Sumários

dois dedos de emoção

15 Outubro 2020, 15:30 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

OUTUBRO                                       5ª FEIRA                                           5ª Aula

 

15

 

Saídas de Campo

Ocupámo-nos da agilização de ingressos para dois espectáculos em cena na cidade:

1- Chicago com música de John Kander, letras de Fred Ebb e libreto deste e de Bob Fosse. Espectáculo encenado por Diogo Infante, Teatro da Trindade. Sessão escolhida, a de 4ª feira, dia 28 de Outubro, pelas 21 horas. Duração do espectáculo 120 minutos.

2 – O mundo é redondo de Gertrud Stein, com tradução de Luísa Costa Gomes, em reposição no Teatro do Bairro. Encenação de António Pires com Carolina Campanela, Carolina Serrão, Sandra Santos e Vera Moura. Duração do espectáculo 80 minutos.

 

Por razões distintas, a preparação destas saídas de campo não foi muito feliz. No caso do Teatro da Trindade o protocolo com outra instituição limitou a possibilidade de o TT poder oferecer preços de bilhetes mais baratos para os alunos.

Paralelamente a este impedimento, os alunos inadvertidamente foram-se inscrevendo ao seu ritmo, apesar de aviso para que tomassem posição.

O espectáculo esgotou com aquisições de outros espectadores, exactamente para o dia escolhido por nós e por ser o mais barato, e, exactamente por isso, não restou alternativa para contemplar todos os interessados.

Apesar destas adversidades contámos com o apoio da Drª Maria Carneiro, assessora do director do TT que foi recebendo e respondendo a e-mails meus e dos alunos numa tentativa de ajudar a encontrar lugares para os inscritos.

Para O mundo é redondo, e com o apoio da actriz Carolina Campanela, e porque o grupo de interessados era mais restrito, foi possível satisfazer todos os pedidos. Dada a curta série de representações desta obra e de eu ter sido informada da mesma a muito curto prazo, nem sequer houve tempo para uma pequena conversa sobre um grande espectáculo. Cada aluno escolheu a data mais conveniente e possível para assistir a O mundo é redondo.

 

Escutaremos na próxima aula (20 de Outubro) os alunos que tenham assistido a O mundo é redondo.

Escutaremos a 29 de Outubro os alunos que tenham estado presentes no espectáculo Chicago.

 

Procuraremos em próximas saídas agir de forma a dar a todos a oportunidade de estarem presentes e serem participativos.

 

Retomámos o comentário à pequena obra em estudo de Georges Didi-Huberman e na qual o autor francês traça de forma lapidar o percurso de esquecimento a que as emoções foram sendo alvo ao longo da História e das culturas ocidentais.

Uma possível forma de nos aproximarmos de Que emoção! Que emoção? será acompanharmos o percurso histórico do entendimento de pathos, como ele vai sendo desdobrado e configurado enquanto produtor de emoção, e que se manifesta, por exemplo, no pensamento de Aby Warburg (1866-1929), historiador de arte e um homem multifacetado nos seus interesses investigativos, que desenvolveu um princípio que fundamenta a existência de uma história da humanidade ancorada em imagens que referenciam o gesto e o movimento dos corpos no seu primitivismo emocional, tal como alega Darwin, e que são ao mesmo tempo factor de compreensão e transformação de imagens posteriores. A este processo chamou Warburg «fórmulas de pathos», não com a intenção de estabelecer um único parâmetro de aferição, mas partindo das próprias imagens e indo ao encontro de aspectos que as identificavam na sua individualidade e, ao mesmo tempo, as projectavam para posteriores leituras captáveis em objectos e imagens criados em épocas diferentes e distantes entre si.

Como afirma Didi-Huberman, a propósito do Atlas de Imagens Mnémosine, criado por Aby Warburg nos últimos anos da sua vida: «É uma história cheia de surpresas, uma história em que se descobre que as imagens ao mesmo tempo transmitem e transformam os mais imemoriais gestos emotivos.» (Didi-Huberman, 2015: 36)

A este respeito gostaria de convosco recuperar o processo expressivo dos bailarinos-actores de Kathakali nas suas prestações performativas. O que é aprendizagem e exercitação e o que existe em cada um deles como natureza não aprendida e que ao seu dispor se encontra como existe em cada um de nós. A opção de criar uma linguagem para o rosto que suspende e transforma em cada momento a expressão natural, activando-a como potência, corresponde ao treino artístico que o espectáculo exige. Paralelamente a codificação dos movimentos e posições das mãos tornam-se uma complementaridade do processo que a estes actores-bailarinos confere a prerrogativa de não usarem a voz como instrumento. Assim, estamos perante escolhas artísticas que procuram criar a partir de modelos de evolução da espécie muito antigos a possibilidade de despertar nos espectadores um conjunto de emoções associadas ao que estes conhecem e às características biológicas que possuem. De certo modo o processo de acção e transformação do Kathakali poderia ser reconhecido nas «fórmulas de pathos» warburgiana sobre o comportamento afectivo.

Em jeito de remate gostaria ainda de salientar o facto de que esta palestra de Didi-Huberman integrou um ciclo a que então se chamou Luzes para Crianças, inspirado em obra do autor alemão Walter Benjamin, dedicada às crianças do seu tempo e do futuro, e que foi transmitida entre 1929 e 1933, pela rádio de Colónia. Este público infanto-juvenil das histórias de Benjamin talvez pudesse ser comparado ao público para quem Didi-Huberman falou em 2013. Em ambos os casos a escuta e a visualização tinham como objectivo emocionar, mesmo que se tratasse de pensadores para adultos. A atenção das crianças pedia treino, exercício intelectual, mas sobretudo criação de interesse. Talvez os ouvintes e espectadores de Didi-Huberman se distraíssem de vez em quando. E é provável que muitas das referências enunciadas por Didi-Huberman pouco ou nada dissessem ao auditório infanto-juvenil que o acompanhou. Apesar disso, na expressão Luzes para Crianças encontramos um princípio que pode ser esclarecedor no que diz respeito ao acto de tornar claro, abrir novos horizontes, de iluminar, como foi, aliás, apanágio de uma corrente do pensamento europeu no séc. XVIII, designada de Iluminismo.

Curiosamente nesta conferência o acto de iluminar centra-se na explícita valorização das emoções, questão que não só teve difícil entendimento da parte de muitos ideólogos deste movimento europeu (Ex: Kant, pp. 22-23), como também terá tido justificação explícita na tradição aristotélica e platónica (p.p. 20-13), que parece ter fundamentado o facto de a dimensão emocional do comportamento humano não se equiparar ao potente horizonte que foi sendo traçado ao longo de séculos para a razão.

Esta dicotomia, em termos filosóficos, só veio a diluir-se no pensamento de Schopenhauer e de Nietzsche (sé. XIX), mas também no pensamento literário de um Lenz, ou de um Goethe juvenil e de alguns estudiosos da fisiologia dos humores ou da observação aturada da expressão do rosto e gestualidade, como aconteceu com o teólogo, poeta, filósofo e fisionomista suíço, Johann Caspar Lavater (1741-1801), preciosa fonte informativa para Charles Darwin, sendo este abundantemente referido por Didi-Huberman na sua conferência.

A nossa aproximação a Didi-Huberman, discutindo as suas proposições e dando atenção ainda ao capítulo de perguntas e respostas com que termina o livro vem dar razão a quem defende a não menorização dos mais novos. As perguntas a Didi-Huberman são das crianças e dos seus acompanhantes. O filósofo e historiador de arte procura com as suas respostas a luz que as crianças merecem.

Cabe agora ouvir-vos sobre o modo como experienciámos o espectáculo de Kathakali. O que se vos oferece dizer associando-o à manifestação explícita de emoções.

 

Acedemos, no contexto do comentário à palestra de Didi-Huberman, à observação de estudos fisionómicos produzidos no séc. XVIII pelo médico e filósofo suíço Johann Caspar Lavater. A exemplificação apresentada associava traços e formas de rostos a características de personalidade e temperamento organizados em função de uma taxonomia tipológica conhecida desde Galeno e Hipócrates: fleumático, colérico, melancólico, sanguíneo. Esta sistematização, apresentada em desenhos e gravuras, integrava um espírito de época que pretendia nomear, catalogar e organizar todo o conhecimento existente ou a existir como forma de organização do mundo numa perspectiva de o racionalizar. As nomenclaturas de Carl Linée para plantas e animais são disso exemplo.

Ao olharmos para as imagens apresentadas em aula, observámo-las com o intuito de as descodificarmos. Com elas não nos emocionámos.

Ao contrário das imagens apresentadas por Johann Caspar Lavater, as que o foram por Darwin e Didi-Huberman, sobretudo por este último, quem sabe elas nos tenham comovido.

De certo modo as «fórmulas de pathos» invocadas e trabalhadas por Aby M. Warburg inspiram em nós uma espécie de pós-vida das imagens independentemente do tempo histórico, do lugar, do estatuto social, dos objectos em questão, da mundividência escolhida. O carácter ritualístico e subjectivo que as imagens adquirem, mas também as representações a elas associadas estendem-se infinitamente como movimento indissociável. Emociona-nos esta configuração pensativa.

 

Leitura recomendada:

DIDI-HUBERMAN, Georges 2015. Que emoção! Que emoção?, tradução de Mariana Pinto dos Santos, Lisboa: KKYM.

 

Obras folheadas em aula

DARWIN, Charles 2006. A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, Tradução de José Miguel Silva, Lisboa Relógio D’Água.

MENDES, Anabela et altri (Org.) 2012. Qual o tempo e o movimento de uma elipse? – Estudos sobre Aby M. Warburg, Lisboa: Universidade Católica Editora

 

A gravação premeditada de aulas retira às mesmas a espontaneidade de participação


dois dedos de emoção

15 Outubro 2020, 14:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

OUTUBRO                                       5ª FEIRA                                           5ª Aula

 

15

 

Saídas de Campo

Ocupámo-nos da agilização de ingressos para dois espectáculos em cena na cidade:

1- Chicago com música de John Kander, letras de Fred Ebb e libreto deste e de Bob Fosse. Espectáculo encenado por Diogo Infante, Teatro da Trindade. Sessão escolhida, a de 4ª feira, dia 28 de Outubro, pelas 21 horas. Duração do espectáculo 120 minutos.

2 – O mundo é redondo de Gertrud Stein, com tradução de Luísa Costa Gomes, em reposição no Teatro do Bairro. Encenação de António Pires com Carolina Campanela, Carolina Serrão, Sandra Santos e Vera Moura. Duração do espectáculo 80 minutos.

 

Por razões distintas, a preparação destas saídas de campo não foi muito feliz. No caso do Teatro da Trindade o protocolo com outra instituição limitou a possibilidade de o TT poder oferecer preços de bilhetes mais baratos para os alunos.

Paralelamente a este impedimento, os alunos inadvertidamente foram-se inscrevendo ao seu ritmo, apesar de aviso para que tomassem posição.

O espectáculo esgotou com aquisições de outros espectadores, exactamente para o dia escolhido por nós e por ser o mais barato, e, exactamente por isso, não restou alternativa para contemplar todos os interessados.

Apesar destas adversidades contámos com o apoio da Drª Maria Carneiro, assessora do director do TT que foi recebendo e respondendo a e-mails meus e dos alunos numa tentativa de ajudar a encontrar lugares para os inscritos.

Para O mundo é redondo, e com o apoio da actriz Carolina Campanela, e porque o grupo de interessados era mais restrito, foi possível satisfazer todos os pedidos. Dada a curta série de representações desta obra e de eu ter sido informada da mesma a muito curto prazo, nem sequer houve tempo para uma pequena conversa sobre um grande espectáculo. Cada aluno escolheu a data mais conveniente e possível para assistir a O mundo é redondo.

 

Escutaremos na próxima aula (20 de Outubro) os alunos que tenham assistido a O mundo é redondo.

Escutaremos a 29 de Outubro os alunos que tenham estado presentes no espectáculo Chicago.

 

Procuraremos em próximas saídas agir de forma a dar a todos a oportunidade de estarem presentes e serem participativos.

 

Retomámos o comentário à pequena obra em estudo de Georges Didi-Huberman e na qual o autor francês traça de forma lapidar o percurso de esquecimento a que as emoções foram sendo alvo ao longo da História e das culturas ocidentais.

Uma possível forma de nos aproximarmos de Que emoção! Que emoção? será acompanharmos o percurso histórico do entendimento de pathos, como ele vai sendo desdobrado e configurado enquanto produtor de emoção, e que se manifesta, por exemplo, no pensamento de Aby Warburg (1866-1929), historiador de arte e um homem multifacetado nos seus interesses investigativos, que desenvolveu um princípio que fundamenta a existência de uma história da humanidade ancorada em imagens que referenciam o gesto e o movimento dos corpos no seu primitivismo emocional, tal como alega Darwin, e que são ao mesmo tempo factor de compreensão e transformação de imagens posteriores. A este processo chamou Warburg «fórmulas de pathos», não com a intenção de estabelecer um único parâmetro de aferição, mas partindo das próprias imagens e indo ao encontro de aspectos que as identificavam na sua individualidade e, ao mesmo tempo, as projectavam para posteriores leituras captáveis em objectos e imagens criados em épocas diferentes e distantes entre si.

Como afirma Didi-Huberman, a propósito do Atlas de Imagens Mnémosine, criado por Aby Warburg nos últimos anos da sua vida: «É uma história cheia de surpresas, uma história em que se descobre que as imagens ao mesmo tempo transmitem e transformam os mais imemoriais gestos emotivos.» (Didi-Huberman, 2015: 36)

A este respeito gostaria de convosco recuperar o processo expressivo dos bailarinos-actores de Kathakali nas suas prestações performativas. O que é aprendizagem e exercitação e o que existe em cada um deles como natureza não aprendida e que ao seu dispor se encontra como existe em cada um de nós. A opção de criar uma linguagem para o rosto que suspende e transforma em cada momento a expressão natural, activando-a como potência, corresponde ao treino artístico que o espectáculo exige. Paralelamente a codificação dos movimentos e posições das mãos tornam-se uma complementaridade do processo que a estes actores-bailarinos confere a prerrogativa de não usarem a voz como instrumento. Assim, estamos perante escolhas artísticas que procuram criar a partir de modelos de evolução da espécie muito antigos a possibilidade de despertar nos espectadores um conjunto de emoções associadas ao que estes conhecem e às características biológicas que possuem. De certo modo o processo de acção e transformação do Kathakali poderia ser reconhecido nas «fórmulas de pathos» warburgiana sobre o comportamento afectivo.

Em jeito de remate gostaria ainda de salientar o facto de que esta palestra de Didi-Huberman integrou um ciclo a que então se chamou Luzes para Crianças, inspirado em obra do autor alemão Walter Benjamin, dedicada às crianças do seu tempo e do futuro, e que foi transmitida entre 1929 e 1933, pela rádio de Colónia. Este público infanto-juvenil das histórias de Benjamin talvez pudesse ser comparado ao público para quem Didi-Huberman falou em 2013. Em ambos os casos a escuta e a visualização tinham como objectivo emocionar, mesmo que se tratasse de pensadores para adultos. A atenção das crianças pedia treino, exercício intelectual, mas sobretudo criação de interesse. Talvez os ouvintes e espectadores de Didi-Huberman se distraíssem de vez em quando. E é provável que muitas das referências enunciadas por Didi-Huberman pouco ou nada dissessem ao auditório infanto-juvenil que o acompanhou. Apesar disso, na expressão Luzes para Crianças encontramos um princípio que pode ser esclarecedor no que diz respeito ao acto de tornar claro, abrir novos horizontes, de iluminar, como foi, aliás, apanágio de uma corrente do pensamento europeu no séc. XVIII, designada de Iluminismo.

Curiosamente nesta conferência o acto de iluminar centra-se na explícita valorização das emoções, questão que não só teve difícil entendimento da parte de muitos ideólogos deste movimento europeu (Ex: Kant, pp. 22-23), como também terá tido justificação explícita na tradição aristotélica e platónica (p.p. 20-13), que parece ter fundamentado o facto de a dimensão emocional do comportamento humano não se equiparar ao potente horizonte que foi sendo traçado ao longo de séculos para a razão.

Esta dicotomia, em termos filosóficos, só veio a diluir-se no pensamento de Schopenhauer e de Nietzsche (sé. XIX), mas também no pensamento literário de um Lenz, ou de um Goethe juvenil e de alguns estudiosos da fisiologia dos humores ou da observação aturada da expressão do rosto e gestualidade, como aconteceu com o teólogo, poeta, filósofo e fisionomista suíço, Johann Caspar Lavater (1741-1801), preciosa fonte informativa para Charles Darwin, sendo este abundantemente referido por Didi-Huberman na sua conferência.

A nossa aproximação a Didi-Huberman, discutindo as suas proposições e dando atenção ainda ao capítulo de perguntas e respostas com que termina o livro vem dar razão a quem defende a não menorização dos mais novos. As perguntas a Didi-Huberman são das crianças e dos seus acompanhantes. O filósofo e historiador de arte procura com as suas respostas a luz que as crianças merecem.

Cabe agora ouvir-vos sobre o modo como experienciámos o espectáculo de Kathakali. O que se vos oferece dizer associando-o à manifestação explícita de emoções.

 

Acedemos, no contexto do comentário à palestra de Didi-Huberman, à observação de estudos fisionómicos produzidos no séc. XVIII pelo médico e filósofo suíço Johann Caspar Lavater. A exemplificação apresentada associava traços e formas de rostos a características de personalidade e temperamento organizados em função de uma taxonomia tipológica conhecida desde Galeno e Hipócrates: fleumático, colérico, melancólico, sanguíneo. Esta sistematização, apresentada em desenhos e gravuras, integrava um espírito de época que pretendia nomear, catalogar e organizar todo o conhecimento existente ou a existir como forma de organização do mundo numa perspectiva de o racionalizar. As nomenclaturas de Carl Linée para plantas e animais são disso exemplo.

Ao olharmos para as imagens apresentadas em aula, observámo-las com o intuito de as descodificarmos. Com elas não nos emocionámos.

Ao contrário das imagens apresentadas por Johann Caspar Lavater, as que o foram por Darwin e Didi-Huberman, sobretudo por este último, quem sabe elas nos tenham comovido.

De certo modo as «fórmulas de pathos» invocadas e trabalhadas por Aby M. Warburg inspiram em nós uma espécie de pós-vida das imagens independentemente do tempo histórico, do lugar, do estatuto social, dos objectos em questão, da mundividência escolhida. O carácter ritualístico e subjectivo que as imagens adquirem, mas também as representações a elas associadas estendem-se infinitamente como movimento indissociável. Emociona-nos esta configuração pensativa.

 

Leitura recomendada:

DIDI-HUBERMAN, Georges 2015. Que emoção! Que emoção?, tradução de Mariana Pinto dos Santos, Lisboa: KKYM.

 

Obras folheadas em aula

DARWIN, Charles 2006. A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, Tradução de José Miguel Silva, Lisboa Relógio D’Água.

MENDES, Anabela et altri (Org.) 2012. Qual o tempo e o movimento de uma elipse? – Estudos sobre Aby M. Warburg, Lisboa: Universidade Católica Editora

 

A gravação premeditada de aulas retira às mesmas a espontaneidade de participação


Emoções limpadoras entre «pathos» e «logos»

13 Outubro 2020, 14:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

 

OUTUBRO                                       3ª FEIRA                                          4ª Aula

 

13

 

Iniciámos a leitura orientada da pequena conferência de Georges Didi-Huberman, Que emoção! Que emoção?, a que  já antes acedêramos de forma breve como objecto de estudo. Recordamos agora o que então dissemos acerca do ponto de vista fundamentado do seu autor, Georges Didi-Huberman, de que o estudo das emoções ao longo dos tempos foi sendo relegado para um lugar existente e prevalecente, embora obscuro e secundário, em benefício de um discurso argumentativo, estruturado, comprovativo de que, segundo o historiador de arte e filósofo, se privilegiara o logos sobre o pathos. 

O assunto da conferência, apresentado em 2013 e publicado dois anos depois, era por isso sobre emoções. O próprio título desse escrito - Que emoção! Que emoção? - anunciava-se já como um instrumento de trabalho curioso. Através da expressão: Que emoção! consagrávamos a nossa capacidade de espanto, enquanto Que emoção? abria-nos o campo das perguntas. Afinal de contas ambas as formulações pretendem justificar que logos e pathos são uma unidade integradora. Esta sinalização torna-se portadora de um efeito directo que considera a capacidade de nos interrogarmos sobre o que é difícil de responder enquanto nos emocionamos. Qualquer coisa de parecido acontece quando nos apaixonamos. Escrever sobre a paixão só se torna possível quando o nosso estado emocional deixou de nos fazer transbordar de nós mesmos.

E porque as emoções, ainda que estudadas e trabalhadas desde a Antiguidade Clássica, nunca foram o campo especulativo mais apetecível do pensamento ocidental até meados do séc. XVIII, e porque, como dizia Darwin, segundo Didi-Huberman, «a emoção é considerada um estado primitivo» (Didi-Huberman, 2015: 15), daí decorrendo talvez o fraco interesse por elas, não deixa de ser verdade que, por exemplo, as lágrimas propiciam um directo benefício a todos nós e que o seu primitivismo continua, e certamente continuará, a integrar-nos como seres individualizados e como espécie. Tal é o caso que vem na sequência de observação e análise da expressão emocional em animais e seres humanos, levado a cabo por Darwin, e que fizeram o biólogo e naturalista escrever: «a secreção de lágrimas serve para aliviar o sofrimento. E quanto mais forte e histérico for o pranto, maior é o alívio que proporciona – de acordo com aquele mesmo princípio que nos diz que a contorção do corpo, a emissão de gritos penetrantes e o ranger dos dentes são acções que produzem alívio quando se está sob o efeito de uma dor muito forte.» (Darwin, 2006: 161) Não devemos descurar como é óbvio as lágrimas por alegria.

Aqui nos podemos recordar de Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781), o dramaturgo alemão e estudioso do Teatro, que na sua Dramaturgia de Hamburgo (1767-1769) defende um princípio que atribui ao efeito de catarse no espectador, uma condição de alívio fisiológico semelhante ao de uma purga. O corpo reage na sua manifestação de dor interior através da expressão de emoções que nos habitam (os fluidos lacrimais, os suspiros, a intensidade da voz, os movimentos corporais mais intensos e, por vezes, descontrolados) e que resultam em acto de libertação perante aquilo a que assiste. E é neste contexto que Lessing, a propósito da tragédia afirma o seguinte: «[…] Como os adversários de Aristóteles se não aperceberam de quais as paixões que ele pretendia ver purificadas em nós através da piedade e do temor na tragédia, erraram, naturalmente no que se refere a essa purificação.» (78ª Secção, 29 de Janeiro de 1768) O termo alemão usado neste caso é Reinigung que significa originalmente limpeza.

Verificamos assim que o carácter terapêutico das lágrimas não deixa por isso de manifestar uma outra componente comportamental associada a estados emocionais e a sentimentos. E é talvez por isso que a pequena conferência de Didi-Huberman nos pode interessar.

No final do seu livro aqui citado, Darwin diz o seguinte: «Vimos também que em si própria a expressão, ou a linguagem das emoções, como há quem lhe chame, é sem dúvida importante para o bem-estar da humanidade. Compreender, na medida do possível, a fonte ou origem das várias expressões que a todo o momento presenciamos no rosto dos homens que nos rodeiam, ou até nos animais domésticos, há-de ter necessariamente grande interesse para nós. Por todas estas razões, podemos concluir que a filosofia desta questão merece toda a atenção que lhe tem sido dedicada por alguns excelentes observadores, e que o seu estudo merece ser aprofundado, especialmente por algum fisiólogo competente.» Darwin escreveu estas frases em 1872, no fim de um belíssimo livro, com uma segunda edição em 1889. Talvez hoje o lugar do fisiólogo, a que Darwin se referia, seja ocupado pelos neurocientistas e antes deles pelos psicólogos, psicanalistas e outros estudiosos do comportamento humano.

Mas não sendo nós neurocientistas nem desempenhando quaisquer outras profissões que se ocupam do estudo do cérebro, não estamos tolhidos da capacidade de observar, muito distinta da capacidade de olhar e de ver.

De certo modo o que Didi-Huberman procura demonstrar na sua pequena palestra é justamente qualquer coisa de que talvez não nos apercebêssemos assim com tanta facilidade: nos pratos da balança da reflexão europeia e ocidental, as emoções não têm, até ao final do séc. XIX, um peso muito expressivo. Poderemos invocar a pujança de um Século das Luzes que se ocupou em defender o pensamento ordenado e sistemático que tinha por princípio autonomizar o ser humano na sua dimensão prática, política e espiritual. Estamos de acordo em termos gerais com esta perspectiva de criar condições e incentivar a saída do ser humano «de um estado de menoridade», como dizia Kant. Mas entendemos que a saída desse «estado de menoridade e servilismo» só se alcança na plenitude das capacidades de cada um. É por isso que dar particular atenção à expressão das emoções, e cada vez mais neste nosso século, deveria ser uma prioridade, tal como preconizava Darwin, a propósito do insuspeito bem-estar para o qual «a linguagem das emoções» poderia contribuir.

As emoções, os estados emocionais vários que nos habitam, na sua condição simples ou mais complexa, são o fundamento primeiro das artes, da ciência, da filosofia.

E é por isso que Didi-Huberman escolhe exemplos das artes plásticas, da fotografia e do cinema para demonstrar a sua presença em objectos que ele nos ajuda a descobrir. Tal exercício poderá ser sempre feito por nós em relação às Artes Performativas, área em que talvez sejamos mais experientes do que o próprio historiador de arte francês.

Esta conferência destina-se a abrir-nos horizontes sobre a história geral do conceito emoção e sobre a capacidade de observarmos o mundo sensível, de nele participarmos e de o interpretarmos. Naturalmente que o próprio estado observacional pressupõe que façamos juízos de valor enquanto apreciamos o que nos é dado observar.

 

Leituras recomendadas:

DARWIN, Charles 2006. A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, Tradução de José Miguel Silva, Lisboa Relógio D’Água.

DIDI-HUBERMAN, Georges 2015. Que emoção! Que emoção?, tradução de Mariana Pinto dos Santos, Lisboa: KKYM.

 

A gravação premeditada de aulas retira às mesmas a espontaneidade de participação.


Kathakali - tradição, repetição e ritualização

8 Outubro 2020, 15:30 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

 

OUTUBRO                                       5 ªFEIRA                                          3ª Aula

 

8

 

Dedicámos os primeiros minutos da aula de hoje ao comentário do documento formal sobre avaliação. Este documento é, por isso, agora enviado aos alunos na íntegra para que o possam consultar sempre que o desejem.

 

SOCIOLOGIA DAS ARTES DO ESPECTÁCULO

1º Semestre

20120-2021

MODALIDADES CONVERGENTES DE AVALIAÇÃO:

1. Modalidade única

Escrita presencial (60%)

2 Testes com consulta, de duração máxima de uma hora e vinte minutos, a realizar nos dias 12 de Novembro de 2020 e 17 de Dezembro de 2020

 

3. Oral em presença (20%):

² Participação espontânea na aula;

² Participação individual ou em grupo, solicitada e com preparação prévia, em data a combinar e sempre que possível, sobre uma pequena unidade do programa (cerca de 10 minutos por pessoa);

² Participação solicitada no âmbito de toda e qualquer discussão relacionada com a matéria no espaço da aula.

 

4. Interesse e participação em actividades extra-curriculares (20%)

Mais do que a simbólica percentagem na avaliação, o que importa mesmo é que se possa implementar um espírito de grupo e se crie uma boa relação de cultura e partilha de opinião crítica, a propósito de objectos artísticos e culturais disponíveis na comunidade.

 

5. Entendimento da avaliação

Os dados sobre avaliação de potenciais trabalhos, testes e outros contributos no âmbito desta cadeira, a fornecer aos alunos, serão sempre qualitativos, à excepção da nota final em pauta, no final de semestre, que será numérica. A opção por uma avaliação nestes moldes pretende abrir espaço para uma sempre necessária margem de tolerância em situações de dúvida.

Apresenta-se a escala valorativa de correspondências para conhecimento de todos:

 

Muito Bom                 18 - 20

Bom                            16 - 17

bom                             14 - 15

Suficiente                   12 - 13

suficiente                    10 - 11

Insuficiente                8 - 9

Medíocre                    5 - 7

Mau                            0 - 4

Serão consideradas aproximações até às décimas, sempre que se justifique (+ / -).

6. Recepção de alunos

O horário de recepção dos alunos é às 2ªs feiras das 13:00 às 14:00 na sala 2.2 ou na esplanada do lago, sempre com marcação prévia e definição do assunto a tratar. Só assim haverá condições para que o encontro de trabalho possa ser optimizado.

Para esse efeito e outros que se venham a manifestar de interesse faculto o meu endereço de e-mail: anmendes@netcabo.pt

As marcações poderão também ser feitas em presença no espaço da aula.

 

Nota breve:

Sistemáticas experiências de leitura e avaliação de trabalhos e testes produzem objectos de inspiração duvidosa e inqualificável. Tal prática leva-me a considerar necessário fazer um aviso a todos os alunos com o objectivo de que possa existir entre nós confiança mútua. Esse aviso traduz-se na solicitação de um curto texto que, em caso de necessidade, deverá ser escrito e assinado por quem tentar passar de aluno a prevaricador:

Eu, abaixo assinado, declaro por minha honra que todo e qualquer trabalho ou teste escrito por mim não reproduz obra ou parte de obra de outrem sem que disso tenha sido dado conhecimento.

 

Anabela Mendes / 1.10.2020

 

Ocupámos a aula de hoje com o visionamento de uma representação de Kathakali realizada, em 2008, num pequeno teatro de bairro na cidade de Cochim. O DVD do espectáculo destinava-se prioritariamente a espectadores estrangeiros. Os autóctones raramente o compravam. Exceptuavam-se os alunos de artes performativas de algumas escolas da cidade que o compravam para estudo, a preço muito reduzido, quase simbólico: 3 rupias (o,036 €). Aos espectadores estrangeiros eram entregues folhas de sala em inglês com a história escolhida dos livros sagrados e que seria representada durante essa tarde. A ficha técnica era detalhada. Pedia-se pequeno contributo para ajudar o teatro e a escola de Kathakali a ele agregada.

Nesta produção não é possível acompanhar ao vivo o comportamento dos espectadores em sala. À semelhança do que acontece nos espectáculos ao ar livre, eles sentiam-se-em-casa. A sala de espectáculos estava cheia, as pessoas entravam e saiam no meio da representação, havia animais domésticos por perto, as crianças pequenas eram amamentadas, os adultos também comiam e bebiam, mantendo decoro e respeito, comentavam em voz baixa os acontecimentos. Faziam longos silêncios em cenas de conflito aberto, mas também em momentos de sedução em que todo um corpo expressava um conjunto de emoções.

Olhámos com algum detalhe para a actuação de cada um dos actores-bailarinos. Demos a palavra ao espaço despojado, verificámos a convergências das diversas artes em palco e de como elas sublinhavam a seu tempo a intervenção umas das outras. Seguimos a história de uma flor devia ser recolhida nas montanhas a pedido de uma esposa e de como dois irmãos desavindos encontram entre si a harmonia. Estivemos no mundo de deuses e semi-deuses que nessa condição melhor ensinam os homens. Fizemos referência à legendagem do DVD, por um lado apropriada a leitura pelos espectadores estrangeiros (frase entre parêntesis curvo) e à sua redução a uma ou duas palavras que se sobrepunham às posições das mãos dos actores-bailarinos (os mudras9 e aos movimentos correspondentes do rosto e suas expressões. Quão difícil de seguir isto é para nós! A nossa capacidade de percepção e atenção perde-se e abre-se então à criação de um outro espectáculo. O nosso. Este não é coincidente com o do restante público autóctone que, aliás, aprecia o que mais se lhe adequa. Deste ponto de vista a capacidade de concentração no espectáculo é naturalmente semelhante ao que acontece com arte performativa ocidental quando o grau de dificuldade do que assistimos também se complexifica. Esse grau de concentração tem muitas variantes associadas, por exemplo, ao interesse, ao cansaço, à descodificação de linguagem(ns), à possibilidade de estabelecer núcleos imaginativos a partir do que nos emociona. Neste campo o grau de subjectividade é essencial.

Comentámos de forma breve a organização limpa do espaço num espectáculo de Kathakali. Em cena encontrava-se apenas um banco que tinha uma tripla função: servir de assento, ajudar a elevar um corpo com demasiado peso devido ao excessivo figurino e ao chapéu usados, permitir que sobre a sua pequena superfície fossem executados paços de dança em equilíbrio.

Através deste breve estudo de caso pudemos verificar que os tópicos de tradição, repetição e ritualização mantém ainda hoje uma relação directa com as artes performativas orientais. Mas noutras regiões do globo existem espectáculos que também favorecem esta passagem de testemunho cultural e artístico. Recordo, apenas a título de exemplo, o espectáculo que se representa em São Tomé e Príncipe conhecido como Tchiloli.

https://www.youtube.com/watch?v=DaDYy2KVepA

 

DVD visionado em fracções:

MARGI, Thiruvananthapuram (agrupamento) 2008, Kathakali, DVD, Legendas em inglês, 1h 29 min.

 

 

A gravação premeditada de aulas retira às mesmas a espontaneidade de participação.


Kathakali - tradição, repetição e ritualização

8 Outubro 2020, 14:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

 

OUTUBRO                                       5 ªFEIRA                                          3ª Aula

 

8

 

Dedicámos os primeiros minutos da aula de hoje ao comentário do documento formal sobre avaliação. Este documento é, por isso, agora enviado aos alunos na íntegra para que o possam consultar sempre que o desejem.

 

SOCIOLOGIA DAS ARTES DO ESPECTÁCULO

1º Semestre

20120-2021

MODALIDADES CONVERGENTES DE AVALIAÇÃO:

1. Modalidade única

Escrita presencial (60%)

2 Testes com consulta, de duração máxima de uma hora e vinte minutos, a realizar nos dias 12 de Novembro de 2020 e 17 de Dezembro de 2020

 

3. Oral em presença (20%):

² Participação espontânea na aula;

² Participação individual ou em grupo, solicitada e com preparação prévia, em data a combinar e sempre que possível, sobre uma pequena unidade do programa (cerca de 10 minutos por pessoa);

² Participação solicitada no âmbito de toda e qualquer discussão relacionada com a matéria no espaço da aula.

 

4. Interesse e participação em actividades extra-curriculares (20%)

Mais do que a simbólica percentagem na avaliação, o que importa mesmo é que se possa implementar um espírito de grupo e se crie uma boa relação de cultura e partilha de opinião crítica, a propósito de objectos artísticos e culturais disponíveis na comunidade.

 

5. Entendimento da avaliação

Os dados sobre avaliação de potenciais trabalhos, testes e outros contributos no âmbito desta cadeira, a fornecer aos alunos, serão sempre qualitativos, à excepção da nota final em pauta, no final de semestre, que será numérica. A opção por uma avaliação nestes moldes pretende abrir espaço para uma sempre necessária margem de tolerância em situações de dúvida.

Apresenta-se a escala valorativa de correspondências para conhecimento de todos:

 

Muito Bom                 18 - 20

Bom                            16 - 17

bom                             14 - 15

Suficiente                   12 - 13

suficiente                    10 - 11

Insuficiente                8 - 9

Medíocre                    5 - 7

Mau                            0 - 4

Serão consideradas aproximações até às décimas, sempre que se justifique (+ / -).

6. Recepção de alunos

O horário de recepção dos alunos é às 2ªs feiras das 13:00 às 14:00 na sala 2.2 ou na esplanada do lago, sempre com marcação prévia e definição do assunto a tratar. Só assim haverá condições para que o encontro de trabalho possa ser optimizado.

Para esse efeito e outros que se venham a manifestar de interesse faculto o meu endereço de e-mail: anmendes@netcabo.pt

As marcações poderão também ser feitas em presença no espaço da aula.

 

Nota breve:

Sistemáticas experiências de leitura e avaliação de trabalhos e testes produzem objectos de inspiração duvidosa e inqualificável. Tal prática leva-me a considerar necessário fazer um aviso a todos os alunos com o objectivo de que possa existir entre nós confiança mútua. Esse aviso traduz-se na solicitação de um curto texto que, em caso de necessidade, deverá ser escrito e assinado por quem tentar passar de aluno a prevaricador:

Eu, abaixo assinado, declaro por minha honra que todo e qualquer trabalho ou teste escrito por mim não reproduz obra ou parte de obra de outrem sem que disso tenha sido dado conhecimento.

 

Anabela Mendes / 1.10.2020

 

Ocupámos a aula de hoje com o visionamento de uma representação de Kathakali realizada, em 2008, num pequeno teatro de bairro na cidade de Cochim. O DVD do espectáculo destinava-se prioritariamente a espectadores estrangeiros. Os autóctones raramente o compravam. Exceptuavam-se os alunos de artes performativas de algumas escolas da cidade que o compravam para estudo, a preço muito reduzido, quase simbólico: 3 rupias (o,036 €). Aos espectadores estrangeiros eram entregues folhas de sala em inglês com a história escolhida dos livros sagrados e que seria representada durante essa tarde. A ficha técnica era detalhada. Pedia-se pequeno contributo para ajudar o teatro e a escola de Kathakali a ele agregada.

Nesta produção não é possível acompanhar ao vivo o comportamento dos espectadores em sala. À semelhança do que acontece nos espectáculos ao ar livre, eles sentiam-se-em-casa. A sala de espectáculos estava cheia, as pessoas entravam e saiam no meio da representação, havia animais domésticos por perto, as crianças pequenas eram amamentadas, os adultos também comiam e bebiam, mantendo decoro e respeito, comentavam em voz baixa os acontecimentos. Faziam longos silêncios em cenas de conflito aberto, mas também em momentos de sedução em que todo um corpo expressava um conjunto de emoções.

Olhámos com algum detalhe para a actuação de cada um dos actores-bailarinos. Demos a palavra ao espaço despojado, verificámos a convergências das diversas artes em palco e de como elas sublinhavam a seu tempo a intervenção umas das outras. Seguimos a história de uma flor devia ser recolhida nas montanhas a pedido de uma esposa e de como dois irmãos desavindos encontram entre si a harmonia. Estivemos no mundo de deuses e semi-deuses que nessa condição melhor ensinam os homens. Fizemos referência à legendagem do DVD, por um lado apropriada a leitura pelos espectadores estrangeiros (frase entre parêntesis curvo) e à sua redução a uma ou duas palavras que se sobrepunham às posições das mãos dos actores-bailarinos (os mudras9 e aos movimentos correspondentes do rosto e suas expressões. Quão difícil de seguir isto é para nós! A nossa capacidade de percepção e atenção perde-se e abre-se então à criação de um outro espectáculo. O nosso. Este não é coincidente com o do restante público autóctone que, aliás, aprecia o que mais se lhe adequa. Deste ponto de vista a capacidade de concentração no espectáculo é naturalmente semelhante ao que acontece com arte performativa ocidental quando o grau de dificuldade do que assistimos também se complexifica. Esse grau de concentração tem muitas variantes associadas, por exemplo, ao interesse, ao cansaço, à descodificação de linguagem(ns), à possibilidade de estabelecer núcleos imaginativos a partir do que nos emociona. Neste campo o grau de subjectividade é essencial.

Comentámos de forma breve a organização limpa do espaço num espectáculo de Kathakali. Em cena encontrava-se apenas um banco que tinha uma tripla função: servir de assento, ajudar a elevar um corpo com demasiado peso devido ao excessivo figurino e ao chapéu usados, permitir que sobre a sua pequena superfície fossem executados paços de dança em equilíbrio.

Através deste breve estudo de caso pudemos verificar que os tópicos de tradição, repetição e ritualização mantém ainda hoje uma relação directa com as artes performativas orientais. Mas noutras regiões do globo existem espectáculos que também favorecem esta passagem de testemunho cultural e artístico. Recordo, apenas a título de exemplo, o espectáculo que se representa em São Tomé e Príncipe conhecido como Tchiloli.

https://www.youtube.com/watch?v=DaDYy2KVepA

 

DVD visionado em fracções:

MARGI, Thiruvananthapuram (agrupamento) 2008, Kathakali, DVD, Legendas em inglês, 1h 29 min.

 

 

A gravação premeditada de aulas retira às mesmas a espontaneidade de participação.