Sumários

Sara Anjo - uma natureza afeita à Natureza

10 Maio 2021, 10:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

MAIO                                    6ª FEIRA                                14ª AULA 

 

                           

10

 

Com alguns dias de antecedência enviei aos alunos referências coreográficas e biográficas de Sara Anjo, a nossa convidada para a última aula.

SOBRE | ABOUT | SARA ANJO

https://www.youtube.com/watch?v=RvyXpbAiu_E (Aqui podem apreciar a gestualidade associada à palavra)

 

Traça | Sara Anjo

 

 

TRAÇA | Video I

+ info:https://www.saraanjo.com/traca                                                                                     


«O corpo é a nossa casa, caminha, deambula e mais que sedentária é sedenta e nómada

The body is our home, it walks, it drifts and more the sedentary is sudden and nomadic

O corpo é a nossa casa em continua transformação e trajectória

The body is our home in permanent transformation and trajectory

A geografia do corpo é um puzzle mutante e com as peças em aberto

The geography of our body is a mutant and blank puzzle

 

O corpo passeia pelo mundo, espalha bocados de si aqui e acolá, tem raiz algures e nenhures

Our body walks through the world, spreading pieces of itself here and there, planting roots somewhere and nowhere

 

O corpo é a nossa casa e habita outras e outros

The body is our home and inhabits other and otherness

O corpo é a nossa casa, é telúrica, molecular e celular

The body is our home, telluric, molecular and cellular

 

O corpo é a nossa casa e respira

The body is our home and breathes​

 

O corpo é uma casa, tal como uma nuvem, contem o sentido do mundo, vive conforme a latência ou potência do momento

The body is a home, and similar to a cloud it holds the meaning of the world, living in-between the latency and the potency of the moment.»

Sara Anjo (Funchal 1982) é bailarina e coreógrafa, residente em Lavre, uma vila no Alentejo, no sul de Portugal. Interessa-se por práticas meditativas que geram mudanças psico-físicas, sendo as acções de respiração, caminhar e parar as principais. Interessa-se também por desenvolver o seu trabalho numa relação com espaço exterior e de paisagem natural. Questiona-se permanentemente acerca do que nos move? Como nos movemos? E para onde nos movemos?

Sara Anjo (PT 1982) is a dancer and choreographer, based in Lavre, a village in Alentejo, south of Portugal. She is interested in meditative practices that generate psico-physical changes, breathing, walking and being still are the main ones. She is also interested in developing her work in relation to outdoors and natural environments. She permanently questions herself about: what moves us? How do we move? And to where are we moving?

 

Trocámos impressões sobre a composição dos trabalhos aconselhados de Sara Anjo, verificando como as suas motivações – a organização do espaço natural, a especificidade de ilhas e seu enquadramento -, aliadas a formas de meditação, entendimento do corpo através do seu esqueleto e de modos respiratórios, sempre associados à caminhada, são a base para as suas criações coreográficas.

Ver dançar Sara Anjo é sempre uma proposta em que a geografia do corpo nos fornece uma progressão que se vai instalando através de períodos de aquecimento muscular, de reverberações mínimas de cada dedo, da pele, do cabelo. Tudo brilha mesmo sob o feito de sombra. Tudo nos conduz para uma aparente simplicidade. E é desse efeito simples, treinado à exaustão, que a bailarina retira o maior proveito, muitas vezes presente na alegria do seu rosto.

Visitámos Sacro – Efabulações em torno de mapas intensivos (2018), dançado em dueto, e assim fomos do mais ínfimo movimento à explosão dos corpos.

Visitámos também um solo na Mãe D’Água – Ilhas uma constelação

https://www.saraanjo.com/ilhas

 

Não visitámos uma paisagem sonora, mas ela fica aqui:

https://soundcloud.com/sara-anjo/ilhas-uma-constelacao-1

Sara Anjo esteve connosco por alguns minutos e com ela fechámos a nossa última 2ª feira de seminário.

Faremos um encontro com todos por Zoom para vos dar a conhecer as avaliações. Enviarei e-mail para que não nos percamos pelo caminho.

Abraço

Anabela Mendes

 

Aulas previstas em Maio – 3

Aulas dadas em Maio – 3

 Saída cá dentro - 4

Saída cultural – 0

 

Total de aulas previstas entre Janeiro e Maio -14

Total de aulas dadas entre Janeiro e Maio - 14

Saídas culturais - 0

Saídas cá dentro - 6


As Rotas da Escravatura de Jordi Savall e as nossas emoções

3 Maio 2021, 10:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

 

MAIO                                    2ª FEIRA                                13ª AULA

 

 

3

 

Conseguimos finalmente ter acesso ao DVD do espectáculo dirigido por Jordi Savall, em 2015, com apresentações posteriores em cidades do continente europeu.

A constituição deste projecto com músicos e cantores de três continentes (Europa, África e América do Sul) limitou a sua divulgação a outros territórios. Tirámos, por isso, benefício do objecto electrónico que acompanhámos na íntegra (2h 9’ 30”) e sem interrupções.

 

Intuo que foi proveitosa a nossa aula, mesmo que conduzida pelo silêncio após conclusão do visionamento.

Quem diria que canções e composições musicais vindas do séc. XV e até ao século XX – as narrativas introdutórias de cada uma das partes incluem, por exemplo, discurso de Martin Luther King – continuam actualizadas? À nossa volta, mas também em paragens mais distantes, racismo, violência, formas de moderna escravatura, subjugação do ser humano pelo ser humano invadem as nossas casas através dos média. Invadem-nos em tempo real.

Recordo em versão livre um trecho de livro de Giovanni Frazzetto, Como sentimos – O que a Neurociência nos pode – ou não – dizer sobre as nossas emoções, em que o autor nos confronta com duas situações distintas. Numa primeira exemplificação, alguém se depara repentinamente com uma criança em afogamento. Numa segunda hipótese, alguém recebe pelo correio informação de que pode apoiar crianças em África, enviando um pequeno montante como ajuda. O texto original é bastante mais corrosivo e irónico do que aquilo que retirei como informação central, mas o que nos interessa e que podemos relacionar com o assunto alargado do nosso DVD diz respeito a uma atitude moral que se torna distinta conforme o acontecimento esteja próximo de nós (a criança a afogar-se) ou esteja a quilómetros de distância (a carta que chega de África). (Frazzetto, 2014: 71-74)

Na qualidade de europeus não nos podemos alhear de um sentimento de culpa colectiva que perpassa a obra de Savall e dos seus colaboradores. Mas para além desse vector central, existe a distância de não termos vivido essa realidade histórica. O mesmo se pode dizer daqueles que sendo oriundos de África ou da América do Sul integram hoje nas suas culturas e vivências um sentimento de perda profunda. O que acontece para além destas constatações é que o fenómeno não morreu por si. A escravatura moderna é uma realidade que podemos observar como observada foi e salva a criança em afogamento (experiência de proximidade), embora a nossa mais frequente atitude seja a de olhar para o lado como se se tratasse da carta que chegou de África.

Concluo dizendo que a distância física em relação ao que neste campo vai acontecendo pelo mundo e que recebemos pela mediação de imagens, relatos e textos, obras de arte, deixa de operar verdadeiramente entre proximidade e lonjura tout court. Aquilo que nos intercepta são as emoções pelas quais somos afectados e que são despertadas por cada situação, real ou diferida, e que nos conduzem directamente ao juízo moral.

O prazer no visionamento do espectáculo de Savall não inviabiliza a consciência de que ele foi construído sobre território profundamente minado. Emocionámo-nos e o sentimento de emoção com que acompanhámos As Rotas da Escravatura não pôs em causa os nossos valores. Talvez os tenha até fortalecido. A nossa conduta, para além do espectáculo que vimos em conjunto, informa o nosso quotidiano interceptado também pelas disfuncionalidades praticadas à nossa volta ou em distantes lugares e que nos são servidas em directo ou por intermediação.

Considera Frazzetto o seguinte: «Era mais provável que os nossos antepassados biológicos se vissem na situação de ter de salvar alguém que se encontrasse em perigo pondo-se a si próprios em risco. Os nossos cérebros, e em particular os circuitos do nosso cérebro que medem a emoção, foram treinados ao longo de milhares de anos para responderem a situações morais desse tipo.» (Frazzetto, 2014: 73)

Como poderemos nós impedir a escravização? Esta é uma falsa pergunta, pois nem a arte de Savall nem a sua bondade extrema têm, tiveram a capacidade para mudar os negócios do mundo. É disso que se trata afinal. A subjugação do outro é alvo de muitos matizes, mas o mais evidente prende-se com níveis subliminares de sobrevivência.

 

Livro citado

FRAZZETTO, Giovanni 2014, Como sentimos O que a Neurociência nos pode – ou não – dizer sobre as nossas emoções, Lisboa: Bertrand Editora.

 

DVD visionado

SAVALL, Jordi 2015, The Routes of Slavery (1444-1888), K. M. Diabaté, I. García, M. J. Linhares, B. Sangaré, B. Sissoko, LA CAPELLA REAL DE CATALUNYA, HESPÈRION XXI, 3MA, TAMBEMBE ENSAMBLE CONTINUO.


Felizes para sempre, só hoje!

26 Abril 2021, 10:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

ABRIL                                   2ª FEIRA                              12ª AULA

 

 

26

 

Recebemos hoje o último contributo oral de um conjunto de seis, da doutoranda Maria João Vicente sobre o seu projecto de investigação em forma actual e que designa por Felizes para, sempre só hoje!

Achei curioso este título pela suspensão criada pela vírgula e ao mesmo tempo provocatório pelo que deixa de invocar como alcance de pacificação para a vida e menos para a morte. Percebi depois que a leitura que fizera desse título adquirira uma condição não tão sofisticada, embora ainda desafiante para os conteúdos que iriam ser apresentados. Um lapso deslocara a vírgula para junto da palavra errada. O título correcto seria então: Felizes para sempre, só hoje!

A recriação temporal determinava que o adquirido desse lugar-comum fosse substituído pelo suspenso que conforma cada momento em si. Este título trocava as voltas ao desejo de bem-estar e de uma certeza sonhadora que fabrica muitos dos contos maravilhosos e que, por isso, se transmuda facilmente para a vida.

No só hoje congregou Maria João Vicente um postulado essencial para a sua investigação e que demonstra o simbolismo de revisitar um determinado período de acções em cena e seus protagonistas, como a própria se interroga: «O que acontece na cena, individual e colectivamente, num determinado grupo de pessoas, num determinado período de tempo?»

Esta proposta reconfigura um ou mais só hoje que se articulam em diversas direcções. No fundo esta ideia procura compreender o que já aconteceu, e que nem sempre terá sido fonte de simples felicidade, mas que pode perspectivar na distância o que ainda está por dizer.

A investigadora assume com clareza o enviesamento do seu projecto no tracejado do caminho e dispõe-se a criar um lugar em cena para quem leia o que vier a escrever. Esta originalidade requererá um duplo esforço: mudar o ponto de vista do leitor, porque ele é convidado a mudar-se no espaço intencional; convencer o leitor de que nada mudando, de facto, tudo muda mesmo.

Maria João Vicente usará no seu trabalho a metodologia das entrevistas como forma de aproximação a outros com quem trabalhou, permitindo que os muitos trabalhos em que se envolveu como actriz possam renascer pela palavra, pelas reacções corporais, pela voz, a mesma e outra já, como reconstrução (sempre falsa) de memórias que colaborem com o trabalho a ser escrito.

Actualmente Maria João Vicente sistematiza a sua investigação em cinco capítulos: Do lado da História; Do lado do Outro; Uma Experiência colectiva; Do lado da Ética; Descrições.

Todas estas partes parecem bem defendidas, pelo menos no actual estado da investigação, e pareceu-me oportuno o ponto que é consagrado às descrições.

Ver-se-á perante a actividade de perguntar e escutar respostas se a descrição tem primazia. Em que momentos ela se interrompe e possa vir a seguir a ser retomada.

Sugeri nesta parte da sua exposição que experimentasse uma outra variante conhecida como testemunho. Quem testemunha fala durante um certo tempo sem interrupções sobre um determinado assunto. O testemunhador conduz e executa o que consegue dizer. Não tem bordões nem interrupções. A preparação para esta acção exige enorme disciplina e seriedade. Tal não significa que a pessoa em questão não forneça leitura de si mesma em várias direcções. Esta alternativa não ocupa o lugar da entrevista. Ambas são muito úteis.

Citei como exemplo o trabalho do coreógrafo e bailarino Mário Afonso e do seu projecto Prata da Casa. Este projecto recupera os testemunhos de muitos dos artistas que trabalham em dança, em Portugal, a partir dos anos 70 do século passado. Com a Prata da Casa, Mário Afonso constitui um arquivo on line de interesse público.

 

https://www.cartabranca.pt/category/prata-da-casa/

https://www.cartabranca.pt/prata-da-casa-janeiro-2016/

 

Maria João Vicente encontra-se numa fase de aproximação às vertentes do seu projecto de doutoramento que ainda não intimida. Procurar é uma óptima acção que por enquanto não obriga a tomar decisões, embora permita ir fazendo pequenos ajustes nas direcções já conhecidas, mas também naquelas que se tornam inesperadas.

A aluna tem um plano de estudos ligeiramente diferente do dos seus colegas, o que lhe permite ainda uma certa distensão. Apesar disso, o seu projecto está bem delineado e promete não a deixar ficar mal.

A investigadora disponibilizou aos colegas e a mim dois textos:1. Ensaio de Roland Barthes sobre escuta, rubrica Oral/Escrito Argumentação, publicado no volume 11 da Enciclopédia Einaudi, Lisboa: Imprensa Nacional| Casa da Moeda, pp. 137-145, 2. William Shakespeare, Hamlet, Príncipe da Dinamarca, II acto, cena 1, na tradução de António M. Feijó, Lisboa: Cotovia, 2001 (2ª edição), pp. 111 e 113.

Ambos foram abordados nas suas linhas específicas, mais o ensaio de Roland Barthes, como se o excerto de Hamlet, de tão conhecido que é, não tivesse suscitado intensidade na discussão. Talvez o rumo das conversas fosse mais no sentido de explorar o conceito de escuta.

As intervenções dos colegas sobre a proposta apresentada por Maria João Vicente foram bastante entusiasmantes. Claramente a relação com o outro ocupou o discurso de Maria-Josefina Fuentes, dissertando sobre empatia e ressonância. A aluna questionou-se sobre: O que escuto do outro no meu próprio corpo? Ou: Será que o corpo de cada um atende ao lugar do outro? E claramente relacionado com o ensaio barthesiano: O que entendemos por escuta? O que ressoa em nós a partir do outro? A aluna fez ainda uma apresentação de carácter pedagógico e biológico ao mostrar como funciona o esqueleto humano na sua relação com o crânio. Muitas vezes esquecemo-nos do nosso próprio corpo a este nível.

Maria João Vicente reforçou a ideia, já antes amplamente mencionada, da importância de sermos por outros afectados. Como é que isso acontece?

A título de exemplo mencionou o fenómeno da repetição no Teatro. Esta questão levar-nos-ia longe. Optámos por ouvir de seguida o Paúl San Martin. O aluno foi bem directo na sua intervenção dando os parabéns à colega pela sua apresentação e incentivou-a a prosseguir.

Vem a propósito mencionar ao longo de todas as sessões deste seminário, o interesse e a dedicação que os seis alunos mantêm entre si, procurando sempre completar o que dos seus pontos de vista possa ser útil aos trabalhos uns dos outros. Nesta dádiva permanente se verifica como a tal atenção aos outros está aqui plasmada.

De Paúl escutamos ainda algumas interrogações sobre o actor, sobre o público. Como se levantam as informações?  E a propósito do título (ainda provisório, como refere MJV) do trabalho, Paúl San Martin cita leituras: Deleuze em Différance et Repetition, Kierkegaard em Deleuze. E na sequência da sua intervenção menciona uma expressão muito apropriada e qualitativa: «forças fracas».

Maria João Vicente continua a interrogar-se sobre questão central para ela, relacionada com o facto de quem faz teatro o poder pensar em simultâneo.

Recomendo a todos, à Maria João Vicente em particular, a leitura de : Luis Miguel Cintra Cinema, edição da Cinemateca Portuguesa,2020; entrevista em E-Revista, Expresso,1.5.2021 e entrevista em Sinais de Cena, Série II nº 5, Abril de 2021.

Rocio Perez acrescenta pensamento sobre a relação entre encenador e actor, baseando a sua opinião na possibilidade de capturar a viagem entre a palavra e a escuta do actor (de novo Barthes) que se inspira na experiência de vida humana.

Patrícia Anthony recupera de suas memórias a capacidade de ser boa contadora de histórias. Salienta o trabalho político como viagem interna do actor, a que acrescenta e dentro de contexto, a importância de estabelecer parâmetros entre individualidade e colectividade (associado também ao trabalho de MJV). Brecht vem a talhe de foice e a defesa de que os actores são operários do movimento de teatro independente. Talvez tenham sido, direi eu. Hoje deixou de haver essa sintonia.

Eliane Ramin concentra o seu discurso na função de actriz, na compreensão de como é a pessoa que está por detrás da personagem. Como se processam as vivências do actor através da memória.

 

Aulas previstas em Abril – 4

Aulas dadas em Abril – 4

 Saída cultural cá dentro - 1

Saída cultural – 0


Em busca de uma vida plena

19 Abril 2021, 10:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

ABRIL                                   2ª FEIRA                              11ª AULA

 

 

19

 

Durante a sessão de hoje escutámos a apresentação de Paúl San Martin que sequencia o seu projecto de investigação intitulado Noción de “kamaq” como matriz andina de creación escénica para la dirección teatral, alargando-o agora com reflexão específica na área da metodologia. Em documento anterior já nos havíamos confrontado com a palavra “kamaq” (princípio de criação) e com o significado de “matriz andina”, forma de pensar a realidade dos povos andinos sob uma perspectiva simbólica, se bem que considerando a geomorfología da Cordilheira dos Andes como a estrutura-base que orienta toda e qualquer abordagem relacionada com a vontade de entender e apreciar como vivem as comunidades que habitam estes lugares com mistério e integração pelo sagrado em tudo o que é vida. Aquilo a que António Damásio, já algumas vezes mencionado em nossas conversações, chama homeostasia.

Na exposição a que tivemos acesso foi dado destaque por Paúl a uma disciplina relativamente nova nas artes performativas – a etnocenologia – que é uma ciência que se dedica ao estudo, em diversas culturas, do fazer prático nelas presentes, considerando como essenciais os comportamentos e as acções humanos organizados numa dimensão espectacular.

A Etnocenologia dedica a sua atenção de uma forma particular ao pesquisador que é envolvido pelo âmbito da pesquisa de uma forma amorosa, passando a participar no desenrolar das acções e na sua própria mobilidade espectacular. Quaisquer que sejam as apresentações / representações a que o investigador assiste (cantares, danças, peças de teatro, uma preparação culinária, uma celebração religiosa), torna-se essencial a sua capacidade móvel. Cada lugar inspira um modo diferente de reagir e a adaptabilidade é condição primeira para que a pesquisa prossiga. Um Etnocenólogo tem de ser capaz de considerar o universal e o particular num mesmo nível de aceitação.

A investigação de Paúl San Martin traz-nos novos conhecimentos e propõe um desafio maior que consiste em observar a produção cénica como referente maior dos diversos sistemas simbólicos e ao mesmo tem reais que convergem em cada comunidade.

O aluno caracteriza assim nas suas notas de ensaio o modo como pretende aplicar a prática etnocenológica aos seus estudos de campo:

«La contribución de una perspectiva etnoescenológica es, en contrapartida, impedir la description del fenómeno de la description aplicado a los espectáculos vivos unicamente como un jugo combinatório de las formas en presencia. La mirada de la etnoescenología invita a performar la Caparaó de lo macroscópico al proponde la adopção de «un enfoque sistémico, susceptível de tener en cuenta los subsistemas mutuamente interactivos que subtendem las actividades del Ombre total, considerado en su integralidade».»

No ponto 3 do seu documento são questionados aspectos que tornam mais evidentes os campos de exclusão do que não sendo humano ou vivendo nas margens do mesmo é entendido como aspecto que fortalece o antropocentrismo que continua a manter fora de padrões normatizados o que não respeita nem entende.

Deste ponto de vista, o trabalho teatral proposto, ainda em termos gerais pelo aluno, faz-nos acreditar que é seu propósito dar vida ao que já é vida e vai ao encontro das suas reflexões e do modo de construir na espectacularidade de cada coisa, de cada pequeno ser a intercepção de todo um conjunto apoiado na regulação para a qual tendemos e procuramos.

Sublinhe-se neste contexto a frase retirada do ponto 5 do documento em apreço: «En clave de esta condición todo lo existente tiene kamac. Es decir, participa del principio vital que mueve todas las existencias.»

Paúl San Martin acrescentou à sua exposição a convicção dos seus propósitos na defesa de pensamento artístico, antropológico e etnocenológico. Mas mais do que isso sobressaiu das suas palavras uma dimensão ética que o seu projecto também refere. Essencialmente ficou claro para todos nós que o aluno ama o seu país e que estudar os povos indígenas no seu quotidiano cultural é um desígnio de vida.

Intervieram na discussão Maria-Josefina Fuentes que estabeleceu comparação com a «matriz andina» chilena, confirmando o que já antes tinhamos constatado: o abandono dos povos autóctones sujeitos a políticas de desenvolvimento que não os respeitam e a necessidade de recuperar para o estudo as várias etapas históricas: colonialismo, pós colonialismo e decolonialismo. Patrícia Anthony chamou a atenção para o processo de aculturação existente também no Brasil e mencionou vários exemplos que conhecia de infância e que correspondiam a manifestações sincréticas, comportamentos e práticas próprios de pessoas e comunidades que trazia na memória. Eliane Ramin interessou-se por este projecto como relação cultural simbólica que em muito se distingue do teatro ocidental. Finalmente, Rocio Perez, mulher do aluno expositor, teve o privilégio de se manifestar de um ângulo de proximidade ao referir a entrega vivencial com que Paúl trabalha junto das comunidades, como expressa, perante aqueles que alimentam o seu estudo, a sua maneira de ver o mundo. A total dedicação faz-nos crer na bondade científica deste projecto.


Um trajecto em alargamento

12 Abril 2021, 10:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

ABRIL                                   4ª FEIRA                      10 ª AULA

 

12

Começamos hoje pelo fim.

Temos em mãos há umas semanas uma proposta artística de festa, também ela legítima num quadro de horror e sofrimento, e que serviu de inspiração a um grupo de músicos e cantores que escolheram dedicar as suas artes a um assunto que despromove a relação entre povos: a escravatura. Seremos nós espectadores sado-masoquistas quando nos aventuramos por caminhos que nos narram e perante nós exibem Rotas da Escravatura 1444-1888 como espectáculo pluri-racial, pluri-religioso, pluri-cultural, pluri-artístico perante tudo aquilo que se objectiva em tortura, humilhação e desprezo pela essência e valores éticos humanos? Serão os conflitos entre seres da mesma espécie e relacionados com este assunto insolúveis, nomeadamente como formas de exercício de poder em que o espírito democrático se esboroa perante interesses de natureza económica, social e política há tantos séculos? Onde situar verdadeiramente um pós-colonialismo que em muito se dilui em formas de colonialismo que persistem ainda e sempre fazendo de uns escravos e de outros senhores?

Hoje voltámos por poucos minutos a tomar o rumo de Jordi Savall, conceituado gambista catalão e estudioso de música antiga em várias paragens do mundo, que entendeu dedicar obra ao assunto da escravatura. Este assunto atravessa os tempos da História desde há milhares de anos e sabemos nós hoje também que o ano de 1888, que criou como oficialização o fim da escravatura, não passou infelizmente de uma espécie de acto politicamente correcto.

Com os seus colaboradores de diversas regiões do globo, Savall intuiu a necessidade de fazer despertar consciências a partir da arte instrumental e vocal. A dança veio por acréscimo.

Acredito que iremos em breve assistir a um espectáculo em diferido, realizado ao vivo e pela primeira vez, em 2015, na abadia de Fontfroide em Narbonne, França. O lugar escolhido para exibir Rotas da Escravatura ganhou aliás uma conotação simbólica, isto se pensarmos, por exemplo, no processo de cristianização em África e na América do Sul onde algumas ordens religiosas foram colaboracionistas dos regimes coloniais europeus de manutenção de pessoas em situação de escravos.

Perante nós serão tocados vários instrumentos europeus e não-europeus, cantar-se-á em várias línguas, vestir-se-ão trajes tradicionais de vários países e, no caso de europeus, será usado o negro tradicionalmente escolhido para cena, nomeadamente para homens, neste tipo de espectáculos. Dançar-se-á com alegria em palco. Os ritmos contagiantes irão operar milagres. Quatro séculos da história da escravatura irão sendo narrados sempre por actor negro que carregará na voz a tragicidade dos acontecimentos.

Pensar esta introdução ao espectáculo como uma predisposição feliz para as penúltimas aulas deste seminário será fazê-lo sob a consciência de que a felicidade alcançada com o trabalho artístico de outros não significa leviandade de pensamento.

Talvez possamos descobrir o que não conhecíamos, talvez possamos cantar as letras disponibilizadas, talvez possamos balancear os nossos corpos juntando-os aos dos cantores-bailarinos e músicos que do ecrã nos irão fascinar em breve. Será através deles que iremos celebrar o que existiu no íntimo de milhões de escravos e que apenas raramente o puderam exprimir. Ou a exprimi-lo o fizeram na obscuridade das suas vidas. 

Encontramo-nos com Jordi Savall e os seus intérpretes, numa assistência ao concerto que teremos em mãos e que nos levará por regiões longínquas do mundo, nomeadamente pelas Américas Central e do Sul, pela África subsariana e naturalmente pela velha Europa. O assunto que domina esta obra e que por esta altura já será de todos conhecido, atravessa-se em milhares de anos de vivência da espécie humana como uma instituição criada pelo próprio homem a fim de aprisionar e usar muitos em benefício de uns poucos. Sabendo nós, aliás, como já afirmado, que o ano de 1888, que criara como oficialização o fim da escravatura no Brasil, e sabendo nós também que ainda em 2007 a Mauritânia entendera oficialmente pôr fim à escravização de seres humanos, não é fácil prever o que está para além da legalidade em cada país, pois a traficância, a manutenção em cativeiro e o aproveitamento económico destas pessoas representa cada vez mais uma trágica realidade que nos assombra e não tem fim à vista.

Esta é a questão central de Rotas da Escravatura que artisticamente procura dar relevo através do canto, da dança, dos ritmos musicais, de uma encenação feliz e libertadora, de uma movimentação em cena organizada, mas também aberta à natural irreverência, com que a representação em memória dos milhões de escravos se desencadeia como espectáculo criador daquilo que terá sido o único espaço expressivo e de liberdade interior de cada escravo. A exteriorização de uma limitada alegria transformava a vida destas pessoas naquilo que ninguém podia impedir. Celebrar esta evidência nos nossos tempos faz com que seja no domínio do exercício artístico que se projecta o fenómeno da liberdade individual e colectiva. Inúmeros são os relatos e as imagens de época que invocam a História da Escravatura. O espectáculo cria uma estrutura narrativa, atribuída a um actor, que vai acompanhando e abrindo cada conjunto de canções e sua execução instrumental e de movimento. É nesta estrutura que podemos ancorar a informação mais detalhada que ajuda a enquadrar cada período, século após século, e que nos oferece uma visão alargada dos acontecimentos no contexto do espectáculo. É demasiado óbvio que o narrador seja negro, mas também só assim poderia ser. Ele carregou na voz a tragicidade dos acontecimentos. Na versão portuguesa do espectáculo, em 2016, apresentada na Gulbenkian, foi o actor moçambicano e português, Alberto Magassela, que desempenhou esse papel.

Rotas da Escravatura procura cobrir o fenómeno esclavagista apenas nas regiões do globo que mais directamente estão associadas ao mundo ocidental. Outras paragens não são aqui consideradas, apesar de haver referência actualizada no livro de acompanhamento ao espectáculo (pp. 174-179, versão inglesa) sobre esta questão. Com os seus colaboradores originários de diferentes países e culturas, Savall intuiu a necessidade de fazer despertar consciências a partir da arte instrumental, vocal e de movimento. Acresce dizer, a título de exemplificação, que estar em cena neste espectáculo significava também escolher o que vestir, sabendo que esses trajes não pretendiam criar uniformidade.

Perante nós irão tocar-se vários instrumentos europeus e não-europeus (a carcaça de uma cabeça de vacum é usada para fazer música, a par de um violino ou de uma Kora) cantar-se-á em várias línguas, vestir-se-ão trajes tradicionais de vários países e, no caso de europeus, será usado o negro mas não só. Savall veste camisa azul-cinza bordada, outros músicos envergam roupa casual, com colarinhos abertos e sem gravatas. Dança-se com alegria e espontaneidade, se bem que se perceba a existência de um guião que orienta toda a coreografia. Os ritmos contagiantes operaram milagres. Quatro séculos da história da escravatura vão sendo narrados criando a integração necessária para uma ampla apropriação do assunto.

Prosseguindo o desvendamento desta obra artística e ainda sem acesso ao visionamento integral da mesma, faremos aproximação à obra musical de Jordi Savall, As Rotas da Escravatura, com o intuito de apreciarmos melhor algumas das canções que eram interpretadas, dando particular atenção às suas letras.

Seleccionei La Negrina / Gugurumbé, Los Negritos e Canto de Guerreiro. A escolha poderá beneficiar da leitura da alunas e aluno que têm o castelhano como língua materna.

 

 

 

 

Verificaremos como estas canções e outras propõem um comentário de esperança, por vezes de malícia, mas também de realismo sobre pequenos episódios da vida quotidiana dos negros em África, dos negros em território europeu, dos negros colonizados em terras do continente americano.

A graça destas canções está por vezes associada a uma visão afectiva do que é cantado. Os títulos das duas primeiras canções unidas referenciam com os seus diminutivos nos títulos um sentimento de cumplicidade entre quem canta, quem toca e quem escuta. Este traço de identificação do próprio fraseado vem associado a uma mundividência cristã presente no desejo de visitar Belém e o pequeno Jesus.

Entendemos assim que a dimensão animista de religiões e rituais fundadores da espiritualidade africana dá lugar a várias intersecções entre diversos tipos de fé e crença cujos cruzamentos determinam a permanente função do catolicismo a operar sobre a liberdade de culto de cada um. Catequisar escravos, mas também indígenas diversifica-se como estratégia de acompanhamento à transformação de seres humanos em puros objectos a explorar como mercadoria.

Curiosamente encontramos em La Negrina / Gugurumbé e em Los Negritos compostas como uma ‘ensalada’ por Mateo Flecha “El viejo” (1481 -1553) ou Mateu Fletxa el Vell (em catalão, sua língua de origem), composições que ajudam a alcançar um certo espírito de entendimento entre senhores e escravos. Estas e outras canções não tinham de expressar apenas a realidade do novo continente já que fases anteriores do processo de escravização aconteciam como um tempo de estágio na própria Península Ibérica e em outros países europeus. Em Portugal e em Espanha nesta época havia um elevado número de escravos ao serviço das classes mais abastadas, associados naturalmente ao trânsito Atlântico.

 

Reprodução de “Chafariz d’el Rey no séc. XVI” (pintura flamenga, 1570-80, de autor desconhecido, óleo sobre madeira, 93 x 163 cm, Coleção Berardo), onde são visíveis vários africanos a desempenhar diferentes tarefas. Na imagem mais pequena, reprodução da primeira página do documento que está na Biblioteca Nacional da Ajuda, cópia do século XVIII do original de Venturino, que relata o episódio dos escravos reprodutores de Vila Viçosa. Ao lado, imagem atual do espaço onde existiu a “ilha” no paço ducal da Casa de Bragança, então habitado por escravos. Ainda hoje os trabalhadores referem-se à zona pelo mesmo nome.

Fonte: https://expresso.pt/sociedade/2015-12-08-O-segredo-dos-escravos-reprodutores

 

La Negrina / Gugurumbé e Los Negritos constituem em linguagem técnica uma ‘ensalada’ ou ‘salada’ em português, nome que se dá a uma composição escrita para várias vozes e línguas.

https://www.youtube.com/watch?v=TZYcY_TmwVs

Ver o poema completo em:

https://es.wikisource.org/wiki/La_negrina

Mas a presença de língua africana na dupla canção, língua que não identificamos porque não a estudamos é, por um lado, sinal de estranheza perante outras culturas, embora, por outro lado, a sua aceitação no espaço da Península Ibérica não passasse de uma trivialidade necessária e que não fazia sentido questionar em termos gerais. Acresce dizer que a dupla canção ensaia diálogo no interior dos versos, propondo assim uma dramaturgia simples que procurava alegrar aqueles a quem se destinava e que assim recebiam entretenimento.

Se transpusermos para o novo continente o mesmo texto e a mesma música, é na presença da distância que encontramos uma resposta para a interpretação a que chegaremos. A música, o canto e a dança são as artes primordiais através das quais os escravos suavizavam sofrimento e dor indescritíveis, geração após geração, na esperança de preservarem uma identidade.

Canto de Guerreiro (Caboclinho paraíbano) · Jordi Savall · Tradicional · Maria Juliana Linhares · Erivan Araújo (Brasil) é uma canção para uma só voz que já faz jus à realidade brasileira ancestral, em particular, à dos indígenas que viviam em harmonia com a Natureza antes da chegada dos colonizadores, e a quem uma tempestade causa surpresa, porque põe em causa o que antes fôra inquestionável. A aplicação da relação metafórica do mundo natural como um factor que pode ser tão bondoso quanto desestabilizador permite ler-se na tonalidade e melodia do canto de Juliana Linhares, um espanto questionador. O diálogo da cantora com Tupã, o deus da Criação, transforma uma pequena canção num hino de perguntas-afirmações. Todas elas continuam a fazer sentido no nosso tempo.

O DVD, que espero visionarmos, oferece inúmeros percursos através de uma observação e escuta de pormenor. A riqueza das relações entre intérpretes, a espontaneidade do movimento adequado à ordenação instrumental, a contra-cena constante sem pôr em risco o lugar de cada um não criam qualquer conflito no conjunto artístico. Nunca está em causa o rigor do espectáculo nem a sua intencionalidade primeira: dar a sentir a cada um de nós como um tempo raivoso e medíocre de exploração do homem pelo homem surpreende no seu modo belo e elevado.

 

Os obstáculos não estão no caminho. São o caminho. (Séneca)

 

Obra a visionar através de piratização de DVD:

SAVALL, Jordi 2015, The Routes of Slavery (1444-1888), K. M. Diabaté, I. García, M. J. Linhares, B. Sangaré, B. Sissoko, LA CAPELLA REAL DE CATALUNYA, HESPÈRION XXI, 3MA, TAMBEMBE ENSAMBLE CONTINUO.

Espectáculo apresentado ao vivo, a 17 de Julho de 2015, na Abadia de Fontfroide, Narbonne, França, no âmbito do X Festival de «Música e História para um Diálogo Intercultural», Aliavox. Tempo de duração: 2h08’30’’

 

Acesso às 2ª e 3ª partes do espectáculo

https://www.rtp.pt/play/p410/e325909/raizes

https://www.rtp.pt/play/p410/e421314/raizes

 

Estamos agora em condições de comentar a apresentação de Eliane Ramin dedicada a Neurobiologia da Emoção, assunto que ocupa já em estado avançado a sua pesquisa para o doutoramento e em busca de O corpo emotivo.

A aluna optou por apresentar o seu trabalho através de explanação a partir de diapositivos, criando enquadramento histórico para o avanço da medicina em direcção à Neurociência. Ao sétimo diapositivo percorremos 460 anos num ápice de investigação e descoberta sem que tivesse sido clara a escolha daquelas opções e não outras. Na verdade, pareceu-nos que o objectivo da Eliane era chegar à chamada Década do Cérebro (cerca de 1990-2003) e às invenções como a TAC ou a descoberta do genoma humano. Apesar disso, e compreendendo o desejo de Eliane Ramin nos aproximar dos mais recentes investimentos científicos em prol da Humanidade, escapou-nos a dispersão informativa a que fomos sujeitos.

Ao contrário do que aconteceu com o sétimo diapositivo, outro nos foi mostrado, o quinto, que nos apresentou imagem de mãe beijando o seu filho bébé, gerada por ressonância magnética. Aqui comovemo-nos em conjunto por aquilo que estávamos a ver – o interior das cabeças de ambos apresentado num acto de transparência a que nunca tivéramos assim acesso. E mais. Nos cérebros da mãe e do filho verificámos a existência de pontos luminosos correspondentes às zonas do cérebro activadas no instante do beijo. Este foi, sem dúvida, um momento alto da exposição de Eliane Ramin, a quem agradecemos por esta experiência inédita.

E afinal que regiões estão iluminadas no cérebro da mãe e no cérebro do filho? No caso da mãe “iluminam-se” no hemisfério direito pequenas zonas do córtex frontal (pensamento e emoções) e no lobo parietal, em termos genéricos, funções relacionadas com o tacto e outras funções sensórias. No filho observamos um pequeno cérebro em formação de que enunciarei apenas funções: movimento voluntário dos olhos, sensações, audição e memória.

O que acabo de descrever exigiu alguma investigação suplementar ajudada pela Internet e apenas percorrendo imagens. Não estou certa de que tenha alcançado resultados óptimos, mas a tentativa de alargar o que nos devolvera a imagem inicial comprova os efeitos da relação emocional que activa zonas cerebrais distintas, mas também similares, em cada um dos seres. Acresce dizer que a memória e a experiência que temos deste acto ficará a partir de agora suplementada pelo conhecimento que em nós produziu novas emoções.

 

 

Rebecca Saxe beijando o seu filho

 

Eliane prossegue a apresentação dos seus diapositivos, interrogando-se sobre afirmação de António Damásio: «Em certas circunstâncias, como em uma emoção, o cérebro rapidamente constrói mapas do corpo comparáveis àqueles que resultaria (como) se o corpo fosse realmente mudado por aquela emoção. A construção pode ocorrer bem antes da mudança emocional, ou mesmo no lugar desta mudança. Em outras palavras, o cérebro pode simular um certo estado corporal como se estivesse ocorrendo.» (Damasio and Damasio, 2006, p.18) E a razão das suas interrogações está associada às possibilidades que o actor tem de sentir emoções ou de agir como se as sentisse. Este duplo padrão releva de comportamento e consciência comuns a qualquer ser humano, em particular, por exemplo, ao que acontece com um burlão. Este ensaia o seu destino como jogo, muitas vezes perigoso, e que lidera. São seus objectivos o engano e a extorsão. O processo de simulação sobrepõe-se ou coincide com a construção de uma personagem que é e não é ao mesmo tempo, mas que deverá fazer prevalecer sobre todas as variantes comportamentais como ideia de verosimilhança. O actor que tenha de fazer de burlão poderá ter de assumir e treinar aquilo que Damásio menciona acerca do que entende por body loop e por as-if body loop. A preparação de cada acto requer que o “burlão” se oriente por uma permanente capacidade de ginasticar o seu cérebro em correspondentes mudanças com o corpo. Para ele, a linguagem do corpo e o treinamento da voz permitem ou não o sucesso da operação planeada. Neste fugaz exemplo extremado não podemos deixar de reconhecer como cognição, emoção e criatividade se associam entre si para a produção de um crime e sua representação.

As colegas Patrícia, Maria-Josefina, Rocio e Maria João e o colega Paúl foram unânimes em destacar as capacidades organizativas e expositivas da aluna. Foram salientadas: a competência para a síntese que deverá enfrentar muitos momentos de treinamento; o desafio que o trabalho propõe de aplicação ao treino teatral; a escolha emblemática da imagem por ressonância magnética que comentámos e que criou em alguns casos o pavor da transparência. (Maria João Vicente) Integrou a nossa discussão a perspectiva desenvolvida sobre as opções para o actor tomadas por Stanislavski, em 1935, e que correspondem àquilo que o encenador chama “arte da experiência” em que são associadas a experiência emocional e a dimensão anatómica em termos de consciencialização para o actor. (Paúl Sanmartin) Eliane Ramin disserta então sobre o fenómeno da emoção na sua relação com a anatomia e interroga-se sobre como o actor associa a analogia poética com o seu próprio corpo. Segue-se uma abordagem de carácter histórico associado aos Estudos do Corpo que se alarga para fisiologia, biomecânica, neurobiologia e memória (Patrícia Anthony) São a seguir colocadas duas questões: como se transforma a ciência em corpo? Como se celebra o corpo? (Maria-Josefina Fuentes) Finalmente é de novo mencionada a clareza da exposição e a boa definição do objecto de estudo. É questionado o espaço químico na sua relação com os espaço não-químico. (Rocio Perez)

Vem ainda a terreno a exemplificação do teatro-dança Kathakali (Kerala, Índia) como processo de contenção e autodomínio do actor-bailarino. Esta arte cénica parece-me ser um excelente exemplo para que sejamos capazes de responder de novo à questão colocada por Damásio sobre body loop e as-if body loop no treinamento do actor e no seu comportamento emotivo. Sem dúvida que o Kathakali é uma arte complexa e compósita, mas está há muito estudada e pode fornecer-nos boas pistas sobre este assunto.

 

Volto a deixar aqui a seguinte questão: Como se escuta um corpo interno?

E acrescento: Como se procura no corpo-arquivo aquilo que nos faz falta?

 

Algumas sugestões:

https://www.youtube.com/watch?v=_4WmgIyg6rY

 

https://www.youtube.com/watch?v=Rne2xXCzEmA&list=RDRne2xXCzEmA&start_radio=1&t=21

 

https://www.youtube.com/watch?v=nwiLwsgicno&list=RDRne2xXCzEmA&index=2

 

https://www.youtube.com/watch?v=9sRafoi7raE