Sumários

Avaliação

27 Outubro 2016, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Realização do primeiro teste de avaliação de conhecimentos com consulta.


O filme dos nossos filmes

25 Outubro 2016, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Visionamento de Taste of Shirin (2008), documentário de Hamideh Razavi sobre como Kiarostami organizou estrategicamente o seu filme, criando alguns quiproquós ao espectador que vai ao cinema para se distrair e passar uns bons momentos. Shirin dificilmente poderá ser interpretado por esta pauta e é por isso que há espectadores entediados e a perguntarem-se qual o interesse de passar quase duas horas a olhar para rostos de outros espectadores. A história contada e representada através de vozes e de iluminuras, o que não chega para quebrar a eventual monotonia do filme. A nós interessa-nos tudo: a história de amores persas multiseculares; a escuta de uma língua que não compreendemos mas que nos faz chorar e rir como a nossa, independentemente das legendas; uma partitura de sons que cria exactamente o ambiente de que a história precisa; uma plateia de espectadoras e alguns espectadores esparsos cujos rostos contemplamos.

O que terá levado Kiarostami a considerar este filme como o seu último, mesmo continuando a realizar outros, como consta do livrinho que acompanha o DVD? Shirin o filme-testamento. É como se tudo o que constitui a essência de um filme perdesse a importância perante a energia viva dos que o vêem. E isso não faz parte do código a que nos habituámos e continuamos habituados quando vamos ao cinema. A presença real do espectador na sala de cinema não importa ao filme que está a ser projectado.

As actrizes iranianas a meio-corpo são as suas próprias histórias e a de Shirin porque os desgostos de amor são universais. Com elas está Juliette Binoche, de cabeça coberta, mas com alma europeia. Este pequeno gesto confere ao filme de Kiarostami um simbolismo único, tão único quanto é a ideia que ele desenvolveu. Espelhamo-nos nos rostos das actrizes e nos seus gestos e movimentos pontuais que nos dão a ver o que elas sentem, mesmo que preparadas para tal.

Ser espectador de espectador filmado pode ser uma forma de espreitarmos por uma fresta sem voyeurismo. Ambos passaremos a conhecer os nossos papéis. Ambos procuramos o que não vemos naquilo que vemos. Ambos nos interrogamos sobre um filme que não existe.  

 

Do filme visionado

KIAROSTAMI, Abbas, Shirin, DVD, 2008, em farsi com legendas em inglês, 91 min. acrescido do making of de Hamideh Razavi.


Jogos de Kiarostami

20 Outubro 2016, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Voltamos à expressão particular do rosto no contexto também particular do filme Shirin de Abbas Kiarostami. O espectáculo que contemplamos joga às escondidas com sentimentos e emoções. E nós colaboramos nesse jogo. Só disso teremos verdadeira consciência quando acessarmos ao making of do filme. Até lá exploramos com Kiarostami muitas possibilidades de querermos tornar visível o que é invisível e assim se manterá.

 Em farsi, com legendas em inglês, é-nos contada a epopeia antiga iraniana da princesa Shirin e do seu amado Khusraw e a esta narrativa damos nós corpo através de imaginação despertada por audição. Este é o processo afecto à ideia de peça radiofónica de que muito poucos já terão memória. Partilhamos assim um mesmo universo com as actrizes presentes na sala de cinema que se sujeitam ao mesmo desafio que nos é proposto sem que nos demos conta disso.

Os rostos que contemplamos não são rostos naturo-artísticos como os que vimos no espectáculo de Kathakali e que requerem longo treino de domínio muscular. Os rostos que não nos olham nos olhos porque observam uma história que não vêem, adquirem uma consciência artística sendo naturais.

 

Filme visionado:

KIAROSTAMI, Abbas, Shirin, DVD, 2008, em farsi com legendas em inglês, 91 min


Viajar na arte com diário de bordo

18 Outubro 2016, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Dedicámos a aula a um assunto de grande importância para nós – o diário de bordo – que deve ser considerado um instrumento de trabalho para quem assiste, em moldes pré-profissionais mas sobretudo como espectador orientado, a espectáculos artísticos, independentemente do género dos mesmos. Mantemos regularidade na escuta e comentário destes contributos que sinalizam os espectáculos prioritariamente vistos em conjunto ou de forma independente mas sempre escolhidos por todos.

É nossa intenção criar por fixação escrita pequenos recortes individuais que recuperem de um espectáculo aquilo que prevaleceu da memória do mesmo no espectador. Este exercício, que não pretende ser um objecto crítico ao espectáculo, tem antes a função de traçar um percurso espácio-temporal de confluência entre diferentes estimulações a que o espectador é sujeito durante a função. Convergem, assim, num determinado momento ou sequência de momentos, emoções e sentimentos de emoção (Damásio, 2010: 160), estimulados pelo que se vê e escuta mas também por outros sentidos, e sobretudo pelo efeito causado de forma interactiva pelo passado do espectador através da sua memória.

Os testemunhos escutados até ao presente revelam um grau de compatibilidade entre o que terá acontecido e aquilo que o testemunhante de forma verdadeira relata. Este exercício pode contribuir para melhor conhecermos o que connosco acontece durante um espectáculo e como a nossa disponibilidade para a arte, para as artes performativas, se torna mais sinergética em relação a nós mesmos e ao objecto espectado.

 

Vimos e comentámos um documento por mim redigido e que dá deste fenómeno – espectação artística – uma perspectiva geral dos muitos diários de bordo que terei escrito ou pensado.

 

 

Documento de acompanhamento regular:

MENDES, Anabela, Pequeno manual para espectadores que desejam aprender a ver melhor o que por vezes escapa ao seu interesse e que, assim vendo, se posicionam para melhor sentirem que são vistos, dactiloscrito, Fevereiro de 2015.


Natureza e Arte: Darwin/Ekman e outros e um exemplo - Kathakali

13 Outubro 2016, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Recuperámos a matéria discutida a propósito da construção de um espectáculo de Kathakali, dando prioridade ao exercício que o actor desenvolve na preparação do rosto como elemento de comunicação artística e narrativa. Contámos para isso com pesquisa do aluno Tiago Silva.

Interrogámo-nos, uma vez mais, sobre veracidade e aplicabilidade dos princípios darwinianos na sua obra A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, recuperando exemplificação de diferenças no âmbito de comportamento cultural e civilizacional.

Sem querermos contrariar as seguintes palavras de Darwin, na obra em estudo: «Os movimentos da expressão na cara e no corpo são, independentemente da sua origem, muito importantes para o nosso bem-estar.» (p. 335) verificamos que a preocupação do naturalista inglês vai no sentido de salientar, através da constância e repetição dos movimentos fisionómicos e corporais e respectiva musculatura, a capacidade de comunicação entre o ser humano e outros seres humanos, entre animais e entre humanos e animais. Mas o nosso bem-estar (acrescentaria aqui também mal-estar) não depende apenas da expressão das emoções que com outros partilhamos ou que perante nós mesmos exibimos.

Darwin defende ainda que a expressão de um rosto ou um gesto poderão ser mais verdadeiros do que palavras (p. 335), associando esta afirmação ao facto de que uma certa imprevisibilidade da comunicação expressiva e de movimento do corpo estar associada a um tipo de comunicação – a não-verbal – que não deixa por isso de conjugar elementos inatos á espécie, hereditários, aprendidos individual e colectivamente na relação do corpo com o cérebro.

O espectáculo de Kathakali propõe uma leitura complexa da intervenção artística sobre a estrutura natural do corpo humano potenciando as suas capacidades emotivas e cognitivas justamente através de uma linguagem não-verbal, no que aos bailarinos-actores diz respeito.

Com Paul Ekman tivemos a oportunidade de recuperar um perfil histórico do estudo sobre a espécie humana na sua relação biológica com outras espécies animais. No polo oposto a Darwin e a precedê-lo encontramos a teoria Criacionista dominante na cultura ocidental até ao séc. XIX. O percurso darwiniano evolucionista inspira-se, por seu lado, em autores como Herbert Spencer e Jean-Baptiste Lamarck, mas também nos estudos morfológicos de Goethe, eles próprios produto de outras influências. A saber: a taxonomia de Lineu que ordena as plantas a partir de sinais exteriores das mesmas, o reconhecimento da necessidade de uma lei fundamental que ajudasse a ordenar a variedade de formas do reino vegetal proposta por Rousseau e todo o percurso de uma Viagem a Itália (Setembro de 1786 e Abril de 17888) que o autor alemão empreende e durante a qual chega à ideia visionária da possibilidade de existência de uma planta originária (Urpflanze) que correspondesse a uma matriz que por sua vez fosse capaz de abarcar a unidade de um reino (neste caso o vegetal) e de a dar a ver em toda a sua plenitude.

O caminho com as plantas frutificará em Darwin com o estudo das espécies e das suas manifestações e emoções.

A influência em Darwin do naturalista Alexander von Humboldt parece ter sido bem mais vasta do que aquilo que Darwin aplicou aos seus estudos de anatomia, biologia e antropologia. Essencialmente o modelo de viagem de Humboldt pela América do Sul (1799-1805), retira ao engenheiro de minas alemão a condição mais comum na época de cientista de laboratório, exemplo em que Darwin se baseia e que é interiormente determinante na sua viagem intercontinental no Beagle (1831-1836), permitindo-lhe observar in loco as espécies autóctones e ao mesmo tempo catalogá-las de seguida sob uma perspectiva comparatista. Humboldt e Darwin revelaram-se cientistas de terreno o que em muito valorizou a compreensão das suas investigações e relatos e ao mesmo tempo deu deles uma perspectiva mais humanizada e plural perante o seus leitores.

 

Leituras recomendadas:

- DARWIN, Charles 2006, A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, trad. José Miguel Silva, Lisboa: Relógio D’Água, 163-179, 217-231, 233-257, 321-337.

- EKMAN, Paul (ed.) 2006, Darwin and Facial Expression. A Century of Research in Review. Cambridge (MA) / Los Altos (CA): Malor Books, 223-256.

- MENDES, Anabela, Notas para uma sociologia das artes do espectáculo – Reflexão sobre a utilização de parâmetros cognitivos aplicados a públicos de teatro e outras artes in: Maria Helena Serôdio (dir.), Sinais de Cena 17, Junho de 2012, 60-69.

- ZARRILLI, Phillip B. 2000, Kathakali Dance-Drama – where gods and demons come to play, London & New York: Routledge, 72-80.

 

Pequeno vídeo sobre execução de movimentos no rosto por actor de Kathakali

https://www.youtube.com/watch?v=xGMRmoR7GPk