Sumários

Com Kandinsky e em transição para Palucca Professores Pedro Florêncio, Sérgio Mascarenhas, Alexandre Pieroni Calado

1 Março 2021, 14:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

MARÇO                                           2ªFEIRA                            5ª AULA

1

Segundo estudo de caso

Gret Palucca e a procura do abstraccionismo na dança. A pintura como inspiração entre Natureza e corpo.

Influência de artistas da Bauhaus no percurso desta coreógrafa. Evolução da sua arte e formação de uma escola de dança em Dresden. Ideologia e arte – República de Weimar, Nacional-Socialismo, República Democrática Alemã, República Federal da Alemanha.

 

1.Tal como previsto fizemos a ponte entre Kandinsky e Palucca (1902-1993) através do pequeno ensaio escrito pelo pintor e intitulado Curvas de Dança (1926) e as fotografias de Charlotte Rudolph.

Interessou-nos em Curvas de Dança o processo de sequenciação das artes que se constituem como presença conjunta – a captação através de imagem visual da dança de Palucca por Charlotte Rudolph, o aproveitamento dessas fotografias para a fixação do desenho de movimento por Kandinsky (o diagrama) e finalmente a prosa kandinskyana para concluir o processo de seriação. Aqui não se trata de síntese das artes, mas de um processo montado para servir o objectivo de defesa de uma nova disciplina: a ciência da arte.  Destaca-se neste contexto a função a desempenhar, segundo Kandinsky, pela «fotografia em câmara lenta» e pelo recurso ao cinema. Não tendo o curto ensaio como expoente a utilização de disparos super-rápidos e a baixa velocidade nem o uso da câmara, podemos inferir que é na técnica que o artista encontra uma resposta para invocar a «ciência da arte», não só como metodologia, mas também como prática exaustiva em pesquisas que examinam os elementos da investigação de forma a destacar a «pulsação interior» sobre a exterioridade do processo.

Em Curvas de Dança Kandinsky não usa uma linguagem descritiva, como Palucca o faz na sua notação Abstracções na Dança (1923), porque o seu pequeno ensaio pode ser encarado como uma espécie de programa artístico. Ele visa homenagear as qualidades físicas e invulgares da bailarina, ao mesmo tempo que faz desta experiência agregada um esboço de estudo para introduzir a aplicação de uma metodologia da ciência à arte. A materialização deste exercício é por isso assumida no desenho abstracto e linear com que culminam Curvas de Dança. Este título faz-nos olhar para os desenhos kandinskyanos como esboços de circunstância que viriam a ter sequência na sua obra Ponto, Linha, Plano (1926), onde aparece já a explicação que introduz um discurso para-científico sobre o plano da arte, neste caso sobre a dança. Passo a citar:

«No ballet clássico falava-se já em “pontas” – terminologia proveniente, sem dúvida, da palavra “ponto”. Os pequenos passos na ponta dos pés desenham pontos no solo. O ponto surge também nos saltos do bailarino; indicam-no a cabeça ao elevar-se no ar e os pés ao tocarem o chão. Os saltos na dança moderna podem ser opostos, em certos casos, aos saltos clássicos verticais porque o salto “moderno” desenha, por vezes, um plano com cinco pontas – a cabeça, duas mãos, duas pontas dos pés e dez dedos que desenham outras dez pontas mais pequenas (como o exemplo da bailarina Palucca, fig. 9). As paragens rígidas e breves constituem, também, pontos, acentos activos e passivos que correspondem à significação musical do ponto.» (Kandinsky, 1989: 49) A exposição de natureza científica e técnica segue depois em torno da música, das artes gráficas, valorizando no conjunto a representação do ponto como um elemento essencial de notação em dança.

 

 

 

Livro nº 9 de Kandinsky, Ponto Linha Plano, Bauhaus, 1926 (p. 51 da edição portuguesa recomendada)

O diagrama acima apresentado pode ajudar-nos a reflectir sobre outros elementos anteriormente descritos no ensaio Sobre a Questão da Forma e que indiciavam modos de libertação de uma letra, um travessão e um fósforo queimado. Nesses casos a proposta visava circulação e mobilidade dos constituintes da exemplificação criando para os mesmos circunstâncias «inabituais». E essa dinâmica era recriada através do discurso e não do desenho, insistindo o artista na equivalência entre forma real e abstracta decorrente da disposição interior. (Kandinsky, 1998: 27)

É justamente desta «necessidade interior» que Kandinsky parte para caracterizar a dança de Palucca, mas é também da necessidade de afirmar o seu novo interesse pela dança moderna e pela ciência da arte que justificam a criação de diagramas não só em relação à dança, mas a tudo o que o rodeia. Em Ponto Linha e Plano, a obra teórico-prática que resulta do trabalho directo com os alunos na Bauhaus, verifica-se que a relação entre a finalidade prática das coisas e as suas vibrações, neste caso, da criação artística em dança que se projecta entre movimento e repouso, vai ao encontro de uma sequencialidade entre os desenhos de Curvas de Dança (sem cabeça nem outros pormenores) e a passagem à fig. nº 9) em que se modela a curva no círculo e os pontos se multiplicam na sua função.

 

A imagem original de Charlotte Rudolph (1922-23) apresentava um contexto que Kandinsky não escolheu. Palucca era uma artista do ar livre, como pudemos comprovar, e foi-o até ao fim da vida.

Os solos desta fase eram estupendos e empolgavam os espectadores. A sua forte personalidade dá treino a um corpo sempre em busca de novas energias, de elevada rapidez acrobática. Pena foi que Kandinsky não tivesse fixado no seu desenho os olhos da Palucca enquanto pontos. Deles emanava o espanto, o desconcerto, o movimento infantil cheio de segredos, entre o grotesco e a palhaçada. A leitura dos olhos é extensível a outras imagens da artista.

 

 

2. Foi então que a ideia de salto passou a construir as suas coreografias a solo, o que não significava que a artista não integrasse a dança clássica em muitas das suas composições como viria a acontecer entre 1925 e 1940. Claramente por razões estéticas (ver imagens em pdf da autoria de Charlotte Rudolf), Palucca dança autores barrocos, clássicos e românticos, como Gluck, Mozart, Beethoven, entre outros, mas também modernos. É deste período a Serenade de Albéniz, que vimos em versão original, e de que a bailarina irá apresentar o respectivo solo nos Jogos Olímpicos, de 1936, em Berlim, e perante o Führer.

Apercebemo-nos de que o seu repertório sempre escolhido por razões estéticas e intuitivas, a partir de 1933, vai eliminando compositores vanguardistas e de música experimental para acompanhar as suas coreografias, por razões estratégicas.

 

 

Relembramos o ódio figadal de Hitler e seus mais directos colaboradores, como Goebbels, aos modernismos artísticos. Houve várias acções sucessivas que foram decisivas para o desaparecimento sistemático de obras e autores inspirados pelas vanguardas e que tomou o nome de Arte Degenerada. Literatura, artes plásticas, arquitectura, música, teatro e dança sofrem um drástico golpe a favor da Arte Arianizada que celebrava a raça “pura”, as sagas e heróis medievais que invocavam a antiga Germânia, os autores clássicos adaptados ideologicamente como Goethe e Schiller, a idealização da estatuária grega antiga a par de uma arte popular que vinculava o cidadão comum a estes princípios e valores, mas também as classes diferenciadas que passaram a apreciar a arte pelo sangue, apoiada na consanguinidade e na descendência, e pelo solo, através da valorização do torrão onde se nascia. (Blut und Boden)

Os artistas exilam-se, morrem em campos de extermínio. Mas Palucca não. A estética nacional-socialista elege a arte clássica, a arte medieval como referência. Manda esculpir gigantescas figuras humanas, musculadas, de pés bem assentes na terra e à medida de uma nova nação. Arno Breker e Josef Thorak assumem a evidência de serem pintores do regime.

Sobre Palucca deveria recair um outro veredicto: ela era judia e fora denunciada como comunista. Olhada sob outro prisma: A fé judaica vinha-lhe do lado materno ainda que com banimento por parte do avô. Para os nacional-socialistas a investigação familiar sobre a fé de cada um podia ir até ao 5º grau de descendência. Às vezes inventavam-se dados inexistentes.

Deixando para trás muita informação, mas tomando outra como importante, é na crença de que o ser humano se transforma através do movimento e de que a dança pode contribuir para a reforma da sociedade que tanto Mary Wigman como Gret Palucca informam os seus colegas e alunos de que ambas se tinham inscrito, a 11 de Julho de 1933, na Associação Nacional-socialista de Professores e na Liga Alemã de Combate. Ao mesmo tempo que as duas artistas tomavam esta decisão, Palucca ajudava uma sua colega da Escola de Dança, que era judia, a fugir para a Palestina. Trocara, entretanto, o seu agente artístico judeu com quem trabalhava há anos por um agente ariano. (Beyer, 2009: 157-158) Os saltos e as piruetas de Palucca não interessavam a Hitler, mas ele soube esperar pela ocasião certa para a designar como «a mais alemã das dançarinas.»

Palucca é encarregue de escrever umas palavras a propósito do programa dedicado à dança para os Jogos Olímpicos de 1936:

«Como vivemos e experienciamos as coisas de maneira diferente daqueles que nos precederam e daqueles que vivem connosco, devemos também moldá-las de maneira diferente. Pessoas e tempo criam um terreno comum, e nós amamo-los porque eles nos unem. Mas no nosso povo e no nosso tempo, ouvimos a voz de nosso próprio sangue enquanto trabalhamos. Portanto, todos ficam sozinhos e aguardam o eco. Pela primeira vez na história, bailarinos de todo o mundo encontram-se no Festival Internacional de Dança na Alemanha. Cada um de nós vem como representante de seu povo e como representante de uma arte comum. Compreender-nos-emos melhor, quanto mais claramente formos o que somos por natureza. Disseram de mim que eu era a bailarina mais alemã, não sei bem. Se assim for, então estou feliz e com alegria sincera saúdo todos os bailarinos cujo país reivindica o mesmo.» (Stabel, 2019: 76-77)                                                                                                                                                                                                                                           

 

Obras de consulta em alemão usadas em corpo de texto

BEYER, Susanne, 2009. Palucca – Die Biografie, Berlin: AvivA, pp. 157-158.

STABEL, Ralf, 2019. PALUCCA – Ihr Leben, Ihr Tanz, Leipzig: Henschel Verlag, pp. 76-77.

Leituras recomendadas

KANDINSKY, Wassily, Curvas de dança, in: Anabela Mendes, 2003, Noite e o Som Amarelo de Wassily Kandinsky, programa-livro do espectáculo, Lisboa: CCB, p. 52.

 

KANDINSKY, WASSILY 1989. Ponto Linha Plano, Lisboa: Edições 70, pp. 50-51.

 

MENDES, Anabela (selecção e tradução), Pequeno dossier de textos sobre dança de e com Gret Palucca. Dactiloscrito, Agosto de 2020. Estes materiais serão distribuídos aos alunos.

 

 Lee Edgar Tyler, Kandinsky and Dance Photographs: Applying a comparatist methodology. In:

http://periodicos.unb.br/index.php/dramaturgias/issue/view/1638/365 pp. 131-136.

Irina Sirotkina, Kandinsky and the New Dance, In: http://periodicos.unb.br/index.php/dramaturgias/issue/view/1638/365 pp. 137-141.


Construir o palco com Kandinsky Professores .Alexandre Pieroni Calado, Pedro Florêncio, Sérgio Mascarenhas

22 Fevereiro 2021, 14:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

FEVEREIRO                            2ªFEIRA                                   4ª AULA

 

22

Nota prévia

Como acordado na primeira aula, no final de cada núcleo programático, os alunos escreverão um pequeno documento (até dois A4) sobre a sua experiência com essa unidade. Pretende-se que esse escrito tenha um cunho reflexivo, que registe uma aprendizagem integrada e justificada, que enuncie o prazer/desprazer provocado pela experiência. Será de considerar que não se recorra ao modelo de relatório. Em escrita livre os resultados poderão ser optimizados.

 

Observação e acompanhamento de reconstituição da Composição para Palco Quadros de uma Exposição de Wassily Kandinsky para música de Modest Mussorgsky.

Leituras recomendadas para a aula de dia 1 de Março

KANDINSKY, Wassily, Curvas de dança, in: Anabela Mendes, 2003, Noite e o Som Amarelo de Wassily Kandinsky, programa-livro do espectáculo, Lisboa: CCB, p. 52.

MENDES, Anabela (selecção e tradução), Pequeno dossier de textos sobre dança de e com Gret Palucca. Dactiloscrito, Agosto de 2020. Estes materiais serão distribuídos aos alunos.

 

Informação recolhida a propósito de Viktor Hartmann

https://www.jaxsymphony.org/about-pictures-at-an-exhibition/

http://www.stmoroky.com/reviews/gallery/pictures/hartmann.htm

http://www.russisches-musikarchiv.de/bilder.htm

https://abstractedreality.com/pictures-exhibition-symbiosis-art-music/

http://jeannettefang.com/on-the-artwork-that-inspired-mussorgskys-pictures-at-an-exhibition-part-2/

 

Wassily Kandinsky e o processo de concepção particular da

sua última Composição para Palco,

Quadros de uma Exposição, 1928 (a partir da obra musical homónima de Modest Mussorgsky, 1871)

 

Enquadramento

A partir de uma iniciativa do novo director do Friedrich-Theater de Dessau, Georg Hartmann, Kandinsky é convidado a criar, em 1928, uma cenografia e figurinos para uma encenação muito especial e singular, cuja estreia ocorreu a 4 de Abril desse ano. Kandinsky assume a realização do espectáculo, socorrendo-se da colaboração de Felix Klee, filho de Paul Klee, e dos alunos das oficinas de Teatro e de Têxteis da Bauhaus.

O projecto a que Kandinsky se dedicou propunha-se acompanhar, através de meios plásticos e de iluminação, uma das obras musicais mais populares do seu compatriota Modest Mussorgsky (1839-1881) que, em 1874, criara uma sequência de dez pequenas cenas para piano, dedicadas postumamente ao seu amigo e pintor Viktor Hartmann (1834-1873).

Com vista à realização deste primeiro e único trabalho específico para cena e, contrariamente aos princípios teóricos sobre a síntese cénica abstracta enunciados em escritos anteriores, Kandinsky tinha de «compor» a partir de uma partitura préexistente que, reportando-se a um acontecimento – a visita a uma exposição – evitasse, segundo ele, os escolhos de uma mera composição programática, conseguindo antes encontrar „uma forma musical pura“[1] para as vivências suscitadas pela partitura de Mussorgsky.

A montagem em 16 quadros concebida por Kandinsky operava como uma série de acontecimentos plásticos cénicos, criados através da ajuda de formas geométricas, cores, linhas e efeitos de luz, que no seu conjunto produziam movimento e integravam com um carácter meramente acessório a figura do „acteur“ (quadro do mercado de Limoges), sob a forma de uma marioneta humana ou, noutras situações, como figuração do teatro de sombras.

Em cena, os 16 quadros constroem-se e desconstroem-se diante dos espectadores através da iluminação e escurecimento sucessivos das diferentes partes da Composição.  De acordo com testemunhas oculares este espectáculo foi apresentado com uma extraordinária diversidade de meios, o que levou a que elementos mais atentos do público chegaram mesmo a referir a presença de pequenas intervenções pedidas de empréstimo a Oskar Schlemmer ou a Ludwig Hirschfeld-Mack, colegas de Kandinsky na Bauhaus.

Estrutura-base da Composição para Palco

O problema de Kandinsky não estava, porém, em conceber uma interacção de elementos originais, mas em fornecer um contraponto visual à composição de Mussorgsky, que não fosse uma ilustração („pintura sob programa“), nem um mero sublinhar da partitura, mas antes uma „sonoridade abstracta“ com capacidade para estabelecer interligações e ao mesmo tempo interagir de modo autónomo na criação, articulando-se com precisão no movimento musical.  Para alcançar este objectivo, o artista cénico propunha-se empregar e trabalhar:

„1) as formas em si, elas mesmas, portadoras de autonomia,

2)    as cores sobre as formas, às quais

3)    se juntaria a cor de aclaramento (Beleuchtungsfarbe), para criar pintura com profundidade,

4)    o jogo autónomo da luz colorida e

5)     a construção articulada com a música de cada quadro e, se necessário, a sua desconstrução.“[2]

Fonte informativa: Jessica Boissel (Hrsg.), Wassily Kandinsky – Üver das Theater, Du Théâtre, O Teatpe, Köln, Dumont, 1998, p. 291.

 

Amada encomenda

Interessou-nos o visionamento deste último trabalho composicional cénico de Kandinsky e o primeiro e único que alcançou o estatuto de obra encenada em toda a sua vida de artista - Quadros de uma Exposição realizado no âmbito da sua leccionação e experiência de vida na Bauhaus de Dessau.

A apresentação desta Composição para Palco surge sob a forma de encomenda, como já sabemos, o que agradou a Kandinsky como possibilidade de criar um «ballet em grande escala com efeitos multimédia» (Kandinsky, 1994: 749) Na verdade, o objectivo da multimedialidade nunca foi alcançado em pleno, ainda que, a título de exemplo, possamos recuperar o visionamento em reconstrução de A cabana de Baba Yaga seguida de Com os Mortos em Língua Morta, onde Kandinsky, com meios pobres, ensaia a apresentação de pequenas linhas e pontos coloridos  iluminados por simples lanternas de bolso apontadas em diversas direcções, e ao ritmo da partitura de Mussorgsky.  Ou o uso do efeito do caleidoscópio no quadro Tulherias. Tal faz-nos lembrar imagens visuais dos princípios da computorização e da animação em cinema. Em boa verdade, o pintor russo apenas conseguiu pôr em palco a obra musical de Mussorgsky, com título homónimo, no Friedrich Theater de Dessau.

O entusiasmo de Kandinsky ao querer corresponder à dita encomenda de Georg von Hartmann, seu conterrâneo e amigo dos tempos de Munique, fê-lo não só concentrar-se na elaboração dos cenários e figurinos, como o levou a criar uma minuciosa partitura de movimento visual e espacial integrada na arquitectura de palco, ajustada, compasso a compasso, às modulações, altura e ritmo do fraseado da obra de Mussorgsky. Foi assim possível tornar relevantes as correspondências entre música, artes plásticas e cénicas, sem que cada uma dessas artes perdesse o seu carácter independente.

Recordo as palavras de Kandinsky no seu ensaio Sobre a Síntese Abstracta para Palco (1923), em que o artista exprime sob uma perspectiva poética difusa, mas ao mesmo tempo circunscrita a um objecto de clara percepção – o íman – aquilo que considera ser a intencionalidade que atribui ao Teatro: magnetizar, atrair, gerar energias.

O íman escondido do teatro tem em si o poder de atrair todas as outras linguagens, todos os meios das artes que, em conjunto, oferecem a maior possibilidade da arte abstracta monumental.

         Palco:

         1. Espaço e dimensão – os meios da arquitectura

a base que permite a cada arte elevar a sua voz, para que surjam frases comuns,

         2. a cor é indissociável do objecto – os meios da pintura – na sua extensão espacial e temporal, muito em particular na forma da luz colorida a da luz3. as extensões espaciais individualizadas – os meios da escultura - com a possibilidade de estruturar positiva e negativamente o espaço,

         4. a sonoridade organizada – os meios da música – com as suas extensões temporais e espaciais,

         5. o movimento organizado – os meios da dança – movimentos temporais, espaciais, abstractos, não apenas individuais, mas do espaço, das formas abstractas, que estão sujeitas a leis próprias.

         6. Po fim, a última forma de arte que conhecemos, que ainda não descobriu as suas origens abstractas – a poesia – coloca à nossa disposição a palavra humana em toda a sua extensão temporal e espacial.

 

Coda

Kandinsky nunca viu os quadros de Viktor Hartmann expostos na Academia Imperial das Artes em São Petersburgo em 1874. A sua inspiração foi, como sabemos, Mussorgky e a música interior da sua arte pictórica que dançava dos quadros não vistos para o espaço cénico com o intuito de ser arte de síntese.

Kandinsky escrevia sobre si próprio, em 1928, no catálogo da Exposição de Outubro:

Não desejo que os meus trabalhos sejam compreendidos em termos de “princípios” (a ‘pintura abstracta’ é ou não justificada?).

Não desejo ser considerado

         um “simbolista”

         um “romanticista”

         um “construtivista”

Ficaria plenamente satisfeito se o espectador conseguisse v i v e n c i a r  a v i d a  i n t e r i o r das forças vivas de que me servi, as suas relações, que fosse capaz de caminhar de um quadro para a outro, e conseguisse descobrir em cada ocasião

          Um conteúdo pictórico diferente.
A questão da forma não é apenas interessante; ela é extremamente importante, mas não cobre a arte enquanto tal.
Quem se satisfaça com a questão da forma permanece na superfície.

Outubro de 1928.

(Lindsay/Vergo, 1994: 730)

 

Concluímos esta primeira unidade programática com um paradoxo. Pudemos comprovar o detalhe e o rigor com que foi concebida a Composição para Palco Quadros de uma Exposição. Talvez nos tenhamos até perdido na captação de todos os dados apresentados por Kandinsky para essa obra. E isso pode fazer-nos cair em erro, se imaginarmos quanto esforço intelectual esteve ao serviço desse minucioso guião. Quem sabe se não nos teremos de libertar do seu próprio discurso, ao querermos encontrar resposta em tudo o que passámos a ler e também a observar. Como o próprio afirma: «O que importa não é o cálculo, mas sim a intuição.» (Kandinsky, EA, 1991: 123.)

 

Leituras recomendadas:

KANDINSKY, Wassily 1991, Do Espiritual na Arte, Prefácio e nota bibliográfica de António Rodrigues, Tradução de Maria Helena de Freitas, Lisboa: Publicações Dom Quixote.

 

KANDINSKY, Wassily 1998, Sobre a Questão da Forma, Da Compreensão da Arte, A Pintura como Arte Pura, Conferência de Colónia in: Gramática da Criação, Lisboa: Edições 70. Apenas o primeiro ensaio é fundamental. Os restantes serão escolha de leitura dos alunos.

Wassily Kandinsky, Statement in the Catalogue of the October Exhibition, Galerie F. Möller Oktober-Ausstellung (Berlin), 1928 in: Kenneth C. Lindsay and Peter Vergo (Ed.), 1994, Kandinsky – Complete Writings on Art, New York, Paris: Da Capo Press, p. 730.

KANDINSKY 1994. Complete Writings on Art, edited by Kenneth C. Lindsay and Peter Vergo, Paris, New York: Da Capo Press, 830, 831, 832, 833, 840, 841. (Sobre abstracto e concreto)

 

Link:

http://periodicos.unb.br/index.php/dramaturgias/issue/view/1638/365

DVD visionado

Bühne und Tanz | Stage and Dance – Wassily Kandinsky, Edition Bauhaus, 36 min. línguas alemã e inglesa, 2014.

 

Leituras recomendadas para o segundo estudo de caso

KANDINSKY, Wassily, Curvas de dança, in: Anabela Mendes, 2003, Noite e o Som Amarelo de Wassily Kandinsky, programa-livro do espectáculo, Lisboa: CCB, p. 52.

MENDES, Anabela (selecção e tradução), Pequeno dossier de textos sobre dança de e com Gret Palucca. Dactiloscrito, Agosto de 2020. Estes materiais foram enviados aos alunos e aos professores.


[1] Wassily Kandinsky, in: Das Kunstblatt, XIV, 1930, S. 246.

[2] Ibid.


Tempo dedicado ao estudo de materiais distribuídos para a primeira unidade curricular.

15 Fevereiro 2021, 14:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Tempo dedicado ao estudo de materiais distribuídos para a primeira unidade curricular.


Em torno de Kandinsky, da Bauhaus e da compreensão de abstracto

8 Fevereiro 2021, 14:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

FEVEREIRO                            2ªFEIRA                                   3ª AULA

 

8

 

Três estudos de caso: Wassily Kandinsky, Gret Palucca, Oskar Schlemmer. Linhas gerais.

Primeiro estudo de caso

Wassily Kandinsky (1855-1944), professor na Bauhaus entre 1922 e 1933, é mais conhecido como pintor e gravador, como teórico das artes plásticas, até como poeta, e menos como encenador de um espectáculo de teatro inspirado por partitura musical (1874) de Modest Mussorgsky. Acompanharemos versão reconstituída de Quadros de uma Exposição organizada e realizada por Kandinsky e preparada com a ajuda de Felix Klee, filho de Paul Klee, na oficina de teatro da Bauhaus. Este espectáculo original estreia-se em 1928 na cidade de Dessau e foi a única Composição para Palco, das 14 escritas por Kandinsky, a vir a público.

Este primeiro estudo de caso terá acompanhamento teórico de obra do artista plástico russo.

Leituras recomendadas

 

JUSTO, José, Kandinsky e o Espírito. Três deambulações a propósito de «Fósforo Queimado», in: Anabela Mendes, 2003, Noite e o Som Amarelo de Wassily Kandinsky, programa-livro do espectáculo, Lisboa: CCB, p. 71-74.

 

KANDINSKY 1994. Complete Writings on Art, edited by Kenneth C. Lindsay and Peter Vergo, Paris, New York: Da Capo Press. Pp. 830-833; 840-841.

 

KANDINSKY, Wassily 1991, Do Espiritual na Arte, Prefácio e nota bibliográfica de António Rodrigues, Tradução de Maria Helena de Freitas, Lisboa: Publicações Dom Quixote.

 

KANDINSKY, Wassily 1998, Sobre a Questão da Forma, Da Compreensão da Arte, A Pintura como Arte Pura, Conferência de Colónia in: Gramática da Criação, Lisboa: Edições 70. Apenas o primeiro ensaio é fundamental. Os restantes serão escolha de leitura dos alunos.

 

http://periodicos.unb.br/index.php/dramaturgias/issue/view/1638/365

https://www.dw.com/en/kandinsky-and-mussorgsky-what-happens-when-artists-inspire-each-other/a-19087823

DVD visionado

Bühne und Tanz | Stage and Dance – Wassily Kandinsky, Edition Bauhaus, 36 min. línguas alemã e inglesa, 2014.

 

 

 

1. Reencontro com o filme de:

Kerstin Stutterheim e Niels Bolbrinker, 2009, Bauhaus – Modell und Mythos, ARTE edition. 104 min. em alemão e inglês.

 

Iniciámos o nosso trabalho em diálogo com uma proposta cine-documental dedicada à BAUHAUS: Modelo e Mito. É a partir de Dessau, a segunda cidade onde se instalou a Escola (1925-1932), que são feitas as filmagens principais. O filme tem uma protagonização colectiva no testemunho de antigos alunos  e no de Walter Gropius ao vivo no começo dos anos 60. Outros intervenientes reforçam a presença da Escola e suas influências na contemporaneidae.

Ao optar por esta estratégia, que celebra simbolicamente a voz de todos os que contribuíram para que a Bauhaus fosse uma instituição artístico-pedagógica diferenciada, somos hoje paradoxalmente confrontados com o discurso de mortos, que na altura da realização do filme estavam ainda vivos e puderam entrar no edifício da Bauhaus em Dessau, reconstruído entre 1996 e 2006 e que se tornou lugar da actual Fundação Bauhaus-Dessau.

Esta conjugação entre vida e morte, entre construção, escombros e reconstrução, entre disseminação e reapropriação ajusta-se perfeitamente à realidade da Escola Bauhaus que continua a ser um modelo, como pudemos comprovar através do propósito de Ursula von der Leyen, sem deixar de ser também um mito. Os depoimentos dos antigos alunos, os seus modos de estar ainda relacionados com a Bauhaus, são virtuosos e verdadeiros. Eles fazem falar a história de cada um como se a memória circulasse entre passado e presente de forma tão livre quanto o fora a própria realidade de onde tudo nascera.

À entrada do edifício da Bauhaus-Dessau tem lugar uma pequena performance artística feita de cumplicidade entre homem e mulher. Nunca saberemos se o número foi ensaiado ou se ali nasceu espontaneamente. Mais do que indagar sobre como ali se chegou, importa recolher a imagem divertida com que os dois velhos se abeiram do que terá sido viver, aprender, trabalhar na antiga Escola. Tal como eles, que já não existem, também a Escola que frequentaram já é hoje outra coisa. A alegria expressa na performance sobrevive para nos contar de um tempo e de um espaço a que nunca teremos acesso a não ser por invocação.

O filme apresenta ainda, e numa espécie de contraponto, uma outra performance de Arila Siegert, artista contemporânea, que se exprime sonora e visualmente contra a imposição do uso de liberdade de expressão associada ao nacional-socialismo. (1:25:10 -1:26:15)

 

Este filme, para além de nos mostrar em vários planos o edifício reconstruído em Dessau e todo um conjunto de paisagens urbanas onde a Bauhaus fez história, leva-nos a acompanhar antigos alunos da Escola em suas casas, noutros lugares do mundo (Israel, EUA, Espanha), em territórios que os receberam em processo de fuga e refúgio por choque e difamação.

Orientado por investigadores e baseado em arquivos vivos e documentais, em álbuns fotográficos que se deixam folhear e que tecnologicamente se soltam dos seus suportes, Modelo e Mito é obra de informação e pedagogia, que segue sob o paradigma do comentário e da entrevista com ocultas perguntas, trajectos que se apresentam em grandes planos. Olhamos os mortos enquanto vivos com fibra crítica, artística e prazenteira. Dos respondentes recebemos rostos que se iluminam e sorriem com os enunciados que proferem. São fragmentos de vidas que enunciam momentos que ainda têm efeitos fortes em quem os diz e em nós que os observamos. Como peças de um puzzle, acompanhamos a estrutura do filme e a dos relatos que aí estão para que passemos nós a reconstruir o que antes foi construção.

Não é sob a figura da repetição que o filme é montado. Ele replica-se e usa também objectos e imagens visuais como reconstituição. Esse é o caso, por exemplo, de excertos do Ballet Mecânico (2009) apresentados em segundos (24:00-24:49; 30’17 e 30’56) e que invocam obra homónima e original de Kurt Schmidt concebida para o Teatro Municipal de Jena em 1923. Uma dança em cartolina articulada que daria uma boa conversa.

A necessidade de muito abarcar, e é uma imensidão, não deixa grande opção ao espectador que recebe em segundos informação que não consegue digerir com conveniência, a não ser aquela que diz respeito à arquitectura e ao design, coroa de glória da instituição.

Assim somos surpreendidos com uma fotografia que se reporta à representação da peça Visitante da Cidade em Casa do Professor L, de 1929 e que se inspira no teatro com palavras de origem soviética e que se opunha ao teatro de imagens de Oskar Schlemmer. O enquadramento não existe. A fotografia é mostrada em dois segundos. (49’35-49:37) O mesmo se poderá dizer, embora não de forma tão apressada, da sequência dedicada à oficina de teatro dirigida por Oskar Schlemmer e às suas propostas estéticas (49’48-52’55). Ver ainda Escadas da Bauhaus, 1932 do mesmo artista. (1:22:10) Finalmente Quadros de uma Exposição de Mussorgsky/Kandinsky intercalam em montagem outras sequências do filme (1:10:18-1:11:00; 1:15:21-1:16:07) sob o espírito ilustrativo e não composicional.

Talvez se encontre aqui o calcanhar de Aquiles do filme.

A música de Uwe Krause acompanha em pequenas variações todo o filme, revelando-se acessível e lúdica.

 

2. Primeiro estudo de caso

Demos atenção ao nosso primeiro estudo de caso dedicado a Wassily Kandinsky como criador de Composições para Palco e como encenador em sentido particular.

Tomámos em mãos o ensaio: Sobre a questão da forma, publicado em 1912, no Almanaque O Cavaleiro Azul.

 

Menciona-se aqui link https://pt.wikipedia.org/wiki/Der_Blaue_Reiter

Informativo que não substituirá a consulta da versão inglesa em papel com o objectivo de apreciar verdadeiramente a multidisciplinaridade da obra e dos seus tempos, ritmos e espaços. Isto deverá acontecer em aula presencial assim que possível.

 

Retomámos o andamento da aula com o propósito de nos ocuparmos do ensaio de Wassily Kandinsky Sobre a questão da forma (1912). Apesar de ainda não nos termos dedicado à publicação O Cavaleiro Azul, aproveito para aqui deixar referência a essa publicação, no original a cores, para posteriormente apreciarmos exemplos de pintura, aguarela, gravura, desenho, partituras musicais, estatuária, ensaios, uma composição para palco de Kandinsky, poesia. Um Picasso ao lado de um Rousseau, mais adiante pintura infantil, Van Gogh, Gauguin e Matisse, tudo o que pudesse ser representativo de diversas épocas e tendências artísticas, de variadas concepções estéticas que agradavam aos dois amigos editores e artistas, Franz Marc e Wassily Kandinsky. Eles consideravam incluir nesta publicação desde a arte egípcia, à arte oriental, à expressão modernista das vanguardas, entre outras, como se não houvesse barreiras entre elas, e se calhar não havia, e partindo do princípio de que o gesto artístico na sua diferenciação é o que produz a singularidade da obra em si mas também pode estabelecer correspondência com outras obras de forma infinita segundo o espírito de um almanaque que traça pontes entre várias áreas do conhecimento tal como era o objectivo desta obra publicada, associada a várias exposições em Munique e em Berlim.

Os elevados custos de O Cavaleiro Azul em grande formato e a cores, assim como o prejuízo editorial puseram termo ao juvenil empolgamento de Marc e Kandinsky virem a publicar um segundo exemplar do Almanaque. Um terceiro factor de impedimento adveio com o início da Primeira Guerra Mundial.

 

Apesar de Sobre a Questão da Forma ser um texto anterior à entrada de Kandinsky na Bauhaus, o que só viria a ocorrer em 1922, é um facto que o pintor russo dele se socorre para exprimir aos seus alunos o valor que pode ter uma decisão que deles brote de forma livre e a partir de um ímpeto ou «necessidade interior». Esta prorrogativa é exercitada em prol de um objectivo que consiste em tomar consciência da essência das coisas e compreender o fenómeno da abstracção na sua amplitude, isto é, no uso de todas as suas potencialidades e com carácter independente. No curso de Desenho Analítico é isto que Kandisnky procura defender.

Ao longo dos anos, Kandinsky encontraria outras designações que equacionariam o entendimento da ideia de abstracto não como expressão exterior da forma, mas como equivalência a um processo que se manifesta em cada arte de forma independente. Em 1939, o artista russo troca “abstracto” por “concreto “, salientando que a forma como cada arte se manifesta não é nem substituível nem “traduzível” por qualquer outra arte e tem a sua concretude em cada processo de manifestação. A independência entre as artes, apesar da sua multipresença, é um factor essencial para a sua realização. Já a receptividade das artes, na sua opinião, desencadeia um modo comum na sua apreciação. Sabemos hoje que os estudos em Neurociência com investigação imagiológica de regiões específicas do cérebro individualizam a produção de estímulos visuais e auditivos de modo separado. “Abrir os ouvidos e os olhos”, porém, reforça para Kandinsky o sentimento de liberdade de cada espectador e de cada ouvinte em direcção ao interior de cada um na apreciação da obra de arte. Sugerido é por Kandinsky, neste trânsito entre exterior e interior, que ele seja tão livre quanto possível numa relação “ingénua” e independente.

 

(Recomendo a leitura dos curtos textos presentes em KANDINSKY 1994. Complete Writings on Art, edited by Kenneth C. Lindsay and Peter Vergo, Paris, New York: Da Capo Press. Pp. 830-833; 840-841.)

  

No fundo a motivação seria sempre a mesma: é do interior do artista que nasce a liberdade de criação.

O ensaio que estamos actualmente a estudar propõe três exemplos que poderão justificar o acto de libertação a que se sujeitem as  coisas, ou melhor,  os sinais gráficos e um objecto: uma letra, um travessão e um fósforo queimado. Somos convidados a isolar uma «letra» de um texto e passamos a «intuí-la» «com olhos inabituais», «apenas enquanto coisa». Aquilo a que chagamos resulta de um primeiro passo que põe de lado a função «prática» da forma abstracta que é designação permanente de um determinado som» - é uma forma corpórea, que de um modo totalmente independente produz uma definida impressão exterior e interior.»

Refere Kandinsky que, nesta perspectiva a «letra» passa a consistir em duas coisas: 1. Uma «forma principal» inteiramente coincidente com o «fenómeno global»; 2. «diferentes linhas», desenhadas de maneiras diversas e combinadas nesse fenómeno global». A «forma principal» pode surgir como «divertida», «triste», etc. ou seja, pode provocar uma determinada impressão interior». O mesmo sucede com cada uma das «diferentes linhas» que se combinam na «forma principal».

Tudo neste exercício depende do «olhar inabitual». O que o «olhar inabitual» deve pôr de lado é precisamente o … habitual, o hábito, a habituação. O que é o hábito? O hábito é a sempre repetida, sempre reencontrada finalidade instrumental de um objecto.» (Justo, 2003: 71)

Esta nova partitura de entendimento da forma e suas derivações em função de um infinito novo olhar, aquilo a que Kandinsky chama o «olhar inabitual» integra bem o espírito e a concepção da Escola da Bauhaus. Acentua o pintor que o conceito de finalidade de um objecto lhe retira a possibilidade de poder vir a ser outra coisa.

É neste âmbito que nos encontramos por agora, tendo em conta que a compreensão deste horizonte de liberdade e amplitude ajudava os estudantes da Bauhaus a desenvolverem capacidades de que antes não tinham exacta consciência.

Através destes três exemplos seriamos conduzidos de forma mais acessível à linguagem simbólica do pintor russo e aos princípios através dos quais para ele era defensável que «em princípio a questão da forma não existe». A sua noção de que o conteúdo de uma obra de arte se torna presente independentemente dos seus meios de expressão, e o facto de o criador afirmar que a forma, que é correcta do ponto de vista externo, pode estar errada do ponto de vista interno, isto é, a sua motivação pode não corresponder à «necessidade interior» que move o artista. É ainda de referir que a unidade interior que supostamente deriva da dissemelhança externa entre os elementos constituintes de uma obra de arte, em particular, de uma obra de arte «monumental», que Richard Wagner designa por «obra de arte total», verificamos que a articulação entre os vários elementos que constituem uma ópera, por exemplo, deverão existir sem que haja a supremacia da música sobre o drama cantado ou outras componentes do espectáculo. Estas premissas para além de se reverem em alguns dos códigos românticos das poéticas e estéticas do séc. XIX alemão (Friedrich Schlegel, Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling ou Georg Philipp Friedrich von Hardenberg, conhecido como Novalis) ambicionam refundar um percurso que desde os Gregos Antigos mantinha ligação entre disciplinas artísticas (poesia, retórica, filosofia, teatro, música) e disciplinas científicas (matemática, física, astronomia) nascidas de um tronco comum como origem do conhecimento.

É neste contexto que se posiciona Kandinsky, neste seu ensaio, quando é favorável à simultaneidade e alternância da forma que figura e da forma que abstraíza. Ambas adquirem equivalência ainda que com distintos propósitos. E é por isso que Kandinsky defende a seguinte equação em ambas as direcções. (Kandinsky: 1998: 24)

 

Realismo = abstracção

Abstracção = realismo

 

À primeira vista esta proposta parece absurda e é sobre ela que nos podemos interrogar. Na verdade, a arte figurativa mantém perante nós uma relação de equilíbrio entre exterior e interior que somos capazes de identificar através dos mecanismos de funcionamento da empatia. A arte abstracta abre caminho para ultrapassar o circunstancial, a pequena ou a grande história da imagem, e também para recriar aquilo que constitui a sua exterioridade. Deste modo a arte abstracta torna-se mais exigente perante o observador suscitando a sua directa participação na formulação de sentido /de sentidos que a obra apresenta através de novas linguagens, novos posicionamentos que suscitam um «olhar inabitual».

Quando nos referimos ao exemplo da letra é isso que procuramos desenvolver. Um lugar cativo da letra r na palavra “árvore” pode por deslocamento criar diferentes hipóteses de posicionamento. Os elementos alteram-se entre si e novas possibilidades surgem no horizonte da observação, recriação e activa relação com a obra de arte.

A imagem que observamos de Henry Rousseau Retrato de Mulher (Almanaque) é representativa da corrente estética do Realismo e não é por isso que Kandinsky a põe de lado. A representação dos objectos em si mesmos (retrato de mulher) adquire um carácter tão absoluto quanto aquele que integra a pintura abstracta. Em ambos os casos se verifica na oposição que os caracteriza a verdadeira existência das suas características e qualidades. Em ambos os casos a «necessidade interior» ajusta no caso de Rousseau a maior ausência possível de elementos abstractos e no caso de pinturas de Kandinsky a maior ausência possível de elementos realistas.

O Cavaleiro Azul comprova largamente esta perspectiva.

 

Henri Rousseau, Retrato de Mulher, 1895, óleo sobre tela, 160 cm x 105 cm, Paris, Museu Picasso.

Wassily Kandinsky, Capa definitiva do Almanaque, Munique, 1912.

 

3. Alimento para o espírito

Acedemos a material visual proveniente da oficina de Teatro da Bauhaus em modo de reconstrução da autoria de Kurt Schmidt. Observámos excertos de O Ballet Mecânico foi apresentado, em 1923, no Teatro Municipal de Jena, no âmbito de uma semana cultural da Escola. O artista era aluno de Kandinsky e realizou este espectáculo com alguns colegas da área plástica e musical. A caixa preta permitiu expor figuras em cartolina articulada e desdobrada em cores primárias e em preto e branco com gradações. Em cena e quase invisíveis estavam bailarinos com maillots pretos. A sua actuação minuciosamente coordenada por uma partitura cénica dá origem a uma coreografia ocasional de figuras que replicam a forma humana cruzando-se, aproximando-se, afastando-se, compondo momentos de exercício de poder, coreografando o jogo e o divertimento.

 

Foi pedido aos alunos que fizessem leitura da Composição para Palco Quadros de uma Exposição e dos correspondentes textos teóricos dedicados a este subgénero cénico. (1912 e 1923)

Foi sugerido que escutassem, por exemplo, no youtube, a obra musical homónima de Modest Mussorgsky sem acesso às péssimas montagens da obra de Kandinsky que veremos na aula de 22 de Fevereiro.

 

Agradeço ao Professor Alexandre Pieroni Calado a colaboração tecnológica para tornar o Zoom uma vez mais operativo.

 

DVD visionado

Bühne und Tanz | Stage and Dance – Kurt Schmidt, Edition Bauhaus, 35 min., excerto de 15 min., línguas alemã e inglesa, 2014.


Onde estamos? Prof. Alexandre Pieroni Calado, Prof. Sérgio Mascarenhas

1 Fevereiro 2021, 14:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

FEVEREIRO                                2ªFEIRA                                 2ª AULA

 

1

 

Inspirações, projectos e realizações.

Posicionamento ideológico, dificuldades de percurso, formas de subsistência autonómica, capacidade de articulação entre aprendizagem teórica, correspondente experimentação e aplicações práticas em muitos dos domínios de estudo da Escola. Expansão para o exterior como forma de divulgação de projectos em todas as valências disciplinares da Escola e como contributo para a manutenção e estabilidade financeira a favor do corpo docente e discente.

A Bauhaus transformou-se num mito? Continua ela a consagrar a capacidade de modelo para lá do seu tempo?

Estas linhas de orientação poderão ser encontradas em leituras recomendadas no final do sumário.

 

1. A Bauhaus como modelo de Escola multidisciplinar no campo das artes, entre 1919 e 1933, na Alemanha, não nasceu do nada. Anterior à sua existência, e especificamente na cidade de Weimar, a Bauhaus beneficiou de dois factores concomitantes: 1. Weimar foi a partir do séc. XVIII um centro de acolhimento regular das ciências e das artes quase sempre sob o beneplácito dos Grão-duques que se iam sucedendo como monarcas regionais; 2. O historial que precede a constituição da Bauhaus tem na Escola Grão-ducal de Arte da Saxónia em Weimar, fundada em 1860, exactamente pelo Grão-duque Carlos Alexandre da Saxónia-Weimar-Eisanach, uma  primeira tentativa de desenvolver uma escola de artes. Em 1905, esta Escola é integrada no conjunto de escolas estatais do Grão-ducado da Saxónia-Weimar-Eisenach e, em 1910, passa a escola de ensino superior em artes plásticas e preserva o nome do seu fundador.

Paralelamente a estes dois aspectos de enquadramento histórico para a Bauhaus, existiu em Weimar, entre 1907 e 1915, uma Escola autónoma de artesãos e artistas que seguia como inspiração o modelo tardo-medieval que juntara artesãos nas suas Guildas a artistas-arquitectos na construção de igrejas e catedrais por toda a Europa. Esta antiga ligação entre as várias profissões é recuperada pela Bauhaus como princípio educativo que reconhece no saber de cada um idêntico valor independentemente da sua classe profissional.

As duas instituições de ensino artístico acima referidas, e no contexto histórico-pedagógico e cultural da cidade de Weimar, foram fundamentais para a criação da Bauhaus, independentemente de todas as influências provenientes do Reino Unido, de Viena, de Berna e de Berlim, de São Petersburgo, de Moscovo, ou de outros lugares, todas associadas aos destinos de proveniência de onde chegavam a Weimar os futuros mestres e aprendizes com propostas estéticas e teórico-práticas muito variadas.

Faz sentido aqui referir como, a pouco e pouco, porém, todo um conjunto de contributos científicos, pedagógicos e artísticos, a que a Escola se foi manifestando receptiva, acabou por dar origem a um processo que viria a conduzir a uma concepção única no seu tempo e que caracterizou um estilo-modelo Bauhaus. Este tornou-se na identidade da instituição. Representativo não só pela simplicidade de formas, como pelo carácter funcional dos projectos, primordialmente na arquitectura e no design, mas também através da construção de objectos e estruturas que consagravam o despojamento e a eficiência de materiais e usos, e que faziam opção de cor, por vezes inusitada para o gosto estético comum, em obra plástica, têxtil, gráfica, encontramos o estilo-modelo Bauhaus em registo experimental, por vezes desconcertante. A vontade optimista, libertária, colectiva de criar transformou a Bauhaus, ao mesmo tempo, num espaço de aprendizagem que vivia da capacidade de associação entre artes, suas aptidões e descobertas. É o caso, por exemplo, da exploração de jogos de luz e sombra (na fotografia, mas também nas artes cénicas). Tantas foram as artes colaborativas, quantas as formas de interligação que as potenciaram. A este projecto educativo singular foi dado um tempo (14 anos) para existir e se consumir em inúmeras tentativas de afirmação. O fora da Escola tornou-se uma adversidade constante. A seguir a um tempo de esperança vinha o desânimo que operava de modo a inventar de novo vida comum.

A contextualização externa da Bauhaus terá sempre de considerar, a nível social, político e económico, o importante papel desempenhado pela Revolução Industrial e seus derivados como motor de arranque e implementação deste processo. A I Guerra Mundial, obviamente também, num outro plano, bem como as transformações e conflitos ideológicos que dominaram a Europa durante as primeiras três décadas do séc. XX. O nacional-socialismo usou afiadas garras e fez sangrar até à última gota a Bauhaus de Weimar, Dessau e Berlim. O que se seguiu foram mortos e escombros.

Em Weimar existe, desde 1954, a Universidade Bauhaus que tem como primeiro edifício aquele que foi restaurado no pós-guerra, a obra do arquitecto belga Henry van de Velde, datada de 1905-1906. Nessa época Velde recebeu directamente encomenda do Grão-Duque Guilherme Ernesto de Sachsen-Weimar-Eisenach e concebeu um edifício em forma de casco de cavalo, o que muito terá divertido pela sua forma o monarca amigo das artes.

Este Grão-Duque entregou a Walter Gropius a direcção da Bauhaus em 1919, antes de trocar Weimar pelo castelo de Heinrichau na Silésia, onde se recolheu em exílio até ao fim da vida. Desde 1996, a Universidade Bauhaus no seu conjunto é herança e património cultural da UNESCO.

A Universidade Bauhaus de Weimar, edifício histórico.

 

 

Talvez agora se possa entender o desejo de Ursula von der Leyen em querer criar na Europa cinco novas universidades Bauhaus. A seu tempo voltaremos a este assunto.

 

https://en.wikipedia.org/wiki/Bauhaus_University,_Weimar

 

2. A proposta de trabalho que tenho para hoje é que nos debrucemos sobre alguns esquemas e diagramas que inspiraram os mestres da Bauhaus para criarem e articularem programas, instrumentos de trabalho, materiais a desenvolver com os seus alunos e que proporcionam uma visão de conjunto dos planos de estudos, nomeadamente aqueles que diziam respeito ao ensino preparatório das diversas disciplinas.

A opção por um tempo preliminar de aprendizagem procurava criar condições para que todos tivessem as mesmas oportunidades, acentuando a importância de uma visão democrática do ensino na Bauhaus.

Por outro lado, o contacto sistemático e progressivo com disciplinas teórico-práticas desenvolveria o maior número possível de competências entre os formandos, criando oportunidades futuras para trabalho autónomo consubstanciado.

 

Modelo 1

 

 

O diagrama acima integrava o plano de estudos incluído nos estatutos da Escola e publicado por Walter Gropius em 1922.

Caminhando do anel exterior para o centro temos a indicação da aprendizagem preparatória (Vorlehre) associada à aprendizagem elementar da forma (Elementare Formlehre), bem como estudos de matéria na oficina preparatória (Materiestudien in der Vorwerkstatt). Este anel abarca trabalho para meio ano, sabendo-se que o curso completo engloba três anos.

Prosseguindo para o anel seguinte são-nos apresentadas matérias que associam o Estudo da Natureza (Naturstudium) à Aprendizagem sobre Tecidos (Lehre von den Stoffen), à Aprendizagem do Espaço (Raumlehre) à Aprendizagem das Cores (Farblehre), à Aprendizagem de Composição (Kompositionslehre). Segue-se ainda no mesmo anel, Aprendizagem de Construções e de Apresentação (Lehre der Konstruktionen und der Darstellung). Finalmente há ainda lugar para a Aprendizagem sobre Ferramentas e Material (Material- und Werkszeuglehre).

Este segundo anel indica vários caminhos sob uma mesma área de montagem. Destaca-se o Estudo da Natureza como uma componente de formação para todos e que na verdade tem um papel fundamental, não só na aprendizagem dos formandos, como na compreensão dos princípios e valores que orientaram a Bauhaus. Quer seja sob os auspícios da filosofia naturalista e mística (masdeísmo) de Johannes Itten, o primeiro mestre a assumir a responsabilidade de dirigir o curso preparatório, que começava todas as suas aulas com exercícios de ginástica e respiratórios, preocupando-se com a necessidade de que cada aluno se libertasse de preconceitos e se tornasse o mais criativo possível, quer implementando nos alunos a vontade de virem a ser profissionais completos, i. e., se tornarem responsáveis por todas as etapas de um único projecto, como exigia Walter Gropius aos seus aprendizes e mais tarde colaboradores, o facto é que neste anel encontramos, de uma forma muitas vezes vaga ainda, as possibilidades que a Bauhaus, após quatro anos de existência, passou a poder oferecer com os seus docentes. Os tecidos, as teorias da composição, o estudo do espaço, a arquitectura e o design, a prática oficinal eram respectivamente da responsabilidade de Marianne Brandt, Wassily Kandinsky, Paul Klee, Walter Gropius. Adolf Mayer, entre outros.

E é importante considerar um aspecto linguístico neste diagrama. A palavra “Lehre” significa estudo, aprendizagem, mas também teoria. O diagrama não oferece especificação neste campo. Como é evidente os alunos do curso preliminar aprendiam de forma complementar teoria e prática, sem as quais não poderiam passar à etapa seguinte.

O anel que se segue concentra-se nos materiais em uso na Escola e na cor (Farbe). Esta é alvo de diferentes teorias como as de Itten, Klee e Kandinsky, mas também de Johann Wolfgang von Goethe e Philipp Otto Runge. Tudo será alvo de experimentação em cada uma das disciplinas. Haverá mistura e singularidade nos objectos a construir em pedra (Stein), madeira (Holz), metal (Metall), tecidos (Gewebe), vidro (Glas), barro (Ton) e suas constantes ligações.

Finalmente o centro do diagrama está reservado à CONSTRUÇÃO (BAU): Lugar da construção (Bauplatz), lugar da experimentação (Versuchsplatz), projecto (Entwurf), construção e conhecimento de engenharia (Bau u. Ingenieur: Wissen).

A forma circular do diagrama também nos oferece leitura em todas as direcções, na medida em que cada anel pode criar correspondência e intercepção com os outros anéis e contribui para que se produza uma dinâmica de movimento entre o centro e as margens. A circularidade prevê a agregação e a independência das matérias, mas também a sua continuidade experimental em várias disciplinas, nomeadamente através da ligação entre materiais e formas. A escolha das oficinas, por exemplo, é feita segundo as capacidades dos alunos mais talhados para umas do que para outras. Esta concepção adequa-se ao espírito e aos objectivos da Escola durante a fase de Weimar, acentuando-se esse princípio durante o período de Dessau.

O espaço de aplicação e transformação do diagrama é a Bauhaus - Casa da Construção. Sobre o princípio da construção assenta toda a filosofia desta Escola.

 

Modelo 2

 

A meia-circunferência aparece-nos como um objecto informativo e simultaneamente como uma imagem estética. Este horário (Stundenplan) foi construído por Lothar Schreyer, primeiro mestre responsável pela oficina de teatro, em 1921.  O seu horário foi pensado para o semestre de Inverno de 1921—22 e cobre a indicação do trabalho do próprio, aparecendo também Paul Klee como docente.

O colorido e o lettering invocam a ligação de Schreyer ao Expressionismo, num trabalho a pincel. As letras maiúsculas são alvo de embelezamento, operando o pintor com pequenas brincadeiras com o seu nome e com o de Itten que tem a seu cargo aulas sobre forma, tal como Klee.

O desenho gráfico recebe o destaque pela cor.

Schreyer ocupa-se de um curso de desenho de modelo nu que que é ministrado entre o fim da tarde e a noite

 

 

Modelo 3

A última imagem é da autoria de Paul Klee e apresenta-se como uma versão do diagrama que nos aparece em modelo 1 e que integrou os estatutos da Escola em 1922.

Klee usa a forma da estrela para criar interceções mais dinâmicas entre as várias áreas de ensino, os materiais e a cor.

É de salientar a opção criada para o círculo interior, onde pela primeira vez aparece a menção ao palco (Bühne) associado à construção.

 

A Bauhaus transformou-se num mito? Continua ela a consagrar a capacidade de modelo para lá do seu tempo?

 

Voltamos a mencionar o nome da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Socorro-me de um artigo de opinião escrito pela Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen[1], defendendo o lançamento de novas Bauhäuser em cinco países da EU já nos próximos dois anos. A ideia é surpreendente e a vir a concretizar-se o que aproximará estas instituições disseminadas por território europeu da centenária e singular Bauhaus de Weimar, Dessau e Berlim?

O espírito e a letra do projecto original cresceram num tempo conflituoso e em desagregação. A Bauhaus foi luz entre sombreados de diversos matizes que já anunciavam a derrocada do que viria a ser a II Guerra Mundial.

Von der Leyen pretende apostar num «Pacto Ecológico Europeu» como projecto cultural. A inspiração vem-lhe do «design e da sustentabilidade». Afirma a estadista: «Gostaria que a nova Bauhaus europeia desse origem a um movimento criativo e interdisciplinar que promovesse normas estéticas e funcionais, em sintonia com as tecnologias de ponta, o ambiente e o clima. Se conseguirmos combinar a sustentabilidade com um bom design, o Pacto Ecológico Europeu receberá um enorme impulso, que extravasará as nossas fronteiras.»[2]

Onde caberão nesta iniciativa as memórias da experimentação, da liberdade de acção, da anarquia, da alegria de viver e de se ser artista, de uma constante luta pela sobrevivência que caracterizaram cada projecto da Bauhaus original?

Pergunto: Como se pode conceber uma Escola de fora para dentro e não ao contrário? A Bauhaus original foi pondo pedra sobre pedra, convivendo com desmoronamentos, quase morreu à fome e ao frio, andou com a casa às costas até dela ser desapossada.

Filme visionado

Filme visionado até meio

Kerstin Stutterheim e Niels Bolbrinker, 2009, Bauhaus – Modell und Mythos, ARTE edition. 104 min. em alemão e inglês.

 

Agradeço aos colegas Alexandre Pieroni Calado e Sérgio Mascarenhas e a todos os alunos presentes o apoio tecnológico prestado para que vissemos em conjunto o filme escolhido para esta aula.

Mal digo a minha própria incompetência, mas mais do que isso, não entendo que a plataforma Zoom seja tão medíocre para o visionamento de filmes em DVD. A passagem do objecto fílmico para We Transfer permitiu que todos passassem a ter acesso ao filme escolhido. No entanto, esse filme ficou dessincronizado na plataforma Zoom.

 

Peço a todos que vejam em casa Bauhaus – Modell und Mythos. Dedicaremos a este filme umas palavras no início da próxima aula.

 

Leituras recomendadas

 

Obra geral

DROSTE, Magdalena 2019. Bauhaus – A hundred years of Bauhaus, updated edition, Berlin: Bauhaus Archiv.

https://pt.scribd.com/document/433252606/Bauhaus-1919-1933-Bauhaus-Archiv-Magdalena-Droste

 

Recomendo que observem na versão portuguesa da obra de Magdalena Droste as imagens nas seguintes páginas: 65, 136, 168 e 169. Nestas imagens diagramáticas é perceptível a transformação que se vai operando na Escola.

 

Documento de sistematização sobre a Escola Bauhaus

wall_text.pdf (getty.edu)

 

Ursula vom der Leyen. Uma nova Bauhaus europeia, in Jornal Expresso, primeiro caderno, 17.10.2020.


[1][1] Ursula von der Leyen, Uma nova Bauhaus europeia, in: Jornal Expresso, Primeiro Caderno, 17.10.2020, p. 40.

 

[2] Idem, ibidem.