Sumários
As Histórias de Orósio: a resposta ao saque de Roma. Por que caiu o Império Romano?
20 Abril 2020, 14:00 • Rodrigo Furtado
1. O tempo histórico.
1.1 Visões clássicas do tempo:
1.1.1 O pessimismo histórico hesiódico;
1.1.2 O tempo cíclico: tempo histórico e tempo natural;
1.1.3 As intervenções dos deuses e a ausência de plano;
1.2 A (re)fundação cristã:
1.2.1 O nascimento de Cristo;
1.2.2 A Parúsia;
1.2.3 O Antigo Testamento e a Criação do Mundo.
1.2.4 A coincidência Cristo/Augusto: Pax Romana=Cristianização.
1.3 A Crónica de Eusébio de Cesareia: a articulação entre a história profana e eclesiástica, colocadas ao mesmo nível.
1.3.1 O Império Cristão universal: congregaria dois pólos que, ab initio, haviam caracterizado a história: o monoteísmo divino e a monarquia imperial.
1.3.2 O providencialismo divino: Deus está fora do tempo mas age no tempo – a existência de um plano;
1.3.2.1 A história como revelação do plano salvífico para o homem: pode ler-se;
1.3.2.2 Praeparatio euangelica e “plenitude dos tempos”;
1.3.2.3 Os Christiana Tempora como antecâmara da Parúsia: feliz ou infeliz?
2. As Histórias de Orósio
2.1 A estrutura:
2.1.1 Sete livros – sete dias; os debates em torno da duração do mundo e a mutação orosiana.
2.1.2 Umas histórias optimistas: desde as gentium miseriae até à felicidade do presente – a mutação orosiana;
3. O saque de Roma de 24 de Agosto de 410.
3.1 Orbis terrarum ruit;
‘Chega-me um terrível rumor do Ocidente: Roma foi cercada, a vida dos cidadãos resgatada com ouro e de novo os espoliados foram cercados, de tal modo que, depois dos seus bens, também perderam a vida. Embarga-se a voz e os soluços entrecortam as palavras quando dito esta carta. Foi tomada a Cidade que tomou todo o orbe; morre com fome antes de morrer pela espada; e dificilmente se encontram uns poucos para serem capturados: Ó vergonha, o círculo da terra desmorona, mas os nossos pecados não desaparecem. A ínclita Cidade e cabeça do poder romano foi consumida por um único incêndio. Não há região que não tenha refugiados vindos de lá. Em cinzas e em brasas caíram igrejas outrora sagradas. E, ainda assim, teimamos na avareza. (Hier. ep. 128.5).
3.2 A primeira resposta de Agostinho: O De excidio urbis Romae.
O que havemos de dizer, irmãos? Tremenda e veemente questão nos é aqui lançada, sobretudo por homens que, sem piedade alguma, assaltam as nossas escrituras (não decerto por aqueles que piamente as perscrutam) e que dizem, sobretudo acerca da recente destruição de tão grande cidade: «Não haveria em Roma cinquenta justos? Em tão grande número de fiéis, de pessoas consagradas, de tantos que vivem em continência, em tão grande número de servos e servas de Deus, não foi possível encontrar cinquenta justos, nem quarenta, nem trinta, nem vinte, nem dez? Se isto é pouco provável, por que razão Deus por cinquenta ou mesmo por dez [justos] não poupou a cidade?» (…) Então, eu apresso-me a responder: «Ou encontrou aí alguns justos e poupou a cidade ou, se não poupou a cidade, é porque não encontrou nenhum justo.» Dir-me-ão que é evidente que Deus não poupou a cidade. Eu porém respondo: «Para mim, não é de modo nenhum evidente.» A devastação da cidade que então aconteceu não foi como a de Sodoma. Quando Abraão interrogou Deus, a pergunta era acerca de Sodoma. E Deus, então, disse: «Não destruirei a cidade»; não disse: «Não castigarei a cidade». Deus não poupou Sodoma, destruiu Sodoma, consumiu-a completamente nas chamas. Não lhe adiou o Juízo, mas exerceu sobre ela o que tem guardado para os outros perversos no dia do Juízo. De Sodoma não restou absolutamente nada (…) Da cidade de Roma, porém, muitos fugiram e hão-de voltar, muitos ficaram e salvaram-se, muitos, nos lugares sagrados, não foram atingidos! «Mas – dir-me-ão – muitos foram levados como cativos». Também Daniel, não para seu castigo mas para consolação dos outros. «Mas muitos – dirão ainda – foram mortos.» Também muitos justos profetas desde o sangue do justo Abel até ao de Zacarias. Também os apóstolos, e o próprio senhor dos profetas e dos apóstolos, Jesus. «Mas muitos – dirão – foram atormentados por toda a sorte de aflições.» Imaginamos porventura que o foram tanto quanto o próprio Job? (2.2; trad. C. Urbano)
3.3 Um momento de descontinuidade: o saque de Roma de 410. Como explicar?
3.3.1 A História contra os pagãos de Orósio (417):
3.3.1.1 Uma história de tese: as misérias pagãs vs. os tempos cristãos;
3.3.1.2 7 livros = 7 dias da criação = 7 épocas/idades da história.
4 A Crónica de Hidácio.
4.1 Hidácio: um bispo cristão no Noroeste peninsular. O protocolo.
4.2 O prólogo: uma solução de continuidade: repetir o modelo de Eusebio/Jerónimo, desta feita na Galécia.
4.2.1. Hidácio 6: ‘não desconhecendo todas as aflições do nosso tempo infeliz e, encurralados nos estreitos confins do império romano acrescentamos a sua ruína e, o que é ainda maior motivo de luto, na região mais longínqua de todo o orbe, a Galécia, o estado disforme da ordem eclesiástica devido a ordenações ilegítimas, a morte da honrosa liberdade e o ocaso quase universal na divina disciplina da religião devido à dominação de homens violentos misturada com a confusão causada por povos iníquos. Estas são as coisas já concluídas; deixamos as que devem ainda ser consumadas para os tempos futuros em que nos atingirão’.
4.3 A espera do fim do mundo: os consummanda.
4.3.1 Os cálculos para o fim do mundo: os 6000 anos do fim do mundo – cf. 2Ped. 3, 8): Hipólito, Júlio Africano, Lactâncio, Hilariano e o De cursu temporum.
4.3.2 A Reuelatio Thomae:
Num certo livro do apóstolo Tomé está escrito que o senhor Jesus lhe disse que desde a sua ascensão ao céu até à sua segunda vinda se contam nove jubileus, que, calcularás a partir desde momento em que lês por períodos distintos de 50 anos. De facto, cinquenta anos é a soma de um jubileu. (ad marg. an. 18 de Tibério = 27 de Maio de 32).
4.3.3 Os sinais do fim do mundo; a presença constante de Deus.
Antoninos e Severos: os imperadores provinciais e a construção da monarquia.
16 Abril 2020, 14:00 • Rodrigo Furtado
Nesta aula, vamos falar de dois assuntos:
- A questão da sucessão ao longo do século II d.C.: vejam o texto de bibliografia da aula de hoje e usem a net para:
- Quando Domiciano é assassinado, o senado não pensa em “não escolher ninguém”. No ano 96 d.C., todos os senadores vivos nunca tinham conhecido na sua vida nenhuma outra República sem um “imperador”. Tornou-se algo natural, ainda que nunca com um cargo/magistratura bem codificado, definido, com regras claras de sucessão e de exercício do poder. Nerva é escolhido, porque há mais de cem anos que era assim: esta República tinha um imperador.
- Ver caso a caso como se produz a sucessão de Nerva-Trajano, Trajano-Adriano, Adriano-Antonino Pio, Antonio Pio-Marco Aurélio e Lúcio Vero, e Marco Aurélio para Cómodo.
- A instabilidade volta a ocorrer, mas em regra estabelece-se uma sucessão de pai para filho. A questão é que, até Antonino Pio inclusive, nenhum dos imperadores terá filhos homens biológicos. Assim, todos vão adoptar (com a excepção talvez de Trajano). Isso mostra que este tipo de “regime republicano” está consolidado, e que, de algum modo, o imperador escolhe um sucessor. O problema põe-se quando Marco Aurélio tem um filho biológico, que é designado César (=herdeiro) logo com 5 anos de idade.
I. A resolução do problema da sucessão?
1. Por que razão a subida ao poder de Nerva marca definitivamente a existência do Principado?
2. A adopção de Trajano: motivos; um lobby hispânico?
3. A estranha adopção de Adriano: uma tomada de poder? O papel de Plotina.
4. Adriano e a preparação da sucessão: O que nos diz isto sobre o regime?
5. A sucessão de Antonino Pio: Marco Aurélio, cônsul em 140, com 19 anos; tem poder tribunício e imperium proconsulare desde 147; Lúcio Vero, cônsul em 154, com 24 anos.
6. A primeira bicefalia? De facto, não. Marco Aurélio e Lúcio Vero.
7. A sucessão de Cómodo: César em 166 e Augusto em 177. O primeiro nascido na púrpura.
- Após Cómodo (assassinado a 31/12/192), há uma nova guerra civil que é vencida por Septímio Severo.
Esta guerra confirma que quem controla o maior poder militar, nas legiões, toma, se quiser, o poder. O Senado é apenas quem concede formalmente/oficialmente os poderes ao novo “Augusto”. Mas quem escolhe é quem detém o poder militar, normalmente na periferia fronteiriça do império.
Septímio investe imenso na promoção de uma ideia “monárquica de poder”, como nenhum outro antes dele.
i. Faz-se adoptar a posteriori (em 193) como filho do falecido Marco Aurélio (morrera em 180), estabelecendo-se como herdeiro legítimo do poder imperial (o que mostra isso sobre o regime? Como interpreta Septímio o regime?);
ii. Renomeia o seu filho mais velho, Bassiano, conhecido com o nickname Caracala, como Marco Aurélio, tal como o seu novo avô.
iii. Diviniza Cómodo, o seu novo “irmão”.
iv. Garante a sucessão dos seus próprios filhos: Caracala (o tal Marco Aurélio, mas mais conhecido pela alcunha) é designado César (=herdeiro) e depois Augusto; o mesmo se passa com Geta, o segundo filho. Em 209, o império tem três “Augustos”: Septímio e os dois filhos.
v. Promove a ideia de “Casa Imperial” (=Domus Augusta), promovendo a sua mulher, Júlia Domna.
II. Os Severos: pólos do poder em confronto.
- Após Cómodo: Pertinaz, Dídio Juliano, Septímio Severo, Pescénio Nigro, Clódio Albino.
- A monarquia hereditária:
1. adopção de Septímio Severo + novo nome de Bassiano + divinização de Cómodo;
2. a sucessão: Caracala (César 196; Augusto 198); Geta (César 198; Augusto 209);
3. Júlia Domna: Augusta; Pia, Felix, mater Augustorum, mater castrorum, mater senatus
- Após Caracala: Heliogábalo e Severo Alexandre.
- O senado: a perda de manobra.
- Os pretorianos: a incapacidade de imposição de um candidato.
- As legiões: definitivamente, depende delas a sucessão.
- Um novo eixo de poder: Britânia-Reno, Danúbio, Oriente.
- O segundo tópico da aula de hoje tem a ver com ideologia. Todo o período entre Augusto e os Severos oscila entre dois pólos de entender e de exercer o poder com raízes muito anteriores à existência de Roma: a ideia de um poder partilhado, exercido em grupo, na cidade, pelas assembleias e conselhos, na polis ou na República. A ideia de um poder monárquico, imperial, de base territorial alargada. Em Roma, estes pólos cristalizam-se em torno de duas opções: por um poder de natureza mais “republicano”, em que o “imperador” exerce os seus poderes de acordo e em respeito pelo senado e simulando a continuação “normal” da República; por um poder de natureza monárquica, cujos modelos melhores são Alexandre Magno e os reis helenísticos – vejam-se Calígula, Nero, Cómodo ou Heliogábalo. Será importante perceber que a imagem que ainda hoje temos destes imperadores são condicionadas pelo facto de que os historiadores romanos que nos falam sobre eles são quase sempre senadores ou próximos do senado. Assim, têm uma visão muito negativa e deturpadora de todos os imperadores mais “helenizados”.
III. Estruturas ideológicas entre a República e a Monarquia: os Júlio-Cláudios e os Flávios.
1. O modelo republicano/senatorial: Tibério, Cláudio, Vespasiano, Tito;
2. O modelo orientalizante:
3. Calígula: deificação de Drusila; o problema da estátua no templo de Jerusalém;
4. Nero: as duas partes do principado; o incêndio de Roma; a domus aurea e o colosso; poesia, canto, jogos e teatro; a popularidade de Nero;
IV. A ideologia dos Antoninos. O apogeu.
1. A ideologia republicana: a libertas restaurada.
2. A ideologia da conquista militar: a emulação aceitável de Alexandre – Dácia, Arábia, Mesopotâmia;
3. A ideologia helenística de Adriano.
4. A ideologia helenística de Cómodo:
1. A titulatura;
2. A refundação de Roma;
3. O novo Hércules.
V. A ideologia dos Severos: o triunfo da monarquia.
1. A monarquia familiar.
2. O príncipe e o senado:
a. divinização de Cómodo; b. o arco do triunfo e a cúria;
3. A ‘monarquia absoluta’: «o que agrada ao príncipe tem valor de lei; o príncipe está acima das leis».
VI. Os modelos políticos do Mediterrâneo.
1. O modelo monárquico pré-clássico: os modelos egípcio e mesopotâmico – exotismo, exuberância e riqueza;
2. O modelo urbano: das primeiras cidades à expansão do modelo político.
3. O modelo monárquico helenístico: uma ideologia crioula. Entre o mundo pré-clássico e o Egeu; entre o rei-cidadão e o rei-deus.
4. O modelo republicano em Roma.
a. Cidade, cidadãos, auto-governo e libertas.
b. Ir à Grécia era como ir ao supermercado? Escolher umas coisas e rejeitar outras; a imagem dos reis helenísticos; o exemplo de Alexandre; os Ptolemeus e a ideia de decadência.
c. Um Império sem fim pode ser governado como uma cidade?
5. O modelo augustano.
a. Uma República com um príncipe;
b. A Libertas: morreu ou restaurou-se?
c. O que é afinal Roma do ponto de vista político?
O que é um imperador? Discussão
6 Abril 2020, 14:00 • Rodrigo Furtado
O que é um imperador? Discussão
Um regime em experimentação contínua: O problema sucessório na construção do Principado.
2 Abril 2020, 14:00 • Rodrigo Furtado
Como se pode suceder a um “lugar” que não é uma magistratura? Este é o principal problema da aula de hoje. Se “ser imperador” equivale apenas a desempenhar poderes (imperium proconsulare maius+tribunitia potestas), sem qualquer “cargo”/magistratura, então como se pode suceder a alguém? Este é o problema principal que devem tentar compreender.
Este problema pôs-se desde a época de Augusto; ele próprio não teve uma solução. E nunca houve propriamente uma solução ao longo de todo o século I...
I. A sucessão de Augusto.
1. O problema da sucessão: suceder quando não há cargo no qual suceder.
2. A bicefalia augustana: significado.
i. Agripa: tribunitia potestas + imperium proconsulare maius (18-13-12-[8] a.C.).
ii. Tibério: tribunitia potestas (6 a.C. – 1 a.C.)
iii. As adopções de Gaio e Lúcio (17 a.C.); principes iuentutum (5; 2 a.C.); cônsul (1 d.C.).
iv. As adopções de Tibério e de Agripa Póstumo (4 d.C.). O exílio de Póstumo (7 d.C.).
v. Tibério: tribunitia potestas (4-13 d. C.-…); imperium proconsulare maius (13 d. C.-…)
II. O problema sucessório na construção do Principado.
1. E depois de Tibério: os sucessores aos pares – Germânico/Druso; Calígula/Tibério Gemelo.
2. A alternativa post-Calígula: entre o regresso à República e a escolha dos castra.
3. Depois de Cláudio: a subida ao poder de Nero e o papel dos pretorianos.
4. Vespasiano e a primeira preparação dos sucessores – Tito e Domiciano:
1. Césares desde 69;
2. Consulado: Vespasiano – 8 vezes (70-72, 74-77, 79)
Tito – 7 vezes (70, 72, 74-77, 79)
Domiciano – 1 vez como ordinário (73) + 5 como sufecto (72, 75-77, 79)
3. Tribunicia potestas: Tito (71?) d. Prefeitura do pretório: Tito (71)
O principado augustano: um rei? Um cidadão?
30 Março 2020, 14:00 • Rodrigo Furtado
Hoje, interessa-me definir em termos ideológicos o “principado” augustano. Por um lado, ele diz ter devolvido a República à liberdade e ter devolvido todos os poderes ao SPQR. Mas de facto, o que aconteceu? Abaixo, está a lista dos poderes efectivos de Augusto. O que significam cada um deles? Quais os que ele detém até ao fim da vida? Quais os mais relevantes do ponto de vista da acção política?
I. O que é Augusto em Roma?
i. Poderes extraordinários (32-27).
ii. Cônsul (31-23).
iii. Imperium proconsulare (27-23).
iv. Princeps senatus (27-).
v. Augustus (27-).
vi. Imperium pronconsulare maius (23-).
vii. Tribunitia potestas (23-).
viii. Pontifex Maximus (12-).
ix. Pater patriae (2 a.C.-).
Abaixo, encontram-se três exemplos de áreas onde se verificou a construção da imagem política de Augusto: urbanismo, literatura e a estatuária. De novo, o que nos diz isso sobre a ideologia augustana?
II. O forum de Augusto.
III. A literatura.
No meio de tudo isto, corria ao longe a imagem de um mar túmido, feita de ouro, mas as ondas do mar espumavam com uma alva vaga; e à volta, claros delfins de prata em círculo varriam a planície das águas com as caudas e cortavam o refluxo das ondas. No meio do mar, era possível divisar frotas de bronze — os combates de Áccio; com Marte a postos, via-se todo o promontório de Leucates ferver, e refulgirem de ouro as vagas. De um lado, estava César Augusto conduzindo os povos itálicos à guerra, juntamente com os senadores e o povo, com os Penates e os grandes deuses; estava de pé, na elevada popa do navio, as suas têmporas cheias de esperança vomitam duas chamas e vê-se a constelação paterna no cimo do elmo. Noutra parte, Agripa com deuses e ventos favoráveis, conduzindo do alto o seu exército; as suas têmporas refulgem cingidas com a coroa naval ornada de esporões. De outro lado, António com as hastes bárbaras .e as suas armas confusas, que regressava vitorioso dos povos da Aurora e do mar Vermelho; traz consigo o Egipto, as forças do Oriente e a longínqua Báctria, e segue-o — sacrilégio! — uma esposa egípcia. Ao mesmo tempo, todos se precipitam e toda a planície do mar espuma, revolta pelos remos e pelos esporões com três dentes dos navios. Dirigem-se para o alto-mar: julgar-se-ia que no pélago navegavam, arrancadas, as Cíclades, ou que altos montes corriam para chocar com outros montes, de tal modo os guerreiros investem com os navios munidos de enormes torres! Com a mão se espalha a chama ateada na estopa, e o ferro voa nas armas arremessadas — os campos de Neptuno ficam vermelhos com o morticínio, de uma maneira nova, nunca vista. No meio, a rainha chama as suas tropas com o sistro pátrio, sem ver ainda as duas serpentes atrás de si. Monstruosas figuras divinas de todas as espécies e o ladrador Anúbis empunham armas contra Neptuno e Vénus, contra Minerva. No meio da peleja se agiganta o colérico Marte, cinzelado no ferro do escudo, e as funestas Fúrias descem do alto éter. Rejubilante, com a túnica rasgada, avança a Discórdia, a quem Belona"' segue com o sangrento azorrague. Vendo isto, Apoio Áccio"' distendia lá do alto o seu arco: com tal ameaça, todo o Egipto e toda a índia, todos os Árabes e Sabeus fugiam. Até se via a própria rainha a entregar as velas aos ventos que invocara em seu socorro, soltando os cordames cada vez mais. No meio do morticínio, pálida por pressentir a morte próxima, assim a esculpiu o Ignipotente, a ser levada pelas ondas e por Jápix; à sua frente, entristecido, o Nilo de grande corpo, abrindo a prega da túnica, estendendo as vestes e chamando os povos vencidos para o seu cerúleo regaço e para os secretos esconderijos dos seus afluentes. Ao lado, César, conduzido às muralhas de Roma por um triplo triunfo'", oferecia aos deuses itálicos um sacrifício imortal — trezentos magníficos templos, por toda a cidade. Estremeciam de alegria as ruas, ao som dos jogos e dos aplausos. Em todos os templos, um coro de matronas; em todos eles, altares; diante dos altares, bois imolados jazem por terra, O próprio César em pessoa, sentado no níveo trono do candente Febo, observa com atenção as oferendas do povo e prende-as às soberbas portas. Em longa fila avançam os povos vencidos: tão diversas são as línguas quantas as armas e as formas de trajar. Aí gravara Múlciber as raças dos Nómadas e os Afros que não. cingem as vestes; aí figuravam também os Léleges e os Cá-ios, e os Gélones armados de flechas; o Eufrates a correr, já mais apaziguado no seu curso; os Morinos, homens que habitam os confins do mundo, o Reno bicorne"', os indómitos Daas e o Araxes indignado com a sua pontes".
Vergílio, Eneida 8.675-728 (trad. L. Cerqueira)
“Quando eu queria falar sobre batalhas e cidades
vencidas, Febo repreendeu-me batendo na lira,
não fosse eu navegar através do mar Tirreno,
com minha pequena vela. A tua idade, César,
trouxe de novo aos campos as férteis searas,
restituiu ao nosso Júpiter as insígnias,
arrancando-as das arrogantes portas
dos Partos, e fechou,
livre de guerras, o templo de Jano Quirino,
e pôs um freio à devassidão que se afastava
do bom caminho, eliminou as nossas culpas,
e fez reviver o antigo modo de vida,
mercê do qual cresceu o nome latino
e a força da Itália, e a fama e a majestade do Império,
que se estende donde o sol nasce
até a Hespéria, onde se deita”.
Horácio, carm. 4.15.1-16 (trad. P. Braga Falcão).
IV. A arte.
↑ Augusto (ca. 20 a.C.) |
↑ couraça (pormenor) |
↑ Submissão do rei dos Partos a Roma, simbolizada pela entrega do estandarte a um general romano (os Partos eram o povo que governava a Mesopotâmia e a Pérsia). |
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↑(da esq. para a dta.) Apolo, deus do sol, Celo [deus do Céu, que desdobra um véu que simboliza o arco celeste]; Diana, deusa da lua, e Aurora, a deusa alada do nascer do dia. |
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↑ personificação da Terra
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