Sumários

Kandinsky poeta e teórico

9 Outubro 2018, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

OUTUBRO                                       3ª FEIRA                                           6ª Aula

 

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1. Obra plástica, poética e cénica de Wassily Kandinsky

Fizemos a nossa abertura de aula lendo e procurando mergulhar num dos poemas de Kandinsky, da fase entre 1911 e 1913, intitulado VER. (Sehen).

Da interpretação que oferecemos ao poema constatámos que o seu universo mais visível se produz no contexto da prática pictórica. A personificação das cores e a sua movimentação no espaço abrem uma dinâmica expressiva na qualidade da linguagem, ela mesma simples, por vezes espirituosa, com uma estrutura tão surpreendente quanto é também a organização do espaço, do desenho físico perante o qual nos podemos espantar.

Salientamos o facto de o acto de ver requerer de nós a capacidade de podermos ser atraídos por uma multiplicidade de pontos de vista, muitas vezes contraditórios, e que despertam no leitor a capacidade de sobreporem em diferentes planos a plasticidade do poema e ao mesmo tempo convocarem a memória de visualização de quadros de Kandinsky.

Acresce dizer que o enriquecimento do poema em análise resulta da ênfase colocada pelo seu autor na sonoridade da linguagem, por vezes obtida através de repetições, e que oferecem ao poema uma tripla qualidade existencial como estrutura de suporte à cor, forma e sonoridade. Estes três elementos organizam-se de forma rápida (ao contrário do que é proposta para as Composições pictóricas) estabelecendo com a espacialidade próxima e com a Natureza uma relação de encantamento e inquietação que não exclui uma convocação geral do Universo através da explosão do mesmo como início de Vida.

 

Comentámos ainda o curto ensaio teórico de Kandinsky Sobre Composição para Palco (1912) o autor destaca o facto de a unidade interior de uma obra de arte (naturalmente em particular a das composições para palco) poderá derivar da dissemelhança exterior verificada entre os elementos constituintes de uma obra de arte total, também monumental, Esta perspectiva coloca Kandinsky em desacordo com Wagner, criticando nele a concentração quase exclusiva na partitura musical e não dando real valor às outras artes de palco: ballet e drama. Acrescentaríamos aqui o trabalho de corpo que Kandinsky quase ridiculariza no que diz respeito à ópera antes de Wagner, através de movimentos exageradamente expressivos e repetidos, codificados com determinadas emoções e que retiram a capacidade ao espectador de neles encontrar uma alma que possa vibrar:

«Antes de Wagner, por exemplo, o movimento tinha apenas um sentido puramente exterior e superficial na ópera (talvez apenas degeneração). Ele era um apêndice ingénuo da ópera: as-mãos-no- peito - o amor, o-levantar-dos-braços - a oração, o-agitar-dos- braços-no-ar - emoções fortes, e por aí fora. Essas formas infantis (que ainda hoje podem ser vistas todas as noites) estavam relacionadas exteriormente com o texto da ópera, que continuava a ser ilustrado pela música. (dactiloscrito, p. 80).

Apesar de nem sempre Kandinsky ser favorável à teoria e metodologia wagnerianas, verificamos que o seu conhecimento da obra do músico alemão era detalhado.

Tem sido apontado a Kandinsky que a teorização escrita para as Composições para Palco se inspira em grande parte em outra produção ensaística como Sobre a Questão da Forma e Do Espiritual na Arte, obras deste período entre 1910-1912.

Uma questão para nós é importante: Kandinsky pensava e escrevia visualmente. Kandinsky possuía um elevado grau de espiritualidade em relação ao mundo. Kandinsky pensava e escrevia poeticamente e determinados sons intrigavam-no quando procurava correspondências entre a sua língua materna, o russo, e o alemão. Isto não acontecia apenas nos poemas, mas também em textos ensaísticos.

 

Poderemos considerar que o primeiro ponto do nosso programa irá agora repousar no vosso colo sempre pronto para novos despertares.

O ensaio Sobre a síntese abstracta para palco (1923) não terá acompanhamento específico em aula, o que não quer dizer que a haver perguntas elas nos possam interceptar.

Disponibilizo todas as minhas traduções (Composições para Palco e Poemas de Kandinsky) se disso houver da vossa parte vontade.

 

 

2. A Sagração da Primavera (1910-1911) de Igor Stravinsky – Quadros da Rússia pagã em duas partes

 

Deixei-vos no final da aula com sonoridades stravinskyanas. A intenção era apenas criar uma atmosfera propícia para o 2º ponto do programa. Talvez não tenha sido uma boa ideia. O intervalo é o intervalo. 


Entre gatos, formas e cores - Kandinsky e as suas experiências teatrais

4 Outubro 2018, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

OUTUBRO                                       5ª FEIRA                                          5ª Aula

 

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1. Obra plástica, poética e cénica de Wassily Kandinsky

 

Dedicámos a aula de hoje à leitura e comentário de duas das Composições para Palco de Wassily Kandinsky.

A primeira intitulada Noite, escrita entre 1906 e 1907, poderia ser designada também de comédia de gatos. (Boissel, 1998: 21) O pequeno texto, deixado inacabado, terá sido uma primeira tentativa de Kandinsky experimentar o género teatral.

A escrita desta Composição para Palco, única em toda a sua produção futura, está associada a uma fase da vida do artista muito conturbada do ponto de vista sentimental e, talvez por isso, ele tenha optado por transpor para animais, neste caso gatos, aquilo que se adequa na perfeição à linguagem humana.

É exactamente num contexto não fabular, sem finalidade didáctica, que Noite é escrita. A intencionalidade textual provém de outras referências, nomeadamente de um conflito interior em Kandinsky derivado de uma relação triangular pela qual sente enorme culpa.

Ao contrário do que se poderia esperar de alguém que sofre de sucessivas depressões causadas pela sua incapacidade de assumir perante Anna Semjakina, sua legítima esposa, a forte paixão que o liga a Gabriele Münter, sua ex-aluna e como ele também artista, Kandinsky revela em Noite uma aptidão inesperada por uma escrita divertida, cheio de humor e com qualidade cénica comprovada.

O diálogo entre gatos (mãe e filho) cria um equilibrado protagonismo entre ambos, estabelecendo entre Minette e Wasska uma relação de total cumplicidade e afecto, na qual ainda podemos perceber a crítica pontual ao comportamento dos humanos. A duplicidade da linguagem dos dois interlocutores, designados por M. e W., numa acepção mais universalista, apesar da referência didascálica de abertura, permite ao leitor/espectador o reconhecimento de dois mundos em interacção. Refugiado neste modelo, cujo funcionamento está há muito legitimado, Kandinsky elabora uma Composição para Palco que não parte da sua experiência e teorização pictóricas, mas com a qual deseja apaziguar o seu mundo fantasmático. Recorrendo a vivências directas e emocionais protagonizadas pelo seu gato Wasska, compõe um discurso quotidiano baseado na observação e secundado pela imaginação. A versão inacabada deste texto é em si um desafio para quem o deseje interpretar ou encenar. Em primeiro lugar porque o diálogo entre Minette e Wasska mantém uma linha de coerência compreensível a quem dele se abeire. Em segundo lugar porque o tom e as variações de ritmo em que ambos falam é ao mesmo tempo ingénuo e sábio, e, finalmente, porque não haver fim à vista pode explicar o estado conturbado do autor, pode apenas querer referenciar um curto episódio da vida entre gatos (a relação osmótica entre mãe e filho e pouco mais), pode de forma leve assinalar o que podemos aprender com os animais. Para tal o que ficou escrito basta.

Acresce dizer que são de Gabriele Münter uma gravura em linóleo e uma gravura em papel japonês que retratam o gato Wasska entre 1906 e 1907.

 

Apoteose (1914) foi a segunda Composição para Palco que lemos e comentámos em aula. Este texto cénico, também ele pouco extenso, integra diversas versões da Composição para Palco Violeta (1914-1926) e foi planeada por Kandinsky como epílogo para a composição principal, embora possa ser estudada como texto autónomo.

Procurámos salientar a sua qualidade plástica que a aproxima do trabalho pictórico de Kandinsky e naturalmente tomámos consciência da expressão abstracta da organização do espaço.

A designação de Apoteose permite-nos imaginar este texto de natureza quase totalmente descritiva como um contraponto explosivo (cor, forma e movimento implicam-se e interceptam-se) à actividade pictórica do artista, em que a materialidade e «as formas puras abstractas» se encontram.

O jogo de cores (azul, amarelo, verde, vermelho e branco) articulado nas suas diversas formas adquire uma dimensão personificada (corre, estende-se, não consegue aproximar-se, aproxima-se, volta para trás, rola quase horrorizada, têm de fugir de novo, etc.) que transforma toda a composição num circuito ininterrupto de uma espécie de seres que se auto-gerem em cena. O aparecimento da mancha de cor violeta protagonizando uma forma numérica (8) abre um novo espaço de acção que terá o seu auge com a explosão e o desaparecimento de cores e formas e subsequente transformação.

Em que medida podemos reagir à «Natureza Interior» de tudo o que imaginamos ver? De onde provém neste caso a elaboração lenta que Kandinsky atribui às suas composições?

 

Dedicaremos parte da próxima aula aos dois textos teóricos de Kandinsky escritos a pensar nas Composições para palco: Sobre composição para palco (1912) e Sobre a síntese abstracta para palco (1923).

Analisaremos o poema Ver.

 

Referência bibliográfica citada:

Jessica Boissel 1998. Wassily Kandinsky Über das Theater Du Théâtre O Teatpe, Paris, Köln: DuMont.

 

Leituras recomendadas:

KANDINSKY, Wassily 1991, Do Espiritual na Arte, Prefácio e nota bibliográfica de António Rodrigues, Tradução de Maria Helena de Freitas, Lisboa: Publicações Dom Quixote.

KANDINSKY, Wassily 1998, Sobre a Questão da Forma, Da Compreensão da Arte, A Pintura como Arte Pura, Conferência de Colónia in: Gramática da Criação, Lisboa: Edições 70. Apenas o primeiro ensaio é fundamental. Os restantes serão escolha de leitura dos alunos.


Como chegar à pintura de Kandinsky

2 Outubro 2018, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

 

OUTUBRO                                    3ª FEIRA                               5ª Aula

 

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1. Obra plástica, poética e cénica de Wassily Kandinsky

 

Concluímos o visionamento do DVD dedicado à mostração e ao comentário de obra plástica de Wassily Kandinsky. Produzimos algum discurso solto e espontâneo sobre representações das várias fases da pintura do artista russo, assinalando a complexidade que é estarmos quase desarmados perante o que vemos, porque opomos resistência mental à não referenciação figurativa, sempre a medo de que o que possamos dizer não encontre correspondência no que observamos e é desconhecido e inesperado. E afinal o que observamos possui uma concretude específica – a geometrização das formas dá vida a cores e as cores saltam da tela produzindo em nós sensações inesperadas. Talvez seja por aí que devamos ir.

Kandinsky escrevia sobre si próprio, em 1928, no catálogo da Exposição Outubro:

«Não desejo que os meus trabalhos sejam compreendidos em termos de “princípios” (a ‘pintura abstracta’ é ou não justificada?).

Não desejo ser considerado

         um “simbolista”

         um “romanticista”

         um “construtivista”

Ficaria plenamente satisfeito se o espectador conseguisse  v i v e n c i a r  a  v i d a  i n t e r i o r das forças vivas de que me servi, as suas relações, que fosse capaz de caminhar de um quadro para a outro, e conseguisse descobrir em cada ocasião

          Um conteúdo pictórico diferente.
A questão da forma não é apenas interessante; ela é extremamente importante, mas não cobre a arte enquanto tal.
Quem se satisfaça com a questão da forma permanece na superfície.

Outubro de 1928.» (Lindsay/Vergo, 1994: 730)

 

No final da vida, Kandinsky incorpora na sua pintura motivos da biologia: pequenos protozoários, embriões, larvas, invertebrados, como a amiba unicelular (ver Bleu de ciel, 1940, óleo sobre tela, 100 x 73 cm ou Composição IX, óleo sobre tela, 113,5 x 195 cm), criando relações isomórficas entre esses pequenos seres e toda uma paisagem de formas abstractas intensificadas pela cor.

Poderemos contentar-nos com um primeiro olhar? Kandinsky suscita em nós um tempo de demora, uma disponibilidade extraordinária que deveria ser em nós natural.

 

O aluno Guilherme Marques tornou relevante a condição musical, rítmica, modulatória, explícita de algumas das obras de Kandinsky, quer pela presença de símbolos musicais, quer pela natureza das composições.

Lembramos que a designação de obras como impressões, improvisações e composições (Kandinsky, 1991. Do Espiritual na Arte, Lisboa: Publicações Dom Quixote, p. 122-124) remete claramente para o universo musical, conhecido e exercitado por Kandinsky ao longo da vida. Consultar a propósito:

http://www.arte.com.pt/text/filipag/musicakandinsky.pdf

 

Escolheu entretanto o aluno Painting with houses (Bild mit Häusern, 1909) para um breve comentário. Foi pelo nosso aluno salientada a transição entre figurativo e abstracto, questão pacífica na reprodução. Mas mais do que isso, pudemos sentir a placidez do conjunto pictural, a harmonia das formas (já em evolução de pincel cheio e alinhamento repetitivo) e das cores intercaladas e em plano sequencial, constituindo a organização do espaço nesta imagem.

Questionámo-nos ainda sobre a figura que ocupa, em primeiro plano, o canto inferior esquerdo (um monge, disseram alguns alunos, e poderia sê-lo), pintada em vermelho aberto e numa postura corporal de recolhimento. Em contraponto e no canto inferior direito, encontrámos uma figura na mesma posição da anterior, mas escurecida por cores sombreadas. Uma espécie de ser indistinto.

Simbolizarão estas figuras a vida e a morte? Entre elas não parece existir qualquer contacto, sendo antes essa relação expressa por um processo sequencial inadiável e incontornável. Talvez esta pudesse ser uma hipótese interpretativa, que não excluiria quaisquer outras.

 

As alunas Bruna Brissos e Sofia Pereira seleccionaram respectivamente Improvisação 26 (1912) e On the points (Auf Spitzen, 1928), aceitando comentar as imagens escolhidas.

No caso da Improvisação 26 poderíamos recuperar o que Kandinsky afirmou sobre este subgénero pictural:

«2. Expressões inconscientes na sua grande parte, e geralmente súbitas, de processos de carácter interno e, portanto, impressões de «Natureza Interior». A estes quadros chamo Improvisações.» (Kandinsky, EA, 1991: 123.) De que modo esta formulação encontra correspondência na obra mencionada? Como nos poderemos defender de cairmos sempre no mesmo processo mimético? De que modo o que vamos descobrindo na tela (e cada um deve saber como lá chegar) produz em nós um efeito? E no caso de Bruna Brissos produziu vários, por exemplo, o ter detectado na tela um motivo recorrente (os remos de um barco), mas também o ter sido sugestionada pelas manchas de cor, ou ainda por ter descoberto um pássaro inesperado.

Porque a nossa interioridade é convocada na sua qualidade estética e emocional é que podemos passar a ter vontade de produzir interpretação. Nenhum de nós tem à força de descobrir nada. E todos produziremos sempre resposta diferentes. Esse é o benefício da arte abstracta. A capacidade de imaginar (de nos espantarmos e de nos querermos interrogar) é a melhor maneira de não ficarmos pela superfície das coisas.

Felizmente somos livres de descobrir em obra de Kandinsky o que ele próprio não colocou intencionalmente das suas telas.

Após intervenção entusiasmada e explicativa da relação entre cor e forma da vossa colega que escolhera a obra On the points (1928), e após termos ainda feito um comentário sobre o equilíbrio ou sua ausência proporcionado por triângulos e círculos configurados como instáveis, e o que é que isso poderia querer dizer, recordo o caso do nosso aluno Ricardo Simões que nos informou de que essa tela adquirira para ele um duplo significado: uma explosão e um ramo de flores.

Nada estaria mais próximo do pensamento kandinskyano.

 

Encerrámos a aula com a audição de partitura original da autoria de Marcus Mota para a Composição VIII de Kandinsky.

Este professor e compositor, que dirige o Laboratório de Dramaturgia e Imaginação Dramática (LADI) na Universidade de Brasília, tem em desenvolvimento um projecto de criação musical para todas as Composições do artista russo.

 

https://www.youtube.com/watch?v=JM1Hv2fSjok (Composição VIII)

 

https://www.youtube.com/watch?v=BvT0nmWXFnA (Composição VI)

 

https://www.youtube.com/watch?v=-Ph550fz94c (Composição IV)

 

Nota breve:

Pede-se aos alunos que leiam para amanhã as duas Composições para Palco: Noite e Apoteose

 

Referência bibliográfica citada:

Wassily Kandinsky, Statement in the Catalogue of the October Exhibition, Galerie F. Möller Oktober-Ausstellung (Berlin), 1928 in: Kenneth C. Lindsay and Peter Vergo (Ed.), Kandinsky – Complete Writings on Art, New York, Paris: Da Capo Press, p. 730.

 

Leituras recomendadas:

KANDINSKY, Wassily 1991, Do Espiritual na Arte, Prefácio e nota bibliográfica de António Rodrigues, Tradução de Maria Helena de Freitas, Lisboa: Publicações Dom Quixote.

KANDINSKY, Wassily 1998, Sobre a Questão da Forma, Da Compreensão da Arte, A Pintura como Arte Pura, Conferência de Colónia in: Gramática da Criação, Lisboa: Edições 70. Apenas o primeiro ensaio é fundamental. Os restantes serão escolha de leitura dos alunos.

 

http://www.arte.com.pt/text/filipag/musicakandinsky.pdf

 

 

DVD visionado:

Wassily Kandinsky, Artists of the 20th Century, Kultur International Films, USA, 50’, s. d..


A simplicidade do complexo na pintura de Wassily Kandinsky

27 Setembro 2018, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

SETEMBRO                         5ª FEIRA                               4ª Aula

 

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1. Obra plástica, poética e cénica de Wassily Kandinsky

Democraticamente decidimos começar por visionar o vídeo Artists of the 20th Century – Wassily Kandinsky, abrindo espaço para comentário a motivos recorrentes na obra plástica do pintor russo: cavaleiro azul e a sua simbologia, cavaleiro e a sua dama em montada, perspectiva de barcos, o poder das cores, a construção de movimento e ritmo, entre outros.

A propósito do motivo do cavaleiro azul, associado ao Cavaleiro Azul, título de um Almanaque editado por Kandinsky e Franz Marc, em 1912, e que fora antes uma exposição de vários tipos de materiais como expressão artística (pintura, aguarela, desenho, gravura, estatuária, fotografia, partitura, etc.) em Munique, em 1911, tomámos consciência por visionamento próprio, de que este almanaque era uma obra palimpséstica, com muitas camadas e diversas direcções sobrepostas, mas de que poderíamos escolher sempre, num gesto de pormenor, artigo, ensaio, poema ou imagem a dar atenção particular. Verificámos neste contexto a extensão e a profundidade de interesses dos editores que numa só obra criavam trânsito entre a cultura e a arte ocidentais, sobretudo desde a Idade Média até à Modernidade, e a cultura e a arte orientais também através dos tempos.

O princípio compósito de organização do Almanaque O Cavaleiro Azul adquire um particular significado se pensarmos na textura composicional com que Kandinsky construía os seus quadros, com destaque para aqueles a que chamou de Composições, ou que não os tendo assim chamado era como se o tivesse feito.

Em contrapartida, o nome deste almanaque parece ter surgido do quase nada. Kandinsky propôs que se chamasse Cadeia e nessa sua posição procurava encontrar um modo de relacionamento entre os diferentes objectos e textos como processo articulatório. Desconhece-se como passou a ser O Cavaleiro Azul. Na óptica de Kandinsky foi um processo simples de entender: ambos os pintores gostavam da cor azul, Marc gostava de cavalos, e Kandinsky gostava de cavaleiros.

Talvez o que se tenha sobreposto como ideia a esta lógica quase inesperada foi o facto de ter sido possível cativar para a publicação um número razoável de artistas, académicos, músicos, de vários países, que aceitaram colaborar numa obra que tinha como principal objectivo dar destaque ao estudo da cultura russa primitiva.

Fomos criando outros desvios à medida que o nosso vídeo ia avançando. Não o chegámos a concluir e, por isso, alcançaremos o seu fim na próxima aula.

Também recuperaremos as imagens que as alunas e os alunos escolheram de obra de Kandinsky e que ainda não foram comentadas. As primeiras pergunta que desejamos fazer são: Porquê esta imagem? O que tem ela de tão especial para ter sido escolhida entre tantas outras? Terá essa escolha contribuído para alguma mudança no/na observador/a?

 

Leituras recomendadas:

KANDINSKY, Wassily 1991, Do Espiritual na Arte, Prefácio e nota bibliográfica de António Rodrigues, Tradução de Maria Helena de Freitas, Lisboa: Publicações Dom Quixote.

KANDINSKY, Wassily 1998, Sobre a Questão da Forma, Da Compreensão da Arte, A Pintura como Arte Pura, Conferência de Colónia in: Gramática da Criação, Lisboa: Edições 70. Apenas o primeiro ensaio é fundamental. Os restantes serão escolha de leitura dos alunos.

 

DVD visionado:

Wassily Kandinsky, Artists of the 20th Century, Kultur International Films, USA, 50’, s. d.


Processo de criação em Wassily Kandinsky

25 Setembro 2018, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

            

SETEMBRO                         3ª FEIRA                               3ª Aula

 

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1. Obra plástica, poética e cénica de Wassily Kandinsky

 

Interessou-nos desta vez abrir a reflexão sobre obra plástica de Kandinsky, comentando e sistematizando o percurso e a interligação propostos pelo artista em torno de três conceitos: Impressão, Improvisação e Composição.

É na sua obra Do Espiritual na Arte (Über das Geistige in der Kunst, 1912) que pela primeira vez Kandinsky formula o que o motiva na compreensão possível entre Natureza, música e pintura. Afirma o artista: «Cada composição musical possui um ritmo próprio; tal como na pintura, também na natureza podemos descobrir um ritmo na ordem aparentemente fortuita das coisas. Mas na natureza este ritmo está longe de ser aparente, já que as intenções da natureza (em certos casos e, sobretudo, nos mais importantes) permanecem ocultas.» (Kandinsky, EA, 1991: 133)

Podemos considerar esta citação de dois pontos de vista: o primeiro diz respeito à clara interligação entre os dois campos artísticos e a Natureza (a utilização de maiúscula pretende salientar o universo que tudo inspira e que tivemos oportunidade de comprovar com o nosso exercício com conchas e búzios); o segundo aspecto salienta a noção de ritmo, também comum aos três campos, ainda que diversificado em cada objecto ou obra.

Atribui Kandinsky às artes pictóricas uma linguagem própria da música, quando menciona dois tipos de obras de arte: as melódicas e as sinfónicas, assim designadas respectivamente pela sua simplicidade e complexidade. As primeiras serão, na sua composição, claras e simples, como uma melodia que se trauteia de modo espontâneo; as segundas pressupõem uma subordinação a uma combinatória em que um tema ou uma forma principal agrega outros ou outras em torno de si. Aqui se exprime a qualidade sinfónica, mais complexa e elaborada, quer da composição musical, quer da composição pictórica.

Este quadro de questões leva-nos então àquilo que em Kandinsky se nos apresenta do mais simples para o mais elaborado e do exterior para o interior. Ao designar as suas obras atribuindo-lhes a categoria de subgéneros que se inspiram na relação directa do criador com a estimulação própria para a criação – impressões, improvisações, composições -, o artista incorpora em si a experiência real como fonte de inspiração (do exterior para o interior), podendo, no entanto, optar por movimento contrário (do interior para o exterior), associando na sua expressão diferentes ritmos conformes à liberdade de criação.

Assim, teremos três tipos de obras, segundo a sua perspectiva:

«1. Impressão directa da «Natureza Exterior» por uma forma desenhada e pintada. A esses quadros dei o nome de Impressões.

2. Expressões inconscientes na sua grande parte, e geralmente súbitas, de processos de carácter interno e, portanto, impressões de «Natureza Interior». A estes quadros chamo Improvisações.

 3. Expressões formadas de modo idêntico, mas que são elaboradas lentamente, foram reprimidas, examinadas e longamente trabalhadas, a partir dos primeiros esboços, de um modo quase pedante. Dou-lhes o nome de Composições.» (Kandinsky, EA, 1991: 123.)

 

Ocupar-nos-emos na próxima aula de observação de exemplos seleccionados pelos alunos de obra plástica do pintor russo. Tentaremos perceber, se possível, como se processa a adequação da formulação ordenada do seu pensamento sobre este tipo de obras perante a contemplação de reprodução das suas pinturas. É, no entanto, importante que nos libertemos do seu discurso e não queiramos encontrar resposta para tudo o que viermos a observar. Como o próprio afirma: «O que importa não é o cálculo, mas sim a intuição.» (Kandinsky, EA, 1991: 123.)

 

Talvez possamos ver um vídeo (um pouco acelerado para meu gosto) mas que cobre grande parte da obra plástica de Kandinsky.

 

Será em breve objecto de estudo o programa-livro do espectáculo Noite e Som Amarelo 2003, Lisboa, CCB. Desta obra serão aconselhados alguns curtos textos, nomeadamente, o ensaio do Prof. José Justo que referimos em aula.

 

Esta preparação prévia destina-se a integrar o estudo de algumas Composições para Palco concebidas por Kandinsky entre 1909 e 1928.

 

Leituras recomendadas:

KANDINSKY, Wassily 1991, Do Espiritual na Arte, Prefácio e nota bibliográfica de António Rodrigues, Tradução de Maria Helena de Freitas, Lisboa: Publicações Dom Quixote.

KANDINSKY, Wassily 1998, Sobre a Questão da Forma, Da Compreensão da Arte, A Pintura como Arte Pura, Conferência de Colónia in: Gramática da Criação, Lisboa: Edições 70. Apenas o primeiro ensaio é fundamental. Os restantes serão escolha de leitura dos alunos.