes de opulência dos mecenas de arte dos séculos XVI a XIX. Há que distinguir as situações que seguem uma mera ostentação de modo casuístico, daquelas em que é a especialização que agrupa com lógica de colecção.O estudo do gosto, como vertente de uma História da Arte de género, é imperativo desta disciplina, tal como os estudos recentes têm enfatizado. É essencial para perceber critérios de escolha, estruturas de colecção, valências autónomas na dimensão geográfica e cultural contextualizável.   A partir dos inventários, pleitos judiciais,  testamentos, catálogos de bens, processos de partilhas, fazenda de famílias nobres ou burguesas, conventos, irmandades, registos de compra, relatos de festividades, etc, é possível reconstituir acervos dispersos, definir opções estéticas e metodologias comparatistas no estudo das tipologias de gosto imperantes no mercado das artes, seja este nobre, sacro, militar ou civil. 

...      … «No fundo, Grão Vasco é apenas um mytho; porquanto, posto que tenhamos descoberto Vasco Fernandes pintor, e de merito, e visto as suas obras em Vizeu, e posto que um auctor contemporaneo o tenha julgado grande, não é todavia a elle que este sobrenome compete de direito, porque nenhum dos auctores que escreveram acerca de Grão Vasco e julgaram do seu merito (Guarienti, Cyrillo, Taborda) viu as obras dse Vasco. O que é attribuido a Grão Vasco , não se sabe porquê, é a eminente quantidade de quadros gothicos, pintados sobre madeira, que se acham espalhados em todo o Portugal, nenhum dos quaes, excepto os de Vizeu, é de Vasco Fernandes.  No fundo, eis o que isto he: há um verdadeiro Vasco Fernandes que Pereira com razão julgou um grande pintor e Fr. Agostinho chamou insigne, mas há outro Grão Vasco mytho, de que ninguem tem conhecido, nem a vida nem as obras»  (Conde Athanazius Raczynski, Dictionnaire…, 1847)

... Só no início do século XX começa a desvanecer-se o mito Grão Vasco, que levara a atribuír a uma nebulosa identidade toda a boa pintura antiga em tábua que aparecia em igrejas, museus e colecções do país. Pensou-se que Vasco seria um iluminador de D. Afonso V, outros um viseense nascido em 1552 (!), e Raczynski defendeu que era uma mitificação criada para legitimar uma «escola de pintura portuguesa». Ora os documentos revelados por Maximiano d'Aragão (1900), Sousa Viterbo (1903) e Vergílio Correia (1924) clarificaram a questão – doravante, sabemos,  que houve mesmo um Vasco Fernandes pintor, activo em Viseu de 1501 a 1542…

Para explicar o fenómeno do mito Grão Vasco, é destacado justamente o peso reverencial com que os coleccionadores e entendidos de pintura antiga continuaram em sucessivas gerações a olhar a obra tutelar de Vasco na Sé de Viseu e demais igrejas na Beira Alta.

      Apurava-se com clareza que o genial pintor renascentista criou um gosto que, passados decénios sobre a sua morte, persistia fidelizada a estilemas muito apreciados. Como diz Dalila Rodrigues , «Vasco Fernandes marcou em profundidade todos os pintores que trabalharam com ele (e não é por acaso que toda a produção da oficina de Viseu é tão facilmente caracterizável face à sua coetânea)», criando uma sequência «com maior ou menor grau de dependência relativamente à sua linguagem personalizada, sob a forma de assimilação, recriação e imitação». Tal explica o extraordinário mito que, à medida que a verdadeira identidade se apaga, cresce nos séculos XVII a XIX...


Arte e Humanismo em Portugal: uma visão de conjunto.

8 Outubro 2020, 09:30 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão


     A vida, obra literária, pensamento filosófico e dimensão metafísica do poeta Luís de Camões cruzam-se indissoluvelmente com os cumes mais evoluídos da estrada das artes do seu tempo. O sentido cromático e pictural que perpassa nos seus versos, definidos por uma estrutura que não é já a do classicismo renascentista mas que, como demonstraram Jorge de Sena e Vítor Aguiar e Silva, se mostra iluminada por formas de grande ousadia formal que o aproximam do Maneirismo italiano, atesta uma pesquisa criadora que converge com os mesmos gostos que gravitavam nos seus círculos de influência.

     O poeta interessava-se muito pela arte da Pintura, como se vai sabendo: teve relações conhecidas com Francisco de Holanda (1517-1584), teorizador das artes e «verdadeiro cavaleiro e defensor da alta Princesa Pintura», com quem conviveu na corte nos onze anos que decorreram entre 1542 e 1553 e, de novo, após o regresso do poeta ao Reino em 1570 (embora, então, já com o peso das desilusões e desencantos, e sob um pano de fundo contra-reformista que não era já o do Humanismo cristão em que se haviam formado). Mas o poeta também manteve relações, ainda mais ou menos nebulosas, com os italianizados António Campelo e Gaspar Dias, com Fernão Gomes, que lhe pintou um retrato «ao natural», com o poeta-pintor Jerónimo Corte-Real, com o iluminador António Fernandes, autor de alguns dos mais caprichosos frontispícios da Leitura Nova, e provavelmente também com Diogo de Contreiras, com o retratista Manuel Denis, tradutor do tratado Da Pintura Antigua para castelhano, e com o pintor-calígrafo Giraldo Fernandes de Prado, cavaleiro da casa de Bragança.

     Nesse ambiente cortesão que, em meados do século XVI, ainda vibrava de estímulos ao debate e à criação, sob signo do neoplatonismo e de uma mais generalizada influência do Humanismo italiano (quadro cultural que seria alterado a breve trecho pelo triunfo dos ditames da Contra-Reforma), Luís de Camões sentiu esse gosto por um discurso das artes que, como disse Sylvie Deswarte, o situa num «campo de criação dotado de uma mesma forma mentis, com uma imagística e uma inspiração filosófica idênticas». O Reino vivia uma fase de mudanças de paradigma estético e de efervescência criadora em que a produção das artes exprimia discursos de inusual actualização face às novidades italianas, segundo o gosto da Bella Maniera entretanto introduzida pelos melhores círculos picturais romanos e florentinos, e através de viagens de pintores à Cidade Papal (Francisco de Holanda, Campelo, Gaspar Dias, e ainda João Baptista, António Leitão e Francisco Venegas, suspeitando-se também de um estágio de Fernão Gomes após o seu aprendizado em Delft). O ambiente de animadas cortes literárias de recorte áulico, como a da Quinta da Penha Verde, onde conviviam personalidades como D. João de Castro, político, soldado, cosmógrafo e humanista, seu filho D. Álvaro de Castro, o arquitecto e pintor Francisco de Holanda, e o Infante D. Luís (1506-1555), príncipe das humaniores litterae portuguesas, a quem o primeiro dedicou os seus famosos Roteiro do Mar Roxo e de Goa, dá sonoridade a este pano de fundo em que os estudos humanísticos e as paragonas clássicas se abriam ao debate arqueológico, ao bucolismo do locus amoenus e à ressonância trans-contextual das antigualhas, sem esquecerem as reflexões em torno de Vitrúvio e das ruínas arqueológicas, os templos e aquedutos do Mundo Antigo, as novidades cosmológicas abertas pelos estudos do matemático Pedro Nunes, os temas agrícolas e botânicos e, mesmo, as citações herméticas de Hermes Trimegistro e demais autores clássicos. A tradição situa na Penha Verde, aliás, o passo lendário do encontro de Camões com D. Sebastião, a quem leu o manuscrito de Os Lusíadas. Mas também outros círculos intelectuais, como a Évora de André de Resende, ofereceram certamente a Camões a possibilidade de conviver amiúde com o problema da natureza das artes, a sua ideia motriz, e a consciência liberalizante dos seus praticantes. E não há que esquecer o apoio nunca regateado da parte de D. Manuel de Portugal, filho do Conde de Vimioso, cuja responsabilidade no esforço de edição de Os Lusíadas é conhecida, além de se ter responsabilizado também, segundo Rafael Moreira, pelo apoio ao engenheiro régio António Rodrigues no seu Tratado de Arquitectura Militar, de cerca de 1570 (mss. da BNP, MS 3675).

     Nestes círculos se movia Camões. O poeta explorou na sua vasta obra lírica e épica o sentido da «prisca beleza» da Ideia platónica, com referências multiplicadas à «alma pintada» (numa das suas redondilhas, por exemplo), sem esquecer palavras por vezes entendidas como de crítica a um panorama de menoridade das artes mas que, no fim de contas, são estímulo a uma actividade nobilitante e merecedora de um mais esclarecido apoio mecenático: «os pintores também aqui por certo pintariam (…) mas falta-lhe pincel, faltam-lhe cores, honra, prémio, favor que as artes criam» (Lus., VIII. 39). Se é certo que um homem de corte como Francisco de Holanda se confrontou quase sempre com a falta de mecenas à altura para dar à estampa os seus tratados e lhe apoiar muitas das iniciativas sugeridas a D. Sebastião no livro Da Fabrica que Falece à Cidade de Lixboa, é também um facto que o mercado artístico do segundo terço do século XVI não era uma realidade isolada: de facto, abriu-se às novidades estéticas do Maneirismo italiano e multiplicou encomendas públicas e privadas com programas de caprichoso sentido iconológico e com uma ousadia de formas que dava espaço às ideias platónicas e ao legado filosófico dos antichi. Assim o atestavam, entre as obras desaparecidas, as decorações fresquistas pintadas por Gaspar Dias para os Paços reais de Enxobregas (segundo provável «risco» do próprio Francisco de Holanda) e o programa de Fernão Gomes e Lourenço de Salzedo para o Hospital de Todos-os-Santos e assim o atestam, entre as remanescentes, as campanhas murais de Francisco de Campos, Giraldo de Prado e Tomás Luís para os palácios dos Condes de Basto em Évora e para o Palácio de Vila Viçosa a mando dos 5º, 6º e 7º Duques de Bragança, ou alguns retábulos de igreja que não escondem inquietações de discurso e referenciais neoplatónicos, como o retábulo-mor de Nossa Senhora da Luz de Carnide, panteão da Infanta D. Maria, pintado por Francisco Venegas e Diogo Teixeira. Se parte destas obras desapareceu, restam contudo muitos desenhos e esquiços preparatórios (a mais importante colecção é a do Gabinete de Desenhos do Museu Nacional de Arte Antiga), descrições, textos, contratos de arquivo e outros testemunhos memoriais que atestam o significado de tais ciclos pictóricos, marcados por uma mesma ideia italianizante e, não poucas vezes, por referenciais literários e simbólicos precisos. ´

     O ambiente artístico nacional abria-se então ao gosto requintado da Bella Maniera, buscava inspiração nos espaços afrescados por Rafael de Urbino, Giovanni de Udine, Polidoro de Caravaggio, Perino del Vaga e outros mestres em salões e capelas privadas, mais atreitos à temática alegórica e mitológica e a uma linguagem de símbolos com ressaibos neoplatónicos, aptos a estimular os debates de círculos de literati, dentro de um espírito all'antico em que a poesia era presença viva. Sabemos que D. Catarina de Áustria teve em mente escolher Francesco da Urbino, pintor genovês malogradamente falecido e com actividade relevante no Escorial, para vir a Lisboa pintar o retábulo do Mosteiro dos Jerónimos, antes de a Raínha se decidir pela entrega dos painéis a Lourenço de Salzedo (não por acaso um artista já em 1559 associado a Gaspar Becerra em Roma). Os fios de identidade da melhor cultura portuguesa dos anos centrais de Quinhentos centram-se no postulado da Idea maneirista e na sua adaptação a uma realidade nacional que emula o debate intelectual e a busca de uma nova estética com fortes pressupostos ontológicos e um sentido de ars naturans como arte da natureza criadora, que perpassam para a própria consciência da liberalità do acto artístico e do consequente estatuto de nobilitação social dos praticantes. É esta idea, comum a Luís de Camões ao consagrar a arte como a mais divina de todas as actividades humanas (como faria o famoso humanista Benito Arias Montano, em 1577, no famoso poema em honra da Pintura como remédio para os males do Mundo que acompanha a gravura de Cornelis Cort «A verdadeira Inteligência inspira o Pintor» segundo desenho de Federico Zuccaro) e a Francisco de Holanda quando compara a «boa pintura» com o «terlado das perfeições de Deus e uma lembrança do seu pintar», que justifica o tronco estético comum à melhor criação dos círculos intelectuais portugueses desses anos de mudança e novidade.

     O signo da poesia camoneana encontraria eco artístico imediato, por exemplo, na decoração dos paços de Enxobregas, obra de grande sumptuosidade construtiva («os milhores de Portugal», com sua tapada que se estendia até ao vale de Chelas), apesar da interrupção motivada pela morte de D. João III e das prioridades dos anos de regência, para os quais Francisco de Holanda fez um risco de arquitectura e se propôs conceber as decorações internas («os desegnos para as Heroicas Pinturas»), recomendando «huma Capella pintada e com salas e camaras de Estuque ou Pintadas sobre bordo, ou a fresco, como he custume dos Reys antigos e modernos», obras essas que um pintor com sólida educação romana, Gaspar Dias, veio efectivamente a realizar (tal como, pelos mesmos anos sebásticos, realizaria as do Paço de Sintra), restando ainda alguns testemunhos plásticos dessa decoração fresquista a nível de desenho e de estudos preparatórios.

     Figura pioneira no processo de viragem para o Maneirismo e, consequentemente, com um percurso de bolseiro em Roma e de artista cortesão que o coloca nos mesmos trilhos de Francisco de Holanda e de Luís de Camões, foi António Campelo, desenhador exímio afeiçoado aos modelos do ciclopismo miguelangelesco e que trabalhou junto a Daniele de Volterra e para o Cardeal Giovanni Ricci da Montepulciano (a quem pintou o retábulo da sua capela em San Pietro in Montorio). Este ideário, que se paraleliza com o mundo criativo camoneano (não sendo exagerado imaginarem-se contactos entre as duas personagens), é bem atestado pelos desenhos e pinturas do artista, uma delas a Adoração dos Pastores do paço dos Melos Carrilho Sigeu, em Torres Novas, mais uma coincidência a ligar Campelo aos passos de Camões, aos círculos da Infanta D. Maria e à família da música Ângela Sigeia. Dos desenhos (MNAA), refiram-se pelo seu veemente traço neoplatónico a Alegoria ao Amor Divino castigando o Amor Profano (onde o cariz para-erótico remete para a sensualidade da poesia camoneana), a exaltante Alegoria à Força (com modelo inspirado num fresco da escola de Giulio Romano que existe na loggia Psychè na Villa Farnesina, relacionado com o tema neo-platónico do Amor omnia vincit, dentro de uma dinâmica exploração do fantástico) ou o projecto para o túmulo da Infanta D. Maria para o Mosteiro dos Jerónimos (com figuras alegóricas alteadas, de cunho miguelangelesco, enquadrando o medalhão central com o busto da Infanta, ao gosto de obras romanas como o mausoléu de Ceccino Bracci em Santa Maria in Aracoeli), empresa que se malogrou por culpa de um meio que na época de D. Sebastião estava envolvido nos preparativos da cruzada marroquina e já impreparado para entender a proposta estética de Campelo. É de lembrar que Félix da Costa Meesen, espécie de Van Mander português, no seu tratado Antiguidade da Arte da Pintura (mss. da Universidade de Yale), regista uma admiração pelos pintores maneiristas bem maior que a que nutrida pelos do seu tempo, e fala de Campelo «entre os Pintores Portuguezes que foram mais celebrados pella excellencia da sua arte» e, depois de elogiar como «obra prodigiosa» o Cristo com a cruz às costas do Mosteiro dos Jerónimos (MNAA), diz-nos que «floresceo no tempo de D. João 3º» e que «seguio em muita parte a Escola de Michael Angelo Buonarroti asim na força do Debucho, como parte do colorido, se bem que já com outra inteligencia no mexido das cores». Também D. Francisco Manuel de Melo, no seu Hospital das Letras, ao exaltar os feitos dos «grandes portugueses», destaca significativamente os nomes de Camões na poesia e Campelo na pintura.

     Os passos de Camões podem ter-se cruzado, também, com os de Gaspar Dias, cujos excessos caprichosos da maniera se expressam com acuidade no serpentinado desenho do painel Aparição do Anjo a São Roque (igreja de São Roque), e nos seus desenhos de aguada com alusões ao non finito buonarrotesco, e certamente se cruzaram com os de Fernão Gomes (1548-1612), um pintor de origem estremenha (nascera em Albuquerque), que se veio estabelecer em Lisboa em 1573 depois de um aprendizado em Delft com Anthonis Blocklandt (um discípulo do famoso romanista Franz Floris). Gomes, que pintou o retrato de Camões, esteve relacionado também com o poeta Jerónimo Corte-Real e teve o apoio mecenático de gente grada como D. Álvaro da Costa, senhor da Penha Verde, o que justifica, a par do seu «bravo talento e mui facil no pintar» de que fala Félix da Costa, que fosse, nomeado, sucessivamente, para os cargos de pintor régio de Filipe II (1594) e Filipe III (1595) e pintor dos Mestrados das Ordens Militares (1601), além de, como artista de consciência liberal, ter sido um dos promotores-fundadores da nova Irmandade de São Lucas, instalada no mosteiro de domínicas da Anunciada e embrião de uma primeira academia de desenho na cidade de Lisboa. Apesar de Gomes se converter a breve trecho num artista que, seguindo referenciais maneiristas ítalo-flamengos, será uma espécie de campeão da doutrina contra-reformista (ainda que pelo menos uma das suas obras, o fresco apologético da famosa «freira que pintava chagas» no mosteiro da Anunciada, tenha sido censurada pela Inquisição), é certo que em algumas obras suas onde se sente essa apregoada «bravura» é notório o gosto refinado pelo capricho dos serpentinatos e pela teatralização da idea, como sucede no Pentecostes do retábulo da Sé de Portalegre e nos desenhos da Ascensão de Cristo (MNAA) e da Scala Coeli (B. P. Évora), ambos traduzindo aspectos coincidentes com os valores da transcendência cristã e da reminiscência anamnésica, temas favoritos da obra camoneana (p. ex. em Sôbolos rios). Os tempos eram já de repressão das ideias, excessos inquisitoriais, suspeitas de errasmismo, senão de luteranismo (recorde-se como mero exemplo o processo do humanista Damião de Góis), e esses anos de «vil tristeza» serão também os últimos da vida de Camões, precisamente na altura em que os seus passos com Fernão Gomes se cruzam.

     A respeito do retrato, o chamado «retrato pintado a vermelho» que Vasco Graça Moura apurou ter sido realizado entre 1573 e 1575, trata-se do mais precioso e fidedigno documento remanescente que nos imortaliza o rosto de Luís de Camões; infelizmente, apenas subsistiu a cópia feita por Luís José Pereira de Resende (1760-1847), um pintor da Real Academia de Belas Artes e retratista de talento, que em data indefinida entre 1819 e 1844 cumpriu uma encomenda do 3º duque de Lafões para copiar um original camoneano que fora encontrado num saco de seda verde nos escombros do incêndio do palácio dos Condes da Ericeira e Marqueses de Louriçal, junto da Anunciada, onde se inseria o retrato de Fernão Gomes. Esta «fidelíssima cópia» mostra, pelas dimensões restritas do desenho, textura da sanguínea, manchas de distribuição dos valores, rigor dos contornos, definição dos planos contrastrados, neutro reticulado a harmonizar o fundo e o busto, tipo da barra e aparato simbólico da imagem captada em pose de ilustração gráfica, que o original se devia destinar à abertura de uma gravura a buril para ilustração de uma das primeiras edições de Os Lusíadas. A escolha de Gomes, recém-chegado a Lisboa mas já com notoriedade artística, para desenhar a efígie do épico, parece revelar um mundo de relações pessoais e acaso de amizade sobre o qual, infelizmente, pouco ainda se apurou. Mas o facto de Gomes, homem da corte, também ser amigo do poeta Jerónimo Corte-Real (que lhe apadrinhou uma filha) e ter recebido apoio mecenático dos senhores da Penha Verde, vem dar-nos alguns contornos dessas relações inter-artes em que poetas e pintores, escritores e arquitectos, antiquários e iluminadores, homens das ciências e das letras, apreciavam um convívio que era sobretudo pretexto para a paragona estética e para o culto das artes.

    É possível que os passos de Camões se cruzassem também com os de um aventuroso e quase romanesco personagem do tempo, o pintor-fidalgo António Leitão, natural de Castelo Novo, sobrinho do embaixador Domingos Leitão, educado na corte de Lisboa e moço de câmara da Infanta D. Maria, mandado aprender pintura em Roma, soldado na Flandres, onde se casou com a pintora Luísa dos Reis, instalado em Lamego, apoiante da causa de D. António, Prior do Crato, e discretamente activo em terras raianas no final da vida. Da autoria deste aristocrata formado simultaneamente (caso raro !) nos modelos de Roma e Antuérpia, que prezava a música e as montarias e se passeava a cavalo de chapéu emplumado e anel de ouro com as armas da Infanta sua protectora, é um interessante painel do Pentecostes existente numa capela de Freixo de Espada-à-Cinta, onde a composição se desdobra em sentidos plurais de ecumenismo cristão, integrando junto às figuras da Virgem e dos apóstolos Pedro e João uma plêiade de figuras profanas e contemporâneas, algumas delas possíveis retratados, desde mercadores a nobres, frades, soldados, um magrebino e três raras representações de japoneses, todos a receber as línguas de fogo numa espécie de convencimento do testemunho da fé apregoado numa escala imperial nos velhos e novos mundos.

     Merece referência especial neste quadro truncado de relações entre Camões e a pintura do seu tempo o papel assumido no século XVI pela corte de Vila Viçosa, a fase mais fulgurante da sua história. Essa espécie de «corte na aldeia», como a qualificou o poeta Rodrigues Lobo (ele mesmo um protegido do Duque D. Teodósio II), suportou um ambiente esclarecido, por onde passaram, ao serviço dos Duques ou por seu chamamento ocasional, eruditos como Diogo Sigeu e sua filha Ângela Sigea, o cosmógrafo e pedagogo António Maldonado de Hontiveros, o humanista Juan Fernández de Sevilha, os gramáticos Fernão Soares e Manuel Barata, o geógrafo António de Castro, o matemático Domingos Peres, os escritores Fernão Cardoso, Francisco de Morais e Públia Hortênsia de Castro, o poeta, Jerónimo Corte Real (irmão de Públia), acaso também Luís de Camões, além de muitos artistas de diversas modalidades. Numa corte como esta, onde a literatura, as artes plásticas, a música e o amor pelo bucolismo da natureza andaram de mãos dadas, são ainda numerosos os programas afrescados de salões e câmaras ducais (como as galleriettas de D. Teodósio I e a de D. Ana de Velasco, recém-restauradas e identificadas, e o oratório privativo de D. Catarina de Bragança), exemplos importantes de decorações ao italiano, com referenciais mitológicos e neoplatónicos, alusões à música e à poesia, e às virtudes da casa ducal. Pintores de fora como Francisco de Campos (falecido em Évora em 1580 devido a um surto de peste) e Tomás Luís ou da casa ducal como Giraldo Fernandes de Prado e André Peres, foram os responsáveis por essas decorações de caprichoso gosto maneirista, com extensos complementos de grottesche a envolver os quadri riportati, alegorias à música de Orfeu, aos trabalhos de Hércules ou aos feitos de Perseu, e outros testemunhos esclarecedores do modo como as ideias e as artes se fundiam na produção senhorial portuguesa da Casa de Bragança.

     Também nesse seio se desenvolveu o estudo pedagógico e a arte da Caligrafia. Numa época em que autores humanistas, de Erasmo a Juan Luís Vives e a João de Barros, se preocupam pela formação moral e cultural dos jovens da nobreza, de quem se esperam responsabilidades no aparelho de Estado, esteve na ordem do dia o ensino das primeiras letras e tipos caligráficos, como a letra «cancelleresca», e é nesse contexto que Giraldo Fernandes de Prado e Manuel Barata, calígrafos de primeiríssima linha, ambos cavaleiros e funcionários da casa brigantina, vão ter actividade relevante. O ensino dos filhos-família era prioritário na escala de investimento dos nobres e já o humanista Clenardo, ao chegar a Évora em 1535, com a estada da corte, se entusiasmava com o facto de que em Portugal floresciam os estudos dos príncipes e isso constituía sinal de bom augúrio para a projecção do Reino. Eram sentimentos partilhados pelos círculos de literati em que Camões se movia. Por isso, o incremento ao ensino das letras à sombra do Paço, aposta nobilitante dos Duques de Bragança, permitiu à caligrafia afirmar o seu espaço no seio das artes. Giraldo Fernandes de Prado (c. 1530-1592), elogiado numa crónica do lóio Frei Jorge de São Paulo como «homem de admiravel pincel na arte da pintura», foi pintor de óleo, iluminura e fresco, foi cavaleiro e funcionário da Casa de Bragança, estadeou na corte nos anos centrais do século, e aí escreveu em 1560-61 o Tratado de Caligrafia (mss. profusamente ilustrado, hoje na Rare Book and Manuscript Library, Columbia University, New York, Cód. Plimpton MS 297) e um Manual para Copistas (cód. Plimptom, MS 296, ainda inédito), que devem ser considerados os primeiros manuais práticos de ensino e da arte da Caligrafia escritos em Portugal, sob inspiração nas fontes disponíveis, de Geoffrey Tory a Juan de Içiar, Juan Bautista Palatino, Ludovico Vicentino e António Tagliente, obras que certamente estariam disponíveis nos círculos humanísticos nacionais (quanto a Tory, sabemos que Francisco de Holanda possuía o Champ Fleury, como atestou Sylvie Deswarte). Estes tratados de didáctica das primeiras letras escritos e desenhados por Giraldo de Prado conferem-lhe a honra de primeiro autor nacional a assumir esta arte pedagógica e formativa. O Tratado de Caligrafia de New York antecede em dez anos a escrita e suposta primeira edição da Arte de Escrever de Barata, por sinal realizada sob mecenato do mesmo Duque de Bragança. A especialização de Giraldo como pintor pode explicar que a caligrafia não tivesse sido para ele um campo de produção contínua, o que justificaria a ulterior mas injusta consagração de primazia de Barata.

     Nestes círculos aristocráticos de poetas, pintores e calígrafos em que gravitou Camões, também merece referência o manuscrito iluminado do Livro das Sentenças para a Ensinança e Doutrina do Principe D. Sebastião (Biblioteca D. Manuel II, Palácio de Vila Viçosa), de cerca de 1554, que reúne sentenças latinas traduzidas e compiladas pelo comerciante André Rodrigues de Évora, como demonstrou Luís de Matos, ornado com iluminuras maneiristas da autoria de António Fernandes (como provou Sylvie Deswarte), que se destinava a educar o príncipe e futuro rei. Não se tratando de um manual de caligrafia, este livro reúne em si os principais valores da pedagogia, da moral e da cultura cortesã do Humanismo cristão de meados de Quinhentos, precisamente os mesmos valores da cultura de Camões (e de Francisco de Holanda, e dos outros artistas aqui citados), onde não faltam as citações all’antico, as inscrições epigráficas clássicas, a representação do guerreiro porta-estandarte, e outras alusões a uma gramática italianizante. Voltando a Vila Viçosa e a 1572, nesse ano se terá editado, por estímulo do Duque D. Teotónio II e através do livreiro da casa ducal João de Ocanha, a Arte de Escrever, tratado de Caligrafia da autoria do gramático Manuel Barata (de quem Diogo Barbosa Machado disse ser «um dos mais célebres mestres de escrever, que florecerão no seu tempo de cuja arte abrio escola publica na sua pátria». Esse livro, de que não se conhece hoje nenhum exemplar, foi reeditado em 1590 (já sendo falecido Barata) utilizando algumas pranchas gravadas com desenhos de caligrafia datados de 1572, sacadas certamente da edição precedente, e de novo foi reeditado em 1592 (titulado Exemplares de Diversas Sortes de Letras, Tirados da Polygrafia de Manuel Barata), financiado pelo mesmo João de Ocanha e acompanhado por um belo soneto, Ditosa Pena…, atribuído (não sem controvérsia) a Luís de Camões, que foi com toda a certeza composto ainda em vida de Barata e é de sentido elogio aos méritos do calígrafo. Como já se afirmou, caso tal soneto tenha integrado a suposta edição de 1572, como deve ter sucedido, seria um dos raros poemas de Camões editados em vida, o que alarga a possibilidade de relações do genial poeta com os círculos brigantinos e a sua corte literária e artística. De Giraldo Fernandes de Prado conhece-se outro trabalho em que os passos do pintor-fidalgo mais uma vez mostram cruzamentos com os círculos neoplatónicos de Holanda, de António Fernandes, de Barata, e de Camões: as iluminuras do Compromisso da Irmandade das Almas da igreja de São Julião de Setúbal (1569-1571, hoje na Biblioteca Municipal de Setúbal), com caprichosas capitais, um fólio historiado miguelangesco do Julgamento das Almas (que sugeriu, antes, uma errada atribuição ao Holanda), e um sentido de desenho caligráfico a remeter para o que dele conhecemos nos tratados de New York. Estas personalidades gravitavam nos mesmos círculos ou, pelo menos, comungavam dos mesmos ideários, gostos e fontes referenciais.

     Está bem estudada a iconografia camoneana a partir do século XVII, no campo da representação gravada, esculpida e pintada, e conhecem-se bem tanto as versões multiplicadas da fisionomia do épico (com numerosas efígies seguindo, muitas vezes, o primevo modelo de Fernão Gomes) como os ciclos historiados inspirados em Os Lusíadas (caso da notável série de quadros de Francisco Vieira Portuense, dos programas de azulejo de Jorge Colaço, ou das representações muito estimadas de Metrass, Columbano e, mais perto de nós, António Soares, Costa Pinheiro e José de Guimarães, entre tantos outros a quem a personalidade do épico seduziu). É muito menos conhecida, estranhamente, a intrincada relação no campo da teoria e debate das ideias e das categorias estéticas que une o poeta com os artistas do seu tempo – como os que atrás se citaram, sabendo-se que todos conheceram o poeta, puderam com ele privar e, com toda a certeza, partilharam valências filosóficas e concepções do mundo e cultivaram linhas de pensamento e de concepção artística afins. É esse o caminho de inquérito que aqui se propôs e propõe ser seguido através de um estudo integrado ao sentido das imagens do tempo de Camões: um caminho analítico-comparatista que nos conduz, dos desenhos de Francisco de Holanda, às iluminuras de António Fernandes, à pintura de Gaspar Dias na igreja de São Roque, aos debuxos e tábuas de Fernão Gomes, às pinturas murais de Vila Viçosa e Évora, aos caprichos sensuais de Francisco Venegas na igreja da Luz de Carnide, no quadro da igreja da Graça, e nos seus caprichosos desenhos para-eróticos, e a tantas mais obras da pintura maneirista portuguesa da segunda metade do século XVI.

 

 

BIBLIOGRAFIA:

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Arte e Humanismo em Portugal: uma visão de conjunto.

8 Outubro 2020, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão


     A vida, obra literária, pensamento filosófico e dimensão metafísica do poeta Luís de Camões cruzam-se indissoluvelmente com os cumes mais evoluídos da estrada das artes do seu tempo. O sentido cromático e pictural que perpassa nos seus versos, definidos por uma estrutura que não é já a do classicismo renascentista mas que, como demonstraram Jorge de Sena e Vítor Aguiar e Silva, se mostra iluminada por formas de grande ousadia formal que o aproximam do Maneirismo italiano, atesta uma pesquisa criadora que converge com os mesmos gostos que gravitavam nos seus círculos de influência.

     O poeta interessava-se muito pela arte da Pintura, como se vai sabendo: teve relações conhecidas com Francisco de Holanda (1517-1584), teorizador das artes e «verdadeiro cavaleiro e defensor da alta Princesa Pintura», com quem conviveu na corte nos onze anos que decorreram entre 1542 e 1553 e, de novo, após o regresso do poeta ao Reino em 1570 (embora, então, já com o peso das desilusões e desencantos, e sob um pano de fundo contra-reformista que não era já o do Humanismo cristão em que se haviam formado). Mas o poeta também manteve relações, ainda mais ou menos nebulosas, com os italianizados António Campelo e Gaspar Dias, com Fernão Gomes, que lhe pintou um retrato «ao natural», com o poeta-pintor Jerónimo Corte-Real, com o iluminador António Fernandes, autor de alguns dos mais caprichosos frontispícios da Leitura Nova, e provavelmente também com Diogo de Contreiras, com o retratista Manuel Denis, tradutor do tratado Da Pintura Antigua para castelhano, e com o pintor-calígrafo Giraldo Fernandes de Prado, cavaleiro da casa de Bragança.

     Nesse ambiente cortesão que, em meados do século XVI, ainda vibrava de estímulos ao debate e à criação, sob signo do neoplatonismo e de uma mais generalizada influência do Humanismo italiano (quadro cultural que seria alterado a breve trecho pelo triunfo dos ditames da Contra-Reforma), Luís de Camões sentiu esse gosto por um discurso das artes que, como disse Sylvie Deswarte, o situa num «campo de criação dotado de uma mesma forma mentis, com uma imagística e uma inspiração filosófica idênticas». O Reino vivia uma fase de mudanças de paradigma estético e de efervescência criadora em que a produção das artes exprimia discursos de inusual actualização face às novidades italianas, segundo o gosto da Bella Maniera entretanto introduzida pelos melhores círculos picturais romanos e florentinos, e através de viagens de pintores à Cidade Papal (Francisco de Holanda, Campelo, Gaspar Dias, e ainda João Baptista, António Leitão e Francisco Venegas, suspeitando-se também de um estágio de Fernão Gomes após o seu aprendizado em Delft). O ambiente de animadas cortes literárias de recorte áulico, como a da Quinta da Penha Verde, onde conviviam personalidades como D. João de Castro, político, soldado, cosmógrafo e humanista, seu filho D. Álvaro de Castro, o arquitecto e pintor Francisco de Holanda, e o Infante D. Luís (1506-1555), príncipe das humaniores litterae portuguesas, a quem o primeiro dedicou os seus famosos Roteiro do Mar Roxo e de Goa, dá sonoridade a este pano de fundo em que os estudos humanísticos e as paragonas clássicas se abriam ao debate arqueológico, ao bucolismo do locus amoenus e à ressonância trans-contextual das antigualhas, sem esquecerem as reflexões em torno de Vitrúvio e das ruínas arqueológicas, os templos e aquedutos do Mundo Antigo, as novidades cosmológicas abertas pelos estudos do matemático Pedro Nunes, os temas agrícolas e botânicos e, mesmo, as citações herméticas de Hermes Trimegistro e demais autores clássicos. A tradição situa na Penha Verde, aliás, o passo lendário do encontro de Camões com D. Sebastião, a quem leu o manuscrito de Os Lusíadas. Mas também outros círculos intelectuais, como a Évora de André de Resende, ofereceram certamente a Camões a possibilidade de conviver amiúde com o problema da natureza das artes, a sua ideia motriz, e a consciência liberalizante dos seus praticantes. E não há que esquecer o apoio nunca regateado da parte de D. Manuel de Portugal, filho do Conde de Vimioso, cuja responsabilidade no esforço de edição de Os Lusíadas é conhecida, além de se ter responsabilizado também, segundo Rafael Moreira, pelo apoio ao engenheiro régio António Rodrigues no seu Tratado de Arquitectura Militar, de cerca de 1570 (mss. da BNP, MS 3675).

     Nestes círculos se movia Camões. O poeta explorou na sua vasta obra lírica e épica o sentido da «prisca beleza» da Ideia platónica, com referências multiplicadas à «alma pintada» (numa das suas redondilhas, por exemplo), sem esquecer palavras por vezes entendidas como de crítica a um panorama de menoridade das artes mas que, no fim de contas, são estímulo a uma actividade nobilitante e merecedora de um mais esclarecido apoio mecenático: «os pintores também aqui por certo pintariam (…) mas falta-lhe pincel, faltam-lhe cores, honra, prémio, favor que as artes criam» (Lus., VIII. 39). Se é certo que um homem de corte como Francisco de Holanda se confrontou quase sempre com a falta de mecenas à altura para dar à estampa os seus tratados e lhe apoiar muitas das iniciativas sugeridas a D. Sebastião no livro Da Fabrica que Falece à Cidade de Lixboa, é também um facto que o mercado artístico do segundo terço do século XVI não era uma realidade isolada: de facto, abriu-se às novidades estéticas do Maneirismo italiano e multiplicou encomendas públicas e privadas com programas de caprichoso sentido iconológico e com uma ousadia de formas que dava espaço às ideias platónicas e ao legado filosófico dos antichi. Assim o atestavam, entre as obras desaparecidas, as decorações fresquistas pintadas por Gaspar Dias para os Paços reais de Enxobregas (segundo provável «risco» do próprio Francisco de Holanda) e o programa de Fernão Gomes e Lourenço de Salzedo para o Hospital de Todos-os-Santos e assim o atestam, entre as remanescentes, as campanhas murais de Francisco de Campos, Giraldo de Prado e Tomás Luís para os palácios dos Condes de Basto em Évora e para o Palácio de Vila Viçosa a mando dos 5º, 6º e 7º Duques de Bragança, ou alguns retábulos de igreja que não escondem inquietações de discurso e referenciais neoplatónicos, como o retábulo-mor de Nossa Senhora da Luz de Carnide, panteão da Infanta D. Maria, pintado por Francisco Venegas e Diogo Teixeira. Se parte destas obras desapareceu, restam contudo muitos desenhos e esquiços preparatórios (a mais importante colecção é a do Gabinete de Desenhos do Museu Nacional de Arte Antiga), descrições, textos, contratos de arquivo e outros testemunhos memoriais que atestam o significado de tais ciclos pictóricos, marcados por uma mesma ideia italianizante e, não poucas vezes, por referenciais literários e simbólicos precisos. ´

     O ambiente artístico nacional abria-se então ao gosto requintado da Bella Maniera, buscava inspiração nos espaços afrescados por Rafael de Urbino, Giovanni de Udine, Polidoro de Caravaggio, Perino del Vaga e outros mestres em salões e capelas privadas, mais atreitos à temática alegórica e mitológica e a uma linguagem de símbolos com ressaibos neoplatónicos, aptos a estimular os debates de círculos de literati, dentro de um espírito all'antico em que a poesia era presença viva. Sabemos que D. Catarina de Áustria teve em mente escolher Francesco da Urbino, pintor genovês malogradamente falecido e com actividade relevante no Escorial, para vir a Lisboa pintar o retábulo do Mosteiro dos Jerónimos, antes de a Raínha se decidir pela entrega dos painéis a Lourenço de Salzedo (não por acaso um artista já em 1559 associado a Gaspar Becerra em Roma). Os fios de identidade da melhor cultura portuguesa dos anos centrais de Quinhentos centram-se no postulado da Idea maneirista e na sua adaptação a uma realidade nacional que emula o debate intelectual e a busca de uma nova estética com fortes pressupostos ontológicos e um sentido de ars naturans como arte da natureza criadora, que perpassam para a própria consciência da liberalità do acto artístico e do consequente estatuto de nobilitação social dos praticantes. É esta idea, comum a Luís de Camões ao consagrar a arte como a mais divina de todas as actividades humanas (como faria o famoso humanista Benito Arias Montano, em 1577, no famoso poema em honra da Pintura como remédio para os males do Mundo que acompanha a gravura de Cornelis Cort «A verdadeira Inteligência inspira o Pintor» segundo desenho de Federico Zuccaro) e a Francisco de Holanda quando compara a «boa pintura» com o «terlado das perfeições de Deus e uma lembrança do seu pintar», que justifica o tronco estético comum à melhor criação dos círculos intelectuais portugueses desses anos de mudança e novidade.

     O signo da poesia camoneana encontraria eco artístico imediato, por exemplo, na decoração dos paços de Enxobregas, obra de grande sumptuosidade construtiva («os milhores de Portugal», com sua tapada que se estendia até ao vale de Chelas), apesar da interrupção motivada pela morte de D. João III e das prioridades dos anos de regência, para os quais Francisco de Holanda fez um risco de arquitectura e se propôs conceber as decorações internas («os desegnos para as Heroicas Pinturas»), recomendando «huma Capella pintada e com salas e camaras de Estuque ou Pintadas sobre bordo, ou a fresco, como he custume dos Reys antigos e modernos», obras essas que um pintor com sólida educação romana, Gaspar Dias, veio efectivamente a realizar (tal como, pelos mesmos anos sebásticos, realizaria as do Paço de Sintra), restando ainda alguns testemunhos plásticos dessa decoração fresquista a nível de desenho e de estudos preparatórios.

     Figura pioneira no processo de viragem para o Maneirismo e, consequentemente, com um percurso de bolseiro em Roma e de artista cortesão que o coloca nos mesmos trilhos de Francisco de Holanda e de Luís de Camões, foi António Campelo, desenhador exímio afeiçoado aos modelos do ciclopismo miguelangelesco e que trabalhou junto a Daniele de Volterra e para o Cardeal Giovanni Ricci da Montepulciano (a quem pintou o retábulo da sua capela em San Pietro in Montorio). Este ideário, que se paraleliza com o mundo criativo camoneano (não sendo exagerado imaginarem-se contactos entre as duas personagens), é bem atestado pelos desenhos e pinturas do artista, uma delas a Adoração dos Pastores do paço dos Melos Carrilho Sigeu, em Torres Novas, mais uma coincidência a ligar Campelo aos passos de Camões, aos círculos da Infanta D. Maria e à família da música Ângela Sigeia. Dos desenhos (MNAA), refiram-se pelo seu veemente traço neoplatónico a Alegoria ao Amor Divino castigando o Amor Profano (onde o cariz para-erótico remete para a sensualidade da poesia camoneana), a exaltante Alegoria à Força (com modelo inspirado num fresco da escola de Giulio Romano que existe na loggia Psychè na Villa Farnesina, relacionado com o tema neo-platónico do Amor omnia vincit, dentro de uma dinâmica exploração do fantástico) ou o projecto para o túmulo da Infanta D. Maria para o Mosteiro dos Jerónimos (com figuras alegóricas alteadas, de cunho miguelangelesco, enquadrando o medalhão central com o busto da Infanta, ao gosto de obras romanas como o mausoléu de Ceccino Bracci em Santa Maria in Aracoeli), empresa que se malogrou por culpa de um meio que na época de D. Sebastião estava envolvido nos preparativos da cruzada marroquina e já impreparado para entender a proposta estética de Campelo. É de lembrar que Félix da Costa Meesen, espécie de Van Mander português, no seu tratado Antiguidade da Arte da Pintura (mss. da Universidade de Yale), regista uma admiração pelos pintores maneiristas bem maior que a que nutrida pelos do seu tempo, e fala de Campelo «entre os Pintores Portuguezes que foram mais celebrados pella excellencia da sua arte» e, depois de elogiar como «obra prodigiosa» o Cristo com a cruz às costas do Mosteiro dos Jerónimos (MNAA), diz-nos que «floresceo no tempo de D. João 3º» e que «seguio em muita parte a Escola de Michael Angelo Buonarroti asim na força do Debucho, como parte do colorido, se bem que já com outra inteligencia no mexido das cores». Também D. Francisco Manuel de Melo, no seu Hospital das Letras, ao exaltar os feitos dos «grandes portugueses», destaca significativamente os nomes de Camões na poesia e Campelo na pintura.

     Os passos de Camões podem ter-se cruzado, também, com os de Gaspar Dias, cujos excessos caprichosos da maniera se expressam com acuidade no serpentinado desenho do painel Aparição do Anjo a São Roque (igreja de São Roque), e nos seus desenhos de aguada com alusões ao non finito buonarrotesco, e certamente se cruzaram com os de Fernão Gomes (1548-1612), um pintor de origem estremenha (nascera em Albuquerque), que se veio estabelecer em Lisboa em 1573 depois de um aprendizado em Delft com Anthonis Blocklandt (um discípulo do famoso romanista Franz Floris). Gomes, que pintou o retrato de Camões, esteve relacionado também com o poeta Jerónimo Corte-Real e teve o apoio mecenático de gente grada como D. Álvaro da Costa, senhor da Penha Verde, o que justifica, a par do seu «bravo talento e mui facil no pintar» de que fala Félix da Costa, que fosse, nomeado, sucessivamente, para os cargos de pintor régio de Filipe II (1594) e Filipe III (1595) e pintor dos Mestrados das Ordens Militares (1601), além de, como artista de consciência liberal, ter sido um dos promotores-fundadores da nova Irmandade de São Lucas, instalada no mosteiro de domínicas da Anunciada e embrião de uma primeira academia de desenho na cidade de Lisboa. Apesar de Gomes se converter a breve trecho num artista que, seguindo referenciais maneiristas ítalo-flamengos, será uma espécie de campeão da doutrina contra-reformista (ainda que pelo menos uma das suas obras, o fresco apologético da famosa «freira que pintava chagas» no mosteiro da Anunciada, tenha sido censurada pela Inquisição), é certo que em algumas obras suas onde se sente essa apregoada «bravura» é notório o gosto refinado pelo capricho dos serpentinatos e pela teatralização da idea, como sucede no Pentecostes do retábulo da Sé de Portalegre e nos desenhos da Ascensão de Cristo (MNAA) e da Scala Coeli (B. P. Évora), ambos traduzindo aspectos coincidentes com os valores da transcendência cristã e da reminiscência anamnésica, temas favoritos da obra camoneana (p. ex. em Sôbolos rios). Os tempos eram já de repressão das ideias, excessos inquisitoriais, suspeitas de errasmismo, senão de luteranismo (recorde-se como mero exemplo o processo do humanista Damião de Góis), e esses anos de «vil tristeza» serão também os últimos da vida de Camões, precisamente na altura em que os seus passos com Fernão Gomes se cruzam.

     A respeito do retrato, o chamado «retrato pintado a vermelho» que Vasco Graça Moura apurou ter sido realizado entre 1573 e 1575, trata-se do mais precioso e fidedigno documento remanescente que nos imortaliza o rosto de Luís de Camões; infelizmente, apenas subsistiu a cópia feita por Luís José Pereira de Resende (1760-1847), um pintor da Real Academia de Belas Artes e retratista de talento, que em data indefinida entre 1819 e 1844 cumpriu uma encomenda do 3º duque de Lafões para copiar um original camoneano que fora encontrado num saco de seda verde nos escombros do incêndio do palácio dos Condes da Ericeira e Marqueses de Louriçal, junto da Anunciada, onde se inseria o retrato de Fernão Gomes. Esta «fidelíssima cópia» mostra, pelas dimensões restritas do desenho, textura da sanguínea, manchas de distribuição dos valores, rigor dos contornos, definição dos planos contrastrados, neutro reticulado a harmonizar o fundo e o busto, tipo da barra e aparato simbólico da imagem captada em pose de ilustração gráfica, que o original se devia destinar à abertura de uma gravura a buril para ilustração de uma das primeiras edições de Os Lusíadas. A escolha de Gomes, recém-chegado a Lisboa mas já com notoriedade artística, para desenhar a efígie do épico, parece revelar um mundo de relações pessoais e acaso de amizade sobre o qual, infelizmente, pouco ainda se apurou. Mas o facto de Gomes, homem da corte, também ser amigo do poeta Jerónimo Corte-Real (que lhe apadrinhou uma filha) e ter recebido apoio mecenático dos senhores da Penha Verde, vem dar-nos alguns contornos dessas relações inter-artes em que poetas e pintores, escritores e arquitectos, antiquários e iluminadores, homens das ciências e das letras, apreciavam um convívio que era sobretudo pretexto para a paragona estética e para o culto das artes.

    É possível que os passos de Camões se cruzassem também com os de um aventuroso e quase romanesco personagem do tempo, o pintor-fidalgo António Leitão, natural de Castelo Novo, sobrinho do embaixador Domingos Leitão, educado na corte de Lisboa e moço de câmara da Infanta D. Maria, mandado aprender pintura em Roma, soldado na Flandres, onde se casou com a pintora Luísa dos Reis, instalado em Lamego, apoiante da causa de D. António, Prior do Crato, e discretamente activo em terras raianas no final da vida. Da autoria deste aristocrata formado simultaneamente (caso raro !) nos modelos de Roma e Antuérpia, que prezava a música e as montarias e se passeava a cavalo de chapéu emplumado e anel de ouro com as armas da Infanta sua protectora, é um interessante painel do Pentecostes existente numa capela de Freixo de Espada-à-Cinta, onde a composição se desdobra em sentidos plurais de ecumenismo cristão, integrando junto às figuras da Virgem e dos apóstolos Pedro e João uma plêiade de figuras profanas e contemporâneas, algumas delas possíveis retratados, desde mercadores a nobres, frades, soldados, um magrebino e três raras representações de japoneses, todos a receber as línguas de fogo numa espécie de convencimento do testemunho da fé apregoado numa escala imperial nos velhos e novos mundos.

     Merece referência especial neste quadro truncado de relações entre Camões e a pintura do seu tempo o papel assumido no século XVI pela corte de Vila Viçosa, a fase mais fulgurante da sua história. Essa espécie de «corte na aldeia», como a qualificou o poeta Rodrigues Lobo (ele mesmo um protegido do Duque D. Teodósio II), suportou um ambiente esclarecido, por onde passaram, ao serviço dos Duques ou por seu chamamento ocasional, eruditos como Diogo Sigeu e sua filha Ângela Sigea, o cosmógrafo e pedagogo António Maldonado de Hontiveros, o humanista Juan Fernández de Sevilha, os gramáticos Fernão Soares e Manuel Barata, o geógrafo António de Castro, o matemático Domingos Peres, os escritores Fernão Cardoso, Francisco de Morais e Públia Hortênsia de Castro, o poeta, Jerónimo Corte Real (irmão de Públia), acaso também Luís de Camões, além de muitos artistas de diversas modalidades. Numa corte como esta, onde a literatura, as artes plásticas, a música e o amor pelo bucolismo da natureza andaram de mãos dadas, são ainda numerosos os programas afrescados de salões e câmaras ducais (como as galleriettas de D. Teodósio I e a de D. Ana de Velasco, recém-restauradas e identificadas, e o oratório privativo de D. Catarina de Bragança), exemplos importantes de decorações ao italiano, com referenciais mitológicos e neoplatónicos, alusões à música e à poesia, e às virtudes da casa ducal. Pintores de fora como Francisco de Campos (falecido em Évora em 1580 devido a um surto de peste) e Tomás Luís ou da casa ducal como Giraldo Fernandes de Prado e André Peres, foram os responsáveis por essas decorações de caprichoso gosto maneirista, com extensos complementos de grottesche a envolver os quadri riportati, alegorias à música de Orfeu, aos trabalhos de Hércules ou aos feitos de Perseu, e outros testemunhos esclarecedores do modo como as ideias e as artes se fundiam na produção senhorial portuguesa da Casa de Bragança.

     Também nesse seio se desenvolveu o estudo pedagógico e a arte da Caligrafia. Numa época em que autores humanistas, de Erasmo a Juan Luís Vives e a João de Barros, se preocupam pela formação moral e cultural dos jovens da nobreza, de quem se esperam responsabilidades no aparelho de Estado, esteve na ordem do dia o ensino das primeiras letras e tipos caligráficos, como a letra «cancelleresca», e é nesse contexto que Giraldo Fernandes de Prado e Manuel Barata, calígrafos de primeiríssima linha, ambos cavaleiros e funcionários da casa brigantina, vão ter actividade relevante. O ensino dos filhos-família era prioritário na escala de investimento dos nobres e já o humanista Clenardo, ao chegar a Évora em 1535, com a estada da corte, se entusiasmava com o facto de que em Portugal floresciam os estudos dos príncipes e isso constituía sinal de bom augúrio para a projecção do Reino. Eram sentimentos partilhados pelos círculos de literati em que Camões se movia. Por isso, o incremento ao ensino das letras à sombra do Paço, aposta nobilitante dos Duques de Bragança, permitiu à caligrafia afirmar o seu espaço no seio das artes. Giraldo Fernandes de Prado (c. 1530-1592), elogiado numa crónica do lóio Frei Jorge de São Paulo como «homem de admiravel pincel na arte da pintura», foi pintor de óleo, iluminura e fresco, foi cavaleiro e funcionário da Casa de Bragança, estadeou na corte nos anos centrais do século, e aí escreveu em 1560-61 o Tratado de Caligrafia (mss. profusamente ilustrado, hoje na Rare Book and Manuscript Library, Columbia University, New York, Cód. Plimpton MS 297) e um Manual para Copistas (cód. Plimptom, MS 296, ainda inédito), que devem ser considerados os primeiros manuais práticos de ensino e da arte da Caligrafia escritos em Portugal, sob inspiração nas fontes disponíveis, de Geoffrey Tory a Juan de Içiar, Juan Bautista Palatino, Ludovico Vicentino e António Tagliente, obras que certamente estariam disponíveis nos círculos humanísticos nacionais (quanto a Tory, sabemos que Francisco de Holanda possuía o Champ Fleury, como atestou Sylvie Deswarte). Estes tratados de didáctica das primeiras letras escritos e desenhados por Giraldo de Prado conferem-lhe a honra de primeiro autor nacional a assumir esta arte pedagógica e formativa. O Tratado de Caligrafia de New York antecede em dez anos a escrita e suposta primeira edição da Arte de Escrever de Barata, por sinal realizada sob mecenato do mesmo Duque de Bragança. A especialização de Giraldo como pintor pode explicar que a caligrafia não tivesse sido para ele um campo de produção contínua, o que justificaria a ulterior mas injusta consagração de primazia de Barata.

     Nestes círculos aristocráticos de poetas, pintores e calígrafos em que gravitou Camões, também merece referência o manuscrito iluminado do Livro das Sentenças para a Ensinança e Doutrina do Principe D. Sebastião (Biblioteca D. Manuel II, Palácio de Vila Viçosa), de cerca de 1554, que reúne sentenças latinas traduzidas e compiladas pelo comerciante André Rodrigues de Évora, como demonstrou Luís de Matos, ornado com iluminuras maneiristas da autoria de António Fernandes (como provou Sylvie Deswarte), que se destinava a educar o príncipe e futuro rei. Não se tratando de um manual de caligrafia, este livro reúne em si os principais valores da pedagogia, da moral e da cultura cortesã do Humanismo cristão de meados de Quinhentos, precisamente os mesmos valores da cultura de Camões (e de Francisco de Holanda, e dos outros artistas aqui citados), onde não faltam as citações all’antico, as inscrições epigráficas clássicas, a representação do guerreiro porta-estandarte, e outras alusões a uma gramática italianizante. Voltando a Vila Viçosa e a 1572, nesse ano se terá editado, por estímulo do Duque D. Teotónio II e através do livreiro da casa ducal João de Ocanha, a Arte de Escrever, tratado de Caligrafia da autoria do gramático Manuel Barata (de quem Diogo Barbosa Machado disse ser «um dos mais célebres mestres de escrever, que florecerão no seu tempo de cuja arte abrio escola publica na sua pátria». Esse livro, de que não se conhece hoje nenhum exemplar, foi reeditado em 1590 (já sendo falecido Barata) utilizando algumas pranchas gravadas com desenhos de caligrafia datados de 1572, sacadas certamente da edição precedente, e de novo foi reeditado em 1592 (titulado Exemplares de Diversas Sortes de Letras, Tirados da Polygrafia de Manuel Barata), financiado pelo mesmo João de Ocanha e acompanhado por um belo soneto, Ditosa Pena…, atribuído (não sem controvérsia) a Luís de Camões, que foi com toda a certeza composto ainda em vida de Barata e é de sentido elogio aos méritos do calígrafo. Como já se afirmou, caso tal soneto tenha integrado a suposta edição de 1572, como deve ter sucedido, seria um dos raros poemas de Camões editados em vida, o que alarga a possibilidade de relações do genial poeta com os círculos brigantinos e a sua corte literária e artística. De Giraldo Fernandes de Prado conhece-se outro trabalho em que os passos do pintor-fidalgo mais uma vez mostram cruzamentos com os círculos neoplatónicos de Holanda, de António Fernandes, de Barata, e de Camões: as iluminuras do Compromisso da Irmandade das Almas da igreja de São Julião de Setúbal (1569-1571, hoje na Biblioteca Municipal de Setúbal), com caprichosas capitais, um fólio historiado miguelangesco do Julgamento das Almas (que sugeriu, antes, uma errada atribuição ao Holanda), e um sentido de desenho caligráfico a remeter para o que dele conhecemos nos tratados de New York. Estas personalidades gravitavam nos mesmos círculos ou, pelo menos, comungavam dos mesmos ideários, gostos e fontes referenciais.

     Está bem estudada a iconografia camoneana a partir do século XVII, no campo da representação gravada, esculpida e pintada, e conhecem-se bem tanto as versões multiplicadas da fisionomia do épico (com numerosas efígies seguindo, muitas vezes, o primevo modelo de Fernão Gomes) como os ciclos historiados inspirados em Os Lusíadas (caso da notável série de quadros de Francisco Vieira Portuense, dos programas de azulejo de Jorge Colaço, ou das representações muito estimadas de Metrass, Columbano e, mais perto de nós, António Soares, Costa Pinheiro e José de Guimarães, entre tantos outros a quem a personalidade do épico seduziu). É muito menos conhecida, estranhamente, a intrincada relação no campo da teoria e debate das ideias e das categorias estéticas que une o poeta com os artistas do seu tempo – como os que atrás se citaram, sabendo-se que todos conheceram o poeta, puderam com ele privar e, com toda a certeza, partilharam valências filosóficas e concepções do mundo e cultivaram linhas de pensamento e de concepção artística afins. É esse o caminho de inquérito que aqui se propôs e propõe ser seguido através de um estudo integrado ao sentido das imagens do tempo de Camões: um caminho analítico-comparatista que nos conduz, dos desenhos de Francisco de Holanda, às iluminuras de António Fernandes, à pintura de Gaspar Dias na igreja de São Roque, aos debuxos e tábuas de Fernão Gomes, às pinturas murais de Vila Viçosa e Évora, aos caprichos sensuais de Francisco Venegas na igreja da Luz de Carnide, no quadro da igreja da Graça, e nos seus caprichosos desenhos para-eróticos, e a tantas mais obras da pintura maneirista portuguesa da segunda metade do século XVI.

 

 

BIBLIOGRAFIA:

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A conquista da Liberalidade artística no Renascimento.

6 Outubro 2020, 11:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

´Pintores, luminadores, agora no cume estam’, escrevia Garcia de Resende na sua famosa Miscellanea, escrita nos anos 20 e saída em 1554, juntamente com a Chronica de D. João III.  O poeta-escritor destacava, nesse poema, aquilo que era uma realidade: o ascenso social dos artistas portugueses e o estatuto de privilégio que muitos deles auferiam fruto de uma consciencialização que paulatinamente se impusera... A reivindicação de uma dimensão estatutária por parte dos nossos artistas do século XVI, à luz do que na Itália do Renascimento se entendia por liberalità, nobiltà e virtú, tem sido tema privilegiado da História da Arte.  Tais valores, gerados no seio do Humanismo cristão, contribuíram decisivamente para que pintores, escultores, arquitectos, ourives e outros praticantes do que então se designava por «ofícios mecânicos» saíssem da tutela corporativa de Bandeiras (como a de São Jorge) e adquirissem um novo estatuto social, com reforçada auto-estima e maior afirmação autoral. 

A reivindicação de um estatuto de liberalidade é uma constante na literatura do Humanismo da época de D. João III, antes mesmo de um Francisco de Holanda regressar de Roma e escrever o tratado Da Pintura Antigua (1548). Para os bons artistas nacionais, que a exigência de qualidade da arte praticada tornava homens cultos, era absolutamente humilhante que, ainda em 1539, o Regimento dos Oficiais Mecânicos da Cidade de Lisboa continuasse a considerar pintores, escultores e arquitectos como «oficiais mecânicos» sujeitos aos deveres gremiais e às obrigações das Bandeiras corporativas... 

Importa-nos explorar também, por ser muito útil à História da Arte, o conceito de larga conjuntura, com atenção aos periferismos, aos epigonismos e às resistências / continuidades formais. Publicado pela editorial Taurus (Madrid, 1989) na prestigiada colecção Conceptos fundamentales para la Historia del Arte Español a obra El Largo Siglo XVI. Los usos artísticos del Renacimiento español, de Fernando Marías (n. 1949), introduziu na prática da História da Arte peninsular a análise trans-comparatista e trans-contextual do facto artístico aplicada à conjuntura renascentista, seguindo o princípio da conjuntura larga para analisar os fenómenos de persistência, revitalização e ruptura na evolução dos comportamentos histórico-artísticos. Para além de um Renascimento histórico que tem referências grosso modo na primeira metade do século XVI, existiu uma situação epirenascentista com prolongamentos e ressonâncias até ao século XVII.

O tempo do Renascimento em Portugal (sécs XV-XVI), com suas extensões e perenidades, foi vivenciado à luz do humanismo e da globalização. Diz Ana Paula Avelar que «as várias as faces do Renascimento tocam novos olhares em torno do mundo natural, do exercício político, da arte da guerra, do papel da mercancia e dos seus agentes, das estratégias da sua escrita e representação do Outro. A reflexão sobre os usos do conceito de Renascimento lança vectores de problematização em torno de um período tão nuclear para a cultura portuguesa que impõe abordagem multidisciplinar».

João de Barros (1496-1570) , historiador, geógrafo, gramático, pedagogo, escritor, funcionário da corte de D. João III, escreveu em 1532 a sua obra Ropica Pnefna, onde define os ‘graus’ da arte da  Pintura e afirma que «a vista tem suas forças de potência visiva, cujo ofício é receber cores, figura e luz», sendo a Alma uma «távoa com pinturas» que nos acompanha ao longo da vida na sua «prisca beleza». Na famosa Crónica do Imperador Clarimundo, João de Barros volta a descrever o texto como uma espécie de «pintura metaphorica» das «origens, antiguidade e nobreza» do próprio Reino de Portugal: no Portugal joanino, as artes estavam no auge da consideração e entendiam-se como um verdadeiro processo de liberalidade.

As valências culturais renascentista no Portugal do tempo manuelino-joanino são, pois, estes conceitos transformados em valores de conduta e metas a atingir: Liberalità – Virtú –  Antichità – Nobiltà --  Libertà - Idea – Res Publica. 


Apresentação do Programa de Arte Moderna em Portugal

1 Outubro 2020, 09:30 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

     Objectivos:

     O objectivo científico do programa desta nova unidade curricular visa caracterizar, de modo o mais possível actualizado, a cultura artística produzida em Portugal em três tempos distintos e cronologicamente sucedâneos – de cerca de 1460 a cerca de 1620 --, com indiscutível força de inovação e qualidades plurais específicas: o Renascimento propriamente dito na sua expressão humanística e na sua devoção ao classicismo all’antico, captado sob influências mistas (italiana, flamenga, castelhana, e francesa); o Maneirismo, fase de eufórica busca libertária no plano da criação e da afirmação estatutária (a Bella Maniera); e o Maneirismo reformado (ou Contra-Maniera), arte das Contra-Reforma católica, fidelizada a parâmetros de propaganda e catecismo que, no seu alinhamento ao decorum tridentino, abrem caminho ao Barroco seiscentista.

     Longe de se poderem inscrever em balizas cronológicas precisas, estes três «ciclos estilísticos» (que por vezes se interpenetram entre si, ao sabor de involuções descontínuas e fidelidades retardatárias), precisam de ser estudados de per si, numa perspectiva alargada de integração que não esqueça, entre outros, os contextos políticos, literários, religiosos e laborais em que tais estilemas se desenvolveram, sem esquecer os desdobramentos imperiais inerentes, sabendo-se que a realidade portuguesa dos séculos XV e XVI (e XVII) integra um vasto espaço ultramarino (que se estende ao Maghreb, à costa africana, ao Brasil, ao Estado da Índia Portuguesa, à China, ao Japão) onde a sua influência se faz sentir (bem como, em terreno de miscigenações, se sentem influências-outras emanadas dos novos territórios de conquista ou penetração). Temas como a arte indo-portuguesa ou a arte sino-portuguesa, ou os Biombos Nam-Ban, por exemplo, não podem, por isso, ser descartadas no presente programa de estudos.

     A forte influência da cultura do Quattrocento italiano, que se prolonga até à produção final de Rafael de Urbino († 1520), marca no caso português o episódio brilhante do Renascimento e a especificidade dos seus resultados, quer no campo da arquitectura (João de Castilho, Miguel de Arruda), da escultura (Chanterene, João de Ruão) ou da pintura (de Nuno Gonçalves a Gregório Lopes), quer no campo das artes de decoração (talha, azulejo, ourivesaria, mobiliário, têxteis…), quer na consciência emergente que conduz à reivindicação de um estatuto de liberalidade criativa, que se define melhor com as viagens a Roma de uma série de artistas nacionais em tempo de D. João III e D. Sebastião, já em decisiva viragem de gosto para o Maneirismo. Com este estilo, a Bella Maniera (em que se inscrevem a obra poética de Luís de Camões e a teoria da arte de Francisco de Holanda), a arte portuguesa envereda por um tempo de ousadias, uma frenética busca de novos caminhos, em incisiva ruptura com anteriores academismos e esgotamentos formais. Enfim, após cerca de 1580, é a arte mais disciplinada e pedagógica da Contra-Maniera que vai desenhar o seu curso produtivo, com resultados por vezes admiráveis na busca de consensos vernáculos, coincidentes com a nova realidade nacional decorrente da Monarquia Dual filipina.

     Aprender a ver, a ler e perceber as obras de arte inscritas neste arco temporal -- 1450 a 1620 – e saber conjugar as linhas de evolução temporal, descobrindo as suas valências específicas, são os objectivos desta unidade curricular que pretende reavaliar um dos mais brilhantes «tempos» da História da Arte portuguesa (e ultramarina).

 

Avaliação: os alunos serão avaliados mediante um teste presencial (26 de Novembro) e um trabalho prático (ficha analítico-descritiva de uma obra de arte portuguesa, ou existente em Portugal, que se integre nos ‘tempos’ em apreço, e que será apresentado e discutido em aula complementar).

 

Conteúdos Programáticos:

1.      Visão de conjunto sobre as especificidades da arte portuguesa de circa 1460-1620: entre o Tardo-Gótico, o Renascimento, o Maneirismo e a Contra-Maniera. O século XVI português e o processo da Expansão: os chamados Descobrimentos como antecâmara de novas relações e partilhas artísticas com a Europa e o Mundo.

2.      A cultura do Humanismo em Itália e em Portugal e os sintomas de viragem proto-renascentista nos Painéis de São Vicente, de Nuno Gonçalves. A introdução do Renascimento em Portugal. Importações de arte (a Bíblia dos Jerónimos) e chegada de mão-de-obra estrangeira.

3.      O Tardo-Gótico na arquitectura portuguesa e ultramarina: do fenómeno do gótico-manuelino à arquitectuta de ‘modo antigo’. Humanismo, Proto-Renascimento e Classicismo na construção portuguesa e ultramarina. Os poderes laicos e as Ordens religiosas (a Ordem de São Jerónimo).

4.      A corte renascentista de D. Manuel I e D. João III: o papel dos literati, a antichità, o gosto ao romano. Novos mecenatos: o peso da cultura cristocêntrica, a Devotio Moderna, a Ars moriendi. Cultura artística e antropocentrismo. Matematização do mundo. Ciência e rigor da forma geométrica. A caligrafia e a iluminura.

5.      Arquitectura renascentista ‘ao italiano’: João de Castilho, Miguel de Arruda, Diogo de Torralva. Tomar, Évora, Coimbra, centros ‘ao romano’. O fascínio das ‘rovine’ e o culto da Antiguidade. Casos de novidade e de resistência na paisagem arquitectónica nacional.

6.      A escultura: a vinda de Nicolau de Chanterene em 1517 e a sua obra nos Jerónimos, em Sintra e em Évora. O escultor João de Ruão, a sua «escola», e o ciclo do calcário em Coimbra. Os barristas: Felipe Odarte. Francisco Loreto e os escultores franceses.

7.      A pintura e as demais artes da Flandres: dois polos interpretativos de um ‘tempo’. A influência de Bruges, Gand e Antuérpia. O pintor Francisco Henriques, a «oficina de Frei Carlos» (ou do Espinheiro) e o designado Mestre da Lourinhã. O vitral (Francisco Henriques). A iluminura de António de Holanda e Álvaro Pires. A Leitura Nova e os Livros de Horas.

8.      A idade de ouro da pintura nacional: o ciclo manuelino-joanino. Jorge Afonso e a Oficina Régia de Lisboa. Gregório Lopes e os ‘mestres de Ferreirim’. Vasco Fernandes, o Grão Vasco, entre o mito e a realidade. Oficinas regionais (Viseu, Viana do Castelo, Évora). O italianismo crescente: exercício científico e mental, da terceira dimensão à perspectiva e ao naturalismo das formas.

9.      A nobre arte do retrato cortesão: a busca de rigor numa arte ‘pelo natural’ que se autonomiza. A presença de Anthonis Moro em Lisboa e a sua influência. As obras de Cristóvão de Morais e Lourenço de Salzedo. As miniaturas.

10.  As artes decorativas: o entalhe, o azulejo, o mobiliário, as pratas, a joalharia, os têxteis, os guadamecis (couros lavrados). Novos estilos e linhas influentes (o exemplo do indo-português, a tradição mudéjar, etc). Fidelidades vernáculas e engenho cenográfico.

11.  Artes da cal e novas linguagens decorativas e vernaculares: stucco, fresco, esgrafito, obra de massa, embrechado. Novos gostos e importações de modelos. Sentido da globalização dos espaços: a obra de arte total no século XVI português.

12.  As viagens a Roma: Francisco de Holanda, Campelo. Os tratados, o desenho e a circulação de livros e gravuras. O Neo-Platonismo e o Irenismo. Os novos mecenas. A internacionalização das artes e os conceitos de liberalità e de Maniera. A Arqueologia e a descoberta das antigualhas.

13.  A pintura maneirista em Portugal e os novos paradigmas do ‘despejo’. A primeira geração pictórica: Diogo de Contreiras e os «seguidores de Gregório Lopes». O Maneirismo como novidade absoluta nos mercados nacionais e ultramarinos. Os «romanizados» e a influência italiana: Campelo, João Baptista, António Leitão, Gaspar Dias.

14.  A escultura e talha maneiristas: Diogo de Çarça e Felipe de Bries. Novas tipologias de retábulos e de cadeirais. O arquitecto Jerónimo de Ruão e o ‘flamenguismo’: sondagem de novas cenografias do espaço (a igreja da Luz de Carnide e a capela-mor dos Jerónimos).

15.  A reivindicação de um estatuto social de liberalidade: da corporação gremial à inventio. A carta de Diogo Teixeira a D. Sebastião em 1577. Movimentos de emancipação anti-corporativa. A literatura artística ao serviço da liberdade dos artistas.

16.  Repercussão dos tratados de arte em Portugal: dos cânones do Proto-Renascimento aos valores anti-clássicos. A arquitectura de Nicolau de Frias e o Palácio Ducal de Vila Viçosa.

17.  As artes no Império: pintura, escultura e talha em Goa (a chamada Roma do Oriente) e no Estado da Índia portuguesa.

18.  Ética e estética no Renascimento e o Maneirismo: a consagração dos valores humanistas. A influência das ideias de Benito Arias Montano.

19.  A busca do fantástico e o sentido da liberalità criadora: a consagração do Grotesco e do Brutesco. O fresco maneirista português. A pintura de Francisco de Campos.

20.  O Concílio de Trento (1545-1563) e a sua influência religiosa, cultural e artística. O papel mecenático dos Arcebispos D. Teotónio de Bragança (Évora) e D. Frei Bartolomeu dos Mártires (Braga). As novas orientações conciliares. As obras de Nicolau de Frias e Pero Vaz Pereira.

21.  A caligrafia (Giraldo Fernandes de Prado), a iluminura portuguesa (Estêvão Gonçalves Neto) e as outras artes do desenho. O ensino das artes (a Irmandade de São Lucas).

22.  Arquitecturas salvíficas: conceitos de decorum, estilo chão, gosto desornamentado. A Monarquia Dual filipina e as linhas vernaculares da construção portuguesa (e ultramarina) pós-1580 e pós-tridentina.

23.  Censura e iconoclasma no campo das artes: o escândalo de Soror Maria da Visitação e o pintor régio Fernão Gomes. Casos de artistas reprimidos e de obras de arte destruídas, enterradas ou modificadas por ordem dos censores do Santo Ofício.

24.  A arte contra-maneirista portuguesa à luz de novos desígnios catequéticos. A viragem circa 1600: o caso dos pintores Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão, do escultor Gonçalo Rodrigues, das dinastias de arquitectos (Frias, Tinocos, Coutos).

25.  No limiar do Barroco: as últimas expressões maneiristas face a uma arte que se renova no sentido de um novo naturalismo com marca de pedagogia e rigor.

 

 

 

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA

 

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