Sumários

Da rugosidade da pedra à tela e à cena

15 Novembro 2018, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

NOVEMBRO                                   5ª FEIRA                                          16ª Aula

 

15

 

Entrega do primeiro teste de avaliação de conhecimentos e comentários a propósito sempre que solicitados.

 

Visionamento do filme Cave of Forgotten Dreams (2010) de Werner Herzog (versão legendada em português).

 

A projecção do processo de criação de arquivo de imagens da Gruta de Chauvet, pedido pelo Ministério da Cultura francês ao cineasta alemão Werner Herzog, destinou-se ao registo e à compreensão de arte primitiva e não escolarizada. Integrámos assim no nosso trabalho a identificação do abstracto/concreto e do figurativo, que estudáramos em artes plásticas através de obra vária de Kandinsky, mas também em artes cénicas, e nestas a partir da qualificação do corpo artístico em diferentes propostas coreográficas.

O filme de Herzog permitiu-nos, entre outras coisas, que observássemos processos de criação de arte dominantemente plástica, mas também religiosa, como expressão interior de seres humanos anónimos e, que, apesar disso, apuseram as suas mãos como testemunho de presença e de gesto artístico na rugosa superfície da rocha. Tal efeito permitiu-nos reconhecer com a cumplicidade de quem estudou estas pinturas, que uma certa mão mostrava em positivo ou em negativo, sempre através do vermelho e suas pintas ou de pigmento vermelho espalhado, a marca de uma pertença autoral que pretendia prolongar-se no tempo e naquele espaço ao lado de obra realizada.

A consciência deste sentimento de alguém se sentir integrado e projectado na História como indivíduo mas também como colectivo ficou ainda a dever-se a uma particularidade corporal e casual da mão direita de um certo artista: um dedo mindinho torto. É pois na mão defeituosa que se manifesta e sublinha a individualidade de quem, não sabendo escrever nem ler, se insere como autor num tempo e num espaço em que o conceito de propriedade artística não existia como viria a acontecer muito mais tarde. Sem aprendizagem escolarizada específica e prévia na arte do desenho e da inscrição, na arte da composição de pigmentos, na arte da proporcionalidade, na expressão da forma sempre associada a uma interioridade em permanência, os artistas de Chauvet (foram vários e em épocas diferentes embora não muito afastadas umas das outras) não nos surpreendiam com o que os seus quotidianos materializavam, mas antes com o que escolhiam, com o que mais os inquietava, e de que quiseram deixar testemunho expresso: a representação animal. E esta acontecia em acção, em movimento, em conflituação e colaboração.

Este tipo de arte rupestre com um marcado sentido de atestamento, de preservação elementar de um mundo exterior que se observa, com que se interage, que se selecciona e partilha e ao qual se reconhece também uma forte representação religiosa e espiritual, apresenta na gruta de Chauvet um único exemplo de expressiva sexualidade. O encontro de meio-corpo feminino da cintura para baixo estilizado e acopulado a um animal, um bisonte, na sua dimensão superior, beneficia ainda (por opção do artista) do aproveitamento da forma rochosa natural existente e particularmente adequada ao propósito de juntar a representação dos dois seres distintos que assim se vêem integrados numa composição mista.

Não teremos para tudo respostas nem nunca saberemos o que pensou e sentiu o artista deste enigma artístico. O que sabemos é que os nossos antepassados longínquos usaram técnicas e procedimentos por eles experimentados, como o uso do fogo, do tição, da pigmentação entre o preto, o ocre e o vermelho, esgravataram a pedra como gravadores. E sabemos ainda que eles foram sensíveis à luz e à escuridão e que se ajustaram ao resultado de grandes chuvadas e de derrocadas imprevisíveis. A gruta como atelier seria hoje alvo do mesmo entendimento?

Como afirma um dos guardadores especializados da Gruta de Chauvet, aquele lugar não foi habitado. Destinava-se ele a ser um espaço cénico para a materialidade e para a espiritualidade da vida dos nossos antecessores.

Lembrando a nossa aula entre conchas e búzios, em que esses objectos tinham a função de demonstrar a prevalência do concreto e do abstracto simultâneos, entendi que este filme poderia alargar o espectro das nossas discussões sobre esta questão, que de forma tão abundante referiram nos vossos testes a propósito de Kandinsky e das suas primeiras teorizações sobre arte. Kandinsky dedicou-se a várias formas de arte, precisou de teorizar o seu pensamento para melhor se afirmar entre os seus pares, mas aquilo que ele verdadeiramente foi revelou-se na sua arte das cores e das formas. Artista irrepetível como, de certo modo, foram todos ou muitos dos que coreografaram até hoje a Sagração da Primavera de Stravinsky.  

O legado da Gruta de Chauvet, como o de muitas outras grutas espalhadas pelo Planeta, demonstra a vontade que o ser humano revela desde sempre de testemunhar presença artística individual mas também colectiva (calculamos) através das suas criações. Animais que simbolizam perigo, força e poder lá estão recriando coreografias dispersas mas coadjuvantes e que são a razão do nosso espanto. Não temos dúvida de que esta estilização plástica configura qualidade estética, ao mesmo tempo que podemos reconhecer nessas composições pujança, sentido de vida e originalidade. As muitas “mãos” misturadas com as obras ajudam a que entendamos a sua humanização.

 

DVD visionado:

Filme Cave of Forgotten Dreams (2010) de Werner Herzog (versão legendada em português), 87 min.


De como democratizar a dança a propósito de A Sagração da Primavera

13 Novembro 2018, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes


NOVEMBRO                                   3ª FEIRA                                          15ª Aula

 

13

 Antes do início da segunda intervenção do Prof. Mário Afonso, o aluno João Rodrigues apresentou excertos do filme Begotten de  E. Elias Mehrige (1991) com a intenção de tornar visíveis aspectos relacionados com a ideia de sofrimento e sacrifício presente na obra original de Stravinsky e de Nijinsky. De qualquer modo o horizonte de A Sagração da Primavera original abre-se a aspectos relacionados com a compreensão de uma cultura ancestral e pagã que o filme semi-visionado não contempla. A questão do sofrimento humano, porém, demonstrou algum efeito de proximidade entre os dois objectos artísticos. 

Mário Afonso

Le Sacre du Printemps

 

De que forma a proposta do trabalho inaugurado por Nijinsky se reflete, actualmente, nos processos da criação artística em dança.

Alguns aspectos que resultam da exclusão da relação piramidal, entre coreógrafo e intérprete: uma leitura mais abrangente do mundo, ao integrar, nos processos criativos, o olhar individual dos intérpretes; consequentemente esta estratégia promove a identificação com um maior número de espectadores.

Organização e estrutura de trabalho, no contexto de workshop, tendo em conta o grupo de participantes e a sua especificidade – profissionais e/ou não profissionais.

Visionamento do resultado final dos dois workshops com base na obra A Sagração da Primavera, ambos os resultados apresentados publicamente: no Festival DDD, Maio de 2018; e no Ballet Teatro, Setembro do mesmo ano.

Proposta de leitura: A expulsão do Outro, Byung-Chul Han, Relógio d’Água Editores, Março de 2018.


Primeiros passos em direcção ao fragmento dramático "Woyzeck" de Georg Büchner

8 Novembro 2018, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

NOVEMBRO                                              5ª FEIRA                              14ª Aula        

 

8

 

Woyzeck (1836) de Georg Büchner

Consulta aos materiais disponíveis e comentário geral dos mesmos.

Esta unidade programática será retomada no dia 27 de Novembro, após presença de convidados em aula e entrega e correcção do 1º teste de avaliação de conhecimentos.

 

1. Woyzeck como produto do tempo histórico e de época.

Ao núcleo Woyzeck dedicaremos exposição sobre o autor e a sua época, nomeadamente o que constitui especificidade territorial, política e religiosa da Alemanha no início do século XIX.

A ideia de resumo pode ser-nos útil embora não cubra a realidade de três séculos. Como posso falar em meia dúzia de minutos, por exemplo, de uma mancha geográfica, política e religiosa que na Alemanha criou prolongados conflitos e causou muitos mortos, relacionada com a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) que marcaria todo o séc. XVIII, já vinha do séc. XIV, e que tem a ver com a organização territorial da Alemanha depois do Sacro-Império romano-germânico, divisão essa que é política, social e religiosa?

 


 

 

Entre a Polónia, a Hungria, a França…

O tecido geográfico alemão, na abertura do século XIX, era ainda em termos de mentalidade uma “manta de retalhos” (Estados católicos maioritariamente a sul, Estados protestantes, maioritariamente a norte, pequenos principados com total autonomia e poder de decisão. O espírito absolutista, ainda que combatido pelo pensamento Aufklärer (Iluminismo), ao longo do séc. XVIII, não foi suficiente para transformar comportamentos e eliminar despotismo e provincianismo.

Sirvo-me de imagens da Geografia política para abreviar um complexo encadeamento de posições e intermediações que de modo directo ou através da diplomacia económica, e sob o poder da Prússia e da Áustria, os dois principais estados da Confederação Germânica (ainda com 39 Estados-Nação no séc. XIX) influenciam o pensamento crítico de Georg Büchner.

Quando em 1871, o Império Alemão (II. Reich) se unifica sob a vigência do Imperador Guilherme I da Prússia, e termina a guerra Franco-Prussiana (1870), já Büchner tinha morrido há 34 anos. Mas foi durante o tempo de Büchner que nasceu o acordo aduaneiro (Zollverein, 1834) que iria contribuir de forma muito pragmática para a verdadeira constituição do II Império Germânico. Uma vez mais a Prússia, pela mão de ferro do chanceler Otto von Bismarck, fomentava acordos aduaneiros entre os estados com o objectivo de implementar o comércio e a indústria. A Áustria ficou de fora por opção.

 

Unificação política e administrativa da Alemanha, 18 de Janeiro de 1871

Este fenómeno, independentemente do desenvolvimento económico e social para o país e da intencionalidade de unificar politicamente uma nação, deixou intocados, porque não era isso que interessava, os princípios e valores que tinham orientado Büchner na sua trajectória errática de vida.

2. Como cruzar Woyzeck com Büchner

O Woyzeck – fragmento dramático, para além de referenciar um enquadramento histórico, político e literário (a não pertença, por exemplo, de Georg Büchner ao movimento de escritores de «A jovem Alemanha») de que talvez não tenhamos um conhecimento muito profundo, questiona, e isso podê-lo-emos comprovar, o extremar de uma crise de valores dentro da própria sociedade burguesa alemã e do indivíduo nela. Talvez seja esse o assunto principal da obra. No entanto, colocam-se ao fragmento dramático muitas outras questões de natureza vária como, por exemplo, as fontes a que Büchner recorreu, ou a fixação do texto depois da sua morte. A questão da autoria não é posta em causa, mas a organização textual deriva de diversas opiniões académicas que pretenderam a todo o custo fundamentar a legitimidade das suas férreas posições quase se esquecendo de que havia um autor. É importante termos em conta que a vida deste autor com diversas ocupações profissionais (medicina, filosofia, política, literatura, e dentro desta o ensaio, a poesia, a escrita dramática, a epistolografia), e com um comportamento muito descentrado do que se considera ser a normalidade, criou um espectro casuístico que precedeu a escrita de Woyzeck e que se inspirava em casos reais de criminosos no seu Estado de origem, Darmstadt.

 

Johann Christian Woyzeck em 1824.

 

A imagem do Woyzeck real tem apenas a função de ilustrar a pesquisa de Büchner. Os outros assassinos não tiveram direito a registo de gravura ou desenho.

Georg Büchner (1813-1837) é um caso singular no espaço da literatura alemã, na medida em que não integra qualquer escola ou movimento estético, surgindo antes como uma figura errante e que desempenha um acentuado papel de sismógrafo do seu tempo. Büchner ocupa-se ainda de ser um refugiado político.

 

August Hoffman, Georg Büchner, cerca de 1835, gravura, s.d.

 

 

 

Jean Baptiste Alexis Muston, Georg Büchner, Esquisso, cerca de 1835

 

Jean Baptiste Alexis Muston, Georg Büchner, “La mer des roches”, Desenho a lápis, 1833

 

Folha de caderno de apontamentos de Georg Büchner na altura em que frequenta a Faculdade de Medicina em Estrasburgo, em 1831.

Eis Georg Büchner em quatro registos imagéticos. A intenção é podermos observar um retrato mais formal (o único guardado do autor oficialmente para a posteridade) e a intimidade recriada pelo pintor, colega e amigo de Büchner, Alexis Muston, que nos aproxima com maior verosimilhança do que terá sido o médico e dramaturgo alemão, sobretudo nos últimos anos da sua vida. A folha de caderno pode ser útil a quem se interesse por grafologia.

 

Iremos deter-nos em conversa livre sobre a condição estrutural da obra Woyzeck, fazendo leitura de algumas cenas da versão cénica apresentada no Teatro de São João no Porto, em 2004. Procuraremos identificar a polivalência dos espaços e condições temporais através da articulação entre cenas, a dança das personagens, a identificação caracterial das mesmas, o seu contexto social (referência ao pauperismo), mas também os traços de doença em Woyzeck potenciados pelo tipo de vida que leva. Apontaremos ainda a presença de uma forte dimensão popular no corpo da peça através do recurso a canções, a citações da Bíblia, a ditados populares, para além de virmos a referir a existência de uma opção intertextual mais complexa que recorre a passagens do Fausto de Goethe ou a suas personagens (por ex. o nome de Margarida, mas também o crime praticado por Woyzeck poder ter vagas semelhanças com o crime praticado por Fausto). Shakespeare também poderia ser identificado, quanto mais não fosse pela concepção dramatúrgica que se afasta do drama tectónico. Há, porém, a título de exemplo, uma inspiração em Otelo, V,2 na cena 31 de Woyzeck.

 

Leituras recomendadas:

- Georg Büchner, Woyzeck, tradução e prefácio de João Barrento, Porto: Teatro Nacional São João, Campo das Letras e Húmus, 2010.

- Georg Büchner, 1834, O mensageiro de Hesse (primeira mensagem) e Cartas (1833-36) in: João Barrento (selecção, tradução e notas), Literatura Alemã – Textos e Contextos (1700-1900), vol. II, Lisboa: Editorial Presença, 1989, pp. 45-58.

- Os pareceres do Dr. Johann Christian August Clarus (excertos), tradução de Anabela Mendes, in: Georg Büchner, Sämtliche Werke und Briefe. Historisch-kritische Ausgabe mit Kommentar. ed. Werner R. Lehmann, vol. 1 München: Hanser, 2 1974, pp. 487-492, 500-503, 508-510, 514-516, 547-548.

- Georg Büchner, Sobre nervos cranianos – Lição pública proferida na Universidade de Zurique em 1836 (excerto), tradução de Anabela Mendes, in: Georg Büchner, Sämtliche Werke und Briefe. Historisch-kritische Ausgabe mit Kommentar. Ed. Werner R. Lehmann, vol. 1 München: Hanser, 2 1974, pp. 291-293.

- Walter Hinderer and Henry J. Schmidt (eds.), Georg Büchner – Complete Works and Letters, translated by Henry J. Schmidt, New York: Continuum, 2003, pp. 245-303.

- Anabela Mendes, „Büchner em diálogo com Espinosa“ in: Ana Fernandes (org.), 2004, Visão de Portugal por Estrangeiros – 3ª Jornada, Viseu: Universidade Católica Portuguesa, pp. 69-84.

- Anabela Mendes, “Dissecar, decompor, escalpelizar. Georg Büchner – anatomista e poeta” in: Revista da Faculdade de Letras, Lisboa, nº 28, 5ª série, 2004, pp. 43-53.

- Anabela Mendes, ”O corpo continua a monte e a assombrar – Um tributo a Georg Büchner, in: Rui Pina Coelho (Dir.) Sinais de Cena – Revista de Estudos de Teatro me Artes Performativas, Série II, nº 1, Lisboa: Orfeu Negro, pp. 93-100.


Do rituak opação à descoberta de corpos renovadores

6 Novembro 2018, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

NOVEMBRO                                               3ª FEIRA                               13ª Aula

 

6

 

Transição para o séc. XX na arte de dançar. Descoberta de outras possibilidades para o corpo na sua articulação com o espaço relativamente ao ballet clássico. Breve contextualização de uma época em transformação.

L’aprés midi d’un faune, Nijinsky e a sua nova abordagem à criação coreográfica.

29 de Maio de 1913, A Sagração da Primavera como expressão de uma aproximação à Terra a celebrar.

Millicent Hodson & Kenneth Archer, na reconstituição coreográfica para o Jeffrey Ballet, em 1987.

Visionamento de coreografia.

Discussão sobre o envolvimento da dança como representação de uma atitude política.

 

Visionamento aconselhado:

O primeiro destes vídeos, intitulado Riot at the Rite foi produzido pela BBC, em 2012, como reconstrução da coreografia de Nijinsky, integrando os bastidores pessoais, artísticos e sociológicos dos seus protagonistas.

https://www.youtube.com/watch?v=JcZ7lfdhVQw

O segundo destes vídeos recupera o testemunho de Igor Stravinsky na década de sessenta, durante uma entrevista sobre a composição de Sagração da Primavera.

https://www.youtube.com/watch?v=3vwq1AyYGzo


Realização do primeiro teste de avaliação de conhecimentos com consulta.

30 Outubro 2018, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Realização do primeiro teste de avaliação de conhecimentos com consulta.