Sumários

Feriado da Restauração da Independência

1 Dezembro 2016, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Feriado da Restauração da Independência


As fronteiras expugnáveis

29 Novembro 2016, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Enquanto aguardamos a actualização das leituras recomendadas, dedicadas a Jacques Rancière, optámos por mostrar um CD com material diverso sobre Teatro e Comunidade, da autoria de Eugen van Erven. Este professor de teatro na Universidade de Utrecht realizou, em 2001, uma longa viagem localmente programada por alguns países (Filipinas, Holanda, EUA, Costa Rica, Quénia e Austrália), a fim de conceber um estudo comparado sobre como em cada um dos lugares escolhidos e em função dos problemas encontrados nessas comunidades, o teatro propunha uma intervenção artística com benefício para as populações envolvidas.

Saliente-se que em muitos dos exemplos visionados foi possível acompanhar o processo de preparação de cada espectáculo e o resultado do mesmo junto dos espectadores locais. Constatou-se ainda que na maioria das observações os pequenos grupos de teatro trabalhavam com profissionais, professores de teatro, dramaturgos, encenadores que não só procuravam responder às questões colocadas pelas pessoas e que se projectavam de imediato na construção do espectáculo, como estes eram também solicitados a oferecerem algum enquadramento psicológico e afectivo em casos mais delicados que a preparação do espectáculo suscitava.

Em todas as comunidades até agora observadas tornou-se perceptível que a função do teatro não era exibir-se como uma estrutura montada e regularmente visitada, mas antes proporcionar enquadramento às diversas questões que perturbavam as pessoas que, como actores amadores, procuravam no teatro uma resposta, uma clarificação, uma sugestão de mudança face aos problemas que as afectavam, quer maioritariamente de natureza colectiva (PETA nas Filipinas), quer de âmbito individual e colectivo (STU, Holanda, Teatro de la Realidad, USA, Aguamarina, Costa Rica, Ngûgî wa Thiong’o, Quénia).

É dentro desta perspectiva que a proposta filosófica de Jacques Rancière sobre como se deverão relacionar os fazedores de teatro e os seus observadores me parece ter aqui exacto cabimento. Para já através do método de Jacotot, que nestes exemplos tem uma leitura mais diversificada e de maior proximidade através da construção de um objecto artístico, do que acontece em relação ao descrito sobre o trabalho dos estudantes com o Telémaco de Fénelon. Não sabemos por Rancière se a aprendizagem da língua francesa pelos estudantes de Lovaina se traduziu num exercício apenas individual do uso da inteligência ou se entre colegas houve interajuda. Ao contrário do que se terá passado na universidade de Lovaina, as comunidades que observámos na preparação dos seus espectáculos funcionaram sempre como um colectivo.

Tal constatação não inviabiliza, porém, que não possamos aplicar a estes casos, considerados por van Erven, o princípio da igualdade das inteligências associado à rejeição da «ordem explicadora». Verificamos com os vários testemunhos apresentados em Community Theatre, e ainda não chegámos ao fim, que eles conferem às metodologias utilizadas uma particular relevância que se manifesta num trabalho de campo junto dos elementos de cada comunidade e que é posteriormente integrado no espectáculo a realizar. Esta pesquisa é também uma forma de criar proximidade com as pessoas que irão posteriormente assistir ao espectáculo. Quem se ocupa desta pesquisa são os actores que assim recolhem informação a partir da qual se escrevem textos dramatúrgicos e se prepara a representação.

Qualquer distância entre fazedores e observadores é claramente ultrapassada pela vontade de cada um contribuir para um bem comum. E este ganha consistência pela criação artística que existe porque é de todos, ou, pelo menos, de uma grande maioria. A autenticidade deste comportamento nasce da necessidade que é originada na própria comunidade e à qual o Teatro procura responder como modo de autonomização das inteligências.

 

Leituras recomendadas:

- RANCIÈRE Jacques 2010, O espectador emancipado, tradução de José Miranda Justo, Lisboa: Orfeu Negro.

- RANCIÈRE, Jacques 2010, O Mestre Ignorante – Cinco lições sobre a emancipação intelectual, Ramada: Edições Pedago, pp. 7-24.

- ERVEN, Eugene van, Community Theatre – Global Perspectives, London and New York: Routledge, 2001, pp. 1-13 e 243-260.

 

Filme em visionamento:

ERVEN, Eugene van, Community Theatre – Global Perspectives, London and New York: Routledge, 2002, CD, 90’ narrado em inglês


O problema está no método

24 Novembro 2016, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Iniciámos o nosso diálogo através da leitura das primeiras páginas do primeiro capítulo da obra O Mestre Ignorante que a seguir sujeitámos a discussão. Pareceu-nos adequado recuar à fundamentação do pensamento de Rancière sobre o Espectador Emancipado tomando como caminho exactamente aquele que o filósofo escolhera: contar com brevidade um episódio na vida de Joseph Jacotot.

 O que lemos dizia então respeito a uma história invulgar que acontecera de facto a Joseph Jacotot, professor de literatura francesa, em tempo posterior à Revolução. Estando o professor em Lovaina, em 1818, foi desafiado por alunos universitários que tinham ouvido falar dele como um professor estimulante, a dar-lhe aulas, mesmo desconhecendo eles a língua francesa. A língua materna destes jovens era o neerlandês.

Perplexo com o convite, Jacotot decidiu que era preciso encontrar uma metodologia que conduzisse a que os estudantes e ele tivessem em comum alguma coisa. Seria através desse interesse que poderiam trabalhar juntos. Escolheu então o professor um romance do séc. XVII, da autoria de Fénelon, intitulado As Aventuras de Telémaco, editado na altura numa edição bilingue. Este romance de natureza didáctica ocupava-se da educação de Telémaco essencialmente de uma perspectiva política e moral, embora recuperasse o universo mítico da figura do herói, próprio das narrativas gregas. Telémaco era filho de Ulisses e de Penélope e integra a Odisseia como um lutador por causas justas.

Esta episódica aventura, cheia de possibilidades de interpretação a vários níveis como, por exemplo, a aprendizagem de uma língua estrangeira, a descoberta de horizonte novos a partir de um exercício de tradução, mas também a aprendizagem de uma consciência política não dissociada de uma consciência artística, permite a Rancière defender que o método socrático de aprendizagem pode encontrar no exercício da pedagogia liberal uma alternativa credível.

O espectador emancipado ganha inspiração no sucesso da experiência de Joseph Jacotot. É assim que chegamos a uma passagem do ensaio sobre o espectador em que Rancière defende: «Os artistas como os investigadores, constroem a cena na qual a manifestação e o efeito das suas competências se expõem e se tornam incertos nos termos do novo idioma que traduz uma nova aventura intelectual. O efeito do idioma não pode ser antecipado. Exige dos espectadores que desempenham o papel de intérpretes activos, que elaborem a sua própria tradução para se apropriarem da «história» e dela fazerem a sua própria história. Uma comunidade emancipada é uma comunidade de contadores e tradutores. (p. 35)

 

Leituras recomendadas:

- RANCIÈRE Jacques 2010, O espectador emancipado, tradução de José Miranda Justo, Lisboa: Orfeu Negro.

- RANCIÈRE, Jacques 2010, O Mestre Ignorante – Cinco lições sobre a emancipação intelectual, Ramada: Edições Pedago, pp. 7-24.


"É preciso um teatro sem espectadores"

22 Novembro 2016, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

Foi iniciado o primeiro contacto com o ensaio de Jacques Rancière, O Espectador Emancipado, através de conversa aberta e sem que todos os alunos estivessem ainda familiarizados com a substância do texto em estudo. Algum debate aceso surgiu perante o modelo pedagógico, ideológico e político que inspira a argumentação de Rancière e que este aplica à relação entre exequibilidade performativa e espectação.

O modelo de partida deriva de uma experiência real desenvolvida por Joseph Jacotot, professor do ensino secundário, ao tempo em Lovaina, quando corria o ano de 1818. Jacotot e os seus alunos empenharam-se em pôr em prática um método de aprendizagem que se baseava em quatro pressupostos: todos os seres humanos possuem a mesma inteligência; todo o ser humano recebeu de Deus a faculdade de ser capaz de se instruir a si próprio; podemos ensinar o que não sabemos; tudo está em tudo.

A adaptação deste ideário ao comportamento intelectual e afectivo do espectador na sua relação com quem faz o espectáculo constitui então o fundamento da atitude emancipatória daí decorrente. Nesta óptica, de que desenvolveremos leitura de algumas páginas de outra obra do pensador francês, O Mestre Ignorante, confrontar-nos-emos com uma proposta estético-filosófica de cariz utopista, ainda que frequentemente aplicada em núcleos sociais restritos e que se presentifica na ligação Teatro e Comunidade.

 

Leitura recomendada:

- RANCIÈRE Jacques 2010, O espectador emancipado, tradução de José Miranda Justo, Lisboa: Orfeu Negro.


Resultado da 1ª avaliação por teste. A fusão entre corpo - mente - cérebro. É pelo coração que nos emocionamos num espectáculo?

17 Novembro 2016, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Teve lugar a entrega do primeiro teste de avaliação de conhecimentos, o qual não só foi comentado em termos gerais como também foi alvo de apreciação individualizada. A conversa personalizada não alcançou todos os alunos, sendo a mesma retomada e concluída no início da próxima aula.

 

Ainda Damásio pela última vez em reflexão sobre a questão da mente.

Será que podemos entender como pacífico que o coração não é o lugar das emoções? Quando assistimos a um espectáculo artístico, muitas vezes mencionamos que o coração bate mais depressa, que ficamos afogueados, que um rubor nos enche as faces. Terá isto então só a ver com o coração? Sabemos que este órgão é um músculo que bombeia sangue através do sistema circulatório, o que significa que afinal todo o nosso corpo participa dessa manifestação que começámos por relacionar empaticamente com o coração.

Talvez seja também para nós peculiar que a mente humana e a sua espiritualidade tenham origem num órgão físico: o cérebro. Damásio e outros neurocientistas defendem que o cérebro, para além de ser um órgão físico, processa informação que pode ser lida e interpretada através de tecnologia computacional. Os tais mapas a que Damásio se refere constantemente, ao longo do seu livro, e as imagens daí resultantes conferem ao cérebro não a condição de misterioso órgão mas denunciam antes a sua complexidade. As interacções cerebrais das células nervosas são em número elevadíssimo, assumem uma variedade inesgotável. Como nos informa Damásio: «(…) os mapas cerebrais são a base das imagens mentais, o cérebro criador de mapas tem o pode de introduzir, literalmente, o corpo como conteúdo no processo mental. Graças ao cérebro, o corpo torna-se um tema natural da mente.» (119-120)

Podemos agora perguntar-nos como é que a mente adquire conhecimento do mundo? Que parte da mente diz respeito ao que herdámos dos nossos antepassados comuns e dos nossos familiares? As funções mentais inatas obrigam-nos a uma experiência do mundo invariável? Que mudanças físicas ocorrem no cérebro quando aprendemos e recordamos? Como é que uma experiência que dura poucos minutos se pode tornar numa memória para toda a vida?

Estas perguntas dizem respeito a tudo em que estamos envolvidos e que somos no decurso de cada dia e no tempo das nossas vidas. Elas aplicam-se essencial e particularmente à nossa actividade espectante de obra de arte performativa e permitem-nos compreender que aquilo que parecia ser apenas assunto da metafísica ou da filosofia especulativa se tornou objecto, e um muito interessante, da pesquisa experimental.

Quer isto dizer que a mente humana na sua tessitura molecular está sempre a construir-se a partir de tão simples e rotineiros pormenores como os que tecem os nossos dias, ao mesmo tempo que se aventura pelo conhecimento abstracto proveniente de uma equação matemática ou da observação da estrutura e propriedades dos objectos celestes no universo, ou ainda, num gesto comum às nossas áreas de interesse, nos coloca numa sala de espectáculos, numa igreja, num anfiteatro ao ar livre com o objectivo de nos lançar na procura de uma atitude intencional (Damásio, 121) relativamente ao que nesses lugares espectamos e que se produz como arte.  

Importante é ainda o que Damásio refere no que ao corpo diz respeito e à sua relação com o meio exterior. O que ao corpo acontece é registado por mapeamento no cérebro e é através deste que a mente se relaciona com o mundo, com e para lá do sujeito. Essa relação propiciada pelo corpo inicialmente mas que opera como uma constelação indissociável (corpo-cérebro-mente), que se constrói como circularidade ininterrupta e sem que nos apercebamos verdadeiramente do seu funcionamento, é, como refere Damásio, «(…) a resolução do problema da consciência. » (Damásio, 122)

Decorre ainda desta interacção aquilo a que Damásio chama «os sentimentos corporais espontâneos» e «as emoções e os sentimentos emocionais» (Damásio, 122) que se processam entre o corpo e o cérebro sem que a mente disso se aparte. E afinal toda esta totalidade e unidade é profundamente compartimentada. Somos vísceras, somos pele, somos glândulas, circula em nós sangue e linfa. Damásio recorda-nos que na antiga Grécia o termo psyche, a que hoje se associa a palavra mente mas também a palavra alma, queria dizer «o sangue, o ar que respiramos e as funções viscerais» (Damásio 124-125) O tal movimento circular que antes enunciámos processa-se numa direcção e na sua inversa. Corpo e cérebro mantêm-se sempre em diálogo com a cumplicidade da mente, manifestam-se intero e exterocepcionais. (Damásio, 128)

Volto a perguntar de outra forma: O coração é o lugar das emoções?

 

 Leitura recomendada:

- DAMÁSIO, António 2010, O Livro da Consciência. A Construção do Cérebro Consciente, Lisboa: Temas e Debates/Círculo de Leitores (excertos). 260-262; 136-137; 331-353; 118-123.