Sumários

"Blow-Up" (Michelangelo Antonioni, 1966): um ensaio sobre a virtualidade da certeza e a fantasmagoria do sonho

1 Dezembro 2015, 16:00 Mário Jorge Torres Silva

A inscrição de Blow-Up no contexto da obra italiana de Antonioni (sobretudo a conhecida tetralogia da alienação), recuperando o mistério abstracto e inexplicável de L'Avventura (1960), a transgressão sem sentido e sem razões morais (e sociais) das festas de La Notte (1961), a fantasmagoria habitada por espectros da cidade de L'Eclisse (1962) ou a cor artificial e irrealista de Il Deserto Rosso (1964), em que o isolamento e a alienação da protagonista, entre uma paisagem industrial quase construída como um cenário, em muito prefiguram a perplexidade final do fotógrafo, perdido como uma sombra no verde do relvado ao qual é estranhamente subtraído por trucagem cinematográfica.

Conclusão do visionamento comentado de Blow-Up (Michelangelo Antonioni, 1966): as relações fortuitas do filme com o conto de Julio Cortázar que supostamente adapta; a revelação das fotografias e o seu engrandecimento (que dá o nome ao filme) enquanto metáfora para a perda de noção de pertença do indivíduo ao universo moderno que o rodeia; o paralelismo das sequências no parque, para acentuar a incapacidade de confirmar o que a técnica fotográfica parece detectar; a cor como artifício de desconexão com a filmagem on location ou a cidade como cenário falso; as relações amorosas e a sua fragilidade como justificação para a insegurança do ser; o filme como interrogação ontológica; a inscrição da música pop, menos como uma presença icónica da sua relevância numa determinada época do que como um desafio à persistência da memória; a problemática recorrência do grupo que se manifesta ao longo filme; o fingido jogo de ténis e a ilusão de um final opticamente ilusório enquanto codas falsas para um filme eternamente suspenso no espaço e no tempo.


Um olhar complexo e estrangeirado sobre a "swinging London" dos anos 60

26 Novembro 2015, 16:00 Mário Jorge Torres Silva

Michelangelo Antonioni e os caminhos do cinema moderno: a superação do neo-realismo pela análise complexa da individualidade das personagens; um cinema da incomunicabilidade, reformulando a relação metafísica entre a figura humana e o espaço arquitectónico e urbano; o tédio e o desassossego como marca da dificuldade das personagens no mundo; os silêncios e os vazios integrados numa estética da alteração de equilíbrios entre o elemento humano e a selva de betão que limita a modernidade; a procura do indizível e o olhar expectante sobre as possibilidade da não-representação; para uma metafísica do simulacro. 

Início do visionamento comentado de Blow-Up (Michelangelo Antonioni, 1966): a deslocação do olhar do cineasta para um mundo desconhecido e misterioso - a Londres dos anos 60, inquieta e convulsa; a fotografia enquanto fixação do real e enquanto fingimento de uma objectividade aparente; o logro da intervenção social imediatista; o fotógrafo como metáfora (e duplo) do cineasta; a cidade entre a deambulação (quase peripatética) e a ameaça das ilusões ocultas por detrás da técnica (fotográfica e fílmica); o cinema e a moda; o preenchimento dos interiores e o geometrismo das formas, criando uma radical interrogação sobre a função da arte e do amor; a inclusão quase pretextual (uma forma tortuosa de citar o McGuffin hitchcockiano de uma intriga policial, próxima do thriller, embora tornada abstracta pela interrogação profunda sobre a credibilidade do indício. 


"A Taste of Honey" (Tony Richardson, 1961): para uma renovação da estética cinematográfica britânica

24 Novembro 2015, 16:00 Mário Jorge Torres Silva

Tony Richardson e uma particular concepção do free cinema, evoluindo de uma clara ligação a um realismo militante e excessivo, para uma mais recuperável visão comercial do cinema, culminando muito cedo numa adaptação literária de grande sucesso internacional (inclusive premiada com quatro óscares da Academia de Hollywood, incluindo melhor filme e melhor realizador), Tom Jones (1963), embora concebendo a reconstituição histórica com meios relativamente modestos, aparentemente ainda consentâneos com as premissas ideológicas do movimento.

Conclusão do visionamento comentado de A Taste of Honey (Tony Richardson, 1961): a importância de apresentar a protagonista com o rosto comum e feioso de Rita Tushingham, uma espécie de anti-estrela; a clara evidência da origem teatral do filme, adaptando a primeira peça (homónima) de uma jovem dramaturga, Shelagh Delaney - a relevância dos diálogos e dos cenários interiores tratados de forma algo analógica ao palco; a filmagem em locais reais, tendente a conferir ao filme uma imensa ligação ao real quotidiano das classes trabalhadoras que retrata; a saída para fora e até para fora de Londres, colocando os subúrbios das cidades industriais do Norte de Inglaterra - no caso vertente, Salford e Manchester - em relevo; o destaque dado à sequência do porto e dos estaleiros, integrado numa estética muito marcada de poetizar a pobreza e a degradação de condições de vida (lagos artificiais estagnados, ruínas industriais, dejectos químicos) numa tentativa muitas vezes atacada, anos depois, de dar uma aparência documental a uma vida quotidiana mais encenada do que real; o pessimismo reinante e as contradições de um epílogo que salienta o desespero dos jovens protagonistas.


O "Free Cinema" e a sua nova visão da Inglaterra proletária

19 Novembro 2015, 16:00 Mário Jorge Torres Silva

Breve introdução ao free cinema: para uma clarificação de conceitos - as coincidências e divergências entre o free cinema, a nouvelle vague francesa e os novos cinemas que aparecem um pouco por todo o mundo nos finais dos anos 50 e inícios dos anos 60; confrontos e complementaridades com o movimento teatral (e literário) designado por Angry Young Men; as especificidades temáticas do chamado kitchen sink drama, tanto nos palcos, quanto no cinema; as visões negativas do proletariado britânico, numa primeira fase do movimento; as oscilações da fortuna crítica e a criação de um sistema estelar próprio - Albert Finney, Rita Tushingham, Tom Courtney, Julie Christie, Alan Bates, Shirley Ann Field, Rachel Roberts, Richard Harris ou, posteriormente Malcolm McDowell ou Glenda Jackson.

Início do visionamento comentado de A Taste of Honey (Tony Richardson, 1961): a crueza da fotografia em contrastado preto-e-branco; a inclusão óbvia de uma forte componente documental, revelando opções ideológicas, mas também a origem experimental do movimento em que o filme se insere; as desglamorização das situações, das personagens e dos actores; a entrada militante dos sotaques regionais e do calão na dicção de um inglês quotidiano; a fealdade dos subúrbios operários e uma certa estetização da diferença; a forçada tentativa de eliminar os factores industriais da linguagem cinematográfica, preferindo uma forma artificial de quase improvisação ténica; uma nova vida, uma nova poética e uma nova arte, incluindo personagens e situações transgressivas até aí ocultadas - a mãe solteira, o homossexual solitário e carente, a mãe verbalmente abusiva, as relações inter-raciais; o desemprego, a falta de condições de habitabilidade dos apartamentos, o lado deprimente dos entretenimentos destinados às classes menos favorecidas, com o exemplo determinante da sequência de Blackpool; a falta de horizontes para uma juventude condenada à marginalização.


"Drácula" (Terence Fisher, 1958): um cinema de terror a cores, popular e sexualizado

17 Novembro 2015, 16:00 Mário Jorge Torres Silva

Brevíssima história dos estúdios da Hammer, sobretudo no período que medeia entre 1955 e 1974, destacando a relação privilegiada da produtora com o horror movie, basicamente iniciada com The Curse of Frankenstein (Terence Fisher, 1957), mas refazendo de um modo muito original as grandes figuras do panteão da Universal (do Lobisomem à Múmia, sem descurar a força icónica de Frankenstein ou Drácula), com incursões por outros universos britânicos como o de Arthur Conan Doyle ou, até, por segmentos mitológicos da Antiguidade (como em The Gorgon, Fisher, 1964): a centralidade de Terence Fisher como realizador culto e minucioso, embora propiciando a proliferação de outros jovens (ou não) directores, transformando, por vezes, o produto em algo de bastante menos distinto e mais grosseiro de métodos e visualidades.

Conclusão do  visionamento comentado de Drácula (Terence Fisher, 1958): a decisiva relevância de um actor como Christopher Lee, com uma figura e uma distinção inigualáveis na encarnação da personagem, sobretudo insistindo numa voz bem timbrada e numa dicção perfeita, o que irá marcar todas as futuras releituras do mito; a inclusão do outro grande nome da Hammer, Peter Cushing, associado às variações sobre cientista tresloucado da série de Frankenstein, mas aqui na personagem do oponente, Van Helsing; a fidelidade básica ao espírito do universo literário de Bram Stoker e as muitas infidelidades à letra, alterando espaços geográficos ou variando sobre caracterizações de personagens; o filme como matriz perfeita para o sistema de sequelas que se antecipavam já; a mudança dos parâmetros críticos em relação a um produto muitas vezes escarnecido como fácil e simplista e, hoje, considerado como mítico e representativo de um gosto e de uma visão moderna do terror; o epílogo e os símbolos astrológicos, enquanto marca de uma codificação que vai permanecer (tal como uma certa capacidade de reflectir sobre o cinema dentro do cinema) em revisões bem mais prestigiosas do mito, como Drácula (1992) de Francis Ford Coppola.