Sumários

Têxteis e Performance - Descobrir o pano na arte cénica

25 Outubro 2018, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

OUTUBRO                                      5ª FEIRA                                          11ª Aula

 

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A nossa convidada Ângela Orbay ocupou-se da apresentação e exemplificação do significado de têxteis coreológicos, da sua materialidade e do seu movimento através do desenho coreográfico dos tecidos.

A Sagração da Primavera na versão de Pina Bausch foi um entre outros exemplos a considerar

 

O termo coreologia está associado ao acto de registar como notação uma coreografia dando-lhe a forma de uma partitura. Esta ciência e técnica são pedida de empréstimo à música.

 

A coreologia do ponto de vista dos têxteis imprime nestes um conhecimento específico que eles transportam a partir das suas características elementares. O têxtil coreológico é um material com potencialidades artísticas.

 

Nome da unidade curricular - Teoria e Estética das Artes do Espetáculo

                                           Teoria e estética do teatro

 

Ciclo de estudos/ Duração         Licenciatura Artes do Espetáculo -   2 horas

 Docente Responsável                 Anabela Mendes/ Ângela Orbay

 

Têxteis nas artes performativas

Parte 1

Introdução

Têxteis coreológicos, propriedade dos têxteis na criação e produção coreográfica, apresentação do documento.

1-Funcionalidades e Propriedades;

  -Contacto com materiais, recolha e identificação de amostras de tecido;

  -Organização por características físicas dos materiais;

   Elasticidade, resiliência, transparência, peso, cor e textura.

 

2-Mensagem e significado

 - Matéria têxtil e a informação que carrega, e as mensagens que pode gerar em experimentos visuais/ tácteis;

- Experiência subjetiva com os materiais;

As sensações, as percepções, o movimento e o simbolismo.

 

3- Reflexão e debate

 Em “Le sacre du printemps” de Pina Bausch (imagens enviadas) encontramos uma peça de voile vermelha que prediz um tema central. Como um material ou método esta peça funcionará como uma aplicação simbólica para o desenrolar da narrativa.


Marie Chouinard e o colocar-se diante das coisas

23 Outubro 2018, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

OUTUBRO                                      3ª FEIRA                                          10ª Aula

 

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2. A Sagração da Primavera (1910-1911) de Igor Stravinsky – Quadros da Rússia pagã em duas partes

 

Procedemos ao visionamento do último espectáculo seleccionado da série dedicada a A Sagração da Primavera de Igor Stravinsky na coreografia de Marie Chouinard (1993).

Operámos a partir do conhecimento de anteriores coreografias (Nijinsky, Waltz, Bausch) na criação de correspondências que à primeira vista nos pudessem ajudar na organização de pensamento emocional face ao novo espectáculo. Verificámos, porém, que a opção da coreógrafa canadiana nos criara desamparo e talvez suspensão. Não só não havia planos de correspondência com as anteriores coreografias, como esta concepção propunha uma radicalização do corpo dançante apoiada em movimentos angulosos, bruscos, elásticos e de consecutiva repetição. O que observávamos tornava explícito que o horizonte de partida para o desenho coreográfico assentava na expressão de um tribalismo primitivo de cujos desenvolvimentos dependia o entendimento do trabalho corporal dos bailarinos. Em cada um replicava-se o seu corpo no corpo de outros, como se a ideia de identidade fosse temporariamente abolida da presença cénica.

A recriação de A Sagração da Primavera em Chouinard adquiriu a percepção de um tempo de regresso a uma temporalidade desconhecida. As figuras em palco respondiam por sonoridades e respirações talvez preparatórias de uma celebração ritualística que iria acontecer em dois registos. O primeiro deles criava autonomia da partitura de Stravinsky e durava 13’15. Esse era aquele em que o universo mais primordial do renascimento da Natureza ganhava coincidência com a ancestralidade da cultura russa, talvez até com outras culturas de distintas regiões do globo – um processo de afirmação tribal em plenitude e pujança. Nos restantes 33’85 de duração da coreografia, correspondentes ao tempo real da partitura, Stravinsky aparecia musicalmente reforçado por esse prólogo que anuncia e completa a dominância do sagrado protagonizado pela dança.

Chouinard capta e complementa bem a atmosfera de presença perante o desconhecido, ao mesmo tempo que desenvolve com os bailarinos um sentido de descoberta de um espaço povoado e montado com objectos oblongos e encurvados que preenchem o chão de cena como farpas a não tocar. Esse dispositivo estabelece um percurso exigente de leitura e equilíbrio que requer um grau de atenção extraordinário mas que os bailarinos incorporam bem entre as várias acções em desempenho. Pelo menos foi o que o DVD nos deu a ver. Interessante teria sido acompanhar ensaios para que apurássemos das dificuldades em corresponder a múltiplas solicitações ao mesmo tempo.

Enquanto dispositivo cénico esse conjunto de objectos é sujeito a várias mutações e expansões recriando-se nos corpos segundo diversas formas. Certamente um dos momentos esteticamente mais relevantes da coreografia e que deste ponto de vista faz apelo à imaginação do observador. Num gesto de recuperação da ciclicidade do processo, também o da própria Natureza, os objectos mencionados transformam-se no final do espectáculo em desenho de luz plasmado no chão e adquirem forma plana onde antes estivera a tridimensionalidade.

O destaque de luz faz-se ainda, agora sobre os corpos dos bailarinos, em recortes azuis alternados com vermelhos conforme as tensões do processo se tornam ou não mais visíveis.

A opção de criar também círculos de luz dentro dos quais se exibem os corpos em moção parece ser também uma proveitosa solução que cria um espaço próprio no desempenho de cada um, mas igualmente em duos, como forma de sublinhado face à uniformização corporal da opção coreográfica.

A propósito de uniformização dos corpos é a seu favor o facto de todos os bailarinos em cena usarem apenas uma cueca preta elástica, quer se trate de homens ou mulheres. Esta opção reconfigura visualmente o corpo da mulher ao corpo do homem diluindo suas diferenças. O mesmo se pode verificar no que diz respeito à caracterização do rosto, idêntica para todos. O preto e o vermelho desenham-se sobre a faixa ocular como marca de tribo, sinal de união entre seres que confraternizam e conflituam entre si. O ritual da virgem a sacrificar até à morte através da dança, de que fala a lenda russa, deixa de ter protagonista para corresponder a uma expansividade da ideia a distribuir por todos. Considerando ser esta possibilidade viável ela não anula a presença e acção de alguns bailarinos cujo desempenho parece obter realce. Não assistimos ao espectáculo ao vivo e por isso esta questão terá de ficar em aberto. Intuitivamente pressentimos que o sacrifício assume uma forma colectiva. E nessa ideia de conjunto se pode também integrar a opção de Chouinard em transformar os seus bailarinos em guerreiros que parecem acreditar em suas imparáveis forças físicas, que se furtam a armadilhas, embora não escondam nos rostos a perplexidade do mundo. Deste ponto de vista talvez possamos afirmar que esta Sagração da Primavera responde a muito do que faz parte da nossa percepção da contemporaneidade: o uniforme, o repetitivo, o ameaçador, o violento, o perigo iminente, o isolamento no seio do colectivo.

A inicial colaboração entre Stravinsky e o seu amigo Nicholas Roerich, responsável pela composição do cenário e dos figurinos para a versão original de A Sagração da Primavera procurou fundamentar-se no paganismo russo primordial e nos costumes de uma cultura quase perdida. Chouinard não desaproveita essa inspiração, procurando antes actualizá-la e reformulá-la na experiência viva da dança em que a intimidade, o próximo e a capacidade de dizer sim ou não sem medo, a revelação de nós em cada coisa, a escuta do antigo e longínquo como forma de incorporação do sensível em nós nos faz olhar de frente para uma coreografia de vigor sem mediação.

As nossas perguntas, as nossas dúvidas, os nossos nexos

 

DVD

Marie Chouinard, Le Sacre du printemps / The rite of Spring, Compagnie Marie Chouinard, 2013, 50 min.


O específico e o universal - "Sagração da Primavera" de Stravinsky a Pina Bausch

18 Outubro 2018, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

OUTUBRO                                      5ª FEIRA                                          9ª Aula

 

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2. A Sagração da Primavera (1910-1911) de Igor Stravinsky – Quadros da Rússia pagã em duas partes

 

Recuperámos o propósito comparatista, que antes anunciáramos, de estabelecer relações de vizinhança de construção em dança mas também de autonomia artística que fossem inspiradoras da nossa observação e audição de uma única partitura, a de Igor Stravinsky, para a Sagração da Primavera, adequada a diferentes desenhos coreográficos produzidos ao longo de um século.

O objecto musical não foi nem será alvo do mesmo tratamento específico que temos vindo a propor para as coreografias, sua representação no espaço, figurinos em uso, cenografia e desenhos de luz tão variados, por razões que se prendem com a nossa inabilidade científica para o fazermos. Percepcionamos auditivamente a partitura, executada por diferentes músicos e dirigida por diferentes maestros, com a leveza de espírito de a podermos reconhecer, sempre que é executada. Captamos já com alguma capacidade auditiva a diferenciação instrumental em solos e conjuntos, somos sensíveis ao dramatismo da execução musical em certos momentos da evolução de cada espectáculo. Este avanço só será possível se continuarmos atentos à partitura de Stravinsky. E mesmo assim o nosso pronunciamento sobre a qualidade da execução instrumental precisaria de muitas repetições e de uma linguagem técnica adequada.

No entanto, o modelo de trabalho para a interpretação das várias coreografias poderia ser o mesmo no campo musical. O que nos dá então a possibilidade de observarmos as coreografias seleccionadas e de sobre elas podermos ter pronunciamento?

Aquilo que poderá constituir uma plausível resposta diz respeito à nossa familiaridade com o que acontece no espaço cénico. Mesmo sem o discurso falado, somos capazes de identificar estados de espírito, movimentos e suspensões dos mesmos, respirações que os bailarinos nos transmitem, vestes que adquirem particular significado, efeitos de luz que chamam a nossa atenção, comportamentos do corpo como interpretação-reacção, ampliação ou decréscimo da execução musical.

Também somos capazes de identificar a marca autoral em cada coreografia, mesmo que esta se produza em função de anteriores representações. Lemos o que vemos (DVD, como é óbvio, não nos dá escolha de olhar), atribuindo a cada segmento coreográfico a nossa marca observativa. Tratando-se do corpo visível e dos seus enquadramentos, essa prerrogativa atribui-nos só por si uma capacidade natural: ver. As gradações que se lhe seguem (o demorar do olhar, as fugas para a invisibilidade de cada um, o desejo de abranger todo um conjunto, as suspensões de visionamento que não controlamos) associam-se neste modelo comparativo a um fenómeno pouco usual ainda hoje: não há história específica. A matéria que propicia o conteúdo adquire uma forma colectiva como ritual de renovação da Natureza, sexualidade e morte.

Por razões de calendário retirámos do conjunto das coreografias aquela que era assinada por um coreógrafo: Uwe Scholz. Tivemos como ponto de partida a coreografia de Vaslav Nijinsky, talvez a que melhor interpreta a cultura russa ancestral na indumentária e caracterização mas igualmente no desenho coreográfico inspirado em jogos corporais. E curiosamente foram estes jogos corporais (a sua angulosidade, os gestos cortados, os fabulosos saltos) que surpreenderam pela negativa os espectadores de 1913.

As coreografias de Sasha Waltz (2013), Pina Bausch (1975) e de Marie Chouinard (1993) adquirem neste contexto sentido mais universal, sem qualquer dimensão folclórica como se anunciava em Nijinsky. Será porque são mulheres a coreografar a impotência de uma jovem perante o sacrifício? Como se pode medir esse sacrifício? O que representa ele perante toda uma comunidade?

 

DVD

Le sacre du Printemps, Igor Stravinsky, Choréographie de Pina Bausch, L’ Arche, 2012, 36:25 min.


O estranho e o conhecido em O Papalagui e em A Sagração da Primavera

16 Outubro 2018, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

OUTUBRO                                      3ª FEIRA                                          8ª Aula

 

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2. A Sagração da Primavera (1910-1911) de Igor Stravinsky – Quadros da Rússia pagã em duas partes

 

Abrimos os nossos trabalhos com a leitura de passagens do livro O Papalagui (homem branco), obra emblemática de um olhar exterior ao mundo europeu e ocidental protagonizado pelo chefe da tribo Tuiavii do território de Tiavéa nas ilhas da Polinésia, quando aceitou visitar a Alemanha nos finais do séc. XIX.

Os seus relatos, originalmente apenas dedicados aos seus compatriotas, vieram a ser publicados pelo antropólogo Erich Scheuermann que trabalhou com esta tribo.

O nosso propósito de leitura de excertos desta obra estava associado ao comportamento de gatos na Composição para Palco Noite de Kandinsky. Comprováramos que o discurso dos felinos assumira uma postura mais humana do que eram capazes os próprios humanos. Foi o tom crítico utilizado pelos animais face ao discurso e comportamento do seu dono que nos conduziu a O Papalagui.

Em ambos os textos gera-se uma atitude de espanto e incredulidade face ao que é observado.

 

Prosseguimos a nossa aula dando atenção às características intrínsecas da coreografia original de A Sagração da Primavera de Vaslav Nijinsky, na reconstituição de Millicent Hodson.

Foi alvo do nosso comentário o facto de um espectáculo que causara, em 1913, indignação e perturbação no público em geral, presente no Teatro Châtelet em Paris, devido à sua concepção experimental e vanguardista tanto na partitura como na coreografia, se basear em aspectos e fenómenos relacionados com a tradição cultural russa muito anteriores ao período pré-cristão.

Constatámos, por exemplo, que a coreografia não era suportada por uma história que o corpo narrasse. Em seu lugar encontrávamos uma estrutura musical de suporte dividida em duas partes – A adoração da Terra e O sacrifício – a partir dos quais tinham origem os diversos quadros dançados pelos bailarinos. Cada uma destas partes correspondia a momentos ritualísticos integrados no viver pagão de tribos russas (representadas pelas duas cidades em confronto) do norte desse território. As práticas anunciadas e desenvolvidas pela coreografia e pela música encontravam ainda suporte em figurinos que mais não eram do que vestes tradicionais desses povos multi-seculares. Onde estaria então o vanguardismo? O que teria causado tanta polémica? Este modelo estético ancestral não era reconhecível em objectos coreográficos aceites há muito (desde o séc. XVIII) pelo público de época. O antigo transformava-se em contemporâneo produzindo inesperada rejeição. Stravinsky e Nijinsky tinham operado conceptualmente num processo de recuperação de tradições que continham em si a possibilidade de inovar partindo do que existia há muito. A rejeição deste modelo tinha como princípio o desconhecimento cultural do público da realidade regional e comportamental do norte da Rússia. A não ser esta a razão justificativa da recepção do espectáculo, poderíamos considerar que o hábito de ver ballet nas salas europeias do início do séc. XX não comportaria padrões que pusessem em causa o que era conhecido e aceite. A «preguiça» mental dos espectadores superava a apetência por se abrirem repentinamente à contemplação e à audição do novo antigo.

 

Visionámos a coreografia de Sasha Waltz para A Sagração da Primavera um século após a apresentação do primeiro espectáculo.

Em 2013, e nós em 2018, o que poderemos dizer desta nova concepção artística?

 

Com a memória dos dois espectáculos procuraremos questioná-los na próxima aula, a partir da respectiva especificidade artística. Stravinsky continua vivo. Nijinsky deu lugar a Waltz. O que terá mudado?

 

 

Leitura sugerida:

Erich Scheuermann (recolha textual), (2ª edição) 1983. O Papalagui – Discursos de Tuiavii Chefe da tribo de Tiavéa nos mares do sul, Tradução de Luiza Neto Jorge, Lisboa: Edições Antígona.

 

100 anos depois

A Sagração da Primavera - Coreografia de Sasha Waltz (2013)

 

https://www.youtube.com/watch?v=_QZXrPJGLJ0


A Sagração da Primavera - versão de 1913

11 Outubro 2018, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

OUTUBRO                                      5ª FEIRA                                          7ª Aula

 

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2. A Sagração da Primavera (1910-1911) de Igor Stravinsky – Quadros da Rússia pagã em duas partes

 

Ocupámo-nos a visionar a reconstrução de Millicent Hodson da coreografia de Vaslav Nijinsky (1913) para A Sagração da Primavera do compositor Igor Stravinsky (1882-1971).

O material visionado apresentou, sem dúvida, uma componente de carácter histórico e simbólico a que pudemos ser sensíveis, pelo facto de se tratar de uma versão dançada por bailarinos dos actuais Ballets Russes. Em 1913, aquando da estreia em Paris, no Teatro Châtelet, desta coreografia, os bailarinos em palco pertenciam ao agrupamento do empenhadíssimo empresário Serge Diaghilev (1872-1929). Os Ballets Russes originais que desafiaram o público de época para um espectáculo vanguardista e emblemático no contexto das representações baléticas de então, reunia artistas de várias áreas (coreografia, dança, composição musical, pintura, cenografia, figurinos, construção de objectos) que em modo experimental atribuíam à criação um gesto comum – o do espectáculo como uma totalidade – mas ao qual se apunha também o gesto específico de cada artista. Neste segundo plano ocorriam divergências e dissidências por vezes difíceis de sanar. Stravinsky, por exemplo, insurgia-se amiúde com Nijinsky pelo facto de ele não saber música. Apesar dos diversos conflitos acontecidos, a revolução estética proposta por A Sagração da Primavera mantém-se curiosamente até aos dias de hoje. Em cada nova proposta coreográfica vigora o espírito inovador da primeira representação.

 

Visionamento de DVD:

A Sagração da Primavera (1913)

Música de Igor Stravinsky / Coreografia de Vaslav Nijinsky

Stravinsky and The Ballets Russes

Mariinsky Orchestra and Ballet

Valery Gergiev (maestro)

Arte, 6/2008

 

100 anos depois

A Sagração da Primavera - Coreografia de Sasha Waltz (2013)

 

https://www.youtube.com/watch?v=_QZXrPJGLJ0