Sumários

gestão de horários, espaços, opções e matéria de reflex~<o em tempos pandémicos

3 Dezembro 2020, 15:30 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

DEZEMBRO                        5ª FEIRA                               17Aula

 

3

Entrega do primeiro teste de avaliação de conhecimentos que os alunos puderam fotografar. O comentário geral a este elemento de avaliação será feito na próxima aula, porque na impossibilidade de gerir entrega presencial de testes de três cadeiras numa só aula e desfasada esta de horário de duas dessas cadeiras não permitiu melhor desdobramento.

Assim, optei pelo visionamento do filme Os Escultores dos Espíritos de Luís Correia e Noémie Mandelle, que ilumina do ponto de vista da existência uma sociedade com práticas ritualísticas ancestrais e ainda hoje incorporadas no viver quotidiano do povo Bijagó.

Este filme será comentado na próxima aula. A ele se juntarão o conjunto de ensaios de Byung-Chul Han, agrupados em Do desaparecimento dos Rituais e algumas passagens do livro de António Damásio A Estranha Ordem das Coisas – A vida, os sentimentos e as culturas humanas.

Na parte final da aula recebemos a actriz e aluna de Mestrado da FLUL, Carolina Campanela que veio dialogar connosco sobre a peça de Gertrude Stein, O mundo é redondo vista por alguns alunos em Outubro.

 

Desistimos de ir assistir ao espectáculo A Ratoeira, baseado em obra de Agatha Christie. Os elevados preços dos bilhetes e o constante cancelamento de sessões ditaram a nossa decisão.

 

No dia 17 de Dezembro iremos assistir ao espectáculo Só eu escapei de Caryll Churchill, com encenação de João Lourenço, no Teatro Aberto.

 

Filme visionado:

Os Escultores dos Espíritos, realização de Luis Correia e Noemie Mandelle, LX-Filmes, legendas em português, 54’. 2014.

 

Leituras recomendadas

HAN, Byung-Chul, 2020. Do desaparecimento dos Rituais – Uma Topologia do Presente, Lisboa: Relógio D’Água.

DAMÁSIO, António 2017. A Estranha Ordem das Coisas – A vida, os sentimentos e as culturas humanas, Lisboa: Temas e Debates | Círculo de Leitores.


gestão de horários, espaços, opções e matéria de reflexão em tempo pandémico

3 Dezembro 2020, 14:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

DEZEMBRO                        5ª FEIRA                               17Aula

 

3

Entrega do primeiro teste de avaliação de conhecimentos que os alunos puderam fotografar. O comentário geral a este elemento de avaliação será feito na próxima aula, porque na impossibilidade de gerir entrega presencial de testes de três cadeiras numa só aula e desfasada esta de horário de duas dessas cadeiras não permitiu melhor desdobramento.

Assim, optei pelo visionamento do filme Os Escultores dos Espíritos de Luís Correia e Noémie Mandelle, que ilumina do ponto de vista da existência uma sociedade com práticas ritualísticas ancestrais e ainda hoje incorporadas no viver quotidiano do povo Bijagó.

Este filme será comentado na próxima aula. A ele se juntarão o conjunto de ensaios de Byung-Chul Han, agrupados em Do desaparecimento dos Rituais e algumas passagens do livro de António Damásio A Estranha Ordem das Coisas – A vida, os sentimentos e as culturas humanas.

Na parte final da aula recebemos a actriz e aluna de Mestrado da FLUL, Carolina Campanela que veio dialogar connosco sobre a peça de Gertrude Stein, O mundo é redondo vista por alguns alunos em Outubro.

 

Desistimos de ir assistir ao espectáculo A Ratoeira, baseado em obra de Agatha Christie. Os elevados preços dos bilhetes e o constante cancelamento de sessões ditaram a nossa decisão.

 

No dia 17 de Dezembro iremos assistir ao espectáculo Só eu escapei de Caryll Churchill, com encenação de João Lourenço, no Teatro Aberto.

 

Filme visionado:

Os Escultores dos Espíritos, realização de Luis Correia e Noemie Mandelle, LX-Filmes, legendas em português, 54’. 2014.

 

Leituras recomendadas

HAN, Byung-Chul, 2020. Do desaparecimento dos Rituais – Uma Topologia do Presente, Lisboa: Relógio D’Água.

DAMÁSIO, António 2017. A Estranha Ordem das Coisas – A vida, os sentimentos e as culturas humanas, Lisboa: Temas e Debates | Círculo de Leitores.


O que nos ensinam os rituais

26 Novembro 2020, 15:30 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

NOVEMBRO                        5ª FEIRA                               16Aula

 

26

 

Preparação da próxima saída de campo.

Assistência ao espectáculo Só eu escapei de Caryll Churchill, com encenação de João Lourenço. Teatro Aberto, dia 17 de Dezembro, às 19:00.

 

Tivemos a oportunidade de ver o filme Müdigkeitsgesellschaft (Sociedade do Cansaço) da realizadora alemã Isabella Gesser (2015), 60’. Este filme documental acompanha o trajecto do filósofo sul coreano Byung-Chul Han entre Berlim e Seul. A viagem realizada não é um périplo turístico, mas um processo de deslocação orientada como reflexão interior.

Se é verdade que o filme tem directa inspiração na obra escrita por Han, e já traduzida para português, A Sociedade do Cansaço, 2014, Lisboa: Relógio D’Água, não é despiciendo pensar que as sequências que passamos a acompanhar na peugada do autor são reveladoras das suas motivações afectivas, das suas preferências cinematográficas, dos seus eleitos na filosofia e no contar de histórias, a um tempo reflexo da troca dos Estudos sobre Metalurgia pelos Estudos Filosóficos e Literários. E a outro tempo pela aprendizagem de se enraizar em pequenos espaços que não só favorecem a proximidade e a ritualização da vida, como firmam a reciprocidade de estar-em-casa como se está-no-mundo.

É nesta mundividência que se inspiram os interesses do autor, inserindo no filme de Gesser o imaginário infantil e suas liberdades naturais, como acontece com as sequências de abertura do filme As Asas do Desejo (Wim Wenders/Peter Handke), um filme dentro de um filme por amor e citação e, mais importante ainda, como uma linguagem de que Han se apropria ao saber de cor, isto é, com o coração, como se alcança a estabilidade interior a partir de um tempo usado e vivido com emoção e liberdade.

«Quando a criança era criança e não sabia que era criança e andava com os braços a balançar, e queria que o ribeiro fosse um rio e o rio fosse uma torrente e este charco o mar. Quando a criança era criança e não sabia que era criança, tudo estava cheio de vida e a vida era uma só. Tudo estava cheio de vida e a vida era sem-par. Quando a criança era criança não sabia como opinar. Não tinha hábitos, sentava-se sempre com as pernas cruzadas, saía a correr, sentava-se sempre com as pernas cruzadas, saía a correr, com os cabelos em desalinho e não fazia pose quando era fotografada.» (citação de abertura do filme As asas do desejo, 1987, de Wim Wender e Peter Handke, escrita a tinta sobre papel ao ritmo da própria escrita)

 

https://www.google.com/search?ei=NoPBX7z1LMLWaripg9AD&q=Asas+do+desejo+filme+completo+legendado&oq=as+asas+do+desejo&gs_lcp=CgZwc3ktYWIQARgDMgQIABBHMgQIABBHMgQIABBHMgQIABB

 

O texto de Handke não é um conto maravilhoso/aterrador, como eram e são aqueles que integram as compilações dos Irmãos Grimm. O texto de Handke é uma lengalenga que se escreve porque se diz e nela está presente uma forma de ritualização que equilibra.

Não conhecemos o universo narrativo que terá iluminado a infância de Han. Sabemos do seu gosto adulto. Sabemos ainda da sua aproximação à filosofia taoista que vem através de cerimónias religiosas milenares que Gesser filma como contraponto a uma sociedade global desamparada, despedida de si, onde se morre de exaustão e de sentimento de culpa e onde não cabem mitos nem lendas nem existe imaginário que possa compensar o não-estar-em-casa-no-mundo.

O filme de Gesser espraia-se ainda pelo testemunho de um velho monge taoista que caminha há muito sem destino, sem cansaço. Como a criança de Handke ele sonha e cumpre o caminho que lhe cabe. Canta-o em caracteres que desconhecemos.

A articulação de memórias presentificadas pelo discurso confessional a par da visualização de lugares onde os rituais se cumprem espaçada e lentamente, ao ritmo de passadas, cativam-nos. Descemos na cidade de Seul e enfiamo-nos em pequenos nichos sobreviventes e ainda preservados de épocas em que os rituais eram apelo para toda a população.

Tal como na metrópole alemã, em Seul também há pequenos lugares aconchegados, uma espécie de ilhas, de onde o mundo à volta se aliena porque cegou. Olhar de dentro para fora já não implica que se olhe de fora para dentro. É de dentro para dentro que nasce o para fora do olhar.

A figura do caminhante, que está neste filme associada à caminhada da vida e da morte, entrelaça a discursividade directa do autor ao seu deambular orientado por um desígnio. Talvez não tanto a denúncia – as cidades tornaram-se iguais entre si e as pessoas replicam-se – mas a construção de um puzzle a que estão sempre a faltar peças e a sobrar peças.  Afeiçoamo-nos a uma figura esguia, ténue, tímida, que modula em tom baixo um presente insurrecto cheio de disformidades. A sua tonalidade, por estranho que pareça, cria repouso e torna o tempo demorado.  Este tipo de guia não vem nos manuais turísticos. Ele repete partes dos percursos, destaca outras. Os olhares mudam. Na escolha do caminho, dos caminhos, há repetição e renovação. Os takes à beira do rio que atrai os suicidas espelham a consciência pesada de uma sociedade que muda a orientação informativa com a leviandade com que se entrega a exercícios sobre como treinar a morte.  Repetir um percurso, ritualizá-lo, assim reconhecendo nele por desejo o que já se conhece, não é a mesma coisa do que ter um percurso que se nos anexa dia após dia, por toda uma vida, e porque a ele nos deixamos obrigar.

Sendo este filme um diagnóstico muito atento e lapidar sobre A sociedade do cansaço, ele é também uma manifestação de sobrevivência de formas de ritualização sobreviventes.

Encontramo-nos com quotidianos ritualizados que se expõem em objectos antigos, em ruínas, em lápides memoriais, em danças e brincadeiras, em canções, em música de outros tempos (o pequeno agrupamento rock à maneira de Elvis Presley), em pacíficas conversas em templos, ao som de um gong que termina o serviço religioso. Tudo isto exprime o que a sociedade cansada não consegue engolir.

No final do filme voltamos à figura do caminhante, um motivo central, diria mesmo recorrente.

Ao atravessar a pé o espaço vazio do antigo aeroporto de Berlim - Tempelhof, Han atravessa o nacional-socialismo, a História alemã e a II Guerra Mundial. Nada existe hoje dessa época e desse lugar que foi uma estrutura fundamental da Blitzkrieg, da preparação de aviões e que no final da guerra serviu de abrigo aos berlinenses. Esse lugar é hoje o maior parque da cidade desde 2008.

É no espaço vazio e na amplitude do lugar que o filósofo concentra o seu discurso. O vazio é necessário para se alcançar o pleno. E vice-versa.

 

Leitura recomendada

HAN, Byung-Chul, 2020. Do desaparecimento dos Rituais – Uma Topologia do Presente, Lisboa: Relógio D’Água.

 

Filme visionado

 

Isabella Gesser, Müdigkeitsgesellschaft in Seoul/Berlin (2012-2015), 60’ 16


O que nos ensinam os rituais

26 Novembro 2020, 14:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

NOVEMBRO                        5ª FEIRA                               16Aula

 

26

 

Preparação da próxima saída de campo.

Assistência ao espectáculo Só eu escapei de Caryll Churchill, com encenação de João Lourenço. Teatro Aberto, dia 17 de Dezembro, às 19:00.

 

Tivemos a oportunidade de ver o filme Müdigkeitsgesellschaft (Sociedade do Cansaço) da realizadora alemã Isabella Gesser (2015), 60’. Este filme documental acompanha o trajecto do filósofo sul coreano Byung-Chul Han entre Berlim e Seul. A viagem realizada não é um périplo turístico, mas um processo de deslocação orientada como reflexão interior.

Se é verdade que o filme tem directa inspiração na obra escrita por Han, e já traduzida para português, A Sociedade do Cansaço, 2014, Lisboa: Relógio D’Água, não é despiciendo pensar que as sequências que passamos a acompanhar na peugada do autor são reveladoras das suas motivações afectivas, das suas preferências cinematográficas, dos seus eleitos na filosofia e no contar de histórias, a um tempo reflexo da troca dos Estudos sobre Metalurgia pelos Estudos Filosóficos e Literários. E a outro tempo pela aprendizagem de se enraizar em pequenos espaços que não só favorecem a proximidade e a ritualização da vida, como firmam a reciprocidade de estar-em-casa como se está-no-mundo.

É nesta mundividência que se inspiram os interesses do autor, inserindo no filme de Gesser o imaginário infantil e suas liberdades naturais, como acontece com as sequências de abertura do filme As Asas do Desejo (Wim Wenders/Peter Handke), um filme dentro de um filme por amor e citação e, mais importante ainda, como uma linguagem de que Han se apropria ao saber de cor, isto é, com o coração, como se alcança a estabilidade interior a partir de um tempo usado e vivido com emoção e liberdade.

«Quando a criança era criança e não sabia que era criança e andava com os braços a balançar, e queria que o ribeiro fosse um rio e o rio fosse uma torrente e este charco o mar. Quando a criança era criança e não sabia que era criança, tudo estava cheio de vida e a vida era uma só. Tudo estava cheio de vida e a vida era sem-par. Quando a criança era criança não sabia como opinar. Não tinha hábitos, sentava-se sempre com as pernas cruzadas, saía a correr, sentava-se sempre com as pernas cruzadas, saía a correr, com os cabelos em desalinho e não fazia pose quando era fotografada.» (citação de abertura do filme As asas do desejo, 1987, de Wim Wender e Peter Handke, escrita a tinta sobre papel ao ritmo da própria escrita)

 

https://www.google.com/search?ei=NoPBX7z1LMLWaripg9AD&q=Asas+do+desejo+filme+completo+legendado&oq=as+asas+do+desejo&gs_lcp=CgZwc3ktYWIQARgDMgQIABBHMgQIABBHMgQIABBHMgQIABB

 

O texto de Handke não é um conto maravilhoso/aterrador, como eram e são aqueles que integram as compilações dos Irmãos Grimm. O texto de Handke é uma lengalenga que se escreve porque se diz e nela está presente uma forma de ritualização que equilibra.

Não conhecemos o universo narrativo que terá iluminado a infância de Han. Sabemos do seu gosto adulto. Sabemos ainda da sua aproximação à filosofia taoista que vem através de cerimónias religiosas milenares que Gesser filma como contraponto a uma sociedade global desamparada, despedida de si, onde se morre de exaustão e de sentimento de culpa e onde não cabem mitos nem lendas nem existe imaginário que possa compensar o não-estar-em-casa-no-mundo.

O filme de Gesser espraia-se ainda pelo testemunho de um velho monge taoista que caminha há muito sem destino, sem cansaço. Como a criança de Handke ele sonha e cumpre o caminho que lhe cabe. Canta-o em caracteres que desconhecemos.

A articulação de memórias presentificadas pelo discurso confessional a par da visualização de lugares onde os rituais se cumprem espaçada e lentamente, ao ritmo de passadas, cativam-nos. Descemos na cidade de Seul e enfiamo-nos em pequenos nichos sobreviventes e ainda preservados de épocas em que os rituais eram apelo para toda a população.

Tal como na metrópole alemã, em Seul também há pequenos lugares aconchegados, uma espécie de ilhas, de onde o mundo à volta se aliena porque cegou. Olhar de dentro para fora já não implica que se olhe de fora para dentro. É de dentro para dentro que nasce o para fora do olhar.

A figura do caminhante, que está neste filme associada à caminhada da vida e da morte, entrelaça a discursividade directa do autor ao seu deambular orientado por um desígnio. Talvez não tanto a denúncia – as cidades tornaram-se iguais entre si e as pessoas replicam-se – mas a construção de um puzzle a que estão sempre a faltar peças e a sobrar peças.  Afeiçoamo-nos a uma figura esguia, ténue, tímida, que modula em tom baixo um presente insurrecto cheio de disformidades. A sua tonalidade, por estranho que pareça, cria repouso e torna o tempo demorado.  Este tipo de guia não vem nos manuais turísticos. Ele repete partes dos percursos, destaca outras. Os olhares mudam. Na escolha do caminho, dos caminhos, há repetição e renovação. Os takes à beira do rio que atrai os suicidas espelham a consciência pesada de uma sociedade que muda a orientação informativa com a leviandade com que se entrega a exercícios sobre como treinar a morte.  Repetir um percurso, ritualizá-lo, assim reconhecendo nele por desejo o que já se conhece, não é a mesma coisa do que ter um percurso que se nos anexa dia após dia, por toda uma vida, e porque a ele nos deixamos obrigar.

Sendo este filme um diagnóstico muito atento e lapidar sobre A sociedade do cansaço, ele é também uma manifestação de sobrevivência de formas de ritualização sobreviventes.

Encontramo-nos com quotidianos ritualizados que se expõem em objectos antigos, em ruínas, em lápides memoriais, em danças e brincadeiras, em canções, em música de outros tempos (o pequeno agrupamento rock à maneira de Elvis Presley), em pacíficas conversas em templos, ao som de um gong que termina o serviço religioso. Tudo isto exprime o que a sociedade cansada não consegue engolir.

No final do filme voltamos à figura do caminhante, um motivo central, diria mesmo recorrente.

Ao atravessar a pé o espaço vazio do antigo aeroporto de Berlim - Tempelhof, Han atravessa o nacional-socialismo, a História alemã e a II Guerra Mundial. Nada existe hoje dessa época e desse lugar que foi uma estrutura fundamental da Blitzkrieg, da preparação de aviões e que no final da guerra serviu de abrigo aos berlinenses. Esse lugar é hoje o maior parque da cidade desde 2008.

É no espaço vazio e na amplitude do lugar que o filósofo concentra o seu discurso. O vazio é necessário para se alcançar o pleno. E vice-versa.

 

Leitura recomendada

HAN, Byung-Chul, 2020. Do desaparecimento dos Rituais – Uma Topologia do Presente, Lisboa: Relógio D’Água.

 

Filme visionado

 

Isabella Gesser, Müdigkeitsgesellschaft in Seoul/Berlin (2012-2015), 60’ 16


O que nos dizem os rituais. Como eles nos preservam.

24 Novembro 2020, 14:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

NOVEMBRO                        3ª FEIRA                               15ª Aula

 

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Aula Zoom

 

Dedicámos a nossa atenção ao primeiro capítulo da obra Do desaparecimento dos rituais – Uma topologia do Presente de Byung-Chul Han.

Importa referir o subtítulo do conjunto de ensaios, nomeadamente a palavra «topologia». Esta aplica-se à organização de determinadas categorias de palavras que passam a estruturar e a defender formas de pensamento que conduzem estruturalmente uma ideia ou ideias.

O autor sul-coreano transpõe este modus operandi para a ideia central do seu livro – a morte progressiva da vida ritualizada apresenta-se como uma perda incalculável para as sociedades contemporâneas e está associada à incapacidade de gerir um tempo em todas as suas modulações. A questão temporal torna-se dominante pela capacidade de respeito que ela mantém com conceitos como comunidade, pensamento simbólico, conhecer e re-conhecer, processos de estabilidade, entre outros.

Verifica o autor, por exemplo, que uma comunidade não precisa de se afirmar por aquilo que provenha de uma prática ritualística stricto sensu porque essa experiência está nela incorporada, não sendo necessário anunciá-la. Deste ponto de vista a informação é totalmente desnecessária. Ora o que mais temos nas sociedades contemporâneas é excesso informativo que nos descentra do essencial. Os rituais são essenciais a um viver estável das populações activando o pensamento simbólico que é parte das nossas capacidades mentais e afectivas e que caracteriza a nossa espécie. Atribuir valor simbólico a uma cerimónia religiosa, por exemplo, não tem apenas a ver com a dimensão espiritual e ecuménica do acontecimento. O ritual é também e por natureza uma prática do corpo e este está sempre envolvido no processo, qualquer que ele seja, e nem que seja para atribuir a uma pedra um valor acrescentado que ela antes não possuía. De forma singular e colectiva os protagonistas e observadores de rituais participam e defendem a permanência de uma vida ritualizada que encontra na repetição «pela sua capacidade de gerar uma intensidade» (p. 17) um modo estabilizador de viver a vida, de garantia daquilo a que o autor chama mesmidade, conceito trabalhado pela filósofa Hannah Arendt  (p. 13) e que permite a convivência do que é com o que se transforma.

Esta obra recente de Byung-Chul Han equaciona aspectos do funcionamento anómalo e desintegrador das sociedades contemporâneas (o cansaço que mata como iremos ver no filme de Isabella Gesser), a automatização da rotina onde o conceito de repetição e de re-conhecimento não cabem, onde um mundo digital que curva as nossas costas e cansa os nossos olhos alienando-nos de uma vida boa.

Neste contexto, teremos ainda a oportunidade de assistir ao filme  Os Escultores dos Espíritos de Luis Correia e Noemie Mendelle, um filme sobre os rituais do povo Bijagó, e que é talvez um dos últimos exemplos planetários da preservação de que o que é antigo prossegue no contemporâneo e se abre à compreensão de que a mudança é uma força integrada.

Cito ainda Byung-Chul Han: «São as forms rituais que, como a cortesia, possibilitam não só um belo trato entre as pessoas, mas também um grácil e respeitoso relacionamento com as coisas. No âmbito do ritual, as coisas não são consumidas, mas usadas. Por isso podem também envelhecer, tornar-se antigas.» (p. 13)

Por fim gostaria de salientar que, em nota prévia, Byung-Chul Han rejeita ser compreendido nesta obra como um defensor de um passado mais ou menos longínquo e nostálgico. O seu desígnio é centrar-se no presente e ser objectivo nas suas argumentações. Sem dúvida que o faz. É do presente que se fala, do presente que nos torna intranquilos. Apesar disso, o autor não consegue deixar de revelar uma natureza romântica, que valoriza determinadas formas e referências de diferentes passados com as quais se identifica, como o que nos diz o filme que iremos ver na 5ª feira.

Escolher o assunto dos rituais e valorizá-lo em permanência define um âmbito de trabalho que lhe merece toda a atenção. No fundo verificamos que a sua apetência por uma vida ritualizada é expressão de equilíbrio e harmonia que se tornou ela mesma um sintoma de perda quase irrecuperável.

Talvez que um hipotético encontro entre Byung-Chul Han e António Damásio, autor da obra A Estranha Ordem das Coisas, pudesse acontecer. Ambos defendem uma perspectiva homeostática da natureza humana através da biologia, da cultura e da arte na sua relação com o meio ambiente, com o planeta e com o Universo. Destacaremos algumas passagens do livro de Damásio, que em aula comentaremos como despedida.

 

Leitura recomendada

HAN, Byung-Chul, 2020. Do desaparecimento dos Rituais – Uma Topologia do Presente, Lisboa: Relógio D’Água.

 

A gravação premeditada de aulas retira às mesmas a espontaneidade de participação.